Em junho de 1909, com a morte de Pena no exercício da presidência, coube a Nilo Peçanha concluir o mandato tampão e dar posse ao gaúcho Hermes da Fonseca, que era sobrinho de Deodoro e derrotara o soteropolitano Rui Barbosa. Na sequência, mediante um acordo costurado por paulistas e mineiros, assumiu o posto Venceslau Brás.
UM BATE-PAPO INFORMAL SOBRE INFORMÁTICA, POLÍTICA E OUTROS ASSUNTOS.
sexta-feira, 10 de julho de 2020
DA PRAGA DA CASERNA AO CAPITÃO CAVERNA — QUINTA PARTE
Em junho de 1909, com a morte de Pena no exercício da presidência, coube a Nilo Peçanha concluir o mandato tampão e dar posse ao gaúcho Hermes da Fonseca, que era sobrinho de Deodoro e derrotara o soteropolitano Rui Barbosa. Na sequência, mediante um acordo costurado por paulistas e mineiros, assumiu o posto Venceslau Brás.
sexta-feira, 20 de agosto de 2021
NUNCA ANTES NA HISTÓRIA DESTE PAÍS...
Na cerimônia de posse de certo governador de São Paulo (não
me lembro se Quércia ou Fleury), o fundador da construtora
Camargo Corrêa
foi saudado por um ex-governador: "Dr. Camargo, o senhor por aqui?"
Sebastião
Camargo respondeu: "Eu estou sempre por aqui, governador.
Vocês é que mudam".
Governo probo, nunca houve no Brasil. Se o nepotismo é uma
das muitas facetas da corrupção, então "essa senhora" desembarcou na Terra de Vera Cruz
com Cabral (falo do Pedro Álvares, não do ex-governador
do Rio). No epílogo da epístola em que deu conta do "descobrimento"
a D. Manuel, o escriba Pero Vaz de Caminha anotou:
“E desta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta terra vi. E se a um pouco me alonguei, Ela me perdoe. Porque o desejo que tinha de Vos tudo dizer, mo fez proceder assim pelo miúdo. E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro, o que Dela receberei em muita mercê.”
Observação: o escriba estava preocupado com sua filha única, Isabel de Caminha, cujo marido, um certo Jorge de Osório, preso por roubo, fora degredado para a ilha de São Tomé, na África.
Como reza a sabedoria popular, o que começa mal tende a ficar pior.
No início
do século XIX, a iminente invasão de Portugal pelas tropas napoleônicas forçou
a família real lusitana a vir de mala e cuia para o Rio de Janeiro. Com isso, o Brasil, que até 1815 foi mera colônia portuguesa, passou à condição de
Reino
Unido a Portugal e Algarves. E assim permaneceu até o célebre “Grito
da Independência” — o tal brado heroico retumbante ouvido pelas
margens plácidas do Ipiranga, que Osório Duque Estrada poetizou
na letra do Hino Nacional Brasileiro, o pintor Pedro
Américo imortalizou em seu tão célebre quanto fantasioso quadro, e os livros
didáticos transformaram numa obra
de ficção.
A Proclamação da República, também cantada em
verso e prosa com pompa e circunstância, foi o primeiro dos muitos golpes de
Estado que estavam por vir. Entre o apagar das luzes imperiais, em 1889, e
a posse de Prudente de Morais, em 1894, somente militares ocuparam o
assento mais cobiçado do palácio presidencial — daí esse período ser chamado de República
da Espada.
O Marechal Deodoro da Fonseca — a quem
coube desfechar o golpe de misericórdia no regime monárquico e entrar para a
história como o primeiro presidente do Brasil — governou interinamente por
cerca de dois anos. Promulgada a Constituição
de 1891 e realizada uma eleição indireta, o fardado derrotou o
candidato civil Prudente de Morais por 129 votos a 97. Mas sua gestão,
marcada pelo autoritarismo, foi encerrada prematuramente por
um levante da Marinha que ficou conhecido como Revolta da Armada.
Tão logo passou de vice a titular, o também marechal Floriano
Peixoto demitiu todos os governadores que apoiaram seu antecessor (e que
defendiam a realização de nova eleição, à luz do previsto no art.
42 da Carta Magna). Graças a sua postura ditatorial — que se tornaria
moda entre os mandatários tupiniquins — o "Marechal
de Ferro" teve de debelar sucessivas rebeliões — como a Revolução
Federalista e a Segunda
Revolta da Armada — para se manter no poder.
Observação: Em abril de 1892, diante de
protestos de opositores e divulgação de manifestos na capital federal, Peixoto
decretou estado de sítio, prendeu e desterrou desafetos para a Amazônia.
Quando Rui Barbosa ingressou com habeas corpus no Supremo
Tribunal Federal em favor dos detidos, Peixoto ameaçou os
magistrados: "Se os juízes concederem habeas corpus aos políticos, eu
não sei quem amanhã lhes dará o habeas corpus de que, por sua vez, necessitarão".
O Supremo negou o habeas corpus por dez votos a um.
Em novembro de 1894, muito a contragosto, o marechal passou
o bastão para o paulista Prudente de Morais —
que obteve 90% dos votos na primeira eleição direta da nossa história.
A exemplo do que faria
o General Figueiredo quase um século depois, Peixoto se
recusou a transmitir pessoalmente o cargo a seu sucessor.
Ao longo de 131 anos de história republicana (completados em
novembro do ano passado), 38 presidentes chegaram ao poder pela via do voto
popular, eleição indireta, linha sucessória ou golpe de Estado (como até o
passado é incerto neste país, esse número varia de 35 a 44). Destes, oito
foram de alguma forma apeados antes do fim do mandato. Dos cinco
eleitos pelo voto direto desde o fim da ditadura, Collor e Dilma foram
expulsos de campo antes do final do jogo.
O caçador de marajás de festim — que inaugurou a lista dos chefes do Executivo Federal depostos por crime de responsabilidade — colecionou 29 pedidos de impeachment, mas nunca foi chamado de genocida.
Itamar, FHC, Lula e Temer foram agraciados, respectivamente, com 4, 27, 37 e 33 pedidos de impeachment, mas concluíram seus mandatos sem jamais serem chamados de genocidas.
A
gerentona de araque, que foi expelida da Presidência porque
estava quebrando o país, foi alvo de 68 pedidos de
impeachment, mas ninguém jamais a acusou de genocídio.
Falando em genocídio, o relatório final da CPI
já está sendo escrito e deverá ser concluído no mês que vem. O texto-base já
possui mais de mil páginas — e pode crescer, a depender dos fatos e dados a
serem obtidos pela Comissão. O grosso do material está nos anexos, que
incluem documentos e os principais pontos de destaque dos depoimentos.
O relator deve sugerir a continuidade da investigação pelo Ministério
Público por meio de inquéritos específicos para cada assunto trazido em
destaque. Vários dos capítulos já elaborados dizem respeito ao chamado "gabinete
paralelo da saúde" e incluem a transcrição e links de vídeos,
áudios, declarações e documentos que, segundo Renan Calheiros, comprovam a atuação
do órgão extraoficial. Um dos tópicos do relatório trará a afirmação de que
quem se opôs ao gabinete paralelo — como Luiz Henrique
Mandetta e Nelson
Teich — acabou deixando o Ministério.
Já o general e ex-ministro Eduardo
Pazuello será apontado por não se opor à atuação de médicos do suposto
gabinete na elaboração de políticas públicas e por "colocar em prática"
as orientações extraoficiais. Segundo o senador Randolfe Rodrigues, o
documento deve imputar o estrelado crimes como "charlatanismo,
prevaricação, advocacia administrativa e por atuar contra a ordem sanitária".
Os parlamentares ainda discutem se incluem na lista corrupção passiva.
Haverá um destaque no relatório também com relação ao aplicativo "TrateCov", que, segundo Pazuello teria sofrido um ataque hacker — fato desmentido por uma auditoria técnica do TCU. Na redação, o aplicativo está sendo tratado como uma das políticas falhas do Ministério da Saúde que teriam utilizado a capital do Amazonas como "experimento" para as teorias do gabinete paralelo. Nesse contexto, a minuta de um decreto presidencial que pretendia alterar a bula da cloroquina sem o aval da Anvisa também deverá ser anexada ao texto. Todos esses fatos, envolvendo principalmente o general Pazuello, aparecerão como aspectos que prejudicaram o país na aquisição de vacinas contra a doença.
Com encerramento programado para setembro, a CPI
convive com um paradoxo. Tomada pelo relatório final, a investigação
parlamentar terá a aparência de uma iniciativa de sucesso. Considerando-se as
consequências a serem produzidas pelas conclusões do documento, resultará em
frustração. As pessoas que acompanharam os depoimentos pela televisão terão a
impressão de que desperdiçaram seu tempo quando as conclusões da Comissão
morrerem no arquivo de Augusto Aras — que, como Procurador-Geral da
República, é
responsável pela análise dos crimes comuns atribuídos a Bolsonaro — e
no gavetão
do deputado Arthur Lira — a quem, como presidente da Câmara, cabe
lidar com a acusação da prática
de crimes de responsabilidade, que, em tese, levariam ao impeachment.
Dois espetáculos não cabem ao mesmo tempo num só palco. Ou
numa única conjuntura política. Dividido entre um e outro, o público tende a se
dispersar. Antes do recesso parlamentar de julho, estava em cartaz a novela da CPI
do Genocídio. Ao farejar o cheiro de queimado, Bolsonaro aproveitou
o retiro dos senadores para intensificar as críticas
às urnas eletrônicas e os insultos
a ministros do STF, impondo a mudança do cartaz neste mês de agosto. Ao
voltar do recesso, o G7, como ficou conhecido o grupo majoritário que
controla os rumos da CPI, percebeu que a pior coisa do sucesso é ter que
continuar fazendo sucesso.
Às voltas com um déficit de atenção da plateia, os senadores
começaram a planejar o fechamento das cortinas. Enxugam a pauta de depoimentos.
Esperam encerrar as oitivas em três semanas. Para evitar marolas, cancelaram
a acareação que seria feita nesta semana entre o ministro Onyx Lorenzoni e o
deputado Luís Miranda e relutam em aprovar novas convocações. No
papel, a Comissão poderia funcionar até o início de novembro, mas tudo indica que o relatório final será entregue em meados de setembro.
Pretende-se indiciar Bolsonaro e outros investigados
por transformar em política pública o tratamento da Covid com remédios
ineficazes, apostar na imunização coletiva pelo contágio, negligenciar o
colapso hospitalar de Manaus, retardar a compra de vacinas da Pfizer e
do Butantan, firmar contrato irregular para a compra da vacina indiana Covaxin,
abrir as portas do Ministério da Saúde para picaretas que ofereciam vacinas
inexistentes (ou seja, a Comissão pretende acusá-lo de crimes
comuns e crimes de responsabilidade).
O presidente continua cagando
e andando para a CPI. Considera-se invulnerável. Para os crimes
comuns, conta com a blindagem do procurador-geral. Para os crimes de
responsabilidade, tem a proteção do deputado-réu que preside a Câmara e já
mandou para o gavetão 133
pedidos de impeachment. Mantida a blindagem, Bolsonaro poderá
repetir que não teve nada a ver com o caos sanitário.
Não há nada que a cúpula da CPI possa fazer para
dissolver a cumplicidade de Lira com Bolsonaro. Mas, com honrosas
exceções, é espantosa a inércia dos senadores em relação ao procurador-geral. A
recondução
de Aras ao cargo está pendente de votação no Senado. Em vez de
articular a reprovação do dito-cujo, parte
dos integrantes da Comissão se reuniram, na última terça-feira, com o
procurador que Bolsonaro escolheu para lavar a sua louça por mais dois anos.
Renan
Calheiros tornou-se a personificação do paradoxo vivido pela CPI.
Há dois anos, quando o Senado aprovou a nomeação de Aras para comandar a
PGR, o ora relator da Comissão não conseguiu conter o entusiasmo. Naquela época, o senador alagoano estava ao lado do primogênito do capitão,
outro entusiasta da escolha de Aras. Freguês de caderneta da Lava-Jato,
o Cangaceiro das Alagoas queria acertar as contas com a força-tarefa de
Curitiba; denunciado pelo MP-RJ por peculato e lavagem de dinheiro, Flávio "Rachadinha"
Bolsonaro estava à procura de blindagem.
A PGR — e, por extensão, o Ministério Público
Federal — vive um apagão mental. Já se sabia que Aras trata Bolsonaro
como um ser inviolável e imune (eufemismos para intocável e impune). Descobre-se
agora que, para livrar o presidente-suserano de incômodos judiciais, o procurador-vassalo
e sua equipe decidiram enquadrá-lo na categoria dos seres inimputáveis.
Bolsonaro obteve da PGR um salvo-conduto para
delinquir. Pode tudo, inclusive arrancar máscara da cara de criancinha. PT
e PSOL pediram no STF a abertura de inquéritos para apurar o
desrespeito a leis estaduais e federal em aglomerações promovidas pelo mandatário
durante passeios de moto com seus devotos no Rio de Janeiro e no Rio Grande do
Norte. A subprocuradora-geral Lindôra Araújo (braço direito de Aras), a quem coube formular a manifestação da PGR, sustentou que Bolsonaro
não infringiu medidas sanitárias nem colocou a vida de ninguém em risco.
Numa evidência de que a PGR opera em "modo Talibã", a subprocuradora aderiu ao negacionismo científico para dispensar Bolsonaro do mais comezinho cuidado sanitário. Anotou que, "em relação ao uso de máscara de proteção, inexistem trabalhos científicos com alto grau de confiabilidade em torno do nível de efetividade da medida de prevenção".
No Rio Grande do Norte, Bolsonaro
pediu a uma menina para retirar a máscara e arrancou
o apetrecho da face de um menino. Para Lindôra, o presidente não
teve a intenção de "constranger aquelas crianças". Segundo ela, "os
infantes também não demonstraram, com atitudes ou gestos, terem ficado
constrangidos, humilhados ou envergonhados na presença do presidente".
Na avaliação da doutora, o presidente apenas interagiu com as crianças "de
forma descontraída."
Como se sabe, Bolsonaro fez uma opção preferencial
por exercer o cargo de presidente à margem da lei. Transgride até leis que
sancionou. Como há males que vêm para pior, Aras e sua equipe promovem
uma junção da ilegalidade com a impunidade.
Em seus deslocamentos eleitorais, Bolsonaro promove
aglomerações proibidas por Estados e municípios. Ignora os poderes conferidos a
governadores e prefeitos pela Constituição e reafirmados pelo STF. Por
onde passa, discursa contra medidas sanitárias restritivas. Finge ignorar o
fato de que sancionou em fevereiro do ano passado a "lei
da pandemia", que prevê a adoção de providências excepcionais, como o isolamento e a quarentena. Em julho de 2020, Bolsonaro assinou a lei
14.019, que torna obrigatório o uso de máscaras de proteção individual
em espaços públicos e privados. Em suma: além de cagar e andar para sua própria
decisão, o capitão constrange o ministro Marcelo Queiroga com a cobrança
de estudos
para flexibilizar o uso da máscara. Agora, recebe salvo-conduto da
Procuradoria para descumprir até a lei que avalizou.
Nos passeios de moto, Bolsonaro não percorre apenas o
asfalto, mas o Código Penal, cujo artigo
268 estabelece pena de detenção de um mês a um ano para quem "infringir
determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de
doença contagiosa". No artigo
132, o
Nesse contexto, não parece razoável que um país inteiro tenha
que passar vergonha para que um procurador-geral e sua equipe ofereçam
blindagem a um presidente da República que se converteu num infrator serial.
Não resta aos relatores dos dois processos no STF — Rosa Weber e
Ricardo Lewandowski — senão ignorar a manifestação de Lindôra e
ordenar a abertura dos inquéritos.
Vivo, Darwin diria que a
atuação da PGR não é apenas uma prova de que o ser humano parou de
evoluir. Trata-se de uma evidência de que ele já faz o caminho de volta. No
momento, o melhor lugar para se proteger de Bolsonaro é uma caverna nas
montanhas do Afeganistão. Aliás, se o homem de Neandertal
desconfiasse que o resultado da evolução seria bolsonaros, talvez não
tivesse saído da caverna. Teria optado por uma versão pré-histórica do
isolamento social.
Com Josias de Souza
segunda-feira, 4 de janeiro de 2021
... SEMPRE TEM ESPAÇO PARA PIORAR!
A ideia de transformar o Brasil numa República já era manifesta em muitas revoltas. Os militares, vitoriosos da Guerra do Paraguai, aproximaram-se dos republicanos, a exemplo da Igreja Católica, depois que D. Pedro II anulou suas medidas contra a maçonaria, e os fazendeiros, descontentes com a abolição da escravatura, que os privou da mão de obra gratuita do negros.
O marechal Deodoro da Fonseca — idoso,
enfermo e monarquista — relutava em protagonizar a troca do regime demandada por lideranças civis e fardados liderados por Benjamin Constant,
mas a falsa notícia de que sua prisão havia sido decretada acabou por convencê-lo a insurgir-se contra o Império.
Substituída a monarquia constitucional parlamentarista pelo presidencialismo republicano, D. Pedro II e família foram exilados. Deodoro, que não só era amigo pessoal do Imperador, mas também lhe devia favores, ofereceu 5 mil contos de réis para ajudar na mudança. D. Pedro recusou, mas disse que levaria de bom grado um travesseiro com terra do Brasil (para repousar sua cabeça quando fosse sepultado).
Observação: A quem interessar possa, sugiro a leitura de A
História das Constituições Brasileiras, do historiador e professor Marco
Antonio Villa.
Deodoro comandou o Governo Republicano Provisório
(1889 a 1891) e foi escolhido
presidente pelo colégio eleitoral formado por senadores e deputados da
Assembleia Constituinte. Mas sua relação tensa com as oligarquias e os
muitos desafetos que colecionou durante a gestão renderam-lhe um vice da
oposição (o também marechal Floriano Peixoto).
Deodoro substituiu todos os governadores por políticos de sua confiança, mas nem assim conseguiu evitar que as bancadas estaduais do Congresso articulassem um projeto de lei que lhe reduziria os poderes. Em represália, dissolveu o Congresso e decretou estado de sítio. O vice-presidente recorreu ao comandante do Encouraçado Riachuelo, que ameaçou bombardear a capital federal se o presidente não capitulasse. Sua excelência não pensou duas vezes.
Com a renuncia de Deodoro (em 23 de novembro de 1891), Floriano Peixoto
assumiu a presidência e a exerceu até 15 de novembro de 1894, quando, meio que a contragosto, deu posse a Prudente de Moraes, que entrou
para a História como primeiro presidente civil e eleito pelo voto direto. Sua
gestão foi marcada turbulências
e dificuldades, mas isso é conversa para outra hora.
Esse breve relato resume o primeiro e o segundo dos muitos golpes de Estado ocorridos desde a proclamação da República. Oficialmente, Bolsonaro é o 38º presidente desta banânia, e, também oficialmente (segundo dados da plataforma de monitoramento do ministério da Saúde) o Brasil ultrapassou a marca de 190 mil mortes pela Covid. Mas um levantamento realizado pela organização Vital Strategies, formada por pesquisadores e especialistas independentes, dá conta de que esse número pode ser superior a 220 mil. Mas isso também é outra conversa.
Observação: De 1549 a 1763, a capital do Brasil
foi Salvador (BA). No Rio, o Palácio do Itamaraty sediou o
Executivo até 1897, quando Prudente de Moraes e seu staff passaram a
ocupar o Palácio do Catete. A ideia de transferir a capital para o
interior era antiga; em 1761, o Marques de Pombal fez essa sugestão, que
José Bonifácio ressuscitou em 1823, mas foi no final dos anos 1950, durante
o governo de Juscelino Kubitschek, que Brasília foi construída do
nada — e no meio do nada — para ser o novo DF, e o Palácio do
Planalto, inaugurado em 21 de abril de 1960 para ser a nova sede do
Executivo Federal. O que pouca gente sabe é que Curitiba foi capital federal por três dias,
de 24 e 27 de março de 1969.
Desde 1945, o Brasil teve nove presidentes eleitos de forma direta. Desses, apenas quatro completaram seus mandatos: Eurico Gaspar Dutra, vencedor daquela que é considerada a primeira eleição verdadeiramente democrática do Brasil, em 1945; Juscelino Kubitschek, eleito em 1955; Fernando Henrique Cardoso, vencedor do segundo pleito pós-ditadura militar, em 1994; e Lula, eleito em 2002 e reeleito em 2006. Integrante dos cinco restantes, Getúlio Vargas “foi suicidado” com um tiro no peito, digo, foi encontrado morto com um tiro no peito em 24 de agosto de 1954, após ter sido acusado de tramar um atentado contra o jornalista Carlos Lacerda e de 27 generais exigirem publicamente sua renúncia. O político gaúcho deixou uma "carta-testamento" que se notabilizou pelas palavras finais (“saio da vida para entrar na História”).
Em outubro de 1955, quando Juscelino Kubitschek se elegeu presidente, a ala conservadora e os militares, com o apoio de Café Filho — que passou de vice a titular com o “suicídio” de Vargas — e do presidente da Câmara, Carlos Luz — que assumiu interinamente a presidência da República quando do afastamento de Café — urdiram um golpe de Estado para impedir a posse de JK. Assim que subiu de posto, Luz substituiu o general Henrique Lott pelo também general Álvaro Fiúza de Castro no comando do Ministério da Guerra. Sentindo o cheiro do golpe, Lott depôs Luz (que ficou apenas 4 dias no cargo e foi impichado em 11 de novembro) e empossou Nereu Ramos, então presidente do Senado. Assim, pela primeira vez na história, o Brasil teve três presidentes numa única semana.
O resto fica para o próximo capítulo.
quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022
RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS! (PARTE X)
Em 2012, assistimos estarrecidos (mas esperançosos) à condenação da alta cúpula do Mensalão. Em 2016, livramo-nos de Dilma, que afundou o Brasil na maior recessão da história republicana do país — e está prestes a perder o primeiro lugar no ranking para Bolsonaro, mas isso é outra história.
Quanto ao poste de Lula, nenhuma surpresa: em fevereiro
de 1995, quando a paridade cambial entre o real e o dólar favorecia
sobremaneira a importação e revenda de badulaques, a calamidade em forma de
gente faliu duas lojinhas tipo R$ 1,99 que havia montado em Porto Alegre e
batizado com o sugestivo nome de “Pão & Circo” — que remete a uma
estratégia romana destinada a entreter a plebe ignara, insatisfeita com os
excessos do Império.
Comercializar quinquilharias baratas deveria ser algo
trivial para alguém que, 15 anos depois, se apresentaria aos eleitores como a
“gerentona” capaz de manter o Brasil no rumo do desenvolvimento. O problema,
para Dilma e seus três sócios, é que a futura presidente cuidou da contabilidade da empresa como lidaria mais adiante com as finanças do
País: em julho de 1996 seu comercio já não existia mais.
Para começar, a loja foi aberta sem que os donos soubessem
ao certo o que seria comercializado ali. Às favas o planejamento — primeiro
passo para criação de qualquer negócio que se pretenda lucrativo. A empresa foi
registrada para vender de tudo um pouco a preços módicos, entre bijuterias,
confecções, eletrônicos, tapeçaria, livros, bebidas, tabaco e até flores
naturais e artificiais. Mas Dilma acabou apostando no comércio
de brinquedos para crianças, em especial os “Cavaleiros do Zodíaco”.
Os artigos revendidos pela Pão & Circo eram importados de um bazar localizado no Panamá, para onde a grande economista e a sócia e ex-cunhada Sirlei Araújo viajavam regularmente para comprar os produtos. Apesar de a mercadoria custar barato, o negócio era impopular — como Dilma se tornaria mais adiante.
Ao abrir a vendinha, a mulher sapiens não levou em conta que “o
olho do dono engorda o porco”, e só aparecia por lá eventualmente, preferindo
dar ordens e terceirizar as tarefas do dia a dia — como fez ao delegar a
economia ao ministro Joaquim Levy e a política ao vice Michel
Temer — até este desistir da função dizendo-se boicotado pelo (então)
ministro-chefe da Casa Civil Aloizio Mercadante.
Na sociedade da Pão & Circo, o equivalente
a Mercadante era Carlos Araújo, ex-marido de Dilma,
que a aconselhava sobre como turbinar as vendas, mas era tão inepto quanto a
futura chefa da Casa Civil e presidenta do Conselho de Administração da
Petrobrás no governo de Lula demonstrou ser na negociata de
Pasadena. Mesmo assim, a empresária de festim teve uma carreira meteórica: sem
saber atirar, virou modelo de guerrilheira; sem ter sido vereadora, virou
secretária municipal; sem passar pela Assembleia Legislativa, virou
secretária de Estado; sem estagiar no Congresso, virou ministra; sem ter
inaugurado nada de relevante, virou estrela de palanque; sem jamais ter tido um
único voto na vida até 2010, virou presidente de país.
Observação: Até os pedalinhos do Sítio
Santa Bárbara, em Atibaia, sabiam desde sempre que Lula institucionalizou
a corrupção no Brasil. E quem não sabia ficou sabendo quando o procurador Deltan
Dallagnol apresentou à imprensa um PowerPoint tosco,
mas elucidativo, demonstrando que o picareta dos picaretas era o comandante
máximo da ORCRIM. Dilma foi o maior erro tático que o
petista cometeu em sua trajetória política. Dias atrás, ele próprio disse em
entrevista à CBN que não pretende incluir a nefelibata da mandioca em sua campanha à Presidência
nem em um eventual futuro governo. A obviedade chapada dos motivos dispensa maiores considerações.
Arrogante, pedante, intransigente e mouca à voz da razão, Dilma montou uma arapuca para si mesma, mas levou de embrulho tanto os inconsequentes que a reconduziram ao Planalto quanto a parcela pensante dos brasileiros. Num monumental estelionato eleitoral, sua alteza irreal preços administrados, aumentou gastos com programas eminentemente eleitoreiros e “pedalou” a mais não poder. Somado à irresponsabilidade fiscal, seu apetite eleitoral aumentou o inchaço da máquina pública e resultou na falência do Estado — para se ter uma ideia, enquanto a Casa Branca contava com 468 servidores, o Palácio do Planalto contabilizava 4.487 funcionários.
Em setembro de 2015, nove meses depois do início da segunda (e ainda mais funesta) gestão da estocadora de vento, o Orçamento já acumulava um rombo de R$ 30 bilhões — algo nunca visto até então. Era o começo do fim: a despeito de as pedaladas fiscais terem sido o “motivo oficial” da deposição, a petista foi expelida do cargo pelo conjunto de sua obra e por sua absoluta falta de traquejo no trato com o Parlamento.
Num primeiro momento, a troca de comando foi como uma lufada de ar fresco numa catacumba. O novo presidente sabia até falar! Considerando que passáramos 13 anos ouvindo os garranchos verbais de um semianalfabeto e as frases desconexas de uma destrambelhada que não era capaz de juntar sujeito e predicado numa frase que fizesse sentido, ter um mandatário que usava até mesóclises era um refrigério.
Embora fosse impossível consertar o país da noite para o dia, Temer conseguiu debelar a inflação (que rodava pelos 10% quando ele assumiu), reduzir de maneira “responsável” a Selic e aprovar a PEC do Teto dos Gastos e a Reforma Trabalhista. Mas seu ministério de notáveis revelou-se uma notável agremiação de corruptos — que foram caindo à razão de um por mês.
O primeiro a cair foi Romero Jucá, o “Caju”, que deixou o Ministério do Planejamento uma semana após a nomeação — só que continuou no governo, ocupando uma secretaria criada especialmente para preservar seu direito ao foro privilegiado. Na sequência, demitiram-se ou foram demitidos Fabiano Silveira, Henrique Eduardo Alves, Geddel Vieira Lima e mais meia dúzia de ministros e/ou assessores de primeiro escalão. Temer moveu mundos e fundo$ para preservar Eliseu Padilha, o “Primo”, e Wellington Moreira Franco, o “Angorá”, que o ajudavam a comandar “a quadrilha mais perigosa do Brasil”, como disse Joesley em entrevista à revista Época.
Livramo-nos de Dilma, mas herdamos Michel
Temer, que jamais conquistou a simpatia dos brasileiros. E nem poderia,
tendo sido vice de quem foi e presidido o PMDB por 15 anos. Após
o julgamento do impeachment, a imprensa publicou vários artigos acusando o
procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava-Jato em
Curitiba, de defender um “direito autoritário, próprio das tiranias” e a
“relativização do direito de defesa”. Curiosamente, esses mesmos
veículos de comunicação não manifestaram a mesma preocupação quando a petista era
presidente. Coisas do Brasil.
Em fevereiro de 2017 o partido de Temer indicou Edison Lobão para presidir a CCJ do Senado, numa evidente estratégia de frear os avanços da operação anticorrupção. Lobão era defensor ferrenho da anistia ao caixa 2 e crítico figadal das delações premidas (uma das principais ferramentas da força-tarefa), e dizia que acordos de colaboração haviam virado “um inquérito universal” e poderiam levar o Brasil à “tirania”. Para surpresa de ninguém, partidos investigados se empenharam em bloquear um eventual terceiro mandato de Janot e a possível escolha de alguém próximo a ele para chefiar a PGR.
Mesmo com a podridão aflorando no seu entorno, o presidente seguia adiante, levando a Nau dos Insensatos pelas águas revoltas da crise como um timoneiro experimentado. Sob seu comando, dizia, o Brasil chegaria são e salvo às próximas eleições e seria entregue fortalecido ao próximo dirigente.
A coisa até funcionou durante algum tempo, a despeito da pecha da ilegitimidade — uma falácia petista, pois quem votou em Dilma votou na chapa; como vice da anta, Temer não só era seu substituto eventual como encabeçava a linha sucessória presidencial. O que ele fez para ser promovido a titular e o fato de seu governo ter degringolado já é outra conversa.
Mas o nosferatu que jurou que não interferiria na Lava-Jato, que afastaria quem fosse denunciado e exoneraria quem se tornasse réu deu um salvo-conduto aos assessores citados nas delações, pois precisava deles para blindar o governo. Só que faltou combinar com os russos, ou melhor, com Joesley Batista: Em maio de 2017, Temer foi abatido em seu voo de galinha pela delação premiada do moedor de carne bilionário e de outros seis altos executivos da JBF/J&F.
Nossa história recomenda darmos mais atenção à figura do vice-presidente. Em 15 de novembro de 1889, um golpe militar capitaneado pelo marechal Deodoro da Fonseca apeou D. Pedro II do trono e substituiu a monarquia constitucionalista pela república presidencialista. Deodoro presidiu o país até 1891, quando então "foi convidado a renunciar" e substituído pelo vice — o também marechal Floriano Peixoto —, que concluiu o mandato-tampão e foi sucedido por Prudente de Moraes, que entrou para a história não só como o primeiro civil a presidir o país, mas também como o primeiro presidente eleito pelo voto direto.
Seria pedir demais aos eleitores brasileiros — que raramente
se lembram em que votaram para deputado — analisarem cuidadosamente a
composição das chapas que disputam a Presidência, mas o fato é que nove vices
terminaram os mandatos de seus titulares: Floriano Peixoto, Nilo
Peçanha, Delfim Moreira, Café Filho, João Goulart, José
Sarney, Itamar Franco e Michel Temer.
Claro que, não fossem os vices, outros sucessores e outras
formas de sucessão haveria, mas seria oportuno questionar a real necessidade da
figura do vice nos tempos atuais. Para o reserva é ótimo: a vice-presidência
rende palácio à beira do lago, diversas mordomias e, em caso de infortúnio do
titular, até a Presidência. Para o país, no entanto, essa peça serve apenas
para decoração, quando não para conspirar contra o titular, como fez Michel
Temer.
Filho imigrantes libaneses, Michel Miguel Elias Temer
Lulia nasceu em Tietê (SP), graduou-se em Direito pela USP,
atuou como advogado trabalhista e lecionou na PUC-SP e
na Faculdade de Direito de Itu antes de ingressar na vida
pública como oficial de gabinete de Ataliba
Nogueira, então secretário de Educação do governo de São Paulo. Em 1981,
filiou-se ao PMDB (hoje MDB); em 1983, foi nomeado
procurador-geral do Estado de São Paulo pelo então governador Franco
Montoro; no ano seguinte, assumiu a Secretaria de Segurança Pública de
São Paulo; dois anos depois, disputou uma vaga na Câmara Federal, conseguiu uma
suplência e assumiu a cadeira do deputado licenciado Tidei de Lima,
tornando-se constituinte.
Ao longo de seis mandatos, Temer presidiu a Câmara em 1997, 1999 e 2009 e o PMDB de 2001 até o final de 2010, quando se licenciou do cargo para assumir a vice-presidência da República. Em maio de 2016, quando Dilma foi afastada, passou de “vice decorativo” a presidente interino e acabou efetivado no cargo em agosto, depois que a titular foi devida e definitivamente defenestrada.
Continua...
quarta-feira, 12 de agosto de 2020
DA PRAGA DA CASERNA AO CAPITÃO CAVERNA — DÉCIMA PARTE
Se as margens do córrego do Ipiranga serviram de pano de fundo para o "heróico brado", isso deveu-se a mero acaso: passava por lá a comitiva quando D. Pedro, acometido de poderosa caganeira, apeou e saiu em busca de uma moita que lhe permitisse esvaziar os intestinos com alguma privacidade. Foi então que se juntou ao grupo um mensageiro vindo de São Paulo, com três missivas endereçadas a sua alteza.
A primeira epístola, assinada por D. João VI, ordenava ao nobre rebento que regressasse imediatamente a Portugal e se submetesse ao Rei e às Cortes. A segunda, de José Bonifácio, aconselhava-o a romper com Portugal. A terceira, da Imperatriz Leopoldina, dileta esposa do príncipe-regente (noves fora Domitila de Castro Canto e Mello, mais conhecida como Marquesa de Santos), transmitia ao marido o seguinte recado: “O pomo está maduro; colhe-o já, antes que apodreça”.
Impelido pelas circunstâncias, o príncipe, que já estava mesmo fazendo merda, aproveitou o ensejo para romper os laços de união política com Portugal e declarar a independência do Brasil.
Dali a 67 anos, a não menos romanceada “Proclamação da República” — sobre a qual o livros de história se referem como um ato patriótico protagonizado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, que estava longe de ser um republicano convicto — foi, isso sim, um golpe de Estado que expeliu do trono o imperador D. Pedro II em prol da “unidade militar”.
Deodoro tornou-se o primeiro presidente do Brasil — cargo que exerceu interinamente até ser efetivado por uma eleição indireta (como se vê, começamos bem), e do qual foi deposto, 9 meses depois, por iniciativa de seu vice, o também marechal Floriano Peixoto, que ficaria conhecido como "Marechal de Ferro".
A despeito de a Constituição de 1891 determinar a convocação de novas eleições no caso de vacância na Presidência, Floriano decidiu completar o quadriênio para o qual seu predecessor havia sido “eleito”. E começou sua gestão demitindo todos todos os governadores que apoiavam Deodoro. Houve reação, naturalmente, sobretudo no sul do país, onde uma grave crise política se instalou, em razão da disputa pelo poder. Ainda assim, o Marechal de Ferro conseguiu se manter no poder até 1894, quando passou o bastão ao republicano Prudente de Morais, que entrou para a história como o primeiro presidente civil — e eleito pelo voto direto — do novo regime.
Continua no próximo capítulo.
segunda-feira, 27 de julho de 2020
UM PODER QUE SE SERVE EM VEZ DE SERVIR É UM PODER QUE NÃO SERVE — PARTE 3
Jair Bolsonaro — tido como “mito” por seus apoiadores de raiz e autodeclarado “Messias que não faz milagre” — ocupa o 38º lugar na lista dos presidentes que governaram o Brasil desde o golpe militar de 1889, que pôs fim à monarquia e guindou a presidente de turno o Marechal Deodoro da Fonseca, a quem os livros de História se referem como “proclamador” da República, mas que na verdade foi o protagonista do primeiro golpe desta República. E além de entrar para a História como o primeiro presidente da (hoje chamada) “República Velha”, o indômito marechal foi o primeiro chefe do Executivo Federal Tupiniquim a renunciar ao cargo: sob ameaça de iminente deposição pelos Republicanos — representados pelo igualmente marechal Floriano Peixoto — Deodoro pediu o boné em 23 de novembro de 1891. Floriano, que era o vice de plantão, assumiu a presidência, e assim, de golpe em golpe e eleição em eleição, noves fora os governos de exceção, chegamos até aqui. Para onde vamos é outra história, mesmo porque no Brasil até o passado é incerto.
Observação: Para acessar a galeria de fotos do ocupantes dos Palácios do Itamaraty, Catete e Planalto nos últimos 130 anos, clique aqui; caso queira ler as postagens em que esmiúço cada gestão desde o desditoso governo de Jânio Quadros — iniciado em janeiro de 1961 e encerrado menos de 7 sete meses depois, em 25 de outubro, com a renúncia do presidente, que foi o estopim do golpe de ’64 —, os primeiros capítulos foram publicados nos dias 15, 16, 17 e 24 de abril e 3 e 7 de maio, e os finais devem ir ao ar na semana que vem ou na próxima.
Voltando ao tempo presente, o presidente da Câmara Federal, deputado Rodrigo Maia — a quem o departamento de propinas da Odebrecht se referia como Botafogo —, abuzanfou-se sobre a pilha de trinta e tantos pedidos de impeachment protocolados até agora contra o atual mandatário.
De acordo com a Constituição de 1988, qualquer cidadão pode pedir o impeachment do Presidente, cabendo ao presidente da Câmara decidir se o pedido preenche os requisitos formais de admissibilidade e, caso afirmativo, fazer a leitura em plenário e encaminhar a denúncia a uma comissão criada especialmente para analisá-la. Se a denúncia for acolhida, o presidente acusado terá até dez sessões da Câmara para se manifestar, após o que a comissão especial terá até cinco sessões para dar seu parecer, que também deverá ser lido na íntegra no plenário da Casa.
Quarenta e oito horas contadas a partir da apresentação do parecer da comissão especial, o documento deverá ser incluído na “ordem do dia” da Câmara e votado em plenário. Se obtiver maioria qualificada de 2/3 — ou seja, se pelo menos 342 dos 513 deputados considerarem o acusado culpado —, a denúncia será encaminhada ao Senado (do contrário ela é arquivada e o assunto morre aí).
Instaurado o processo de impeachment no Senado, o chefe do Executivo é afastado e substituído pelo vice, devendo, inclusive, desocupar as residências oficiais em Brasília. Caso o julgamento não ocorra em até 180 dias, o acusado reassume a presidência e permanece no cargo até o processo terminar sua tramitação.
Reza o artigo 52 da Constituição, em seu parágrafo único: (...) Funcionará como Presidente (do processo de impeachment) o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.”
Se for considerado culpado, o presidente é deposto em definitivo e inabilitado para o exercício de cargos públicos por oito anos. Caso o julgamento tenha ocorrido dentro do prazo de 180 dias, o vice é efetivado e conclui o mandato-tampão; caso o prazo tenha sido excedido, o vice reassume, é efetivado e governa até o final do mandato.
Observação: Na hipótese de morte, renúncia, cassação etc. do vice, a Constituição prevê a convocação de nova eleições, que serão diretas se faltarem mais de 2 anos para o final do mandato. Caso contrário, caberá ao Congresso Nacional escolher o novo presidente.
Da leitura do artigo 52 da CF infere-se que “com” exerce a função de conjunção subordinativa aditiva, relacionando o que vem depois dela (inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública) ao que vem antes (perda do cargo). Basta esta singela análise gramatical para concluir que a deposição de Dilma sem a suspensão dos direitos políticos ofendeu a Constituição, e que, ao permitir que isso ocorresse, o então presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, cometeu crime de prevaricação (volto a esse assunto mais adiante).
Explicando melhor: o termo “quórum” remete ao número mínimo de pessoas presentes para a realização do processo de votação de alguma medida administrativa ou legislativa. Por “maioria absoluta” entende-se o primeiro número inteiro superior à metade — sendo inadequado, portanto falar em “metade mais um”; tomando como exemplo o Senado, que é composto por 81 parlamentares, a metade é 40,5 e a maioria absoluta, 41 (e não 41,5).
Para aprovação de lei complementar é exigido o voto da maioria absoluta dos membros do legislativo em ambas as Casas. A rejeição de veto presidencial também depende do voto da maioria absoluta dos deputados e senadores, em sessão conjunta. Já a maioria simples leva em consideração o número de presentes participantes na votação, ou seja, compreende mais da metade dos votantes ou o maior resultado da votação, no caso de haver dispersão de votos. O quórum de maioria simples é exigido para a aprovação de projetos de Lei Ordinária, de Resolução, de Decreto Legislativo e de Medida Provisória.
Observação: Ressalte-se que Medidas Provisórias também podem ser aprovadas por votação simbólica, que é quando não há o registro individual de votos. Nesse caso, é pedido aos parlamentares que permaneçam como estão se forem favoráveis à matéria, cabendo apenas aos contrários se manifestarem.
Já a maioria qualificada é aquela que exige número superior à maioria absoluta — geralmente dois terços ou três quintos. Para a aprovação de Propostas de Emenda Constitucional (PEC), o artigo 60, § 2 º da Constituição Federal diz que (a proposta) "será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros". Já o artigo 86 prevê da Carta estabelece que a acusação contra o presidente da República por crime de responsabilidade será admitida por dois terços da Câmara dos Deputados (conforme vimos em detalhes parágrafos atrás).
Por fim, é importante frisar que tanto a maioria absoluta e quanto a maioria qualificada levam em consideração o número total de membros que legalmente integram o órgão, ao passo que a maioria simples toma por base apenas os presentes à votação.
segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022
RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS! (PARTE VII)
O ex-ministro Sepúlveda Pertence definiu o STF como um arquipélago de 11 ilhas incomunicáveis, mas talvez fosse melhor dizer um conjunto de onze estados soberanos, onde cada qual declara guerra contra nações inimigas, negocia alianças diplomáticas e estabelece uma política interna própria, sem mencionar que cada ministro parece ter “uma Constituição para chamar de sua”.
Num colegiado, sempre houve e haverá maiorias vencedoras e minorias vencidas. O problema é o colegiado funcionar na base da “lei de murici” — ou do “defenda os seus que eu defendo os meus”.
Felipe Recondo, autor de Tanques e Togas e Os Onze, diz que o Supremo precisa de uma espécie de Paz de Vestfália. Mas seria igualmente necessário repensar a forma como seus membros são escolhidos.
Para ter os ombros recobertos pela suprema toga, segundo o artigo 101 da Constituição, o indicado pelo Presidente precisa ter entre 35 e 65 anos de idade, notável saber jurídico, reputação ilibada e a indicação aprovada pela CCJ do Senado e chancelada pelo plenário da Casa. Portanto, não é preciso ser juiz de direito, advogado inscrito na OAB ou mesmo bacharel em Ciências Jurídicas.
Para cair nas graças do mandatário de turno é preciso tomar muita tubaína com ele (caso de Nunes Marques) ou ser terrivelmente evangélico (caso de André Mendonça). Infelizmente para Augusto Aras, ser terrivelmente puxa-saco não basta.
Quanto à aprovação pelo Senado, nada que o périplo do “beija-mão” não resolva. A sabatina é um jogo de comadres — em 132 anos de república, as poucas rejeições ocorreram em 1894, no governo do marechal Floriano Peixoto, sendo o caso de Cândido Barata Ribeiro o mais emblemático (Floriano indicou outros onze nomes para o STF e o Senado rejeitou quatro).
Atualmente, Gilmar Mendes é o único ministro que
não foi indicado por Lula ou por Dilma (noves fora os
apadrinhados de Bolsonaro). Juntamente com a abjeta PEC
da Reeleição, o semideus togado encarna a verdadeira herança maldita
deixada pelo governo de Fernando Henrique.
Defensor incondicional da Lava-Jato e
inimigo figadal dos criminosos de colarinho branco quando os investigados
eram Lula e os petralhas, Gilmar — a quem
Augusto Nunes apelidou de Maritaca
de Diamantino — passou a articular
o sepultamento da prisão em segunda instância (que
ele próprio defendia com unhas e dentes) e a conceder habeas
corpus a quem fosse preso preventivamente pela força-tarefa de
Curitiba. Aliás, foi ele quem botou água no chope de Lula
quando Dilma nomeou
o petralha ministro-chefe da Casa Civil (com o nítido propósito de lhe
restituir o foro privilegiado).
Em 2016, ao fundamentar seu voto (sobre a prisão em segunda instância), Gilmar anotou: Não se conhece no mundo civilizado um país que exija o trânsito em julgado; em princípio, pode-se executar a prisão com a decisão em segundo grau [...] uma coisa é ter alguém como investigado, outra coisa é ter alguém como denunciado, com denúncia recebida, e outra, ainda, é ter alguém com condenação...”. Em 2017, porém, passou a começou a admitir publicamente que poderia mudar de posição se houvesse um novo julgamento.
Mendes mandou soltar — não uma, mas três vezes! — o chefe da máfia dos ônibus no Rio Jacó Barata Filho. Apesar de os procuradores da Lava-Jato pedirem seu impeachment, o supremo laxante não se deu por impedido de julgar o caso: “O fato de ser padrinho de casamento da filha do acusado, disse ele, “não se enquadra nas regras legais que determinam o afastamento de um magistrado para julgar uma causa em função de relação íntima com uma das partes”.
Em 2019, quando a prisão em segunda instância voltou à suprema pauta, Mendes votou contra, juntamente com Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello, Marco Aurélio e o então presidente da corte, Dias Toffoli — que, como Gilmar, era favorável ao cumprimento antecipado da pena.
No Brasil, criminosos que têm cacife para bancar os honorários astronômicos cobrados por causídicos estrelados (caso dos políticos
corruptos, que pagam os chicaneiros com dinheiro desviado do Erário) têm acesso
a um
formidável cardápio de recursos nas 4 instâncias do
Judiciário, e assim conseguem empurrar seus processos com a barriga até que a
prescrição (ou sua morte, o que ocorrer primeiro) impeça a punição.
Observação: A defesa de Luiz Estevão ingressou
com 120 recursos até o salafrário ser encarcerado, e Paulo
Maluf só foi recolhido
à Papuda depois que seu processo tramitou por quase duas
décadas — mas bastaram alguns meses para o turco lalau ser posto em prisão
domiciliar por uma decisão tomada de ofício por Dias
Toffoli.
A pergunta que se coloca é: quantas vezes o sujeito precisa ser condenado para começar a pagar sua dívida com a sociedade? Duas vezes, como acontece na maioria de países livres, civilizados e bem-sucedidos, são mais que suficientes; se houver um erro na condenação em primeira instância, o juízo colegiado poderá repará-lo; se não o fizer, é porque não houve erro, e ponto final. Obviamente, isso não significa que os réus sejam impedidos de apelar aos tribunais superiores, mas apenas que não recorram em liberdade, sob pena de vir a ser presos no dia de São Nunca.
Defender o princípio constitucional da presunção da inocência sem compactuar com a impunidade exige uma dose cavalar de hermenêutica (interpretação que os juristas fazem da lei para além de sua letra fria). Vale destacar que: 1) A presunção de inocência exaure-se após a confirmação da sentença penal pelo tribunal de segundo grau; 2) Os recursos cabíveis da decisão de segundo grau, ao STJ ou STF, não se prestam a discutir fatos e provas, mas apenas matéria de direito.
Não faltam argumentos abalizados contra e a favor da prisão em segunda
instância, mas é preciso levar em conta o “standard de prova” — regra de
decisão que indica o nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta
possa considerar-se provada (para informações mais detalhadas, clique aqui).
O standard é preenchido quando o grau de confirmação alcança o padrão exigido entre os quatro níveis possíveis: 1) prova clara e convincente; 2) prova mais provável que sua negação; 3) preponderância da prova; 4) prova além da dúvida razoável — sendo este último o mais exigente e, portanto, utilizado na sentença penal.
Uma vez que a exigência probatória é menor para receber uma acusação ou decretar uma medida cautelar do que para proferir uma sentença condenatória, é perfeitamente sustentável um rebaixamento do standard probatório conforme a fase procedimental. É por isso que o CPP fala em indícios razoáveis, indícios suficientes etc. para decisões interlocutórias com menor exigência probatória.
A “prisão em quarta instância” é uma jabuticaba brasileira que destoa completamente da prática de vários países desenvolvidos, onde criminosos saem algemados do tribunal onde são condenados em primeira instância, e nem por isso se considera que haja qualquer violação do direito de defesa ou do devido processo legal. Aqui, como dizia Maquiavel, "aos amigos, os favores; aos inimigos, todo o rigor da lei".
A análise da culpabilidade do réu termina na segunda instância — os tribunais superiores verificam apenas questões processuais, tanto que eles não podem inocentar ninguém; cabe-lhes, no máximo, determinar o reinício do processo quando e se encontram alguma irregularidade.
Como bem disse o desembargador Abel Gomes, ao fundamentar seu voto pela rejeição do habeas corpus de Michel Temer, "se tem rabo de jacaré, couro de jacaré e boca de jacaré, então não pode ser um coelho branco".
Meliantes que conseguem dominar o labirinto de ações e recursos adiam ao máximo o trânsito em julgado de suas sentenças. Sabedora de que o dia em que terá de ir para a cadeia está distante ou jamais virá, essa caterva se sente estimulada a seguir delinquindo em vez de cooperar com as autoridades. A leniência com o crime destrói o tecido social de um país, e constitui uma mazela que merece tanta atenção quanto problemas socioeconômicos, como o desemprego.
Continua...
sábado, 9 de março de 2024
NÃO HÁ NADA COMO O TEMPO PARA PASSAR E O VENTO... CONTINUAÇÃO
O Senado deve votar em breve o fim da recondução ao cargo de presidente, governador e prefeito, o aumento dos mandatos de quatro para cinco anos e a unificação de eleições municipais e gerais. Apôs expor as alternativas a Rodrigo Pacheco e líderes partidários, o relator Marcelo Castro, virtual coveiro da reeleição, exaltou o óbvio: "Não está funcionando."
Outra mudança que se impõe tem a ver com o STF, mais exatamente como a forma como são indicados os substitutos dos ministros que trocam a suprema toga pelo supremo pijama — ou pelo pijama de madeira, como aconteceu com Menezes Direito em 2009 e Teori Zavascki em 2016 —, lembrando que a aposentadoria é compulsória quando o togado completa 75 anos, mas nada impede suas excelências de antecipá-la, como fez Joaquim Barbosa em 2012, aos 59 anos.
De acordo com o artigo art. 104 da CF, os candidatos devem ser brasileiros natos, ter entre 35 e 65 anos e gozar de reputação ilibada e notável saber jurídico. Não é preciso ser juiz de carreira, advogado ou mesmo bacharel em Direito. Na prática, basta cair nas boas graças do PR de turno (que é o responsável pela indicação), de pelo menos 14 dos 28 integrantes da CCJ do Senado e 41 dos 81 senadores na sessão plenária.
A posse acontece numa cerimônia realizada no próprio STF, quando então o novo minitro veste a toga e se acomoda na poltrona de onde passará a julgar e condenar os pobres, absolver os ricos, soltar traficantes e chefes de organizações criminosas e amoldar a Constituição para favorecer políticos corruptos e outros criminosos de estimação.
Continua...