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sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

FELIZ ANO NOVO. DE NOVO.


Em 2014, a reeleição da cria e pupila do criminoso de Garanhuns jogou o Brasil na pior recessão de sua história. Dentre outras desgraças, o fechamento de postos de trabalho empurrou milhões de brasileiros para o subsolo da linha de pobreza, os índices de mortalidade infantil dispararam e o Brasil se tornou um dos países mais perigosos do planeta.

Em 2015, tínhamos uma presidanta encurralada, sem autoridade, nexo ou respeito; um presidente da Câmara descrito como “homem de poderes sobrenaturais” e um ex-presidente da República picareta, sempre prestes a “virar o jogo” mediante conchavos milagrosos — que meses depois tentaria nomear a si próprio ministro da Casa Civil e, a partir daí, resolver a situação toda em seu próprio benefício. Tínhamos, ainda, um cangaceiro presidindo o Senado e atuando como marechal de campo na guerra para manter no comando a farsante que se autodeclarava “presidanta honesta, competenta e eleita democraticamente “.

Em dois mil e dezechega — como dizíamos no final daquele ano aziago — a anta incompetenta foi expelida (pelo conjunto de sua imprestável obra e falta de traquejo político para se relacionar com o Congresso; oficialmente, o motivo do impeachment foram as  pedaladas fiscais e maracutaias da ordem de R$ de 60 bilhões). Foi também em 2016 que o molusco abjeto se tornou réu pela primeira vez e o vice-presidente decorativo, visto como a ponte que poderia conduzir o país à salvação, foi promovido a titular. E assim a economia deu sinais de recuperação, a inflação e a taxa básica de juros começaram a recuar, os índices de desemprego pararam de crescer e reformas importantes para o país começaram a avançar.

Nem bem o calendário virou para 2017 — ano em que depositávamos esperanças de melhoras mais consistentes —, eclodiram rebeliões nos presídios e uma greve absurda da PM, que causou a morte de centenas de inocentesVale lembrar que até então ninguém imaginava que dali a três anos morreriam centenas de pessoas todos os dias, no Brasil, e que nosso arremedo de presidente daria de ombros, riria e diria: “E daí?”.

Ainda em janeiro de 2017 um trágico acidente aéreo vitimou o ministro Teori Zavascki e deixou o STF sem relator dos processos da Lava-Jato, às vésperas da homologação da Delação do Fim do Mundo. Ainda assim, a despeito do "fogo amigo", houve avanços na luta contra a corrupção. 

Foram em cana desqualificados como Rodrigo Rocha Loures — o “homem da mala”, ex-assessor e pessoa da mais estreita confiança do presidente Temer —, Geddel Vieira Lima o homem dos R$51 milhões e também amigão do peito do mandatário de turno —, os ex-governadores Sérgio Cabral e Anthony Garotinho, quase todos os membros do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro e do alto escalão da Alerj (a começar pelo presidente da Casa). Em abril, depois de ter a condenação ratificada pelo TRF-4 no processo sobre o folclórico tríplex no Guarujá, o picareta dos picaretas finalmente foi preso.

Em meados de maio, Lauro Jardim trouxe a lume uma conversa de alcova nada republicana entre Temer e o moedor de carne bilionário dono da JBS. O vampiro do Jaburu fechou-se em copas e cogitou de renunciar, mas foi demovido pelos puxa-sacos de plantão — com destaque para o aparvalhado Carlos Marun, que performou uma dancinha patética quando as marafonas do Congresso livraram o rabo sujo do Diphylla Ecaudata.

Temer ensaiou durante horas o papel de vestal ofendida, mas só se sentiu preparado para encená-lo na tarde do dia seguinte. Do Palácio do Planalto para o mundo e em rede nacional, dedicou-se sua insolência à inglória tarefa de explicar o inexplicável, e terminou o solilóquio lamentando que "fantasma da crise política" voltara a rondar o Planalto.

Não renunciarei. Repito: Não renunciarei. Sei o que fiz e sei da correção dos meus atos. Exijo investigação plena e muito rápida para os esclarecimentos ao povo brasileiro. Meu único compromisso é com o Brasil, e só este compromisso me guiará”, esbravejou o vampiro, com uma cara de pau de deixar Lula roxo de inveja. A certa altura chegou a dizer que a investigação no STF seria "o território onde aflorariam as provas de sua inocência". Mas o que a partir daí, na verdade, foi empenhar sua alma imortal para impedir que a Câmara autorizasse o STF a processá-lo.

Durante algum tempo dizia-se o tempo todo que o governo estava “com os dias contados”. Mas Temer, tal qual os cagalhões que flutuam no rios Pinheiros e no Tietê (verdadeiros esgotos a céu aberto que cortam São Paulo), não afundou nem com reza brava. 

Como na fábula do Menino e Lobo, a conversa de que “a qualquer momento...” acabou enchendo o saco, até porque o povo tem mais o que fazer para pôr comida na mesa — e sustentar a caterva de corruptos fantasiada de agentes públicos.

Ainda assim, aos trancos e barrancos o pato manco chegou melancolicamente ao final de seu funesto mandato e, em 1ª de janeiro de 2018, passou a faixa para sabe-se lá se uma versão revista e atualizada da Caixa de Pandora ou uma combinação dos quatro Cavaleiros do Apocalipse (Peste, Guerra, Fome e Morte), mas que se encalacrou no Palácio do Planalto e lá permanece até hoje, graças à inação, a pusilanimidade e o desinteresse dos Poderes Legislativo e Judiciário.

O ano seguinte teve “seus momentos” — que se podem conferir através do campo “arquivos do Blog” para revistar as postagens publicadas ao longo de 2018. Mas vale relembrar que foi no finalzinho de mais esse ano aziago que o ministro Marco Aurélio, cansado de esperar pela rediscussão da prisão após condenação em segunda instância, concedeu uma liminar que por pouco não resultou na soltura de quase 170 mil condenados que aguardavam presos o julgamento de seus recursos — entre eles o criminoso Lula.

Observação: No recesso de meio de ano um plantonista delirante do TRF-4, membro praticante da ospália petista, determinou a soltura do demiurgo de Garanhuns. A decisão desse desembargador (que deixou claro não ter juízo sequer para arbitrar pelada de várzea) gerou uma queda-de-braço que só terminou depois que o presidente do Tribunal, Carlos Eduardo Thompson Flores, restabeleceu a ordem no galinheiro.

Em outubro, para impedir o retorno do criminoso Lula e seus asseclas ao Palácio do Planalto, formos obrigados a apoiar um dublê de mau militar e parlamentar medíocre (como não havia alternativa, não há que falar em arrependimento) que sabíamos não ser grande coisa, mas jamais imaginamos que tê-lo como mandatário seria como enfrentar, a um só tempo e de uma só vez, as Sete Pragas do Egito.

O fim de 2018 trouxe um 2019 que começou com a posse do capitão-desgraça, os desmandos inadmissíveis (mas admitidos) de sua prole, a influência maléfica do guru de merda Olavo de Carvalho no governo, as intrigas do pitbull do papai (que levaram à demissão de Bebianno e dos generais Santos Cruz e Rego Barros), os rolos cada vez mais enrolados de Queiroz e Flávio “Rachadinha”, a fieira de promessas de campanha metidas em local incerto e não sabido (mas onde certamente o sol não bate), a quase derrubada do governo (ainda no primeiro semestre), a sucessão de crises que o capitão sem luz criava diuturnamente para desviar a atenção do cheiro de podre de seu governo impoluto, ilibado e incorruptível... Enfim, sugiro, mais uma vez, recorrer aos arquivos do Blog para repassar as postagens, pois tudo que houve de importante ao longo do 2019 foi discutido ou, no mínimo, mencionado de passagem.

Observação: Foi também em 2019 que a banda podre do STF restabeleceu (por 6 votos a 5) o império da impunidade sem que se ouvisse um pio daquele que nos prometeu travar uma cruzada contra a corrupção — nem de seu superministro da Justiça — que, convenhamos, não podia contrariar o chefe, sob sob pena de ser penabundado, mas que passou tempo demais engolindo sapos e bebendo a água da lagoa. O Posto Ipiranga foi outra decepção, apesar de não lhe caber toda a culpa pelo fiasco. Como já disse mais de uma vez, ser ministro desse governo de merda exige estômago de avestruz e vocação inata para lamber botas e dar o rabo pedindo desculpas por estar de costas. Simples assim.

E então veio 2020, que trouxe a Covid, a demissão de Mandetta em plena pandemia, a militarização da Saúde por um logístico ilógico, a saída de Moro, o inquérito no STF para investigar o mito mitômano, a subserviência do PGR, as licenças e subsequente aposentadoria do ministro Celso de Mello, a nomeação de (mais) um pau mandado para preencher sua vaga... enfim, isso tudo é história escrita tão recentemente que a tinta nem secou. Para não abusar da paciência do leitor (mais do que já abusei), encerro a bagaça com um texto de Dora Kramer:

Nos últimos acordes do atípico ano de 2020 o senso comum lançou em toda parte um sonoro “já vai tarde”, tentando semear a esperança de que em 2021 será tudo melhor. Que será, será, mas não necessariamente muito diferente, pois problemas não caminham sozinhos nem são subservientes ao calendário. Continuam aí, embora o mundo já receba, do esforço universal tão inédito quanto espetacular dos cientistas, instrumentos para enfrentar o maior deles a golpes de vacinas.

Para tudo, porém, há um contraponto. A pandemia tirou as coisas dos eixos tais como vinham girando até que um morcego do outro lado do planeta pusesse a humanidade à prova, entregue ao desafio de encontrar novos ou reencontrar antigos pontos de equilíbrio. A disfunção é universal e cada país ainda tem adversidades específicas — decorrentes voluntária e involuntariamente da ofensiva do vírus — para administrar.

Os Estados Unidos, por exemplo, livraram-se de uma dessas circunstâncias que deram um trabalho enorme: um presidente criador de casos, cujos métodos contribuíram ao longo do ano para o desvio do combate à crise sanitária.

Por aqui, junto com cargas pesadas a carregar e sapos robustos para engolir, temos esse tipo de governante, só que ainda com dois anos de mandato pela frente e sem dar sinal de que pretenda parar de criar caso com tudo e todos que lhe contrariem a ilusão de poder absoluto.

Ilusão porque Bolsonaro perdeu e continua perdendo todas as tentativas de dar contornos reais ao devaneio de mandar porque pode e daí fazer todos obedecer por ser, na visão dele, providos de juízo. Tenta compensar no grito as perdas que acumula no Judiciário, no Legislativo, na comunidade científica, entre governadores, na sociedade organizada (e na desorganizada também), na imprensa, nos desmentidos que lhe impõem os fatos.

Muito embora a banda da democracia não toque ao ritmo de marcha militar, o general da banda ganhou algumas paradas ao custo de enormes prejuízos ao país, levando-nos a perder lugar de destaque e respeito mundiais na cultura, no trato do meio ambiente, na diplomacia e, mais recente e de modo especialmente danoso, na política de imunização construída em bases exitosas nas últimas quatro décadas. Um legado que vai muito além de 2020, cuja marca foi a da ineficiência.

O que esperar então do amanhã mais imediato? O presidente continuará nessa toada de cavar chances para celebrar aqui e ali “mais uma que o Bolsonaro ganhou”, pouco se lhe importando o destino do coletivo. E o Brasil social e institucionalmente do outro lado seguirá empreendendo um esforço enorme para reagir e resistir às investidas... nem vou dizer contra a democracia por se tratar de uma ação inexequível, mas contra a normalidade da vida e da relação do governante com seus governados.

É toda hora uma declaração estapafúrdia ou uma ação descolada da realidade, coisas que exigem a mobilização de uma energia brutal dedicada ao acessório que, no entanto, se torna essencial porque não se pode deixar passar certas atitudes sob o risco de lá na frente o preço a pagar ficar muito mais alto.

Esse passivo particularmente brasileiro é que vamos carregar neste momento em que o combate da pandemia já não é uma hipótese, mas uma situação concreta na qual seria indispensável contar com uma governança concentrada na emergência. O plano anunciado é difuso. Os 20 bilhões de reais de aporte anunciados não ajudam quando se tem um presidente que põe dinheiro, mas não impõe moral e desqualifica a vacinação e se mostra incapaz de imunizar a população, a coisa tende a não funcionar.

Problema ainda agravado por dificuldades como a queda de renda dos mais pobres, a incerteza sobre o andamento dos trabalhos no Congresso para o que é fundamental na economia, a redução de leitos disponíveis seja pelo receio de se retomarem os hospitais de campanha devido às falcatruas ocorridas e/ou da necessidade de atendimento de doenças cuja demanda ficou reprimida pela prioridade dada à Covid.

Isso sem falar nos efeitos crescentes da tensão pré-eleitoral em cujas águas o presidente candidato à reeleição navega em clima de tormenta, donde a tendência de seus pretensos oponentes será a do jogo pesado, tendo a vacina como centro. Mas essa é outra história. Por ora, fica o desejo: que a realidade supere as más expectativas e tudo corra bem no ano que vem.

Boas entradas a todos.

quinta-feira, 23 de maio de 2019

ENTRE JÂNIOS E BOLSONAROS



Depois que Jair Bolsonaro desistiu de participar das manifestações que articulou com a mão do gato, o assunto meio que esfriou. O acordo entre o Planalto e a Câmara para a aprovação da medida provisória que reduziu o número de ministérios também botou água na fervura, a despeito de Rodrigo Maia e o líder do governo na Câmara terem ficado de mal. É curioso que fatos dessa natureza — que em outras circunstâncias não mereceriam sequer meia dúzia de linhas no jornal — assumam tamanhas proporções, derrubem o Ibovespa e façam a cotação do dólar disparar. Mas é o retrato do país em que vivemos; não há o que fazer senão esperar que seja uma fase passageira e que tudo volte ao normal em breve.

O folhetim Flávio Bolsonaro/Fabrício Queiroz também ganhou novas nuances em seus novos capítulos, notadamente após a autorização da quebra do sigilo bancário dos envolvidos. O filho do pai, que nega ter culpa nesse cartório, mostra-se inconformado com a investigação — o que é causa espécie, considerando que ela é fundamental para afastar quaisquer suspeitas de ilicitudes, como a prática da rachadinha em seu gabinete na Alerj e sua evolução patrimonial incompatível com seus proventos de parlamentar e sócio de uma lojinha de chocolates. Supondo que as investigações apontem Queiroz como o único responsável pelos malfeitos, tornar-se-á verossímil a alegação de que o erro de Flávio foi ter confiado demais no ex-auxiliar. Se nada existe que o desabone, ele deveria incentivar a devassa nas suas movimentações financeiras — quanto mais ampla, rigorosa e transparente ela for, mais convincentes serão seus resultados.

Segundo Ricardo Noblat, zero um anda uma pilha de nervos — o que é compreensível: para qualquer cidadão, mesmo que inocente, ser investigado é uma aporrinhação. Mas confrontar a Justiça certamente não é a melhor estratégia. Aliás, esse foi o maior erro cometido por Lula desde que seus rolos foram denunciados, e parece que o filho do capitão parece decidido a seguir o mesmo caminho trilhado pelo petralha.

Condenado em duas das oito ou nove ações criminais em que figura como réu — numa delas por oito juízes de três instâncias do Judiciário —, o sacripanta de Garanhuns segue preso em Curitiba, de onde comanda uma agremiação criminosa que chama de partido e, de uns tempos a esta parte, concede entrevistas a torto e a direito. Nem o próprio PT aguenta mais tanta parlapatice. Gente que cuida da comunicação no partido acha que é hora de Lula silenciar, sobretudo no que tange ao Judiciário e ao governo Bolsonaro.

Observação: Michel Temer também protestou inocência quando Lauro Jardim trouxe a lume sua conversa de alcova com o moedor de carne bilionário dono da JBS, disse que “o inquérito no STF seria o território onde surgiriam todas as explicações”, e que seria feita “uma investigação plena e muito rápida para os esclarecimentos ao povo brasileiro”. Ato contínuo, fez o diabo para barrar as investigações e penhorou até as cuecas (as nossas cuecas) para comprar votos das marafonas do Congresso. Isso impediu que ele fosse afastado, mas não de, cinco meses depois de transferir da faixa para o presidente do turno, tornar-se réu em seis processos e ser preso preventivamente em duas oportunidades (até agora). A diferença é que Lula tem um partido que o defende e algum apoio popular (menos do que imaginou, mas tem), ao passo que Michel Temer não tem ninguém que levante a voz para defendê-lo, a não ser seus (bem pagos) advogados.

Voltando a Flávio Bolsonaro, antes da quebra do seu sigilo, ele tentou por duas vezes barrar a investigação do Ministério Público alegando que ter privilegiado porque se elegeu senador. Não funcionou. Agora, tenta se esconder à sombra do pai ao afirmar que o verdadeiro alvo da Justiça não é ele, mas sim o presidente. É uma jogada primária que, além de falta de imaginação, denota fraqueza, embute um pedido de socorro à instância invocada e acarreta descrédito. Embora tenha afirmado ao filho que não o protegerá, o presidente costuma dizer que filho é filho, coisa de sangue, e que jamais conseguirão separá-los deles. Com tal comportamento, ele se arrisca a afundar seu governo — como se não bastasse tudo o mais que ele vem fazendo nesse sentido, a pretexto de testar seus limites, como no incitamento às manifestações convocadas por seus apoiadores, que, mesmo sob o manto da democracia e da liberdade de expressão, é mais condizente com ditadores que precisam mostrar força popular — como Nicolas Maduro na Venezuela. Mas parece ser da natureza do presidente esticar a corda e soltá-la quando sente que ela vai arrebentar, como comprovam suas constantes “idas e vindas” em relação a medidas polêmicas, rejeitadas pela opinião pública ou por líderes políticos (veja-se o recuo no decreto de liberação do porte de armas).

Nas visão de Merval Pereira, um presidente democraticamente eleito há cerca de cinco meses não precisa insuflar manifestações de apoio popular, a não ser que se sinta desconfortável com as limitações que as instituições democráticas lhe impõem. Daí a mobilização da militância ser contra o Congresso, o Judiciário e a Imprensa — justamente as instituições que têm como finalidade precípua impedir que o Executivo exorbite de seus poderes, sobretudo num regime presidencialista que dá preponderância quase imperial ao presidente da República.

Como macaco velho não mete a mão em cumbuca, Bolsonaro, apesar de avalizar publicamente os protestos, desistiu de participar pessoalmente e orientou seus ministros a fazerem o mesmo, retirando o comprometedor “ar oficialesco” da convocação. Desde o início, aliás, ele deveria ter se apartado de movimentos que querem emparedar os demais poderes do Estado. É certo que sua eleição deveu-se em grande medida a um nicho que se prepara para sair às ruas em sua suposta defesa, como se ele estivesse sendo submetido a “forças terríveis” — quiçá as mesmas que levaram à renúncia de Jânio, que a exemplo do capitão era um líder populista e não se enquadrava nas limitações que a democracia de então lhe impunha. Vamos aos detalhes.

Jânio da Silva Quadros teve uma carreira meteórica: em sete anos passou de obscuro advogado e professor de Português a prefeito de São Paulo (1953), a governador (1954) e a presidente (1960) — eleito com 48% dos votos (na época não havia segundo turno). Renunciou sete meses depois, alegando motivos que até hoje dão margem a toda sorte de teorias conspiratórias. Parece ser consenso entre os historiadores que sua ideia voltar ao poder por aclamação popular, só que a estratégia não funcionou, mas jogou o país numa crise política que só seria debelada com a adoção do parlamentarismo e, de quebra, abriu a janela de oportunidade para o golpe de estado e a subsequente instalação de uma ditadura militar que durou mais de duas décadas (a despeito de os que gostam de reescrever a história afirmarem que ela nunca existiu). 

Bolsonaro, por seu turno, tenta usar o povo para não ter que sair, mas falemos mais pouco sobre seu paradigma de outrora, que foi o primeiro político a transformar o combate à corrupção em plataforma eleitoral. Usando como símbolo era a vassoura — para dar a ideia de que varreria a corrupção — e dono de um gestual histriônico e um português recheado de formas oblíquas, o político mato-grossense transformava cada comício em show. Ao longo de sua trajetória política, abriu vários inquéritos para apurar supostas irregularidades das gestões anteriores, enquanto insistia na tese de que para ele a política era um enorme sacrifício pessoal. Pura encenação.

Eleito deputado federal pelo Paraná em 1958, Jânio não compareceu a nenhuma sessão do Congresso, deixando claro seu notório desdém pelo Legislativo. Dois anos depois, representando o mesmo papel de candidato solitário que recebia apoio de partidos, e não como representante de partido, derrotou Teixeira Lott e nacionalizou seu discurso, passando de fenômeno paulista a fenômeno nacional. Em seus sete meses na Presidência, reforçou suas características mais conservadoras. Não teve problemas com o Congresso — aprovou tudo o que considerava importante —, mas fez um governo bipolar, adotando um programa econômico conservador e desvalorizou a moeda (fazendo a inflação subir), ao mesmo tempo em que implantava a política externa independente, rompendo com o alinhamento automático com os EUA em plena Guerra Fria, quando a questão cubana estava no auge. Paralelamente, buscava estabelecer uma relação direta com os governos estaduais e se imiscuía em questões irrelevantes, como os biquínis e as brigas de galo que chegou a proibir.

Mas o que parecia novo estava eivado do velho golpismo latino-americano, do desejo pelo poder absoluto. Jânio abandonou a presidência — alegando “forças terríveis” — num autogolpe que surpreendeu até mesmo os ministros militares, que não foram consultados, apesar de suas simpatias pelo autoritarismo janista. Ele esperava que sua renúncia não fosse aceita, e que um clamor popular exigisse seu retorno à presidência com amplos poderes políticos — ou seja, sem o Congresso para incomodá-lo. Puro delírio. Jânio deixou a base aérea de Cumbica solitário e rumou — a bordo de um DKW — para o litoral, de onde partiu dias depois para a Inglaterra, deixando no seu rastro uma grave crise política, que só seria resolvida com a posse de Jango, em setembro de 1961, sob regime parlamentarista.

Como o lobo perde o pelo mas não larga o vício, Jânio se candidatou no ano seguinte ao governo de São Paulo, mas foi derrotado por Adhemar de Barros. Teve os direitos políticos cassados pela ditadura militar, mas recuperou-os em 1974. Em 1978, manifestou a intenção de concorrer à sucessão de Paulo Maluf (um gatuno de marca maior, que hoje cumpre pena em prisão domiciliar) ao governo do estado de São Paulo. Filiou-se ao PTB, mas deixou o partido sete meses depois para ingressar no PMDB. Como sua filiação foi recusada pela executiva nacional da sigla, voltou ao PTB, lançou-se candidato a governador de São Paulo em 1982, mas perdeu para Franco Montoro. Com o fim da ditadura, declarou apoio a Tancredo Neves e venceu Fernando Henrique Cardoso e Eduardo Suplicy na disputa pela prefeitura de São Paulo, contrariando os prognósticos dos institutos de pesquisa. FHC, na condição de primeiro colocado nas sondagens eleitorais, chegou a tirar uma foto sentado na cadeira de prefeito de São Paulo (que foi publicada pela Revista Veja). Na cerimônia de posse, Jânio fez questão de ser fotografado com um tubo de inseticida nas mãos para, segundo ele, desinfetar a poltrona porque nádegas indevidas a usaram".

Em sua derradeira empreitada político-administrativa, o homem da vassoura repetiu seus lances populistas habituais: pendurou uma chuteira em seu gabinete (para ilustrar o suposto desinteresse em prosseguir na política), proibiu o uso de sunga e de biquini fio-dental no Parque do Ibirapuera (onde ficava a sede da prefeitura), obrigou a direção da Escola de Balé do Teatro Municipal a expulsar alguns alunos tidos como homossexuais, mandou publicar no Diário Oficial do Município os “bilhetinhos” que enviava a seus assessores, aplicou multas de trânsito pessoalmente, posou para a imprensa com a camisa do Corinthians e fechou os oito cinemas que iriam exibir o filme A Última Tentação de Cristo, de Martin Scorsese, por considerar a obra desrespeitosa à fé cristã.  

Jânio adotou posturas autoritárias em diversas situações. Seu governo foi marcado por insatisfações de vários setores do funcionalismo público, materializadas através de greves e protestos nas proximidades de seu gabinete, aos quais quase sempre respondia com demissões em massa. Também se mostrou inflexível diante de manifestações de movimentos sociais (como o MST). Criou a Guarda Civil Metropolitana para, segundo ele, reforçar o policiamento na cidade, mas seus adversários o acusavam de utilizá-la como mais um de seus instrumentos de repressão. Afastou-se diversas vezes do cargo para cuidar tanto de sua saúde quanto da de sua mulher, Eloá Quadros (falecida em 1990). Ao fim da gestão, quando já se encontrava desgastado perante a opinião pública (apenas 30% dos paulistanos aprovaram sua administração), foi acusado pelo então vereador Walter Feldmann de manter uma conta bancária na Suíça. Nas eleições de 1988, apoiou João Leiva, embora Mellão Neto e Mastrobuono, integrantes de seu secretariado, disputassem a sucessão. Deixou o cargo dez dias antes do final do mandato para passar o réveillon em Londres (cidade pela qual ele era apaixonado), depois de incumbir seu Secretário dos Negócios Jurídicos, Cláudio Lembo, de transferir o bastão para a petista Luíza Erundina — talvez a maior calamidade travestida de alcaide paulistano que esta cidade já viu.

Com a saúde debilitada — em parte devido à manguaça, de que era fã incondicional —, Jânio declinou do convite do PSD para disputar a presidência da República em 1989 e apoiou o caçador de marajás — um populista como ele, como viríamos a descobrir mais adiante. Naquele mesmo ano, anunciou sua aposentadoria definitiva da política. No ano seguinte, a morte da esposa contribuiu para agravar ainda mais seu estado de saúde, levando-o a passar os últimos meses de vida entre casas de repouso e quartos de hospitais. Acabou falecendo no Hospital Israelita Albert Einstein, em 16 de fevereiro de 1992, em estado vegetativo decorrente de três derrames cerebrais.

sábado, 14 de março de 2020

A DESGRACEIRA DEU UMA TRÉGUA (RESTA SABER ATÉ QUANDO) — A MORTE INESPERADA DE GUSTAVO BEBIANNO


Como eu costumo dizer, há casos em que o imprevisto tem voto decisivo na assembléia dos acontecimentos. Daí eu aditar esta postagem para compartilhar um fato lamentável para uns e quiçá motivo de comemoração para outros: morreu na madrugada deste sábado, aos 56 anos, o advogado Gustavo Bebianno, principal articulador da campanha de Bolsonaro à presidência e provável candidato à prefeitura do Rio nas próximas eleições

Bebianno ocupou por menos de dois meses a Secretaria-Geral da Presidência da República. Foi demitido porque Zero Dois pediu sua cabeça ao papai presidente (detalhes nesta postagem), e o capitão, quiçá por medo da mordida, preferiu não contrariar seu pitbull de estimação. E assim, depois de passar de amigo do peito a inimigo figadal, o ex-auxiliar inaugurou a extensa lista de ministros e membros do primeiro escalão palaciano que foram defenestrados dos respectivos cargos ao longo dos últimos 14 meses. 

Magoado e ressentido com o presidente que ajudou a eleger, Bebianno, um arquivo vivo da campanha do capitão (como foi PC Farias na de Fernando Collor, três décadas atrás, e acabou assassinado em 1996, em circunstâncias mal explicadas que até hoje alimentam teorias da conspiração), seria um esqueleto no armário do governo e do clã Bolsonaro não fosse o infarto fulminante que o levou, inesperadamente (e providencialmente, dependendo do ponto de vista de quem conta a história), a comer capim pela raiz na chácara do vigário.

Após ser chamado de "traidor" por Eduardo Bolsonaro, o ex-ministro disse à Época: “Só contei 3% do que eu sei. Meu objetivo não é destruir o governo, mas sim proteger o Brasil e sua democracia. Estou de olho o tempo todo no governo e na família Bolsonaro. Quero que o presidente pare de gerar crises, administre o país da melhor forma possível e conclua o seu mandato. É hora de os ânimos arrefecerem, em benefício do povo brasileiro. Não obstante, percebendo a existência de algo capaz de comprometer a nossa democracia, agirei.”

Em entrevista à Jovem Pan, em 20 de dezembro do ano passado, Bebianno afirmou que Bolsonaro tem “traços de psicopatia” e que se sentia “vulnerável e sob risco constante” após ter se tornado seu desafeto e adversário político. Disse ainda que o presidente “é uma pessoa muito ciumenta e muito possessiva, que trata as pessoas como se fossem capachos dele”. Perguntado se sentia ameaçado, respondeu: “[Bolsonaro] Tem muitos laços com policiais no Rio de Janeiro, policiais bons e ruins. Eu me sinto, sim, vulnerável e sob risco constante. Mas se ele acha que eu tenho medo dele, ele está muito enganado”.  

Em outra entrevista, dessa vez ao portal UOL, Bebianno anunciou que processaria Bolsonaro cível e criminalmente. Mas quis o destino que ele não tivesse tempo de cumprir a promessa. Dito isso, passemos ao texto que eu havia preparado para hoje. 

A semana que se encerrou ontem (para os efeitos desta retrospectiva, o sábado e o domingo não contam) pareceu mais um teste ergométrico do que qualquer outra coisa. 

Na segunda-feira, logo pela manhã, o investidor arrancou os cabelos diante da tempestade perfeita resultante da disseminação do coronavírus somada à guerra de preços de petróleo entra a Rússia filha de Putin e a Arábia Maldita

A cotação do petróleo tipo Brent despencou quase 30%  (para US$ 31 o barril, com perspectivas de chegar aos US$ 20), o Ibovespa caiu 12% e a Petrobras perdeu R$ 91 bi em valor de mercado. A B3 chegou a ter o circuit breaker acionado, o que não acontecia desde maio de 2017, quando a conversa de alcova entre o então presidente Michel Temer e o moedor de carne bilionário Joesley Batista, gravada à sorrelfa pelo dono da JBS nos “porões do Jaburu”, foi publicada por Lauro Jardim em O Globo.

Na terça-feira, o mercado se recuperou com uma alta de 7%, mas a declaração da OMS (de que o coronavírus se tornara uma pandemia), combinada com a derrubada, pelo Congresso, do veto de Bolsonaro ao BPC, voltou a derrubar a Bolsa na quarta — a queda foi de 7,6%, com mais um circuit breaker acionado durante a sessão. Na quinta, a decepção do mercado com as medidas estapafúrdias adotadas pelo presidente Donald Trump a pretexto de combater a pandemia agravou a situação: foram mais dois circuit breakers e o Ibovespa caiu 14,8%, no pior pregão desde a crise da moratória da Rússia em 1998. O anúncio do Federal Reserve, de que vai oferecer mais de US$ 1,5 trilhão em liquidez ao mercado monetário através de operações de recompra reversa, até esboçou uma melhora na sessão, mas não teve força suficiente para reduzir as perdas dos índices.

Nesta sexta-feira 13 o Ibovespa fechou em alta de 13,91%, aos 82.677 pontos, com volume financeiro negociado de R$ 42,6 bilhões. A última alta tão expressiva foi em 13 de outubro de 2008, quando o benchmark disparou 14,66%. Mesmo assim, a recuperação não conseguiu reverter a queda acumulada ao longo da semana, de 15,63% (a pior desde 2008), embora tenha trazido algum alento, sobretudo depois da notícia de que Bolsonaro testou negativo para o coronavírus (mais cedo, alguns veículos de imprensa, capitaneados pela turma do “quanto pior, melhor”, haviam informado que o exame tinha dado positivo).

Resumo da ópera: O Ibovespa subiu significativamente de ontem para hoje, mas não podemos perder de vista que há menos de dois meses ele estava a um passo de bater os 120.000 pontos (em 23 de janeiro o fechamento se deu aos 119.527,63 pontos, depois de o índice ter alcançado o recorde histórico de 119.534 pontos durante o pregão daquele dia memorável).

Como nada é perfeito, o dólar comercial terminou esta sexta-feira em alta de 0,56%, a R$ 4,8099 na compra e R$ 4,8128 na venda. Na semana, a moeda registrou alta de 3,85%, e a desvalorização do real teria sido maior não fossem as intervenções do Banco Central, que, na quinta-feira, ofertou mais de US$ 4 bilhões em leilões à vista, controlando a volatilidade depois que o dólar chegou a valer R$ 5,00 pela primeira vez na história. 

No Legislativo, o presidente da Câmara disse que a pauta dos próximos 45 dias na Casa será voltada para o combate aos efeitos econômicos da pandemia e criticou Paulo Guedes por não ter apresentado medidas de curto prazo para enfrentar a crise. Segundo Maia, as propostas que o ministro enviou na terça-feira não resolvem a turbulência para os próximos meses, e que a reforma administrativa, cujo esboço ainda dormita na mesa de Bolsonaro, não é a solução no momento.

Segundo a Folha, o Brasil já tem mais de 100 casos de COVID-19. Até a noite da última quinta-feira, o Ministério da Saúde havia confirmado 77 casos, mas somente o Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo (SP), tem 98 casos confirmados, dos quais apenas 43 foram notificados ao Ministério. Segundo o infectologista David Uip, coordenador de um comitê de contingenciamento para enfrentar a chegada da doença no estado, São Paulo pode ter entre 1% e 10% da população (ou seja, entre 440 mil e 4,4 milhões de habitantes) infectados, com quadro de leve a grave, nos próximos quatro meses.  

terça-feira, 21 de maio de 2019

IMPEACHMENT, RENÚNCIA E PROGNÓSTICOS



Certa vez, acertei uma milhar seca no jogo do bicho. Afora isso, nunca fui bom de palpite. Mas adivinhar é uma coisa, inferir com base na observação é outra. E foi a partir da observação que “cantei a bola” do impeachment de Dilma antes mesmo de Eduardo Cunha autorizar a abertura do processo.

Mais adiante, previ que o dublê de anta e egun despachado não se elegeria senadora, e que Bolsonaro derrotaria a patética marionete do ventríloquo presidiário, a despeito das previsões do Ibope, Datafolha e distinta companhia. Posso ter errado ao apostar na renúncia de Temer quando Lauro Jardim publicou em O Globo detalhes espúrios da conversa de alcova entre o emedebista e o moedor de carne bilionário, mas soube-se mais adiante que o vampiro do Jaburu só não pediu o boné porque foi dissuadido por sua tropa de choque — comandada pelo então pitbull palaciano Carlos Marun, que é sempre o primeiro (e talvez o único) a visitar o ex-chefe quando este é preso preventivamente.

Apostar que a rachadinha corria solta no gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj seria o mesmo que, na Belém do Pará dos anos 1980, prever chuva para o final da tarde. Hoje, até o tempo deixou de ser sério no Brasil, mas, no caso do ex-deputado e ora senador, que se arrasta desde o ano passado, só um completo imbecil acreditaria nas desculpas esfarrapadas dos envolvidos.

No último sábado, a Folha publicou uma matéria de capa sobre o compartilhamento que Jair Bolsonaro fizera na véspera, pelo Twitter, de um texto apócrifo (escrito pelo analista da Comissão de Valores Mobiliários Paulo Portinho) que fala de pressões dos poderes e dificuldades de governar. O Congresso interpretou o tuíte como mais um ataque do capitão ao que ele classifica de velha política, mas era impossível não vislumbrar uma possibilidade de renúncia no ar, sobretudo se o país continuar “disfuncional” e o capitão teimar em continuar jogando para a torcida de bolsomínions, olavetes e outros desajustados — que, a exemplo do presidente e dos seus filhos, se deixam levar pelas teorias conspiratórias do “Homem de Virgínia” (falo do astrólogo-ideólogo que mora em Richmond, mas faço um trocadilho com um seriado televisivo da década de 1960, do qual certamente a maioria dos gatos pingados que leem minhas postagens jamais ouviu falar).

A Folha fala numa espécie de "cenário Jânio Quadros" (mais detalhes na próxima postagem), o que não me parece algo fora de propósito. Até porque, diz a matéria, circulou no Alto Comando do Exército um relato em que Bolsonaro teria dito que poderia renunciar se as dificuldades continuassem. Assessores palacianos negaram essa versão e afirmaram que presidente apenas expressou o que sempre disse durante a campanha. Já O Globo disse que, diante das dificuldades conhecidas no relacionamento entre o governo e o Congresso, os parlamentares decidiram liderar o processo de reformas necessárias para o país e vão deixar as propostas do Palácio do Planalto em segundo plano. E com efeito: numa reunião de líderes do Centrão ficou acertado que o Congresso assumirá a formatação da reforma da Previdência. O Estado também comentou a reunião e a decisão dos deputados, destacando as declarações de Ramos, para quem apresentar um novo texto é a única forma de aprovar a reforma neste momento. Todos esses jornais lembraram que as tensões da última sexta-feira elevaram a cotação do dólar a vertiginosos R$ 4,10 e fizeram o Ibovespa fechar abaixo dos 90 mil pontos.

O comportamento recente de Bolsonaro tem explicações múltiplas de assessores. Interlocutores afirmam que parlamentares pedem cargos no governo como condição para votarem a favor das reformas, mas fala-se à boca pequena que o chefe do Executivo está acuado pelo avanço das investigações sobre o zero um, que culpa o Congresso pelos atrasos na tramitação do projetos do governo e que, por isso, decidiu mobilizar seus apoiadores contra deputados.

Ricardo Noblat relembra que Fernando Collor, acuado por denúncias de corrupção, convocou seus apoiadores a ocupar as ruas com camisas verde amarelas no dia 7 de setembro de 1992, dois anos e meio depois de ter sido empossado. Poucos o fizeram, talvez por vergonha, talvez porque tivessem algo melhor a fazer durante o feriado. Em compensação, multidões foram às ruas naquele mesmo dia vestidas com camisetas pretas. Collor cairia três meses depois.

Neste momento, a situação de Bolsonaro ainda está longe de poder ser comparada com a de Collor. Mas isso não o impediu de estimular seus devotos a convocarem manifestações a seu favor para o próximo domingo (26). E se as manifestações não reunirem tanta gente? E se elas forem menores do que as que aconteceram na semana passada contra o corte de verbas para a Educação, que atraíram mais de dois milhões de pessoas em cerca de 200 municípios tupiniquins? E se multidões forem às ruas na mesma data vestidas com camisas pretas? Novas manifestação de opositores do governo estão agendadas para o próximo dia 30. Por que o governo deveria a essa altura submeter-se ao teste das ruas? As pesquisas desaconselham. Se o teste lhe desfavorecer, não diga Bolsonaro mais tarde que nada teve a ver com isso. Ou que não foi avisado.

sábado, 30 de dezembro de 2017

2017 FINALMENTE SE VAI... O QUE ESPERAR DE 2018?


Há exatos doze meses, dizíamos adeus para o ano de dois mil e dezechega e comemorávamos esperançosos a chegada de 2017. E deu no que deu!

No final de 2015, tínhamos uma presidente encurralada no Palácio do Planalto, sem autoridade, sem nexo e sem respeito; um presidente da Câmara descrito como homem de poderes sobrenaturais e um vice-presidente decorativo, mas que, por suas celebradas habilidades no manuseio de parlamentares e políticos em geral, era visto como uma ponte que poderia conduzir à salvação a Rainha Bruxa do Castelo do Inferno. Demais disso, tínhamos um ex-presidente da República que posava de gênio da política, sempre prestes a “virar o jogo” mediante conchavos milagrosos ― e que meses depois tentaria nomear a si próprio ministro da Casa Civil e, a partir daí, resolver a situação toda em seu benefício ―, e um cangaceiro presidindo o Senado e atuando como marechal de campo na guerra para manter no comando a presidanta, seu abjeto antecessor e seu espúrio partido.

Por pior que tenha sido, o ano de 2016 nos brindou com deposição de Dilma. Lula se tornou réu pela primeira vez (numa das 7 ações criminais que vem colecionando desde então) e foi condenado a 9 anos 6 meses de prisão. A economia deu sinais de recuperação, a inflação e a taxa básica de juros começaram a recuar, os índices de desemprego pararam de crescer e reformas importantes para o país começaram a avançar.

2017, ano em que depositávamos esperanças de melhoras mais consistentes, começou com rebeliões em presídios e uma greve absurda da PM  que resultou na morte de centenas de pessoas. Ainda em janeiro, um trágico acidente aéreo ceifou a vida do ministro Teori Zavascki e deixou o STF sem relator dos processos da Lava-Jato às vésperas da homologação da Delação do Fim do Mundo. Mesmo assim e a despeito do "fogo amigo", houve avanços na luta contra a corrupção. Foram para a cadeia políticos notórios, como o deputado Rodrigo Rocha Loures ― ex-assessor e homem da mais estreita confiança de Michel Temer ―, o deputado Geddel Vieira Lima ― homem dos R$51 milhões e também amigão do peito de Michel Temer ―, os ex-governadores Sérgio Cabra, Anthony Garotinho, quase todos os membros do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro e outros tantos do alto escalão da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (a começar pelo presidente).

Mas a coisa azedou a partir de maio, quando uma conversa de alcova entre Michel Temer e o moedor de carne bilionário Joesley Batista, gravada à sorrelfa por este último nos “porões do Jaburu”, foi publicada por Lauro Jardim em O Globo. O presidente foi demovido da ideia de renunciar pelos puxa-sacos de plantão (que seriam fatalmente desalojados de seus cargos e perderiam a boquinha do foro privilegiado) e, em pronunciamento à nação, jurou de pés juntos que “a investigação no STF seria "o território onde aflorariam as provas de sua inocência". Ato contínuo, passou a mover mundos e fundos (sobretudo fundos) para se escudar das flechas do então procurador-geral Rodrigo Janot e barrar a abertura de inquérito no Supremo. E o resto é história recente.

Debalde as previsões cataclísmicas de que este governo estaria com os dias contados ― cantadas em prosa e verso por nove entre dez analistas políticos e formadores de opinião de plantão ―, Michel Temer, tal qual os “bagres-sem-cabeça” que boiam nos esgotos a céu aberto que cortam a cidade de São Paulo, recusa-se teimosamente a afundar. Como na fábula russa de Pedro e o Lobo, sua iminente queda acabou cansando, e a maioria da população deixou de dar ouvidos à falácia (não que isso tenha feito algum bem à popularidade do presidente, cujos índices são tão ruins ― ou piores ― que os de Collor e Dilma durante seus respectivos processos de impeachment).

Já não se fala mais que Temer vai cair no dia seguinte, nem se especula como seria o governo de Rodrigo Maia ou, imaginem só, da ministra Cármen Lúcia, presidente do STF. Embora poucos digam isso em público, tem-se como “cenário provável” sua permanência no Planalto até 31 de dezembro de 2018. Como salientou J.R. Guzzo em sua coluna na revista Exame do último dia 20, o governo está morto moralmente, e já há um bom tempo ― desde que se comprovou que o presidente da República mantinha reuniões nada republicanas, na calada da noite e em seu próprio palácio, com um escroque confesso e bilionário que hoje está na cadeia. Só que não estamos no Japão, onde um ministro faz haraquiri em público quando é pilhado roubando um clipe de papel. No Brasil, ninguém morre só de moral, sobretudo se tem à disposição o Diário Oficial, os cargos comissionados e a chave do Erário.

E a questão não se resume à permanência do presidente no jogo até o apito final: de uns tempos a esta parte, incentivado pelas reformas que ninguém antes dele conseguiu aprovar (insuficientes, é verdade, e limitadas por concessões às marafonas do Congresso), pela queda dos juros e da inflação, e pelo crescimento da produção industrial (o melhor resultado em 4 anos), Michel Miguel Elias Temer Luria, em carne e osso, começou a aparecer na imprensa como possível candidato à reeleição.

(Pausa para as gargalhadas.)

Os desafios do Brasil para o próximo ano são imensos. O país precisa voltar a crescer para elevar o padrão de vida material do seu povo e explorar nossa energia criadora em sua plenitude. Precisa aprovar reformas estruturais para modernizar-se e competir com qualidade no mundo globalizado. Precisa civilizar a vida política, estabelecendo um padrão ético aceitável, e superar as feridas de uma profunda divisão de ideologia e métodos. Precisa, enfim, reencontrar o caminho da estabilidade institucional, mas, mais importante que tudo, o povo (ah, o povo) precisa se conscientizar do poder que o direito (ou obrigação) de voto lhe assegura. Em outubro, além de eleger o sucessor de Michel Temer (e dos governadores dos Estados e deputados estaduais) teremos a valiosíssima chance de substituir todos os 513 deputados federais e 2/3 dos 81 senadores da República. Pensem nisso.

Feliz ano novo a todos.

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domingo, 18 de junho de 2017

NO MATO SEM CACHORRO

Quem não tem cão caça com gato, diz um velho ditado. Mas nem gato sobrou. O que se tem é gatuno roubando a esperança dos brasileiros, gatuno ignorando provas em julgamentos, gatuno governando o país, gatuno candidato à reeleição presidencial e até gatuno defendendo a antecipação das diretas. Tudo em nome da governabilidade e do estado democrático de direito, como se a palavra democracia ainda significasse alguma coisa nesta republiqueta de bananas.

Em 2012, assistimos estarrecidos, mas esperançosos, a condenação da alta cúpula do Mensalão. No ano passado, livramo-nos daquela que afundou o Brasil na maior recessão da sua história, e que entrou para a vida pública após levar à falência duas lojinhas tipo R$1,99 quando a paridade cambial entre o real e o dólar favorecia sobremaneira a importação e revenda de badulaques ― a propósito, leia o post que publiquei no final de 2014, caso não lhe baste o excerto que transcrevo a seguir:

Pão & Circo. Com esse nome sugestivo — alusivo à estratégia romana destinada a entreter e ludibriar a massa insatisfeita com os excessos do Império —, Dilma montou, em fevereiro de 1995, uma lojinha de bugigangas, nos moldes das populares casas de R$ 1,99. O negócio em gestação cumpriu a liturgia comercial habitual. Ao registro do CNPJ na Junta Comercial seguiu-se o aluguel de um imóvel em Porto Alegre, onde funcionava a matriz. Quatro meses depois, uma filial foi erguida no centro comercial Olaria, também na capital gaúcha. O problema, para Dilma e seus três sócios, é que a presidente cuidou da contabilidade da empresa como lida hoje com as finanças do País. (...) Em apenas 17 meses, a loja quebrou; em julho de 1996, ela já não existia mais. Tocar uma lojinha de quinquilharias baratas deveria ser algo trivial, principalmente para alguém que 15 anos depois se apresentaria aos eleitores como a “gerentona” capaz de manter o Brasil no rumo do desenvolvimento. Mas, ao administrar seu comércio, Dilma cometeu erros banais e em sequência. Qualquer semelhança com a barafunda administrativa do País e os equívocos cometidos na área econômica a partir de 2010, levando ao desequilíbrio completo das contas públicas e à irresponsabilidade fiscal, é mera coincidência. Ou não. (...) Para começar, a loja foi aberta sem que os donos soubessem ao certo o que seria comercializado ali. Às favas o planejamento — primeiro passo para criação de qualquer negócio que se pretenda lucrativo. A empresa foi registrada para vender de tudo um pouco a preços módicos, entre bijuterias, confecções, eletrônicos, tapeçaria, livros, bebidas, tabaco e até flores naturais e artificiais. Mas acabou apostando no comércio de brinquedos para crianças, em especial os “Cavaleiros do Zodíaco”. Os artigos revendidos pela Pão & Circo eram importados de um bazar localizado no Panamá, para onde Dilma e uma das sócias, a ex-cunhada Sirlei Araújo, viajaram três vezes para comprar os produtos. Apesar de os produtos custarem bem pouco, o negócio de Dilma era impopular — como se tornou a ex-presidanta ao longo do seu governo. Ao abrir a vendinha, a anta vermelha não levou em conta que “o olho do dono engorda o porco”, e só aparecia por lá eventualmente, preferindo dar ordens e terceirizar as tarefas do dia a dia, como fez ao delegar a economia ao ministro Joaquim Levy e a política ao vice Michel Temer, até este desistir da função dizendo-se boicotado pelo (então) ministro-chefe da Casa Civil Aloizio Mercadante. Na sociedade da Pão & Circo, o equivalente ao Mercadante era Carlos Araújo, o ex-marido, que aconselhava a “chefa” sobre como ela turbinar as vendas, mas era tão inepto quanto aquela que viria ser a chefe da Casa Civil e presidente do Conselho de Administração da Petrobrás no governo de Lula, por ocasião da negociata de Pasadena. Mesmo assim, a gerentona de araque teve uma carreira meteórica: sem saber atirar, virou modelo de guerrilheira; sem ter sido vereadora, virou secretária municipal; sem passar pela Assembleia Legislativa, virou secretária de Estado; sem estagiar no Congresso, virou ministra; sem ter inaugurado nada de relevante, virou estrela de palanque; sem jamais ter tido um único voto na vida até 2010, virou presidente da Banânia.

Livramo-nos de Dilma, mas herdamos Michel Temer, que jamais conquistou a simpatia dos brasileiros ― e nem poderia, tendo sido vice de quem foi e presidente do PMDB por 15 anos ―, mas que vinha logrando êxito em descascar o monumental abacaxi herdado das gestões lulopetistas até ser abatido em seu voo de galinha pela delação premiada de Joesley Batista e mais 6 altos executivos da JBF/J&F.

Temer nos prometeu um ministério de notáveis, mas cercou-se de uma notável confraria de corruptos. O primeiro a cair foi Romero Jucá, o “Caju”, que deixou o Ministério do Planejamento uma semana depois de ser nomeado ― só que continua no governo, ocupando uma secretaria criada especialmente para preservar seu direito ao foro privilegiado. Na sequência, demitiram-se ― ou foram demitidos ― Fabiano Silveira, Henrique Eduardo Alves, Geddel Vieira Lima e outra meia dúzia de ministros e/ou assessores presidenciais, em grande parte por serem investigados na Justiça ou acusados de corrupção por delatores na Lava-Jato. Temer moveu mundos e fundos para preservar Eliseu Padilha, o “Primo”, e Wellington Moreira Franco, o “Angorá”, que o ajudam a comandar a quadrilha mais perigosa do Brasil, como afirmou o megaempresário moedor de carne em entrevista à revista Época desta semana.

Até os pedalinhos do Sítio Santa Bárbara, em Atibaia, sempre souberam que Lula institucionalizou a corrupção no Brasil. E quem não sabia ficou sabendo pelo procurador Deltan Dallagnol, que, no final do ano passado, apresentou à imprensa um PowerPoint tosco, mas indiscutivelmente elucidativo, mostrando que o molusco abjeto, ora penta-réu e às vésperas de sua primeira condenação na Lava-Jato, era, sim, o comandante máximo da ORCRIM. Agora, a se confirmarem as acusações de Joesley Batista, o petralha perderá o posto para Temer, como o Mensalão perdeu para o Petrolão o título de “maior escândalo de corrupção da nossa história” e rebaixou o famigerado “Esquema PC”, responsável pelo impeachment de Collor em 1992, a “coisa de ladrão de galinhas”.

Parece de nada adiantou o esforço do ministro Gilmar Mendes (que ora é alvo de um pedido de impeachment) para preservar o cargo de Michel Temer ao arrepio da avassaladora torrente de provas de práticas espúrias que propiciaram a reeleição da chapa Dilma-Temer em 2014. Como de nada deve adiantar a nota divulgada pelo Planalto, na manhã deste sábado, segundo a qual “o dono da JBS é um bandido notório que desfia mentiras”, e que o presidente ingressará com ações na Justiça contra ele. Resta explicar porque Temer não pensou nisso quando recebeu o empresário à sorrelfa nos “porões do Jaburu”, ouviu seu relato de práticas criminosas ― como a compra do silencio de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro e o pagamento de suborno a magistrados e procuradores da República ― e encerrou conversa como se nada houvesse acontecido, sem lhe dar voz de prisão ou determinar a imediata abertura de um inquérito para apurar os fatos.   

Na entrevista, Joesley reafirma as denúncias que fez ao Ministério Público e à Polícia Federal contra as cúpulas de PT, PMDB e PSDB. Segundo ele, tudo começou há cerca de 10, 15 anos, quando surgiram grupos com divisão de tarefas: um chefe, um operador e um tesoureiro. Disse também que esses esquemas organizados começaram no governo do PT, com a criação de núcleos, divisão de tarefas entre integrantes, em estados, ministérios, fundos de pensão e bancos, dentre os quais o BNDES; que o modelo foi reproduzido por outras legendas, e que, na maioria dos casos, os pagamentos viraram uma obrigação (ele cita como exemplo Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda nos governos Lula e Dilma: “Era só o Guido dizer no BNDES que não era mais do interesse do governo investir no agronegócio e pronto. Bastava uma mudança de diretriz de governo para acabar com o negócio”).

Joesley disse ainda que o presidente “não é um cara cerimonioso com dinheiro” (para bom entendedor...), além de acusa-lo de chefiar “a organização criminosa da Câmara, composta por Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima, Henrique Eduardo Alves, Eliseu Padilha e Moreira Franco”, e que, “em Brasília, quem não está preso está no Planalto”.

Durma-se com um barulho desses!

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domingo, 14 de janeiro de 2018

AINDA SOBRE A NOMEAÇÃO DE CRISTIANE BRASIL PARA O MINISTÉRIO DO TRABALHO




A substituição da Rainha Bruxa do Castelo do Inferno pelo Vampiro Furta-cor Peemedebista (que curiosamente declinou de morar no Alvorada porque tem medo de assombração) foi uma lufada de ar puro após 13 anos, 4 meses e 12 dias de clausura lulopetista. No entanto, se no início os ventos benfazejos da esperança levavam a crer que o governo estava no rumo certo, o prometido ministério de notáveis se revelou uma notável confraria de corruptos antes mesmo de Dracutemer completar um mês no cargo ― aliás, ministro de Temer não tem currículo, tem folha-corrida. Mas o castelo de cartas ruiu um ano depois, quando Lauro Jardim revelou uma conversa fortuita entre o presidente e certo moedor de carne criminoso com vocação para delator ― e burro a ponto de delatar a si mesmo, mas isso já é outra história ―, abrindo a Caixa de Pandora de onde saltaram duas denúncias criminais contra Temer. Com isso, em vez de entrar para a história como “o cara que recolocou o Brasil nos trilhos do crescimento”, sua insolência será lembrada como o primeiro presidente da Banânia denunciado no exercício do cargo (por corrupção, organização criminosa e obstrução da Justiça).

Observação: Nada mal para um país que, depois da redemocratização, elegeu 4 presidentes pelo voto popular, dos quais 2 foram depostos e um é hepta-réu na Justiça Penal ― e ainda se arroga o direito de concorrer à presidência nas próximas eleições, mas isso também é outra história.

Temer despiu de vez o manto da moralidade quando recorreu à compra e venda de votos para sepultar as denúncias contra ele, numa versão fisiologista recentemente ampliada para a chantagem explícita contra governadores para tentar aprovar a reforma da Previdência ― prejudicada justamente por atos do presidente que resultaram nas denúncias. Isso lhe salvou o mandato, mas não contribuiu em nada para sua já combalida popularidade. A quase totalidade do país o rejeita, e suas chances de se candidatar à reeleição ― conforme ele próprio andou insinuando ― ou de atuar como cabo eleitoral “substancioso” ― para usar a palavra dele em momento de otimismo delirante ― são próximas de zero.

Moralmente, o governo Temer está morto. E foi o próprio Michel Temer, com seu “presidencialismo de cooptação”, que cavou sua sepultura ao se tornar refém do Congresso. Seu “capital político” se esgotou com a compra de votos para barrar a investigação no Supremo ― que, segundo ele, “seria o terreno onde surgiriam as provas de sua inocência”. Mas nem mesmo uma raposa velha como ele é capaz de tirar leite de pedra.

Na última semana, a substituição de Ronaldo Nogueira ― que se demitiu do Ministério do Trabalho no último dia 27 ― por Cristiane Brasil Francisco cravou mais um prego no caixão presidencial. A escolhida não só e filha de Roberto Jefferson Monteiro Francisco ― que foi condenado a sete anos e 14 dias de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mas teve a pena reduzida por delatar o esquema de pagamento de propina envolvendo parlamentares da base aliada para dar sustentação ao governo do ex-presidente Lula, vulgarmente conhecido como “escândalo do mensalão” ―, como também já foi condenada na Justiça trabalhista. Isso levou o juiz da 4ª Vara Federal de Niterói a suspender sua nomeação e a cerimônia de posse, que classificou como “um desrespeito à moralidade administrativa”.  

O governo e a própria deputada apelaram, mas, na noite da última quarta-feira, o TRF-2 rejeitou os pedidos. Na sexta, a AGU protocolou um novo recurso no TRF-2, desta feita para definir qual vara da Justiça Federal deve analisar os apelos contrários à posse da pretensa futura ministra ― como mais de uma ação foi ajuizada contra a nomeação da deputada, o governo argumenta que, conforme a lei das ações populares, deve ser levada em conta apenas a decisão tomada primeiro, caso em que, segundo a AGU, valeria o entendimento da 1ª Vara Federal de Teresópolis, tomada às 16h36 do último dia 8 e favorável à posse de Cristiane Brasil, e não a decisão da 4ª Vara Federal de Niterói, que a barrou, proferida às 20h11 do mesmo dia. Assim, por uma dessas ironias do destino, a filhota de Jefferson, que se licenciou do cargo de deputada federal para assumir a pasta do Trabalho, encontra-se momentaneamente sem trabalho.

Observação: Cristiane foi processada por dois ex-motoristas, que alegaram ter trabalhado para ela sem registro em carteira. O GLOBO revelou no último sábado que o dinheiro usado para pagar as parcelas da dívida trabalhista que a deputada tem com um dos reclamantes saiu da conta bancária de uma funcionária lotada em seu gabinete na Câmara. Ela afirmou que reembolsava a funcionária, mas não apresentou os respectivos comprovantes.

Para Temer, a nomeação de Cristiane garante o apoio da bancada petebista ― uma das mais fiéis ao Planalto ― na votação da PEC da Previdência, embora nada garanta que ela ocorrerá mesmo no próximo mês: se o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, insistir em pautá-la somente quando houver 308 votos favoráveis, talvez ela só ocorra em 2019, quando Temer já terá deixado o cargo ― ou sido reempossado, pois estamos no Brasil, onde o passado é imprevisível e nada é impossível, por mais absurdo que pareça.

Jefferson disse que a nomeação da filha resgata sua imagem conspurcada pelo mensalão. Cristiane, que encerra neste ano seu primeiro mandato, é autora de uma PEC que visa restringir a reeleição de presidente, governadores e prefeitos a um único período subsequente. Além disso, ela apresentou um projeto para banir minissaias e decotes mais ousados dos corredores e salões da Câmara, votou favoravelmente ao impeachment da anta vermelha (“em homenagem a seu pai”) e apoiou o governo em questões importantes ― como a PEC dos gastos e a reforma trabalhista ―, bem como votou a favor do sepultamento das denúncias contra Temer (nem poderia ser diferente). Ao se licenciar do mandato parlamentar, ela cedeu sua cadeira ao suplente Nelson Nahin, que é irmão do ex-governador Anthony Garotinho e acusado de participar de uma rede de exploração sexual de crianças em adolescentes em Campos de Goytacazes. Como se vê, tudo gente do mais alto gabarito.

As sucessivas derrotas na Justiça desgastam ainda mais a imagem do presidente, mas ele não quer desagradar o PTB de Roberto Jefferson por razões fáceis de entender. Difícil de compreender por que Cristiane não abre mão do cargo de ministra, a despeito de toda essa celeuma. Aliás, presume-se que novos podres virão à tona, e no fim das contas os benefícios podem não compensar toda essa exposição. 

O que move Cristiane não é o foro privilegiado, que, como deputada, ela já tem. Tampouco me parece que seja o salário, visto que, atualmente, um deputado federal ganha R$ 33.763,00) por mês ― mais que um Ministro de Estado, cujo salário é de R$ 30.934,70. Será apenas uma questão de ego, ou será que tem dente de coelho nesse angu? Responda quem souber.   

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quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

O COMPLEXO DE VIRA-LATA E A LEI... ORA, A LEI!


A expressão “complexo de vira-lata” foi cunhada por Nelson Rodrigues durante a Copa de 1950, quando a seleção uruguaia derrotou a brasileira no Maracanã. A conquista da taça na Suécia, oito anos depois, e as vitórias em 1962, 1970, 1994 e 2002 elevaram o moral tupiniquim (até o fiasco de 7 a 1 na partida contra a Alemanha, em 2014), mas, fora do campo futebolístico, o “país do futuro” continua “deitado eternamente em berço esplêndido”.

Não haverá perspectiva de mudança enquanto os “vira-latas” não se conscientizarem de que é preciso eleger políticos sérios, que coloquem os interesses da nação à frente de suas próprias conveniências. Até lá, o país continuará “patinando”, sobretudo por conta da ignorância da população em geral, mas também devido ao inchaço da máquina pública e à vastíssima gama de regalias do funcionalismo ― como o execrável foro privilegiado, que torna quase 60 mil cidadãos “mais iguais que os outros”.

Infelizmente, não é só: Juízes, promotores, desembargadores e até ministros das nossas Cortes superiores agem como se leis só valessem quando vão ao encontro de suas crenças ou laboram em favor de seus apaniguados. Existe toda uma discussão sobre o Judiciário dever ou não ser um instrumento cego de aplicação da lei, mas nada se decide, e as decisões monocráticas dos ministros da nossa mais alta Corte, que deveriam contribuir para segurança jurídica, produzem resultados diametralmente opostos.

Vivemos numa democracia capenga, mas, mesmo assim, regida por leis. As leis podem ser boas ou ruins, necessárias ou inúteis, razoáveis ou estúpidas. Se causam mais mal do que bem, elas podem ― e devem ― ser revogadas e substituídas por outras que as corrijam. Mas é fundamental que sejam cumpridas por todos e aplicadas a todos da mesma forma e com os mesmos critérios ― pouco importando se o cidadão é ex-presidente da República ou punguista de feira, megaempresário ou ladrão de galinhas, médico-estuprador ou corretor zoológico ― e que as decisões tomadas hoje para este ou aquele tipo de caso ou circunstância sejam iguais às que serão tomadas amanhã em casos e/ou situações análogas.

Qualquer pessoa com o Q.I. de um pé de alface é capaz de entender a lógica de um sistema assim, mas nossos homens públicos preferem a morte a se sujeitarem à previsibilidade da lei. E ninguém trabalha tanto para manter a insegurança jurídica no Brasil do que o próprio Poder Judiciário. Como esperar, então, coerência, lógica ou respeito às leis se procuradores, promotores, juízes, desembargadores e ministros são os primeiros a rasgar essas leis quando se trata de aplicá-las a si mesmos ou a seus “bandidos preferidos”?

No Rio, Piccianis são presos, soltos e presos de novo; Garotinhos entram e saem da cadeia como de um hotel; Sérgio Cabral dá ordem aos carcereiros, e por aí vai. No meio de todo esse caos, a presidente do Supremo balbucia decisões incompreensíveis, enquanto a personificação de Zeus que habita não o Olimpo, mas o STF, e nas horas vagas preside o TSE concede um Natal mais feliz a (mais) oito políticos e empresários acusados ou suspeitos de corrupção. Apenas para citar um exemplo, Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador Sérgio Cabral e condenada a 18 anos de prisão por lavagem de dinheiro e por ter desfrutado de joias, viagens e diversos luxos do esquema de corrupção comandado pelo marido, trocou a cadeia de Benfica pelo conforto do cinematográfico apartamento do casal no Leblon. Segundo José Simão, durante o traslado a dondoca chegou a pedir ao agente da PF que desse uma paradinha no Shopping Leblon, pois ela queria passar na H. Stern (é gozação, naturalmente, mas só rindo para não chorar).

Por essas e por outras, o abaixo assinado que pede a cabeça de Gilmar Mendes, o cada vez mais impopular comandante da tropa de toga ― que transformou em espetáculo circense o “julgamento do século” no TSE, absolveu a chapa Dilma-Temer e nos ensinou que “a contundência das provas varia conforme o grau de amizade entre o presidente da Corte e o acusado” ― já contabiliza 1,6 milhão de assinaturas. Pelo visto, a popularidade de sua insolência é quase tão rasteira quando a de Michel Temer, e depois que a revista Veja dedicou mais de 10 páginas à relação obscura do magistrado com certo moedor de carne bilionário ― antes frequentador eventual dos porões do Palácio do Jaburu, hoje hóspede do fabuloso sistema penitenciário tupiniquim ―, a virulência das decisões estapafúrdias do ministro aumentou consideravelmente.

Na semana passada, esse laxante togado soltou réus e investigados da Lava-Jato a torto e a direito ― como Anthony Garotinho, Antonio Carlos Rodrigues, Miguel Schin e Gustavo Estellita ―, empenhou-se em retirar da alçada do juiz Moro processos contra réus do Quadrilhão do PMDB ― como Geddel, Cunha, Loures e companhia ―, investiu contra a condução coercitiva de testemunhas, enfim, pintou e bordou (mais detalhes nesta postagem). 

A julgar pelo que se tem visto, diversos membros do Supremo, que deveriam agir como guardiões da Constituição, atuam como advogados de defesa de criminosos. Parecem não ter noção de que não foram eleitos para coisa alguma, apenas passaram num concurso público e/ou foram nomeados para os cargos que ocupam (a propósito, Lewandowski e Toffoli eram meros advogados quando foram indicados para o STF por Lula).

Observação: A atual composição do Supremo é a pior da nossa história recente. À exceção do decano Celso de Mello, nomeado por Sarney, de Gilmar Mendes, herança maldita de FHC, de Marco Aurélio Mello, indicado pelo primo Fernando Collor, e de Alexandre de Moraes, escolhido por Michel Temer, todos os demais foram guindados ao cargo por indicação de Lula ou de Dilma.

Igualmente preocupante é a polarização do Supremo. De uns tempos a esta parte, intermináveis debates em linguagem rebuscada, quase pernóstica, denota uma batalha de egos que não interessa à nação, como tampouco decisões tomadas por 6 votos a 5. Na 2ª Turma, responsável pelos processos da Lava-Jato, a situação é ainda pior: o trio-calafrio (Mendes, Toffoli e Lewandowski) parece empenhado em derrotar o relator Edson Fachin, que fica isolado ou, quando muito, é acompanhado pelo voto do ministro Celso de Mello.

Visões diametralmente opostas são um problema sério para o país. O debate é saudável e a troca de opiniões pavimenta o caminho para uma democracia consolidada, mas, ultimamente, a impressão que se tem é de que, mais do que lei ou a jurisprudência, vale mesmo é a posição pessoal de cada ministro, não raro expressa na base do grito ou em bate-bocas que nos dão a impressão de estarmos assistindo a uma guerra de egos. Tudo isso produz insegurança e depõe contra a sobriedade que se espera de um colegiado como o STF, ainda mais quando as sessões são televisionadas e transmitidas ao vivo para todo o Brasil.

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