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segunda-feira, 17 de outubro de 2022

UM PAÍS SUI GENERIS


O debate foi medíocre, como era esperado de dois candidatos medíocres que um eleitorado medíocre escalou para disputar o segundo turno. A meu ver, ambos saíram menores do que entraram.


O eleitor brasileiro parece desconhecer a máxima segundo a qual fazer sempre a mesma coisa esperando resultados diferentes é insanidade. Na primeira eleição direta para presidente da Nova República, dos 22 postulantes — entre os quais se destacavam Ulysses Guimarães, Mário Covas, Leonel Brizola e Fernando Gabeira —, foram despachados para o segundo turno um caçador de marajás demagogo e populista e um ex-metalúrgico populista e demagogo. 

O perigo de eleger políticos demagogos e populistas aumenta exponencialmente quando o povo é vocacionado a "endeusá-los", entronizando no poder quem sempre lá esteve e sempre. Pode-se atribuir parte da culpa ao Criador, mas não é Dele o dedo podre (ou o casco canhestro) que pressiona alegremente o botão verde da urna, quando vê a foto do candidato que o manterá na sarjeta pelos próximos quatro anos. 
 
Voltando à eleição solteira de 1989, Collor derrotou Lula, mas acabou impichado. Seu vice, Itamar Franco, foi considerado uma figura patética e lembrado pela ressurreição do fusca e pela foto ao lado da modelo sem calcinha Lilian Ramos, mas e foi durante sua gestão que Fernando Henrique e seus "notáveis" criaram o Plano Real, pondo fim a uma hiperinflação de 80% ao mês e propiciando a eleição do tucano de plumagem vistosa no primeiro turno do pleito de 1994. Picado pela mosca azul, FHC conseguiu que o Congresso aprovasse a PEC da Reeleição — essa, sim, a verdadeira "herança maldita" dos governos do PSDB — e tornou a se eleger em 1998, mas não conseguiu emplacar José Serra em 2002.
 
Com a vitória de Lula, o PT criou o Mensalão, que resultou na prisão de petralhas alto coturno — curiosamente, o maior beneficiário do esquema não foi incluído na ação penal 470 (que levou incríveis sete anos da instauração ao julgamento final). Lula foi reeleito e em 2006 e, em 2010, escalou um "poste" para manter aquecida a poltrona que ele pretendia voltar a ocupar dali a 4 anos. No entanto, a criatura pegou gosto pelo poder e, contrariando seu criador, fez o diabo para se reeleger. 
 
Dilma conseguiu se reeleger (mediante um monumental estelionato eleitoral), mas acabou afastada em maio em maio de 2016 e deposta em agosto, interrompendo 13 anos 4 meses e 12 dias de lulopetismo corrupto — àquela altura, o Petrolão já campeava solto, desviando uma parte dos contratos milionários da Petrobras para contas secretas controladas por integrantes de grupos políticos e econômicos que apoiavam o governo. Com o impeachment da gerentona de araque, seu vice, Michel Temer, assumiu o comando da Nau dos Insensatos, mas foi abatido em seu voo de galinha antes de cruzar a miserável pinguela que o levaria a ostentar a faixa presidencial até o final de 2018 (detalhes nesta postagem).
 
A pergunta que se coloca é: foi para isso que lutamos tanto pelas “Diretas Já”? Desde a redemocratização que o Brasil vem sendo governado como uma usina de processamento de esgoto, onde a merda entra por um lado e sai pelo outro. Entre a porta de entrada, que é aberta nas eleições, e a de saída, que se abre quando muda o governo, a merda muda de aparência, troca de nome e recebe nova embalagem, porém continua sendo merda. 

A merda reprocessada no governo Lula desaguou no governo Dilma e se reprocessou no governo Temer. O material processado pela usina continuou o mesmo nas três fases, durante a compostagem de políticos “do ramo”, empreiteiras de obras públicas, escroques de todas as especialidades, fornecedores do governo, parasitas ideológicos, empresários declarados “campeões nacionais” por Lula, por Dilma e pelos cofres do BNDES. 
 
Temer foi parte integrante da herança que Lula deixou para os brasileiros. A reboque dele, vieram Eduardo CunhaRenan CalheirosJosé Sarney (e família), Romero JucáEliseu PadilhaEunício OliveiraGeddel Vieira Lima etc. E a eles se juntaram empresários “nacionalistas” dos governos petistas, como Joesley e Wesley BatistaEmílio e Marcelo OdebrechtEike Batista e outros capitães da indústria que se tornaram inquilinos do sistema penitenciário nacional.
 
Durante algum tempo, a Lava-Jato nos deu a ilusão de que lei valia por igual para todos. Lula e seus benfeitores da Odebrecht e da OAS foram parar na cadeia, mas o STF mudou (pela enésima vez) a jurisprudência sobre prisão em segunda instância, anulou as condenações do ex-presidiário e pregou no ex-juiz Sergio Moro a pecha da parcialidade.
 
Somada ao notório brilhantismo da malta tupiniquim (falo daquela que se convencionou chamar "eleitorado"), essa formidável sequência de descalabros levou a usina de compostagem a produzir o bolsonarismo. Enquanto Lula oscilava entre a prisão e o Planalto, Bolsonaro, que até então não passava de um dublê de mau militar e parlamentar medíocre, comia pelas beiradas. À luz da Teoria das Probabilidades, um anormal ser eleito presidente da República seria improvável; dois, inacreditável; três, e em seguida, virtualmente impossível. Mas não no Brasil. 
 
Lula ocupou a Presidência de 2003 a 2010; Dilma, de 2011 a 12 de maio de 2016; e Bolsonaro, de 2019 até não se sabe quando. Se vivêssemos num país normal, essa dúvida seria dirimida no próximo dia 30. Como não é, o futuro a Deus pertence. Mas parece que o Capiroto também tem voto decisivo na assembleia dos acontecimentos.

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

JUS SPERNIANDI — QUANDO O INCONFORMISMO SE TORNA ABUSO DO DIREITO DE RECORRER


Bolsonaro venceu em 13 Estados e no DF, mas não se reelegeu por uma diferença de pouco mais de 2 milhões de votos. Parece pouco diante de um universo de 118.552.353 votos válidos, mas é muito se considerarmos que apenas 17 municípios brasileiros têm mais de 1 milhão de habitantes. A derrota não foi acachapante, mas decretou o fim da mais abjeta gestão desde a redemocratização, ainda que não o fim do bolsonarismo. Até o fechamento deste texto, o prolongado silêncio do "mito" já o tornava o candidato derrotado que mais demorou a falar depois de uma eleição no qual saiu perdedor.

Atualização: Aleluia! Also sprach Bolsonaro"Quero começar agradecendo os 58 milhões de brasileiros que votaram em mim no último dia 30. Os atuais movimentos populares são fruto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral. As manifestações pacíficas sempre são bem-vindas, mas nossos métodos não podem ser os da esquerda, que sempre prejudicaram a população, como invasão de propriedade, destruição de patrimônio e cerceamento do direito de ir e vir", disse sua alteza irreal num pronunciamento de 2 minutos e digno de um estadista como manda o figurino (como todas as ironias de estilo). Ou, na avaliação de Josias de Souza, "uma pantomima deplorável e deprimente"Apesar de ter criticado os bloqueios, Bolsonaro atribuiu as manifestações anti-democráticas à "indignação e sentimento de injustiça em relação ao processo eleitoral". Um pronunciamento deplorável, seja porque chegou tarde, seja porque chegou mal.
 
O encastelamento desse senhor evidenciava a intenção de não dispensar a seu sucessor a mesma deferência que lhe foi dispensada por Michel Temer há quatro anos. Não fosse assim, o Tribunal de Contas da União (TCU) não teria anunciado a criação de um comitê para garantir a transição do governo — com duração de 90 dias contados do último dia primeiro. Demais disso, desde o anúncio do resultado do pleito que caminhoneiros vêm organizando bloqueios em protesto contra o resultado das urnas. 
 
Um grupo majoritário de ministros do STF firmou um acordo tácito para reagir com rapidez a qualquer movimento que ameace a transição de governo e o processo democrático. Disseminou-se entre as togas a convicção de que a Polícia Rodoviária Federal faz corpo mole diante dos bloqueios — coisa deliberada, com o aval do Planalto. O entendimento resultou no referendo relâmpago à ordem do ministro Alexandre de Moraes, que também preside o TSE, para que a Polícia Rodoviária Federal cumprisse o dever legal de liberar o tráfego. Nas palavras desse ministro, há "um desejo coletivo de evitar que ocorra no Brasil algo parecido com um Capitólio". 
 
De acordo com a decisão avalizada pelo plenário do Supremo, a desobediência pode custar o cargo ao diretor bolsonarista da PRF, além de prisão em flagrante e multa de R$ 100 mil por hora de omissão. A Corte determinou também que o ministro bolsonarista da Justiça adotasse as providências cabíveis. Na manhã desta terça-feira, Anderson Torres informou que os policiais rodoviários estavam trabalhando "ininterruptamente" para desbloquear as estradas. Mas ainda havia 271 trechos bloqueados em rodovias de 14 estados.
 
Bolsonaro se espelha em Donald Trump e nunca disfarçou a intenção de protagonizar uma versão tabajara da invasão do Capitólio. Fora do poder, o ex-presidente dos EUA conseguiu manter o trumpismo vivo e, como força política, segue em plena forma. No Brasil, a antipolítica se mostrou forte nestas eleições — embora não tão forte quanto foi em 2018 —, e o bolsonarismo se consolidou como opção popular de direita num país dividido, apesar de sua ficha-corrida de má governança e das bizarrices ideológicas resumidas nas ações armadas de aliados nesta semana que passou.
 
Observação: A ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanas, ora senadora eleita pelo DF, afirmou que o presidente "deixará o cargo, em janeiro, de cabeça erguida, com a certeza de dever cumprido" — pausa para as gargalhadas.
 
Bolsonaro poderia simplesmente gastar os dias que lhe restam até a transmissão do cargo dedicando-se ao ócio que tanto aprecia, mas prefere pôr e risco a frágil estabilidade do país demonstrando inconformismo com a vitória do adversário. Isso é que é patriotismo, mais é prosa.
 
Uma medida provisória editada por FHC em 2002 (e convertida na lei 10.609) garante ao presidente eleito o direito de exigir, inclusive judicialmente, a integração de sua equipe de transição à administração federal. Mesmo que Lira e Aras deixassem de blindar o ainda chefe do Executivo, não haveria tempo hábil para um impeachment ou um processo por crime comum resultar em deposição. A partir de janeiro, com o fim do foro privilegiado, as ações que tramitam contra ele no STF baixarão para a primeira instância, e procuradores dos Ministérios Públicos dos estados onde os supostos crimes foram cometidos também poderão indiciar o já ex-mandatário. Mas é improvável que Bolsonaro acabe na cadeia.
 
Processos envolvendo ex-presidentes eleitos pelo voto direto desde a redemocratização renderam 580 dias de "férias compulsórias" a Lula e míseros 5 dias de prisão preventiva a Temer — que foi solto por uma liminar concedida monocraticamente por um desembargador que J.R. Guzzo classificou magistralmente como “especialista em libertar ladrões do erário que ficou sete anos afastado da magistratura por acusações de praticar estelionato”. Já Lula, em seu périplo rumo à canonização, voltará ao Planalto no dia 1º de janeiro de 2023. 
 
Não era esperado que Bolsonaro cumprimentasse Lula pela vitória, mas daí a não se pronunciar sobre sua derrota por quase 48 horas, dando azo a ações espúrias como a dos caminhoneiros — que vão muito além das tais "4 linhas da Constituição" —, vai uma longo distância. 

De acordo com a coluna de Andréia Sadi no g1, Bolsonaro não está em silêncio nem tampouco nega a aliados a vitória de Lula. Ele está inconformado com sua primeira derrota nas urnas desde que disputou uma eleição para vereador nos anos 1980. O que ele quer, na avaliação da colunista, é mais tempo como “presidente do caos”. Em grupos de WhatsApp com militares reformados e integrantes do governo, circulam mensagens de bolsonaristas comemorando os bloqueios que atrapalham a vida da população.
 
Bolsonaro conta com aliados como os ministros da Justiça e do GSI, diz Sadi, mas não conta com o Centrão. Ainda no domingo, ao ser informado de que a fiscalização de militares nas urnas do segundo turno não havia encontrado nada de errado, o presidente foi dormir. Na segunda, iniciou o processo da sua transição particular: tentar prorrogar seus últimos dias na presidência fazendo o que sabe de melhor: muito barulho sob o signo do caos. 

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

O BRASIL DO “NOVO RENAN”. E COM LULA LÁ.


Embora eu tenha tuitado e publicado no Face a notícia minutos após o acidente de helicóptero ocorrido no início da tarde de ontem ter resultado na morte de Ricardo Boechat, registro também aqui meu pesar pela perda de um dos maiores ícones (se não o maior) do jornalismo tupiniquim. Com quase 50 anos de carreira e uma coleção de prêmios no currículo, Boechat atuava como apresentador do Jornal da Band e âncora da BandNews FM e era tido pelos colegas como um grande sujeito. Lamento não o ter conhecido pessoalmente e, mais ainda, sua partida prematura. O carequinha era uma ilha de lucidez num oceano midiático que se divide basicamente em duas categorias: a dos que têm merda na cabeça e a dos que tomaram purgante.
E Lula lá...

Remover o entulho e se livrar de tralhas que drenam a energia boa e contaminam o ambiente é fundamental. Mas mesmo depois da reciclagem que os eleitores fizeram no Congresso, ainda há muita podridão encalacrada por lá. Um bom exemplo é o Cangaceiro das Alagoas, que mais uma vez se reelegeu senador — o que não chega a surpreender, visto que nesse mesmo estado o Caçador de Marajás de araque conseguiu a mesma proeza assim que seus direitos políticos, cassados juntamente com o mandato presidencial em dezembro de 1992, foram restabelecidos.

Renan Calheiros é um tipo de craca de difícil remoção. Ele ingressou na vida pública nos anos 1970; em 1989, já deputado federal, articulou articulou a eleição de Collor, mas rompeu com o governo e chegou a depor contra o marajá corrupto na CPI que investigou o esquema PC Farias. Em 2002, então promovido a senador da República, apostou em José Serra contra Lula, mas acabou apoiando a adesão do então PMDB ao governo petista, acumulando poder para se eleger presidente do Senado em 2005. Foi aliado do PT até a véspera do impeachment de Dilma, quando pulou para o barco de Michel Temer — com quem rompeu no ano seguinte para se aliar ao PT em prol de sua reeleição nas Alagoas, estado afinado com o lulismo. Abrilhanta seu currículo o fato de ter sido o primeiro presidente do Senado a se tornar réu no exercício do mandato, além de ser alvo de outros 11 inquéritos no STF — 8 dizem respeito à Lava-Jato, um à Zelotes, um a desvios em Belo Monte e outro sobre o caso Monica Veloso. Passada a campanha eleitoral, o camaleão alagoano reatou com Temer e se realinhou ao novo eixo de poder para se aproximar de Bolsonaro. Ao tentar reconquistar a presidência do Senado, porém, foi derrotado por Davi Alcolumbre numa eleição conturbada, eivada por tentativas de fraude e requintes de briga de cortiço.

Até duas semanas atrás, Renan Calheiros era tido como invencível por 10 entre 10 analistas políticos deste país, que pareciam não ver que o político vinha sendo mastigado e cuspido, dia sim, outro também, pelas redes sociais — as mesmas que calaram a pretensão do Congresso em “negociar pesado” na formação do ministério — os políticos, que iriam “dobrar o governo”, tiveram de engolir com casca e tudo o primeiro escalão que está aí, inclusive com uma dúzia de generais dentro —, e que anularam qualquer possibilidade de soltar Lula no tapetão, com jogadinhas de advogado “garantista”. Segundo mais de 100% dos doutores em ciência política deste país, a chance de qualquer outro senador a raposa alagoana era a mesma de alguém mudar os 90 graus do ângulo reto. A horrenda rejeição popular a seu nome era tratada, nos mesmos meios, como uma fantasia de amadores; “pressão de rua” não existe nesses casos, garantiam os entendidos. “Política de verdade”, em seu livro, não tem nada a ver com redes sociais, etc. Esse Bolsonaro, os vinte generais do seu primeiro escalão, o ministro Sergio Moro, etc., iriam aprender, enfim, que é impossível governar o Brasil sem “ceder aos políticos”, e o sinônimo de política no Brasil era Renan Calheiros. Só que deu zebra — mais uma vez ao contrário, aliás, como tem dado dia após dia.

O jornalista J.R. Guzzo, uma das poucas cabeças pensantes que restaram no elenco da revista Veja, escreveu recentemente em sua coluna que os ministros supremos deveriam começar a pensar nos seus próprios couros. Desde que acabou o regime militar, suas excelências se transformaram numa espécie de orixás que nenhuma força do mundo é capaz de tirar do emprego; dois presidentes da República já foram para o saco, mas os toffolis, e gilmares, lewandowskis e distinta companhia continuam agarrados ao osso, mais firmes que o Pico da Bandeira na Serra do Caparaó. Mas e daqui para frente, com esse temporal que está ficando cada vez mais bravo — vão continuar fora da lei?

Coisas que nunca aconteceram antes sempre podem acontecer uma primeira vez. As redes sociais, que estão construindo realidades brutalmente inéditas neste país, podem muito bem ir para cima de qualquer sultão do STF e cobrar o seu impeachment de um Congresso com pouca estamina para enfrentar o ronco da rua. Era impossível. Não é mais. A Receita Federal abriu um trabalho para identificar “focos de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência” do ministro Gilmar Mendes e de sua mulher, Guiomar — o relatório, de maio de 2018, aponta uma variação patrimonial sem explicação de R$ 696.396 do ministro em 2015 e conclui que Guiomar “possui indícios de lavagem de dinheiro”. O jurista Modesto Carvalhosa vai protocolar novamente os pedidos de impeachment de Gilmar e Lewandowski, que vão se juntar ao novo pedido de impeachment de Toffoli. Pelo visto, a Operação Lava-Toga vai começar.

Continuamos vivendo no Brasil, mas o país em que vivemos é cada vez menos o mesmo. O Brasil dos renans, dos “profissionais” da política e das “realidades de Brasília” está sumindo aos olhos de todo mundo; não existe mais como existia seis meses atrás, e menos ainda como há um, dois ou cinco anos. Não é isso que dizem para você, tanto que, vale reforçar, há pouco mais de uma semana a vitória de Renan para a presidência do Senado era dada como uma verdade científica. No mundo dos fatos, que é o único que conta, revelou-se uma raposa cega, surda e aleijada, com prazo de validade vencido e incapaz de notar que estava desfilando nua no meio da rua. Em vez de olhar para a realidade, ela preferiu acreditar nos especialistas, e acabou virando estopa.

É sempre mais fácil dizer o resultado do jogo depois que o juiz deu o último apito, claro. Mas no caso de Renan daria pelo menos para desconfiar, com trinta minutos corridos do segundo tempo e 3 a 0 no placar para o outro time, que a coisa tinha se complicado horrivelmente. Encantados em medir o tamanho do problema que iriam criar para o governo, Renan e os profissionais que sempre veem tudo, menos o que está acontecendo, não perceberam o tamanho descomunal da resistência ao seu nome. Esse erro de avaliação pode ser fatal hoje em dia: o político brasileiro padrão está gostando cada vez menos de ficar do lado contrário ao da opinião pública, tal como ela se manifesta na internet ou na rua. Está sendo assim desde o impeachment de Dilma, a partir de quando a palavra “rejeição” se tornou a preocupação número 1 de quem pretende sobreviver na política. O desfecho das eleições de outubro, com o massacre geral das candidaturas que caíram em desgraça na boca do povo, está aí para provar.

Diante de tudo isso, Renan nem deveria ter lançado sua candidatura. Tendo lançado, deveria tê-la retirado. Não tendo retirado, deveria ao menos deduzir que a maioria dos senadores lhe dera um aviso sério de que sua candidatura estava liquidada, na prática, quando decidiram que a eleição deveria ser feita com voto aberto. Mas não. A raposa agonizante resolveu pedir proteção ao Supremo e conseguiu, de fato, preservar o voto secreto — acreditava, junto com os ases da observação política nacional, que, podendo esconder seus votos, os senadores que não queriam votar nele passariam a querer. Não adiantou nada, é óbvio. Se os eleitores têm vergonha de votar em você, não há mais nada a fazer nos dias atuais: peça para sair, porque a sua candidatura foi para o saco. Mas a vida real anulou em dois minutos a decisão do STF. Os adversários anunciaram que iriam declarar em voz alta em quem votariam e, com isso, forçaram todos a fazer o mesmo. Fim do jogo. Renan acabou tendo uma soma de cinco votos, derrotado por um senador principiante do Amapá do qual ninguém jamais tinha ouvido falar.

O que interessa, uma vez terminada essa comédia, não são os finíssimos cálculos de engenharia política em torno da eleição, as desculpas miseráveis dos autores das previsões erradas ou os habituais atos de delinquência praticados nessas ocasiões, como o delito de furto cometido pela senadora dilmo-renanzista Katia Abreu, que achava que roubando um documento da mesa iria “virar o jogo” para Renan. O que interessa é que o Renan Calheiros que podia tudo não existe mais. Acabou-se para ele o conforto de ignorar dez anos de acusações de peculato, uso de notas frias, corrupção passiva, criação de boiadas mágicas e por aí afora, em uma dúzia de processos no STF — o melhor que pode lhe acontecer, agora, é não ir para a cadeia.

Sumiu do mapa, em suma, o Renan todo-poderoso de Fernando Henrique, de Lula e de Dilma. Continua aí, claro, e os mesmos que previam sua vitória profetizam agora que ele será um “problemaço” para o governo — revoltado com a derrota, vai se vingar melando “as reformas”. Mas é apenas outra ilusão. Renan nunca mais vai presidir coisa nenhuma. Não manda em nada. Não tem a caneta de presidente do Senado e, portanto, não pode distribuir verbas, empregos e outros negócios em troca de poder. Sem caneta, vira um eunuco político — e isso faz diferença, sim, para o país.

A derrocada de Renan Calheiros oferece mais uma oportunidade para entender outra realidade deste Brasil que está mudando — a agonia, morte e enterro, como força política, da esquerda nacional e do seu líder nos últimos trinta anos. É uma realidade normalmente ignorada, mas ignorar que 2 mais 2 são 4 não faz nenhuma diferença; a soma continua sendo 4. Nada combina tão bem essas duas decadências quanto a mais recente quimera cultivada pelo Complexo Lula-PT-PSOL-MST-etc. Acredite se quiser, eles achavam que Renan, hoje seu principal amigo de fé, irmão e camarada, iria formar ao redor de si um fortíssimo “polo de poder alternativo” no Brasil, e que esse prodígio seria capaz de enfrentar o “governo fascista” e dar, afinal, os músculos políticos de que a “resistência” tanto precisa.

Como Lula e seu sistema de apoio puderam acabar dando nisso? Resposta: pela obsessão por tomar decisões erradas, escolher companhias ruinosas, de Marcelo Odebrecht a Sérgio Cabral, e recusar-se a admitir o mínimo erro. Por culpa unicamente de suas decisões, e não de “golpes” imaginários, das “elites” ou da CIA, Lula virou uma espécie de rosca sem fim. Ele e o “campo progressista” se meteram num enrosco esquisito: quanto mais perdem, mais esforço fazem para perder de novo. Seu lema, hoje, parece ser: “Derrota ou morte”. Ficaram com as duas.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

ACABOU O CARNAVAL (FINAL)

 

Antes de encerrar esta sequência — ou interrompê-la, melhor dizendo, já que é inevitável retomar o assunto mais adiante —, relembro um brocardo atribuído a Magalhães Pinto: "Política é como as nuvens; a gente olha e elas estão de um jeito, olha de novo e elas já mudaram". E vou mais além: "Escrever sobre política é como trocar pneu com o carro em movimento", pois o cenário, caleidoscópico, muda numa questão de segundos. 

 

Em seus quatro anos de mandato, Bolsonaro moveu montanhas para converter o Brasil numa autocracia de bananas, e, nesta banânia em particular, a Justiça não só tarda como nem sempre chega. Não houvesse na Praça dos Três Poderes uma filial da Pizzaria do Inferno, eu diria que a prisão do "imbrochável seriam favas contadas — como disse sobre a de Lula muito antes de sua condenação no processo do triplex. Mas é impossível não lembrar que Bolsonaro foi alvo de 150 pedidos impeachment e colecionou dezenas de acusações por crimes comuns, e que tudo foi parar na lata do lixo devido à inércia de Rodrigo Maia, à cumplicidade de Arthur Lira e à subserviência do antiprocurador Augusto Aras (que acreditou na promessa de uma vaga no STF, mas ficou a ver navios). 

 

O petismo experimentou forte crescimento até 2002 — ano em que Lula finalmente ascendeu ao Planalto após três derrotas consecutivas para o PSDB — em 1989, 1994 e 1998 —, mas começou a declinar em 2013. Em 2016, o impeachment de Dilma acirrou a polarização semeada por seu criador e mentor com o "nós contra eles", e a rejeição ao PT e seus satélites anabolizou a extrema direita, ensejando a vitória de Bolsonaro em 2018. Mas não há nada como o tempo para passar e o vento para mudar. 

 

Depois de gozar 580 dias de férias compulsórias em Curitiba, Lula deixou sua suíte VIP na carceragem da PF, foi "descondenado" e reabilitado politicamente por togas camaradas e derrotou Bolsonaro com a menor diferença de votos entre postulantes à Presidência no segundo turno desde a redemocratização. A propósito, volto a frisar que extirpar o câncer do bolsonarismo antes que ele evoluísse para metástase era fundamental, mas trazer o PT de volta ao Planalto era opcional. As demais opções eram desalentadoras, mas mesmo assim...

 

Ao vestir a faixa presidencial pela terceira vez, o pontifex maximus da seita do inferno pareceu acreditar que fora eleito o cargo de Deus. Sem se dar conta de que já não esbanja carisma como em 2010 — quando se orgulhava de eleger até poste —, confunde o Planalto com o Olimpo da mitologia grega. Para acomodar aliados da falaciosa "frente democrática", criou dezenas de novos ministérios. Para as pastas já existentes, nomeou antigos aliados — muitos dos quais foram sepultados no julgamento do Mensalão ou submergiram quando a (hoje finada) Lava-Jato expôs as entranhas pútridas do Petrolão. 

 

Lula recebeu em Palácio — e com pompa e circunstância — o ditador venezuelano Nicolás Maduro. Presenteou Dilma, a inolvidável, com a presidência do Banco do Brics. Indicou para o STF seu amigo e advogado particular Cristiano Zanin e seu ministro da Justiça Flávio Dino. Para ocupar o lugar do ministro declaradamente comunista, chamou de volta da aposentadoria o velho "cumpanhêro" Ricardo Lewandowski — cujos ombros ele próprio cobriu com a suprema toga em 2006, a pedido da então primeira-dama, que era amiga da mãe do magistrado. 

 

No primeiro ano de sua terceira gestão, O primeiro-casal passou visitou 26 países a expensas dos contribuintes. Na última sexta-feira, depois de visitar o Egito, Lula e Janja — que encarna o papel de presidenta-adjunta — iniciaram um passeio de três dias pela Etiópia. Mas não é só: Janeiro nem tinha acabado e os ministros Daniela Carneiro Juscelino Filho já estavam enroscados — ela, devido a uma esquisita relação eleitoral com milícias da Baixada Fluminense, e ele, ao uso do dinheiro de emendas parlamentares para beneficiar a fazenda da família. Daniela deixou a pasta do Turismo em julho, mas Juscelino segue no comando das Comunicações, a despeito de novos enroscos terem vindo à luz — de diárias e requisição de jatinhos da FAB para viagens pessoais a emprego de funcionário-fantasma e uso do gabinete pelo sogro para receber empresários e realizar despachos.

 

Lula está velho e rabugento. No ano passado, a dor no joelho não o deixava dormir direito. Uma "pneumonia leve" resultou no adiamento de sua viagem à China. O petista disse que estava poupando a voz para o encontro com Xi-Jinping, mas vale lembrar que nem o líder chinês fala português, nem o brasileiro domina o mandarim — na verdade, Lula mal consegue se expressar em português sem assassinar o vernáculo. 


Dias atrás, na Etiópia, Lula voltou a se referir à ação militar israelense em Gaza de "genocídio" e comparou a situação com o HolocaustoA fala foi considerada antissemita por entidades judaicas e israelitas e acendeu o pavio de mais uma crise diplomática. Benjamin Netanyahu disse que o brasileiro "cruzou a linha vermelha" com essa comparação "vergonhosa", e determinou que o embaixador do Brasil em Israel seja chamado às falas. Se serve de consolo, o Hamas agradeceu a declaração do Sun Tzu de Garanhuns, que, segundo o grupo terrorista, descreveu com perfeição o que acontece na Palestina. Alguém deveria fazer a ele a pergunta que o rei Juan Carlos fez a Maduro em 2007¿Por qué no te callas?
 
Saber quando calar é uma virtude, sobretudo quando um governo que mal começou começa mal sob muitos aspectos. Lula queria a cabeça de Roberto Campos Neto, como se a Selic estivesse em 13,75% por um capricho do presidente do BC, e não como tentativa de conter a inflação. O mal que o xamã do PT disse desejar "a esse cidadão que chefia o Banco Central" perdeu a relevância diante da incapacidade de Lula de fazer bem a si mesmo e a seu governo. Enquanto o bumbo de Haddad assegurava que a nova regra fiscal e a reforma tributária fariam deslanchar a economia, seu chefe sinalizava a investidores que ansiavam pelo nascer do Sol que a alvorada talvez, quem sabe, só chegaria em abril. Ela não chegou, e dinheiro não gosta de dúvidas e imprevistos.
 
No comando da pasta da Defesa, Dino não apreendeu armas destinadas ao crime organizado, que cresceu e ficou ainda mais organizado sob sua gestão, mas ganhou sua suprema toga. Anielle Franco — a ministra da "Igualdade Racial" que embolsava mais de R$ 400 mil por ano para não trabalhar numa empresa estatizada — requisitou um jatinho da FAB para assistir a um jogo de futebol no estádio do Morumbi, na capital paulista. E o resto é pinga da mesma pipa.

Apesar disso tudo (e muito mais), torço pelo sucesso do atual governo. Não por patriotismo hipócrita, mas porque mudar de país a esta altura da vida não é uma opção que eu possa me dar ao luxo de exercer. Faço votos de que a derradeira passagem de sua alteza pelo Planalto contribua para mitigar a abjeta polarização que tanto mal fez ao Brasil nos últimos anos, notadamente depois que o capitão-rascunho-do-mapa-do-inferno tomou o lugar que o tucanato ocupou de 1994 até 2014. 
 
Numa sociedade polarizada, um presidente que tem respaldo do Congresso consegue implementar políticas públicas que privilegiam seus apoiadores em detrimento do restante da sociedade. Essa erosão da representação política só não sufocará nossa frágil democracia se o eleitor mediano — que é o esteio da estabilidade e da racionalidade — reassumir seu posto, pois só assim o país escapará da sinuca de bico criada por idiotas de esquerda e extremista boçais de direita. Cabe à esquerda (enquanto poder) suavizar a radicalização interna, e à direita (como oposição) abandonar o extremismo e se reagrupar como um movimento mais ao centro. Sem esse esforço conjunto, o Brasil dificilmente voltará a crescer. Mas, desgraçadamente, não é isso que está acontecendo. 
 
Bolsonaro tem um longo histórico de ataques às instituições. Agora, em face das revelações da Tempus Veritatis, ele lança mão da mesma tática que usou inutilmente contra o STF e o TSE: gente na rua. A manifestação, por si mesma, não é crime. Mas, quando diz querer a "fotografia", confessa que seu objetivo é constranger o Supremo. O chefe do clã das rachadinhas e das mansões milionárias segue firme em seu intento de cassar as prerrogativas das togas — como fez reiteradamente quando presidente. Enquanto ele tentava executar sua catastrófica política de saúde — que correspondia a homicídio em massa —, decisões emanadas do Supremo salvavam milhares de vidas, inclusive garantindo a vacinação.
 
Diante de um inevitável encontro com a cadeia, o "mico" tenta fazer alguma coisa — com o mesmo desespero de quando buscava evitar a eleição do adversário, alertando que depois seria tarde demais. Como bem anotou Reinaldo Azevedo em sua coluna, Bolsonaro será preso. Pode não ser amanhã, mas também pode ser. Só depende dele. 

Que faça besteira e que seja preso. Pelo bem do Brasil.

terça-feira, 26 de março de 2024

DANDO NOME AOS BOIS (PARTE 4)

 

Na festa do 44º aniversário do PT os desafios da legenda foram insinuados na lista de presentes e ausentes. Abaixo de Lula e respectiva cuidadora destacaram-se José Dirceu e Delúbio Soares — uma dupla com um enorme passado pela frente — e o vice Geraldo Alckmin, que até anteontem dizia que eleger Lula era promover a volta do criminoso à cena do crime. A ausência mais notada foi a de Fernando Haddad, cuja aprovação pelo mercado financeiro cresceu de 43% para 50% desde o final do ano passado, enquanto a rejeição de seu chefe disparou de 52% para 64% no mesmo período.

 

O PT foi fundado em 1980 com o propósito de fazer política sem roubar nem deixar roubar, mas fez da corrupção a pedra fundamental do projeto de poder de seu xamã. Embora os petistas se valessem desde sempre da experiência secular dos comunistas em aparelhamento do Estado para disseminar a corrupção nas prefeituras administradas pelo bando, o fedor de podre só contaminou a atmosfera quando Roberto Jefferson, o barítono do Mensalãodenunciou o que acontecia nos porões palacianos. 

 

Durante as gestões de Lula e Dilma os cofres públicos foram saqueados pela mais vil agremiação de ladrões que já rastejou pelo Planalto. Além de enriquecer os envolvidos e ensejar a distribuição de bilhões em propina na forma de caixa 1, caixa 2, dinheiro vivo, depósitos em contas secretas e vantagens dissimuladas, o dinheiro pilhado bancou as campanhas presidenciais de 2006, 2010 e 2014. 


Resumo da ópera: Mensalão e Petrolão transformaram o "partido do futuro" em "partido do 'faturo'", e adubaram a semente do bolsonarismo. 


Na campanha de 2022, Lula anunciou que seu terceiro mandato seria o último. Eleito, voltou a acalentar o sonho da reeleição. Em tese, Haddad seria a melhor escolha para renovar o arco democrático que se formou em 2022, mas Lula sempre sufoca lideranças emergentes que tenham potencial para lhe fazer sombra, e assim se torna uma "palmeira hegemônica e solitária no gramado da esquerda".


Lula já culpou a OTAN e o presidente Zelensky pela invasão da Ucrânia, garantiu Putin não seria preso durante sua visita ao Brasil e fez malabarismos para não culpá-lo pela morte do opositor Alexei Navalny. Ele próprio enviou uma carta ao Kremlin parabenizando o déspota pela "vitória" (com receio de que um apoio expresso do Itamaraty aumentasse ainda mais a reprovação de seu governo). Criticou o trabalho do presidente do BC na calibragem da política monetária e ameaçou intervir na Petrobras e na Vale (derrubando em bilhões o valor de mercado das duas maiores empresas do país). 


ObservaçãoA ingerência do governo em companhias abertas vem contribuindo para azedar ainda mais o humor de investidores em relação ao Brasil. Analistas do banco de investimentos Goldman Sachs recomendam a troca de ações de estatais brasileiras por ações de empresas privadas depois que o intervencionismo do governo superou o desequilíbrio nas contas públicas no ranking dos principais riscos no Brasil. 


Na Segurança, a percepção sobre a força do crime organizado não mudou com Dino e tudo indica que não mudará sob Lewandowski. Se a economia foi bem, o desemprego diminuiu, o PIB cresceu e inflação ficou sob controle, não foi graças a Lula, mas apesar dele. E a sensação de melhora ainda não se disseminou entre as pessoas que vão à feira e ao supermercado. Incumbido de desenvolver estratégias para mudar, o marqueteiro baiano Sidônio Palmeira (que atuou na campanha de 2022) precisará da ajuda dos Orixás para de moldar com fumaça a jabuticaba do presidente, já que não existem árvores dando frutos na paisagem.]


Parecendo acreditar que sua impopularidade se deve a "problemas de comunicação", Lula manda seus 38 ministros baterem o bumbo, como se houvesse grandes coisas a alardear. Na reunião do último dia 18, a ministra da Saúde deixou a sala em prantos. Os responsáveis pela Comunicação Social e pela Justiça e Segurança Pública também ficaram sob a mira do chefe. Alguém deveria lembrar o presidente de que as pessoas não se transformam no que não são, e que cabe a ele combinar os atributos dos escolhidos às funções a serem exercidas.


A percepção sobre a força do crime organizado não mudou com Flávio Dino e, pelo que tudo indica, vai mudar sob Lewandowski, que vem vinha tentando de tudo para demonstrar sua serventia. O tudo não quis nada com ele até domingo, quando uma operação da PF resultou na prisão de três supostos mandantes do assassinato de Marielle Franco. Quanto à perseguição aos foragidos da penitenciária de Mossoró — que, segundo o ministro, "está se desenvolvendo com êxito" —, basta dizer que já se passaram 40 dias e foram gastos mais de R$ 6 milhões sem que o paradeiro dos fugitivos se tornasse menos incerto e mais sabido.

 

Na terceira gestão da tal "palmeira hegemônica" — que terá 81 anos quando e se iniciar seu tão sonhado quarto mandato — o PT sobrevive ao presente reciclando o passado. As manifestações que partidos, sindicatos e movimentos sociais identificados com o governo petista realizaram no último sábado foram dispersas e pulverizadas em duas dezenas de cidades. O contraponto com o ato em que Bolsonaro lotou sete quadras Avenida Paulista em fevereiro foi instantâneo. Lula farejou o cheiro de queimado e declinou do convite de ornamentar o fiasco com sua presença, mas não se livrou do contraponto político: no plebiscito do asfalto, a esquerda lulista levou água para o monjolo da estratégia bolsonarista.


Atormentado com o cerco criminal das investigações sobre o golpe, as joias e os cartões de vacina, Bolsonaro oscila entre dois papéis. Nos inquéritos da PF, faz a pose do fraquinho perseguido; em seu rolê pelo país, exibe o figurino do cabo eleitoral com musculatura para mobilizar a rua contra sua prisão — que, tudo indica, é mera questão de tempo. Quando a sentença chegar, ela será cumprida, mas o bolsonarismo não irá para a cadeia com seu "mito". A hipótese de convulsão social é um delírio do ex-presidente golpista, mas sua militância, que continua nas patas do coice, dificilmente voltará para a garrafa, até porque a pior cegueira é a mental e o pior cego é o que não quer enxergar. 


Onde há política, há cisão. Dividir para conquistar é uma tática usada desde sempre por facínoras, ditadores e populistas. Nos EUA — paradigma dos países democráticos —, Donald Trump voltou à cena atacando os imigrantes e culpando Biden pelas "onze pragas do Egito". Por estas bandas, Lula continua praticando ad nauseam o execrável "nós x eles" que inaugurou em 2002. Bolsonaro foi gestado e parido pela mesma polarização que ressuscitou o pontifex maximus da Petelândia, e ambos se retroalimentam do ódio que disseminam. 


O "coisa" e seus baba-ovos não passam um sem atacar o lulopetismo, seja com meias verdades, seja com mentiras grotescas. Lula, o PT e seus satélites respondem à altura — isso quando não disparam o primeiro petardo. Para quem está a uma distância segura desse patético furdunço, chega a ser divertido ver as torcidas organizadas duelando por seus bandidos de estimação, comparando Mensalão e Petrolão com rachadinha, golpe de Estado, falsificação de documentos, contrabando de joias e por aí afora. Lobotomizados pela polarização e cegos pelo fanatismo, essa escumalha só enxerga crimes quando quando quem os comete está "do outro lado da balcão".


Ao atiçar a polarização, Lula se distancia do "eleitor mediano" que o ajudou a subir a rampa pela terceira vez impedir a morte matada da democracia. Com suas manifestações chochas, a petralhada fornece doses extras da seiva vital que mantém vivos o bolsonarismo e o antipetismo, num círculo vicioso que só o diabo sabe como, quando e se vai terminar. 


Quem tem dois neurônios minimamente funcionais sabe que "a turma de cima" não caiu do céu — políticos demagogos, populistas e corruptos não brotam por geração espontânea, mas pelo voto dos apedeutas — e que há distinção entre "eles" e "nós", apenas uma separação eminentemente oportunista. 


Triste Brasil.

sábado, 27 de agosto de 2022

TRISTE BRASIL

 

A maioria do empresariado apoiou o golpe de 1964. Em meio à Guerra Fria e com União Soviética e Cuba financiando partidos pela América Latina. Naquela época, a narrativa da "ameaça comunista" fazia algum sentido. 

Durante o governo Castello Branco, a minoria que esperava eleições em 1965 se decepcionou. Outra minoria se manteve ao lado dos militares e chegou a financiar os órgãos de repressão. Entre os dois extremos, a maioria, edulcorada pelo "milagre econômico", simplesmente se deixou levar. Até que vieram as crises — primeiro a do petróleo, depois a da alta dos juros nos EUA, que quebrou a América Latina. 

No início dos anos 1980, o agigantamento da dívida externa e a recessão derrubaram o principal pilar da ditadura — que era a falácia da eficiência econômica —, e o repudio à censura, à tortura e ao controle da política propiciou a volta dos fardados aos quartéis, mas, desgraçadamente, a "Nova República" passou por seguidas convulsões econômicas. Hiperinflação, déficit nas contas públicas e falta de dólares levaram Sarney a decretar moratória, e a coisa foi de mal a pior até o Plano Real trazer a tão sonhada estabilidade — com responsabilidade fiscal, acerto das contas externas, privatizações em setores-chave, reforma administrativa e uma quase reforma da Previdência.
 
O favoritismo de Lula em 2002 provocou turbulência nos mercados — o dólar foi a R$ 4 (hoje seriam mais de R$ 10) —, mas a ortodoxia econômica e a explosão das commodities botaram água na fervura. Mais adiante, mensalão, petrolão, volta da inflação e dois anos de recessão fomentaram o antipetismo (
que foi amplamente apoiado pelo capital em 2018), e aí o país caiu nesse horror que é o governo Bolsonaro. Agora o capital volta a flertar com Lula, na expectativa de uma reprise de seu primeiro mandato com um pedido de desculpa pelos erros. Mas a conjuntura é outra. Não bastasse o (nada alvissareiro) cenário internacional, há ainda a famigerada politicalha tupiniquim. 

Lula, favorito nas pesquisas, denuncia os “gastos eleitoreiros” do adversário, mas diz que não se pode colocar teto na despesa pública — o teto que Bolsonaro et caterva vêm detonando há muito tempo. 
 
Observação: Em entrevista ao JN da última quinta-feira, o Lula tentou driblar perguntas sobre como evitará corrupção caso seja eleito. No melhor estilo "animal político", ele admitiu erros na gestão de Dilma e corrupção na Petrobras, até porque não sua vantagem nas pesquisas não lhe permite o luxo de permanecer dentro da bolha. Assim, manteve o tom apelativo de entrevistas anteriores, colocando-se como vítima de um improvável conluio judicial. O tema “Lava-Jato” consumiu meia dúzia de perguntas, que os entrevistadores mantiveram na superfície do esquema de corrupção, sem explorar as contradições do candidato. O tom mais suave da bancada permitiu-lhe usar a sabatina como palanque e mentir sem ser desmentido. Segundo a lógica do entrevistados, ele não poderia ser responsabilizado pela recessão resultante do abandono do tripé macroeconômico e da contabilidade criativa de sua pupila. O“nós contra eles” seria apenas uma coisa boba de “torcida organizada”, mas sem a violência — afinal, na política é preciso tratar o outro como adversário, nunca como inimigo. A polarização é até uma coisa boa, existe em toda parte, menos “no Partido Comunista Chinês e no Partido Comunista Cubano”. E o MST do Lula, segundo o próprio Lula, nunca invadiu uma terra produtiva na vida. Deve ter sido outro. Ao fim e ao cabo, a opinião geral é que ele se saiu melhor que Bolsonaro, que, como de hábito, preferiu o caminho da mentiraA quem interessar possa, sugiro ler o resumo apresentado pelo Estadão.
 
Nem Lula nem Bolsonaro revelaram como pretendem lidar com o Orçamento no ano que vem e nos próximos. Mas o que esperar da reeleição do atual presidente senão uma versão piorada dos últimos quatro anos? E de Lula, que emula (sem trocadilho) o ex-ministro da fazenda Rubens Ricúpero ("o que é bom a gente fatura; o que é ruim, esconde") ao desfiar o rosário de maravilhas de seus dois governos? Seu primeiro mandato foi bem sucedido porque se ateve à ortodoxia econômica, mas o segundo descambou para o “desenvolvimentismo” e institucionalizou a corrupção. 
 
A célebre frase de Ivan Lessa explica o favoritismo do petralha: a cada 15 anos o brasileiro esquece o que aconteceu nos últimos 15 — se vivo fosse, o saudoso cofundador do Pasquim certamente reduziria sua expectativa de memorização da população para quinze dias. Mas a questão é: se Lula vencer, qual Lula estará de volta? 
 
Tanto os devotos do bolsonarismo boçal quanto os sectários do lulopetismo corrupto endeusam seus pontífices — e continuariam endeusando ainda que os flagrassem estuprando uma velhinha em praça pública. Mas, a exemplo do que ocorreu em 2018 em relação a Bolsonaro, uma parcela considerável do eleitorado está propensa a tapar o nariz e votar no ex-presidiário por absoluta falta de opção (mais quatro anos de um governo antidemocrático, incompetente e, ao que tudo indica, tão corrupto quanto os anteriores não é uma alternativa viável), na medida em falta um mês para o primeiro turno, e nem Ciro nem Simone se mostram competitivos.  
 
O fiasco da terceira via deve-se ao fato de que a maioria dos eleitores "não gosta de perder voto", ou seja, considera como variável determinante a chance de vitória do candidato. Como Bolsonaro foi uma decepção, o jeito é votar em Lula. 

Mário Covas dizia que um candidato amplamente favorito só perde a eleição se fizer alguma coisa muito errada na frente de muita gente. Lula, que é um "animal político", sabe disso, o que explica a presença de Alckmin em sua chapa e a tentativa de agregar apoios em todos os lados do espectros político-partidário. E o povo que se lasque.
 
Triste Brasil.

Com Carlos E. Sardenberg