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quarta-feira, 13 de março de 2024

NÃO HÁ NADA COMO O TEMPO PARA PASSAR... (FINAL)


O tempo passou, os ventos mudaram e subproduto da escória humana que elegemos em 2018 tornou-se o pior mandatário desde Tomé de Souza e o primeiro desde a redemocratização que tentou a reeleição, mas foi barrado nas urnas. 

Confirmada sua derrota, o "mito" dos "patridiotas" se encastelou no Alvorada até a antevéspera da posse do sucessor, quando então fugiu para a Flórida (EUA) e se homiziou na cueca do Pateta por 89 dias, esperando o desenrolar dos acontecimentos urdidos em solo pátrio por seus comparsas golpistas. Acabou que o golpe não prosperou, a Hora da Verdade chegou e o depoimento do general Freire Gomes tornou sua prisão questão de "quando". 

Ao contrário dos demais fardados que participaram da intentona golpista (e do próprio Bolsonaro), o ex-comandante do Exército respondeu todas as perguntas dos agentes federais. Nas palavras de um ministro do STF, seu depoimento é mais valioso do que uma delação, pois contém revelações de uma testemunha, não de um criminoso à procura de benefício judicial.

ObservaçãoMauro Cid deixou a PF no início da madrugada de ontem, após depor por quase 9 horas. O conteúdo está sob sigilo, mas sabe-se que ele responderia todas as perguntas. Durante os atos de 25 de fevereiro, Bolsonaro disse que "golpe é tanque na rua", e que vinha sendo acusado de golpe por causa de "uma minuta de um decreto de estado de defesa". Como se costuma dizer, o peixe morre pela boca.
 
Ninguém é mais responsável do que Bolsonaro pela merda que o Brasil virou nos últimos anos (não que antes fosse muito melhor). Mas nenhum politico com cargo eletivo brota no gabinete por geração espontânea. Pelé e o general Figueiredo já alertavam para o risco de misturar brasileiros com urnas em pleitos presidenciais. Não obstante, melhor do que simplesmente acusar é conscientizar essa choldra de que políticos não devem ser endeusados, mas cobrados e descartados quando mijam fora do penico. 
 
A polarização esteve presente em todos os capítulos da nossa história, mas ganhou vulto quando Lula plantou a semente do "nós contra eles
— que a rivalidade entre mortadelas e coxinhas regou e  "mico" e seus miquinhos estercaram durante a campanha de 2018. Churchill lecionou que a democracia é a "pior forma de governo, exceto todas as demais", mas pontuou que "o melhor argumento contra a democracia é cinco minutos de conversa com um eleitor mediano". 

Anthony Downs ensinou que "ganha a eleição quem conquista o eleitor mediano", e esse teorema vicejou no Brasil de 1994 até 2014, quando então a reeleição da Mulher Sapiens levou a dicotomia da política para as ruas. 
 
Observação: Desde 2018 que o eleitorado tupiniquim está com a polarização e não abre. E nem bem vestiu a faixa pela terceira vez, Lula arregaçou as mangas e pôs-se a trabalhar pelo retorno do bolsonarismoDe janeiro de 2023 para cá, o matusalém petista e sua cuidadora passaram 70 dias excursionando por 26 países de 4 continentes

Imbuído da certeza de que foi "descondenado" e eleito para ocupar o cargo de Deus, Lula estendeu o tapete vermelho para Nicolás Maduro, acomodou Dilma na presidência do Banco do Brics, indicou para o STF seu amigo e advogado Cristiano Zanin e seu ministro comunista Flávio Dino, chamou da suprema aposentadoria o velho companheiro Ricardo Lewandowski, pegou em lanças contra o presidente do BC e sabotou Haddad ao declarar que a meta fiscal não precisa ser zero

No ano passado, quando uma "pneumonia leve" o obrigou adiar uma viagem à China, Lula disse que estava poupando a voz para o encontro com Xi-Jinping. O detalhe é que nem líder chinês fala português, nem o brasileiro fala mandarim (na verdade, ele não domina sequer o idioma de Camões). 
 
Do alto do seu ego colossal, o Sun Tzu de Atibaia não viu nada de mais no fato de a ministra Anielle Franco requisitar um jatinho da FAB para assistir a um jogo de futebol. Demorou a penabundar a ministra Daniela Carneiro que se envolveu numa esquisita relação eleitoral com milicianos). Manteve no cargo o ministro das Comunicações que usou dinheiro de emendas parlamentares em benefício de sua fazenda no Maranhão, empregou funcionário fantasma no Senado e autorizou o sogro a usar o gabinete ministerial para "despachos informais". 

Em março de 2023, Lula disse que só ficaria bem depois que "fodesse Sérgio Moro". Dias depois, classificou de visível armação um plano do PCC para matar o ex-juiz. No mês seguinte, afirmou que a Ucrânia era tão culpada quanto a Rússia pela guerra no leste europeu. Em julho, agradeceu a África pelo que foi produzido durante a escravidão no Brasil. No final do ano, trombeteou que a ação dos israelenses é tão grave quanto o ataque desfechado pelo Hamas; no mês passado, comparou a ação israelense em Gaza ao Holocausto. 
 
Lula já disse que ditadura na Venezuela é mera "narrativa" e que "o conceito de democracia é relativo". Agora, excursiona pelo mundo da Terra Plana ao comparar os ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral com a resistência da oposição venezuelana ao jogo de cartas marcadas: "Espero que as pessoas que estão disputando as eleições [na Venezuela] não tenham o hábito de negar o processo eleitoral, as urnas, a Suprema Corte." 

Nosso estadista de fancaria compactua com a farsa da recondução de um tiranete que se mantém no poder por duas décadas e meia graças à manipulação de regras, ao aparelhamento de instituições, à violação de direitos humanos, a corrupção das Forças Armadas, à asfixia a imprensa, à prisão de opositores e à inabilitação de adversários. Um déspota que preside uma ruína que resultou no êxodo de 7 milhões de venezuelanos — boa parte dos quais buscam socorro no Brasil. 

Observação: Noutros tempos, a postura de Lula seria vergonhosa; à luz da conspiração golpista do 8 de janeiro, ela não só ofende quem se juntou ao petismo em 2022 na folclórica "frente ampla" como desnorteia líderes mundiais que deram crédito ao bordão segundo o qual "o Brasil voltou" e agora se perguntam: "Voltou para onde?" Ao pular na frigideira de Maduro, o reizinho carboniza os "valores" que lhe renderam a terceira (e queira Deus que seja a derradeira) passagem pelo Palácio do Planalto.
 
A exemplo de seu antecessor, Lula se tornou refém do Centrão. Quando Lira rosnou que "o Orçamento é de todos, não do Executivo", comprometeu-se a liberar R$ 20 bilhões em emendas a tempo de os parlamentares faturarem politicamente nas eleições de outubro. Após exaltar o óbvio dizendo que Bolsonaro "tentou dar um golpe e sabe que pode ser preso", feriu de morte o transporte por aplicativo enviando ao Congresso um estapafúrdio projeto de lei que "regulamenta" esse tipo de serviço.

A esquerda brasileira é mais atrasada que o Coelho Branco. Parou no tempo nas relações trabalhistas, perde tempo com Maduro e demora a perceber que fazer política como fazia há 20 anos não funciona mais. Parece não ver que o petista subiu a rampa pela terceira vez não por seus méritos, mas pelos deméritos do imprestável que o antecedeu. 

Em 15 meses de (terceira) gestão, Lula não conseguiu reverter a fratura da polarização. Seus índices de desaprovação cresceram no Sul e no Sudeste e os de aprovação diminuíram até no Nordeste. Quem lê as estrelinhas percebe que o gosto pela raiva leva "o cara" de Barack Obama a esquecer que não foi eleito para passar quatro anos passeado e falando mal de um antecessor inelegível. 

Lula permanece acorrentado a uma agenda tóxica que inclui chutar Bolsonaro, afagar o imperador da Câmara e aplacar a celeuma que criou ao encostar o holocausto em Gaza. Por mal dos nossos pecados, noves fora algum ponto fora da cura, ainda lhe restam quase 30 meses para mostrar serviço e mudar de assunto antes do próximo pleito presidencial.
 
Triste Brasil.

domingo, 30 de janeiro de 2022

A ÚNICA VACINA

 

Eu considerava a reeleição de Dilma o maior estelionato eleitoral da nossa história recente (e não foi por falta de concorrentes de peso), mas Bolsonaro deixou a mulher anta no chinelo e, entre outras bandeiras de campanha que enfiou em local incerto e não sabido, merece especial destaque a de "acabar com a 'velha política' do toma-lá-dá-cá", que jamais passou de mera demagogia. Ninguém fica na Câmara durante 27 anos sem se dar conta de como a banda toca, ou por outra, de que ex-presidentes que tentaram peitar o Congresso — como Jânio, Collor e Dilma, por razões diferentes e não necessariamente republicanas — perderam seus mandatos.

Ao nomear Ciro Nogueira ministro-chefe da Casa Civil, Bolsonaro entregou ao Centrão as chaves do reino e do cofre. Segundo apurou o EstadãoR$ 25,1 bilhões em emendas parlamentares foram destinadas a deputados e senadores da chamada “base aliada”. O STF considerou irregular o uso político dos recursos Mas e daí? Desde sempre que o capitão cria factoides para manter acirrada sua base ideológica e desviar a atenção da mídia de um tema polêmico para outro. 

Em abril de 2020, durante uma manifestação subversiva defronte ao QG do Exército, Bolsonaro discursou: “Nós não vamos negociar nadaTemos de acabar com essa patifaria. Esses políticos têm de entender que estão submissos à vontade do povo brasileiroÉ o povo no poder”. Para não dizer que nada aconteceu, alguns oficiais tiraram selfies e sorriram para a multidão. O inquérito que está sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes avança a passos de bicho-preguiça, juntamente com outras cinco investigações — inclusive a que apura a “suposta” interferência do capitão na PF.

Em agosto de 2021, Bolsonaro convocou uma blindadociata para pressionar o Congresso a aprovar a PEC do voto impresso — que acabou sepultada. Em seu enésimo comício em Santa Catarina, o "mito" referiu-se ao presidente do TSE como "aquele filho da puta do Barroso" — o vídeo foi prontamente apagado do Facebook, mas a ação não foi rápida o bastante para impedir que a cena viralizasse nas redes sociais. Discursando a apoiadores no feriado de 7 de setembro, chamou Alexandre de Moraes de “canalha”. Mas seu destempero foi alvo de críticas, nada além disso. 

O réu que preside a Câmara e serve de cão-de-guarda a cento e tantos pedidos de impeachment latiu, mas não mordeu; o presidente do Congresso reagiu com a mineirice que lhe é peculiar; o presidente do STF foi mais incisivo, mas tudo voltou a ser como antes no quartel de Abrantes depois que o tiranete despirocado leu a patética missiva redigida a rogo pelo folclórico vampiro que tem medo de assombração.

Os números mostram como o Congresso ampliou seu controle sobre o Orçamento da União ao longo dos anos. O processo começou antes do atual governo, mas cresceu a olhos vistos sob Bolsonaro. Os R$ 25,1 bilhões efetivamente pagos em 2021 representam três quartos dos R$ 33,4 bilhões que foram empenhados (quando o dinheiro é reservado no Orçamento), índice acima de anos anteriores, segundo os dados do Portal do Orçamento do Senado. Para este ano — em que boa parte dos parlamentares disputará eleições — o valor previsto é ainda maior, de R$ 37 bilhões

Para não correr o risco de esse dinheiro ser represado, Bolsonaro assinou um decreto no último dia 13 tirando do Ministério da Economia e dando à Casa Civil a palavra final sobre a gestão orçamentária. Na prática, a liberação dos recursos ficará a cargo do ministro Ciro Nogueira, mandachuva do Progressistas e comandante do Centrão, que passará a decidir sobre Orçamento.

As emendas são indicações feitas por parlamentares de como o Executivo deve gastar parte do dinheiro do Orçamento. Elas incluem desde obras de infraestrutura, como a construção de uma ponte, até valores destinados a programas de saúde e educação. Como mostrou o Estadão, o dinheiro foi utilizado nos últimos anos também para comprar tratores com sobrepreço — o chamado “tratoraço” —, e integrantes do próprio governo admitem que há corrupção envolvendo a liberação desses recursos. 

A despeito de suas promessas de campanha, Bolsonaro usou e abusou da liberação de dinheiro quando precisou de apoio dos adeptos da baixa política. O caso mais emblemático se deu em novembro, quando da votação da PEC dos Precatórios, que abriu caminho para criar o Auxílio Brasil — programa populista que o presidente vai usar como bandeira eleitoral para tentar a reeleição. Na véspera, o governo destinou R$ 1,2 bilhão dos cofres públicos para atender aos interesses dos parlamentares alinhados com o governo. 

Pelo voto de cada parlamentar foram pagos até R$ 15 milhões, como admitiram pelo menos dois deputados ao jornal O Estado de S.Paulo. Além disso, o governo priorizou aliados até na hora de liberar as chamadas emendas individuais — aquelas previstas na Constituição e que garantem a mesma quantia para todos os congressistas. Parlamentares de partidos do Centrão como o PL, o Republicanos e o Progressistas receberam cerca de 70% dos valores destinados a eles; legendas de oposição mais críticas ficaram para trás — PCdoB, Novo e PSOL foram os que receberam menos recursos. 

Políticos da base aliada argumentam que usam as emendas para irrigar programas capitaneados pelos próprios ministérios, o que agiliza o pagamento. Foram eles que mais indicaram recursos pelas transferências conhecidas como “emenda cheque em branco” e “PIX orçamentário”, mediante as quais o dinheiro cai diretamente na conta das prefeituras, ou seja, sem passar pelos ministérios.

A Secretaria de Governo contestou as informações da reportagem do Estadão. Alegou que seus dados são obtidos a partir do Tesouro Gerencial — sistema mantido pelo governo. Mas as informações do Siga Brasil, utilizadas pelo jornal, provieram da mesma base de dados. Questionada, a pasta não forneceu as informações que o Executivo afirma dispor.

Há uma frase lapidar de Abraham Lincoln: “Dê poder a um homem e descobrirá o seu caráter”. Demos o poder a Bolsonaro para evitar que o país fosse governado por uma marionete de presidiário e descobrimos, para além de seu caráter, o péssimo temperamento que o move. O Brasil contabiliza mais de 620 mil óbitos por Covid, boa parte dos quais se deve à desídia e ao viés negacionista do presidente e da caterva que o assessora. Também é conhecida sua falta de empatia e de sensibilidade em relação às vítimas do vírus assassino (falo do biológico) e às pessoas que ficaram sem pais, irmãos, filhos, cônjuges e amigos. 

Em face do exposto, parece-me evidente que nenhum brasileiro que perdeu parentes ou amigos para a pandemia entregará seu voto à reeleição de Bolsonaro — conforme, aliás, dão conta as enquetes eleitoreiras. Com exceção dos apoiadores incorrigíveis do mandatário de fancaria, é preciso ser muito masoquista para desejar a continuidade desse funesto governo.

A pandemia vai acabar um dia. O Sars-CoV-2, a exemplo dos demais vírus, vai se adaptar ao ser humano, e este a ele. Mas a eleição de 2022 engendra 2023, e a Bolsonaro não queremos adaptação. Diante da inércia do Congresso e do STF, o sufrágio é a única vacina contra ele.

domingo, 31 de outubro de 2021

EM CASA ONDE FALTA PÃO TODO MUNDO GRITA E NINGUÉM TEM RAZÃO

 

Enquanto o presidente e distinta comitiva visitam a Itália a expensas dos contribuintes brasileiros, os caminhoneiros ameaçam cruzar os braços, por tempo indeterminado, a partir de amanhã. Para fugir das pedras, no mesmo dia em que as principais lideranças mundiais se reunirem em Glasgow para discutir emissões de CO2 e um entendimento sobre o futuro da humanidade, Bolsonaro estará em Anguillara Veneta — uma bucólica cidadezinha de 4 mil habitantes na região de Pádua, na Itália, onde viveram seus antepassados.

Observação: Em conversa filmada pelo jornalista Jamil Chade, do UOL, em Roma, Bolsonaro brindou seu colega turco com uma enxurrada de fake news sobre o país que desgoverna. Recep Tayyip Erdogan, 67, integrante de setores conservadores da ala islamita e ex-prefeito de Istambul (1994 a 1998), findou seu próprio partido em 2001, tornou-se tornou primeiro-ministro em 2003, renovou o mandato em 2007, foi eleito presidente em e reeleito em 2018 adotando medidas autocráticas, bem ao gosto de vocês sabe de quem. "A economia está voltando bem forte", disse o cacique de fancaria ao líder turco. Paulo Guedes, que estava ao lado do grande chefe tupiniquim, preferiu ficar calado — o FMI aponta a economia brasileira como a que terá menor crescimento entre as do G20 neste ano e o Brasil como um dos países em que os estímulos usados pelo governo contra a Covid tiveram resultado negativo. "A mídia, como sempre, atacando; estamos resistindo bem. Não é fácil ser chefe de Estado em qualquer lugar do mundo", disse Bolsonaro ao colega turco, que saiu pela tangente: "O Brasil tem grandes recursos petrolíferos". O "mito" não perdeu a deixa: "A Petrobras é um problema. Estamos quebrando monopólios, com uma reação muito grande. Há pouco tempo era uma empresa de partido político. Mudamos isso." As críticas à Petrobras vieram um dia depois de as ações da petroleira despencarem (5,9% as preferenciais e 6,49% as ordinárias), justamente em razão de críticas feitas por Bolsonaro ao lucro da estatal. Depois de escutar educadamente o besteirol do capetão, Erdogan perguntou: "E quando é a eleição?". Nosso grande líder respondeu que é daqui a 11 meses. O turco acrescentou: "Significa que o senhor ainda tem bastante coisa para fazer". O brasileiro disse contar com grande apoio popular — a despeito de mais da metade (53%) dos brasileiros reprová-lo — e que tem uma boa equipe de ministros: "Não aceitei indicação de ninguém. Foi eu que botei todo mundo. Prestigiei as Forças Armadas. Um terço dos ministros [é de] militares profissionais. Não é fácil. Fazer as coisas certas é mais difícil." Durante os cerca de dois minutos de conversa com o líder turco, nosso morubixaba não fez qualquer pergunta sobre o país que o colega comanda e tampouco se dirigiu ao futuro premiê alemão, que depois de algum tempo virou de costas e foi conversar com o primeiro-ministro do Reino Unido. 

Por mais dramática que seja a situação dos caminhoneiros, a greve não trará o refrigério desejado pela categoria, mas infernizará a vida da população como um todo (basta lembrar o que aconteceu em 2018). O problema e a respectiva solução estão na política de preços da Petrobras. Dados oficiais dão conta de que o fator que mais pesou para o aumento no preço dos combustíveis, nos últimos meses, não foi o ICMS, mas os reajustes praticados pela estatal com base no câmbio e na cotação do petróleo no mercado internacional.

Na última sexta-feira, foi aprovado o congelamento do ICMS que incide sobre os combustíveis. Na abalizada opinião do capitão-viajante, esse imposto estadual é o responsável pelo preço escorchante dos derivados do petróleo (e do álcool, que por alguma razão incerta e não sabida subiu mais que a gasolina nos últimos meses).

Para quem está se afogando, jacaré é tronco. Ainda que não passe de um paliativo, a medida pode ter efeitos positivos no curto prazo. Mas um fundo de equalização dos combustíveis poderia reduzir o preço do litro da gasolina de R$ 7,00 para cerca de R$ 4,50, e o do óleo diesel, de de R$ 4,80 para cerca de R$ 3,70.  

A Petrobras, que amargou um prejuízo de R$ 1,546 bilhão no terceiro trimestre de 2020, teve um lucro líquido de R$ 31,1 bilhões entre julho e setembro deste ano. Na última sexta-feira, o Conselho de Administração da estatal aprovou o pagamento de uma antecipação da remuneração aos acionistas de cerca de US$ 6 bilhões.

A União, na condição de principal acionista, deve ficar com a maior fatia de bolos. Todavia, ao invés de usar a previsão de uso de recursos de dividendos pagos pela Petrobras para implementar um fundo de estabilização que ajudasse a conter os aumentos escorchantes no preço dos combustíveis, o Congresso, de olho nas eleições do ano que vem, aprovou a criação de uma espécie de vale-gás.

A Nau dos Insensatos está acéfala. Sem timoneiro nem rumo. Como um gigantesco Titanic verde e amarelo, o Brasil ruma em direção ao iceberg que o porá a pique. Tanto o Legislativo quanto o Judiciário sabem que de nada adianta trocar as rodas da carroça quando o problema é o burro. Mas nem um nem outro parecem dispostos a promover essa troca.

Os parlamentares só têm olhos para outubro de 2018. Reformas estruturais — como a administrativa e a tributária — deixaram de ser prioridade. O TSE, ao julgar o pedido de cassando a chapa Bolsonaro/Mourão, deixou claro que, quando compensa, o crime — pois a maioria dos ministros reconheceu que houve crime — passa a se chamar "disparo de desinformação em massa".

O ministro Alexandre de Moraes, que presidirá o TSE durante as próximas eleições, foi categórico: "Se houver repetição do que foi feito em 2018, o registro será cassado. E as pessoas que assim fizerem irão para a cadeia por atentar contra as eleições e a democracia no Brasil." O ministro Luiz Roberto Barroso, atual presidente da Corte e até pouco tempo atrás a "Geni" do pajé da cloroquina, fez eco ao colega de toga: "Essa não é uma decisão para o passado, essa é uma decisão para o futuro. E nós aqui estamos procurando demarcar os contornos que vão pautar a democracia brasileira e as eleições do próximo ano."

Foi como que um déjà vu para quem assistiu o julgamento do pedido de cassação da chapa Dilma-Temer. Em 2017, sob a batuta do ministro-deus Gilmar Mendes, o pedido foi rejeitado por 4 votos a 3 — por excesso de provas, como disse o relator da ação, ministro Herman Benjamin, cujo posicionamento foi seguido por Luiz Fux e Rosa Weber, mas restou vencido pelo voto de minerva do então presidente do tribunal.

Na versão atualizada dessa tragicomédia, iniciada na última terça-feira e concluída na quinta, o ministro-relator Luis Felipe Salomão reconheceu que a campanha Bolsonaro-Mourão assumiu contornos de ilicitude ao utilizar diversos meios digitais para minar indevidamente candidaturas adversárias, em especial dos segundos colocados. Mas quem acompanhou o julgamento no primeiro dia surpreendeu-se com a guinada que ocorreu do meio para o final, sobretudo quando o relator votou contra os pedidos de cassação e foi acompanhado por todos os demais ministros.

No julgamento da chapa Dilma-Temer, que venceu a dupla Aécio-Aloysio numa campanha financiada com verbas sujas da Odebrecht, disse o relator: "Eu, como juiz, recuso o papel de coveiro de prova viva. Posso até participar do velório. Mas não carrego o caixão." Agora, todos os ministros do TSE levaram a mão às alças do caixão. 

Segundo Josias de Souza, para salvar a chapa Bolsonaro-Mourão o TSE morreu mais um pouco. O cronista Nelson Rodrigues ensinou que "morrer significa, em última análise, um pouco de vocação", escreveu Josias em sua coluna. E concluiu: "há vivos tão pouco militantes que a plateia fica com vontade de lhes enviar coroas de flores ou de atirar em cima deles a última pá de cal".

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

NÃO PODE DAR CERTO — QUINTA PARTE



Com o golpe de 1964, o AI-1 e Castello Branco no Planalto, iniciou-se a ditadura militar que só terminaria com a eleição indireta de Tancredo Neves (que foi hospitalizado horas antes da cerimônia de posse e declarado morto 38 dias e 7 cirurgias depois) e a posse do "coroné" José Sarney (a quem o general Figueiredo se recusou a transferir a faixa presidencial). Os 21 anos sob o comando dos fardados dividiram-se em três fase distintas: 1) O Disfarce Legalista para a ditadura (1964-1968), os Anos de Terror de Estado (1969-1978) e a Reabertura Política (1979-1985).

Vale destacar que o mundo vivia um clima de animosidade política devido à Guerra Fria, e que os EUA contribuíram sobremaneira para a deposição de Jango (tido e havido como comunista) e o término do curto período democrático (de 1946 a 1964) que o Brasil viveu com o fim do Estado Novo de Getúlio Vargas. Com a consolidação do golpe e a assunção do governo provisório, o presidente deposto se exilou no Uruguai. Sob a égide dos fardados, intensificam-se as perseguições políticas, a censura, as torturas e o desaparecimento de uma miríade de pessoas — assassinadas a mando dos milicos. 

O Ato Institucional nº 5, decretado em dezembro de 1968, deu início aos chamados "anos de chumbo" — período mais repressivo da ditadura militar, que se estendeu até o final do governo Médici, em março de 1974, durante o qual era comum jornalistas serem demitidos por criticarem o governo (alguns, como Vladimir Herzog, foram covardemente assassinados).

Observação: Limitados pela Constituição de 1946, os militares precisavam de instrumentos legais para aplicação de suas ações políticas, e assim surgiram os Atos Institucionais, que "pairavam" acima da própria Constituição. Entre os anos de 1964 e 1969, foram decretados nada menos que 17 atos institucionais. O AI-2 instituiu a eleição indireta para presidente e o AI-4 convocou o Congresso para a construção de uma nova Constituição, afinada com os ideais dos militares no poder, mas foi o AI-5 que conferiu ao presidente de turno o poder de suspender direitos políticos, cassar mandatos, fechar o Congresso, e por aí afora. Não à toa, o AI-5 foi considerado um “golpe dentro do golpe”, já que foi gestado e parido por segmentos específicos dentro das FFAA.

Uma parcela substantiva da imprensa apoiou o golpe de 1964, mas esse apoio foi se desvanecendo à medida em que o regime foi endurecendo. A Constituição de 1967, promulgada às vésperas da decretação do AI-5, instituiu o Ministério Público — o que poderia ser considerado um avanço não fosse o fato de o órgão ser subordinado ao Executivo Federal. Já a Constituição Cidadã, de 1988, mudou essa história, mas a dupla Bolsonaro/Aras reverteu-a ao status quo ante, ainda que de modo informal.

Durante a "longa noite de 21 anos" (de 1964 a 1985), governaram o Brasil cinco presidentes-generais. Humberto de Alencar Castello Branco, "eleito" no dia 11 de abril de 1965 e empossado no dia 15; Costa e Silva, que governou de 1967 a 1969; Médici, de 1969 a 1974; Geisel, de 1974 a 1979; e Figueiredo, de 1979 a 1985. Por ocasião da cassação de Jango, em 2 de abril de 1964, Ranieri Mazzilli foi reconduzido ao cargo, mas sua segunda passagem pela presidência durou míseros 13 dias.

Em 31 de agosto de 1969, Costa e Silva se afastou da presidência devido a uma trombose, mas os ministros militares impediram a posse do vice, Pedro Aleixo, que havia se posicionado contra a edição do AI-5 e elaborado uma revisão da Constituição de 1967 — seu mandato foi extinto pelo AI-16, decretado em 14 de outubro de 1969.

O descontentamento com a ditadura se intensificou em meados dos anos 1970, quando começaram a pipocar os primeiros movimentos pelo fim do regime de exceção (cito as greves operárias no ABC Paulista, de 1978 a 1980, e o movimento das Diretas Já, em 1983). Coube a Geisel dar início ao processo de reabertura política lenta, gradual e segura, que se consumou com a eleição indireta de Tancredo, em 1985, e a promulgação da Constituição Cidadã, em 1988.

Como o lobo, que perde o pelo mas não larga o vício, Jânio se candidatou ao governo de São Paulo no ano seguinte ao da sua renúncia, mas foi derrotado por Adhemar de Barros e teve seus direitos políticos cassados pela ditadura militar. Em 1978, já apto a disputar eleições, o ex-presidente manifestou a intenção de concorrer à sucessão de Paulo Maluf — gatuno de marca maior, que passou uma temporada na Papuda, mas foi despachado para casa graças ao bom coração do ministro Dias Toffoli — ao governo de São Paulo.

Jânio se filiou ao PTB, que deixou 7 meses depois, para ingressar no PMDB. Como sua filiação foi recusada pela executiva nacional da sigla, ele votou ao PTB e tornou a disputar o governo de São Paulo em 1982, quando foi derrotado por André Franco Montoro. Com o fim da ditadura, o manguaceiro declarou apoio a Tancredo Neves e venceu Fernando Henrique Cardoso e Eduardo Suplicy na disputa pela prefeitura de Sampa, contrariando os prognósticos dos institutos de pesquisa. FHC, na condição de primeiro colocado nas sondagens, chegou a tirar uma foto sentado na cadeira de prefeito (que foi publicada pela Revista Veja). Na cerimônia de posse, Jânio fez questão de ser fotografado com um tubo de inseticida nas mãos para, segundo ele, desinfetar a poltrona porque nádegas indevidas a usaram".

Em sua derradeira empreitada político-administrativa, Jânio repetiu seus lances populistas habituais: pendurou uma chuteira em seu gabinete (para ilustrar o suposto desinteresse em prosseguir na política), proibiu o uso de sunga e de biquini fio-dental no Parque do Ibirapuera (onde ficava a sede da prefeitura), obrigou a direção da Escola de Balé do Teatro Municipal a expulsar alunos tidos como homossexuais, mandou publicar no Diário Oficial do Município os “bilhetinhos” que enviava a seus assessores, aplicou multas de trânsito pessoalmente, posou para a imprensa com a camisa do Corinthians e fechou os oito cinemas que iriam exibir o filme A Última Tentação de Cristo, de Martin Scorsese, por considerar a obra desrespeitosa à fé cristã.

Jânio adotou posturas autoritárias em diversas situações. Seu governo foi marcado por insatisfações de vários setores do funcionalismo público, materializadas através de greves e protestos nas proximidades de seu gabinete, aos quais quase sempre respondia com demissões em massa. Também se mostrou inflexível diante de manifestações de movimentos sociais (como o MST). Por outro lado, ele criou a Guarda Civil Metropolitana — para reforçar o policiamento na cidade, embora seus adversários o acusassem de utilizá-la como mais um de seus instrumentos de repressão.

Jânio se afastou diversas vezes do cargo para cuidar tanto da própria saúde quanto da saúde da mulher, Dona Eloá (falecida em 1990). Ao fim de sua gestão, quando já se encontrava desgastado perante a opinião pública (apenas 30% dos paulistanos aprovaram sua administração), foi acusado pelo então vereador Walter Feldmann de manter uma conta bancária na Suíça. Nas eleições de 1988, apoiou João Leiva, embora Mellão Neto e Mastrobuono, integrantes de seu secretariado, disputassem a sucessão. Dada a vitória da então petista Luíza Erundina, ele deixou o cargo dias antes do final do mandato para passar o réveillon em Londres (cidade pela qual era apaixonado), mas não sem antes incumbir seu Secretário dos Negócios Jurídicos, Cláudio Lembo, de transferir o bastão para a maior calamidade travestida de alcaide paulistano que esta cidade já viu (noves fora Fernando Haddad).

Com a saúde debilitada — em parte devido à manguaça, da qual era fã incondicional —, Jânio declinou do convite do PSD para disputar a presidência da República em 1989, preferindo apoiar o pseudo caçador de marajás — um populista como ele, como viríamos a descobrir mais adiante, da pior forma possível. Naquele mesmo ano, Jânio anunciou sua aposentadoria definitiva da política. A morte de Dona Eloá, no ano seguinte, contribuiu para agravar ainda mais seu estado de saúde do velhote, que passou os últimos meses de vida entre casas de repouso e quartos de hospitais e acabou falecendo no Hospital Israelita Albert Einstein, em 16 de fevereiro de 1992, em estado vegetativo decorrente de três derrames cerebrais.

Jânio deixou de herança para a filha cerca de 70 imóveis. Ironicamente, Dirce “Tutu” Quadros chegou o pai por corrupção — e ela parecia saber das coisas: durante a Operação Castelo de Areia, a PF revelou que Jânio tinha US$ 20 milhões em uma conta secreta na Suíça. Em agosto de 1991, exatos 30 anos após abrir mão da Presidência, Jânio confidenciou ao neto (no mesmo leito do hospital onde viria a falecer dali a menos de 6 meses) os verdadeiros motivos de sua renúncia — não sem antes definir a presidência como “a suprema ironia, pois por um lado era um inferno, mas por outro era melhor que um orgasmo”). Em entrevista concedida ao Fantástico em 1999, Jânio Quadros Neto revelou o "segredo de Polichinelo". 

Continua...

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

LASCIATE OGNI SPERANZA, VOI CH'ENTRATE


Só pra constar: na Divina Comédia (Dante, Inferno, III, 9), o epigrama que intitula este post está inscrito na porta do inferno. Dito isso, sigamos adiante.

Bolsonaro vive no passado e tem saudades de um Brasil que não existe mais. Mesmo que não sirva de consolo, é reconfortante saber que a rede de apoio que sustentou o golpe há quase seis décadas — a começar pelo respaldo internacional — ficou numa ilha do rio do tempo à qual, goste ou não o mandatário de fancaria, é impossível voltar. 

Nos anos 60, auge da Guerra Fria, o mundo estava dividido entre os EUA e a URSS, e os americanos mostravam-se empenhados em evitar que a revolução socialista cubana se repetisse na América Latina. Naquele Brasil, envolto em uma crise política desde a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, o apoio do governo americano foi fundamental para a tomada do poder pelos militares. Agora, a ameaça comunista aparece materializada apenas nas teorias delirantes dos bolsonaristas. 

A mais recente tentativa do presidente de demonstrar poderio bélico virou piada, com a patética exibição de velhos tanques expelindo fumaça preta por Brasília. A despeito da grande participação de militares no atual governo, há alas de oficiais muito descontente com a insistência do capitão em tentar usá-los como uma espécie de milícia particular (expressa na fala “meu Exército”, repetida ad nauseam pelo mandatário).

Em março de 1964, não havia incômodo entre as Forças Armadas em ter um papel de protagonismo na vida política — tanto é que os fardados contavam com o apoio de parte expressiva da sociedade para derrubar João Goulart, sobretudo entre as chamadas elites, que viam na intervenção uma possibilidade de estabilidade ante à tormenta política da época. 

Após o discurso de Jango para 150000 pessoas na Central do Brasil, que marcou sua guinada à esquerda, a classe média e a Igreja Católica promoveram a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que contou com 300.000 pessoas em São Paulo, pregando contra a ameaça comunista e o governo em um movimento que se espalharia por outras capitais. 

No cenário atual, a despeito do barulho que promove para mobilizar sua base radical, Bolsonaro conta com a reprovação da maior parte dos brasileiros. Nem o eleitorado evangélico, um dos esteios do bolsonarismo, está unido em apoio ao Messias. E como o próprio Bolsonaro é a maior fonte de instabilidade no país neste momento, sua permanência no poder, justificada com o argumento de que isso poderia aplacar turbulências, é mais difícil de engolir que a teoria terraplanista.

Se as eleições fossem hoje, Bolsonaro teria imensa dificuldade em se reeleger, o que se deve, inclusive, a suas próprias escolhas. Depois de registrar crescimento nos três trimestres anteriores, o PIB relativo ao segundo trimestre sofreu uma queda de 0,1%. Esse resultado foi produzido basicamente pela atabalhoada condução inicial do processo de vacinação contra a Covid e, principalmente, pelos contínuos conflitos criados pelo presidente, que resultaram numa drástica redução nos investimentos. 

Baseado em conspirações e fantasias delirantes, o comportamento incendiário de Bolsonaro é especialmente prejudicial quando se leva em conta que há muitos problemas reais sobre os quais ele deveria se debruçar. Mas nada preocupa mais do que a forte baixa de 3,6% nos investimentos diante do primeiro trimestre. 

custo Bolsonaro fica especialmente claro na cotação do dólar. Em junho, pela primeira vez desde a disparada registrada no começo da pandemia, a moeda americana baixou dos 5 reais, mas a tendência foi bruscamente revertida pelos impropérios presidenciais. 

Segundo as contas do economista Livio Ribeiro, do FGV-Ibre, as condições econômicas permitiam uma cotação em torno dos R$ 4,20 reais. Os cerca de 30% a mais no valor da moeda americana ficariam na conta da bagunça institucional brasileira causada por Bolsonaro. Em outras palavras, o custo Bolsonaro começa no dólar e deságua na inflação — duas pancadas sem dó no bolso da maioria dos brasileiros.

Se a cotação do barril de petróleo avança hoje além dos US$ 70, em 2014 ela beirava os US$ 100Bolsonaro responsabiliza os governadores pelo litro da gasolina estar custando R$ 7 em alguns estados, mas não foi o ICMS que andou variando nos últimos tempos, e sim o dólar, que em 2014 estava na casa dos R$ 3. Se o imposto permanece estável e o preço internacional do petróleo já foi maior, a conclusão a que se chega é que são as ações erráticas do governo federal e a política de preços da Petrobras que elevaram o preço da gasolina.

Os problemas que afligem a população não advêm apenas da inflação e do dólar, mas também do elevado nível de desemprego que afeta o país. Mais da metade dos brasileiros capazes de trabalhar está desempregada ou desalentada. Ajudaria se o chefe da nação liderasse grupos de trabalho para enfrentamento das crises sanitárias, do desemprego e energética em vez de organizar motociatas eleitoreiras até mesmo em dias úteis.

Bolsonaro é uma usina de crises. Ele as produz em escala industrial para mudar o foco dos verdadeiros problemas que assolam o país  e que ele não tem competência para resolver. Seu comportamento é típico de um tiranete autoritário, incapaz de ouvir e dialogar com quem esteja fora de sua órbita de seguidores. 

O risco, agora, é a falastrice incontrolável do capitão comprometer de tal modo sua gestão que nada mais possa ser feito para resgatar o Brasil do desastre, a exemplo do que aconteceu no fim da gestão de Dilma. Infelizmente, o "mito" dos alienados ainda não se deu conta de que foi eleito presidente para resolver os problemas do país, não para criá-los.

Desde o fim da ditadura, o Brasil já penabundou, via impeachment, dois mandatários legitimamente eleitos. O primeiro, caso alguém não se lembre, foi Fernando Collor — também celebrizado como o primeiro chefe do Executivo Federal eleito diretamente desde Jânio Quadros, em 1960. A segunda foi Dilma Rousseff, que brincou de terrorista nos anos de chumbo, faliu duas lojinhas do tipo R$ 1,99 em 1995 e foi escalada pelo criminoso de Garanhuns para ser sua cria, pupila, poste e sucessora. 

A ideia do molusco era manter a poltrona aquecida até 2014, quando ele próprio voltaria a ocupá-la. Mas faltou combinar com a calamidade em forma de gente, que, dada sua obstinação em disputar a reeleição, protagonizou o maior estelionato eleitoral pré-Bolsonaro e acabou sendo expelida do cargo em 2016, graças à imprestabilidade do conjunto de sua obra.

Há quem diga que o potencial risco de um terceiro cartão-vermelho em tão pouco tempo sinalize que algo não vai bem no jogo democrático tupiniquim. Isso nos leva a 4 conclusões: 

1) Ainda existe gente perspicaz o bastante para concluir que merda fede

2) Esta republiqueta de bananas precisa comer muito feijão para se tornar uma democracia consolidada — como o feijão está pela hora da morte, o presidente recomenda comprar rifles; 

3) Não denunciar imediatamente o contrato de locação do Planalto é o mesmo que cavar mais fundo para sair do buraco do qual já se chegou ao fundo; 

4) Dar título eleitoral a apedeutas e obrigá-los a votar é como dar um isqueiro a um chipanzé, ensiná-lo a usar e então trancar o bicho num paiol de pólvora.

Alega-se que a deposição de Bolsonaro acentuaria a polarização política, aumentaria o conflito entre partidos, desenvolveria a sensação de crise política permanente e generalizada, chegaria a criar desconfiança nas próprias regras do jogo democrático. São pontos a considerar, naturalmente, mas o problema é que inexiste uma alternativa viável. E manter o desgoverno em curso pelos próximos 14 meses e 22 dias não é viável, pois equivale a conceder ao mandatário um salvo-conduto para terminar o projeto de demolição desta incipiente e frágil democracia que ele começou a executar 32 meses e 7 dias atrás.  

Regimes parlamentaristas dispõem de mecanismos flexíveis de término antecipado de governos, como o voto de não-confiança ou mesmo a perda de maioria parlamentar pela saída de parceiros da coalizão governista. Já o presidencialismo não oferece outros mecanismos capazes de quebrar a rigidez de mandato presidencial que não o impeachment.

Seria injusto (e até vexatório) comparar o Brasil a países de "primeiro mundo" — embora  a invasão do capitólio pela escumalha trumpista recomende uma reavaliação no conceito de "primeiro mundo". Ainda assim, apenas 1% dos pedidos de impeachment presidencial apresentados desde 1990 resultaram na deposição dos mandatários-alvo, enquanto 5% dos votos de não-confiança iniciados nas democracias parlamentaristas "avançadas" levaram de fato a queda antecipada de seus governos.

Os pedidos de impeachment que se efetivaram aqui por estas bandas seguiram as regras estabelecidas na Constituição e seus procedimentos foram chancelados pela STF, o que — pelo menos em tese — lhes conferiu legitimidade, independentemente de alegações de uma suposta falta de merecimento dos governantes penalizados. 

Alguém poderia dizer (eu mesmo já disse em diversas oportunidades) que o fato de Collor ter renunciado horas antes da votação de seu impeachment no Senado resultou na perda do objeto da ação, pois não há como cassar o mandato de quem dele abriu mão “espontaneamente”.

A punição prevista no § único do artigo 52 da CF para um presidente condenado em processo de impeachment é "a perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.” 

Uma leitura atenta do texto legal nos leva à conclusão de que “com” exerce a função de "conjunção subordinativa aditiva", relacionando o que vem depois dela (inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública) ao que vem antes (perda do cargo). Daí serem no mínimo discutíveis tanto a inabilitação política do caçador de marajás de araque, em 1992, quanto a deposição da nefelibata da mandioca, em 2016, sem a suspensão de seus direitos políticos

No caso específico da presidanta, ao compactuar com a maracutaia urdida pelo então presidente do Senado, Renan Calheiros, o então presidente do STF — e eterno militante petista — Ricardo Lewandowski cometeu crime de prevaricação.  Mas para que isso tivesse consequências seria preciso que o Brasil fosse uma república que se desse ao respeito, não uma republiqueta de bananas que o mandatário que "caga para a CPI" apequena dia após dia aos olhos do mundo, por pensamentos, palavras, atos e omissões. Vade retro, Satanás!

Segundo o cientista político e professor Carlos Pereira, a interrupção de mandatos presidenciais é um fenômeno complexo que tem várias causas e determinantes, mas depende diretamente da quebra de apoio parlamentar seguida da convergência de interesses da maioria da sociedade contra o mandatário de turno. 

A gravidade dos "crimes de responsabilidade" assume um papel secundário nesse jogo, sendo, portanto, ingenuidade comparar qual governante mereceria mais ou menos ter seu mandato finalizado por uma decisão da maioria qualificada de parlamentares. 

Como estratégia política, é evidente que o impeachment interessa a alguns e a outros não. Quem perde com o impeachment tende a alegar defensivamente que foi uma tentativa de golpe contra quem recebeu o mandato da maioria dos eleitores. Mas isso é outra conversa.

Na conjuntura atual, uma parcela considerável da população optaria pela volta do ex-presidente que o STF promoveu de ex-presidiário a ex-corrupto para evitar a reeleição de Bolsonaro. O motivo é justificável, mas não se pode admitir que o fim justifique os meios — por bem menos, essa mesma corte declarou suspeito o ex-juiz Sérgio Moro, que é malvisto por algumas supremas togas e invejado por outras, que precisariam nascer de novo para ombrear em lisura e, por que não dizer, em popularidade com o ex-titular da 13ª Vara Federal de Curitiba. Mas isso também é outra conversa.

Um contingente expressivo de eleitores está em busca de alternativas — logo não votaria nem no demiurgo de esquerda nem no populista radical de extrema-direita, especialmente se essa alternativa for capaz de derrotar tanto um quanto o outro no segundo turno. 

Para Lula, seria vantajoso que Bolsonaro se mantivesse na disputa de forma competitiva. Mas isso não muda o fato de que, se respeitados os procedimentos, um possível impeachment do capitão não será um golpe — assim como não foi o de Dilma —, ainda que possa servir como um “golpe de misericórdia” para a candidatura de Lula.

Com Veja

segunda-feira, 21 de junho de 2021

A MARCHA FÚNEBRE QUE CHOPIN NÃO COMPÔS

 
O Brasil atingiu no último sábado a marca macabra de meio milhão de vítimas da Covid. Os presidentes da CâmaraSenadoSupremo STJ publicaram notas lamentando o fato, mas o chefe do Executivo preferiu ironizar os protestos contra o governo, registrados em 25 capitais e no Distrito Federal ao longo do dia, segundo levantamento da Agência CNN.

Quantas dessas mortes poderiam ter sido evitadas? Segundo especialistas, três de cada quatro óbitos não teriam ocorrido se o governo federal tivesse adquirido vacinas antes e adotado mais medidas de combate à pandemia. Uma abordagem simples, mas fundamentada, foi apresentada pelo epidemiologista Pedro Hallal, autor do primeiro estudo brasileiro a avaliar a magnitude da pandemia do coronavírus no país e ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas.

No cálculo, Hallal leva em consideração que 2,7% da população mundial vive no Brasil, e projeta quantas mortes por Covid teriam ocorrido no país se ele tivesse tido um desempenho na média mundial. A diferença entre esse número e o número real de mortes ocorridas é atribuída por ele ao mau desempenho do governo no combate à pandemia. Em outras palavras, 396 mil vidas teriam sido poupadas. Eduardo Massad, professor emérito da faculdade de medicina da USP e professor de matemática aplicada da FGV, afirma que o cálculo está “perfeitamente correto”, e que, apesar da simplicidade, leva em conta “tudo o que o Brasil fez de errado” no combate à pandemia.

O silêncio de Bolsonaro diz tudo sobre as culpas do governo. Mas a Casa Civil da Presidência da República achou que seria uma boa ideia expressar com palavras a inexpressividade mental do presidente. Divulgou uma nota oficial com o seguinte título: “900 dias: nos trilhos da preservação de vidas e da retomada da economia”.

Todos os brasileiros gostariam de viver no Brasil descrito no documento distribuído pela pasta do general Luiz Eduardo Ramos. Um país onde sobram vacinas e cilindros de oxigênio. Entretanto, o que se vê sobre os trilhos é um país com aparência de trem fantasma. Nele, um maquinista de miolo mole tornou previsível a dura realidade marcada por mais de 500 mil almas penadas.

Nos últimos dias, Bolsonaro dedicou-se a desqualificar as vacinas. Disse que são “experimentais”. Insinuou que “a eficácia da cloroquina é maior”. Na quinta-feira, em transmissão ao vivo pelas redes sociais, o presidente difundiu a lorota segundo a qual aqueles que já foram infectados pelo vírus, como ele, estão mais imunizados do que os que tomaram vacina.

Numa evidência de que o governo fez uma opção preferencial pelo cinismo, a Casa Civil bate bumbo pelas vacinas como se o Brasil fosse presidido pelo Zé Gotinha. “Mais de 110 milhões de doses de vacinas contra a doença já foram enviadas a todos os estados brasileiros, o que coloca o país em quarto lugar no ranking mundial de países que mais aplicam vacinas contra a Covid”, anota o documento.

A ilusão de que o Brasil é o quarto país que mais vacina no mundo leva em consideração os números absolutos. Algo tão eficaz para a avaliação do Programa Nacional de Imunização quanto o uso da cloroquina no tratamento da Covid. Quando a conta é feita com base no percentual da população que já foi vacinada, o Brasil ocupa uma constrangedora 78ª posição no ranking mundial da vacinação.

Para atingir a imunidade coletiva, o Brasil precisa vacinar algo como 70% de sua população. Por ora, pouco mais de 11% dos brasileiros receberam duas doses de vacina. O ritmo de lesma desautoriza celebrações. É evidente que Bolsonaro não criou o vírus, mas é notável sua contribuição para a proliferação do contágio e das mortes.

Alheio à aliança do capitão com o vírus, a Casa Civil injetou no Brasil alternativo esboçado no seu documento uma preocupação extremada do governo com o socorro aos doentes levados à UTI com falta de ar. Ninguém notou, mas há na praça um plano chamado “Oxigênio Brasil”. “Somente neste ano, foram distribuídos aproximadamente 500 mil metros cúbicos de oxigênio para estados e municípios”, jactou-se a Casa Civil.

Para os familiares das centenas de pessoas mortas por falta desse insumo em Manaus, a expressão “Oxigênio Brasil” é a mais perfeita tradução de conversa fiada (uso este termo para evitar outros, mais adequados, mas menos educados). Se o texto da Casa Civil serviu para alguma coisa foi para desobrigar todo mundo de fazer sentido no Brasil.

A realidade não deixa de existir só porque a Casa Civil e Bolsonaro a ignoram. A indignação social já existe. E não tem nada a ver com urnas eletrônicas. O Datafolha revelou que 54% dos brasileiros desaprovam o desempenho de Bolsonaro na pandemia e 43% avaliam que o presidente é o maior culpado pelo avanço da Covid.

No tempo em que as palavras ainda tinham significado, um país que executa um plano de vacinação sem vacinas, coleciona mais de 500 mil mortos e não consegue socorrer a tempo todos os que necessitam de oxigênio... Um país assim não pode estar “nos trilhos da preservação de vidas”. Descarrilou faz tempo.

O problema do Brasil não é sanitário nem moral. É dramático. Bolsonaro transforma sua Presidência num comício. Cai a máscara do candidato. Dá expediente na campanha full time. Provoca a reação da turma do “Fora, Bolsonaro”. E o país assiste a um balé macabro. Uma espécie de “A Morte do Cisne”, só que estrelada por elefantes.

O asfalto virou palco de um pas de deux da morte. De um lado, o aglomerador heavy, bolsonarista. Sem máscara. Do outro, o aglomerador light, antibolsonaro. Com máscara. E banhado em álcool gel. A ausência na plateia de meio milhão de mortos revela que o vírus não perde por esperar. Ganha. Além de gotículas de saliva contaminada, há na atmosfera um quê de descontrole.

Bolsonaro foge ao controle do centrão. Lula e o PT vão a reboque dos movimentos sociais. A terceira via, atônita, se engarrafa em reuniões fechadas sem se dar conta de que 2022 trafega pelas redes sociais, de onde partem as convocações que escorrem pelo meio-fio. Motociatas da cloroquina para a direita. Passeatas da vacina para a esquerda. O bom senso para as alturas. É como se o brasileiro, com a pandemia a pino, informasse ao mundo que decidiu encarar com naturalidade a anormalidade de sua vida normal.

Conhecido como o mais antigo país do futuro (que nunca chega), o Brasil finalmente assume um papel de destaque. Faz o pior na pandemia da melhor maneira que pode. Bolsonaro e seus devotos aglomeram-se para desacatar os cientistas. Antibolsonaristas aglomeram-se para exigir respeito à ciência. E o balé de elefantes vai ganhando uma aparência de ficção científica.

A única morte que Bolsonaro parece realmente interessado em evitar é a do seu projeto de reeleição. Tomado pelo que disse na live de quinta-feira, o capitão já não parece tão confiante. Ameaçou contestar o resultado das urnas eletrônicas de 2022 se o voto impresso não for aprovado e insinuou que uma eventual vitória de Lula mergulharia o Brasil numa “convulsão social”.

Pela Constituição, Bolsonaro tem mandato até 31 de dezembro de 2022. O ideal seria que utilizasse o tempo de que dispõe para presidir a crise. Por ora, é presidido pelo vírus.

O capitão deveria se familiarizar com a célebre metáfora de Hegel, a “Coruja de Minerva”, que só voa quando o crepúsculo chega. Significa dizer que certas pessoas só entenderão o tempo em que vivem quando ele já tiver se esgotado. A compreensão só virá quando for tarde demais.

No caso de Bolsonaro, que não consegue sequer expressar adequadamente o luto pelas mortes que deveria ter evitado, a ficha cairá com um atraso de milhares de cadáveres.

Com Josias de Souza

segunda-feira, 29 de março de 2021

A PERSEVERANÇA E A OBSTINAÇÃO


O Teorema do Macaco Infinito, descrito pelo matemático Émile Borel em 1913, afirma que um macaco, digitando aleatoriamente em um teclado por um intervalo de tempo infinito, quase certamente escreverá a obra completa de Shakespeare — “quase certamente” é um termo matemático com um significado preciso, enquanto o macaco é apenas uma metáfora para um dispositivo abstrato que produza uma sequência aleatória de letras ad infinitum.

Aceitar essa premissa nos autorizaria a dizer que o governo de Jair Messias Bolsonaro, se mantido por um intervalo de tempo infinito, quase certamente produziria ao menos um resultado positivo. A questão é que o país não dispõe de um intervalo de tempo infinito para pôr à prova a teoria.

Por outro lado, antecipar a troca de comando a 18 meses da próxima eleição presidencial é virtualmente impossível, pelo menos se a ideia for seguir o que reza a Constituição. Pôr para andar um dos mais de 70 pedidos de impeachment que dormitam nos escaninhos da Câmara (ora sob o comando do réu Artur Lira) era algo que deveria ter sido feito em algum momento do biênio 2019/20, quando Rodrigo Maia, cantava de galo no terreiro. Mas Botafogo perdeu o bonde da história. 

Levar adiante o pedido de abertura de CPI para investigar as atrocidades havidas na Saúde durante a gestão do vassalo do capitão-cloroquina — que, se houver empenho dos senadores, trará a lume indícios de crimes de responsabilidade suficientes para embasar mais uma dúzia de pedidos de impeachment contra o suserano do general-interventor Eduardo Pesadelo — também demanda tempo e vontade política. Pelo visto, a permanência (ou não) do general da banda no coreto até o final do ano que vem vai depender do Sars-CoV-2 e a prorrogação de seu mandato, da récua de muares descrebrados (que atendem por "elitorado") que sobreviver à pandemia. 

Vale lembrar que o primeiro caso de Covid no Brasil foi registrado em 26 de fevereiro de 2020 e a primeira morte, 20 dias depois. Março contabilizou 5.717 novas infecções e 201 vítimas fatais. Em junho, o número de casos passou de 1 milhão; julho terminou com 2,7 milhões de infecções e 90 mil mortos e 2020, com 7,7 milhões e 195 mil. Hoje, enquanto as águas de março fecham o verão tupiniquim, o braço verde e amarelo da pandemia bate firme e forte: somadas aos 3.368 óbitos ocorridos somente no último sábado, a pilha de cadáveres ultrapassou 310 mil, e a média móvel de mortes nos últimos 7 dias chegou a 2.548 (um aumento de 39% em relação a duas semanas atrás). 

Seria injusto culpar apenas a péssima gestão do capitão-negação no enfrentamento da pandemia por tamanho descalabro, embora não seja possível eximi-lo da responsabilidade. O gerenciamento da crise sanitária foi inepto (para não dizer trágico) desde o início. Uma combinação de negacionismo, gritaria em torno de pautas irrelevantes, silêncio sobre assuntos relevantes e estímulo à discórdia levou a esse descalabro. 

Na gestão Mandetta houve mais acertos do que erros; da passagem de Teich pelo ministério — que durou menos de um mês, porque o oncologista se recusou a recomendar oficialmente um protocolo para uso da cloroquina no tratamento da Covid — restaram a valiosa lição de que “a vida é feita de escolhas”. Promovido pelo morubixaba da aldeia a pajé interino em 16 de maio e efetivado no cargo quatro meses depois, o autodeclarado luminar da logística, fiel seguidor do mandamento militar segundo o qual “um manda e o outro obedece”, transformou em cabide de farda a pasta sob seu comando e numa calamidade maior do que a própria pandemia sua desditosa gestão.

Observação: Em entrevista ao Estadão, Ricardo Lacerda, presidente do banco de investimentos BR Partners, assim se pronunciou: “O despreparo de Jair Bolsonaro está levando ao colapso da saúde e da economia. Seus erros estão fartamente documentados. Chegou a hora de dar um basta a tudo isso. O presidente precisa assumir um compromisso com a ciência e com pessoas que trabalhem e deixem a ideologia de lado. Se for incapaz disso, melhor deixar o cargo.”

Em novembro, o jornal O Estado de S. Paulo revelou que 7 milhões de testes PT-PCR próximos do fim da validade haviam sido “esquecidos” num depósito federal em Guarulhos. O ministério culpou os estados e municípios pela situação, dizendo que se limita a repassar os testes a pedido dos entes federativos. Secretários estaduais e municipais de Saúde acusaram a pasta de ter enviado testes incompletos, com número reduzido de reagentes, tubos e cotonetes para coletar amostras.

Pazuello só apresentou o Plano Nacional de Vacinação após exigência do STF. Pressionado, chegou a dizer que disse que a população começaria a ser imunizada no dia D e na hora H, e a questionar, irritado, o porquê de “tanta ansiedade, tanta angústia” , como se a morte de mais de 1.000 brasileiros todos os dias fosse a coisa mais natural deste mundo. Depois que o governador João Doria ameaçou começar a vacinar os paulistas no dia 17 de janeiro, Pazunaro — ou Bolzuello — despertou de sua letargia, mas os primeiros meses de execução do plano foram marcados por atrasos e revisões de prazo. Só neste mês, em apenas oito dias, o general vassalo do capitão suserano reduziu cinco vezes a previsão de entrega de vacinas (no final de fevereiro, a pasta falava em entregar quase 49 milhões de doses para estados e municípios; em 10 de março, a projeção era de entre 22 milhões e 25 milhões de doses).

Mas não é só. Durante o ápice do colapso sanitário em Manaus, enquanto pacientes morriam nos hospitais por falta de oxigênio, o mestre em logística distribuía kits-covid para um tal “tratamento precoce” que recomendava a ingestão de cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina e doxiciclina a quem apresentasse os primeiros sintomas da doença. Em janeiro, o general esteve em Manaus para lançar um aplicativo (de uso restrito médico) que indicava os mesmos remédios ineficazes, inclusive para crianças. Dias depois, quando a cidade passou a registrar mortes de pacientes por falta de oxigênio, o app foi tirado do ar.

Sob pressão, Pazuello tentou mudar o discurso: “Falamos de atendimento precoce. Não de tratamento precoce”, disse o militar, tornando a emenda ainda pior que o soneto — além de não conter o avanço da doença, a obstinação pelo tratamento inócuo custou rios de dinheiro que poderiam ter sido canalizados para outras ações, como logística de distribuição de vacinas e suprimento de oxigênio para hospitais. Ainda em janeiro, criticado pela compra frustrada de seringas para a campanha de vacinação o logístico de araque argumentou que o fiasco ocorreu porque o preço cobrado pelas empresas ficou acima do valor estimado pelo governo, quando na verdade faltou planejamento para adquirir os insumos com a devida antecedência.

A despeito disso tudo e mais um pouco, ao anunciar a substituição da incompetência em forma de gente pelo cardiologista Marcelo Queiroga, Bolsonaro assim se pronunciou: “Quero cumprimentar o Pazuello, que está nos deixando amanhã (sexta-feira) e fez um brilhante trabalho no Ministério da Saúde. Quando ele assumiu, lá tinha um problema seríssimo de gestão, muitos ralos, muita coisa esquisita e quase nada informatizado. Ele teve fazer uma assepsia no Ministério da Saúde. E fez um trabalho excepcional”.

Errar é humano, persistir no erro é burrice e repeti-lo incontáveis vezes, esperando produzir um acerto, é uma das melhores definições de cretinice que conheço. Em março do ano passado, a pretexto de aumentar a adesão ao isolamento social, o prefeito Bruno Covas bloqueou ruas e avenidas da capital paulista. A medida só não foi inócua porque serviu para produzir engarrafamentos monstruosos. Em maio, com o mesmo propósito, o tucano achou de endurecer as regras do rodízio municipal — mas voltou atrás 5 dias depois, já que a sandice resultou na superlotação no transporte público. Mais adiante, também a pretexto de estimular a adesão ao isolamento social, Covas e o governador João Doria anteciparam uma penca de feriados para produzir um "megaferiadão". Como era esperado, o tiro saiu pela culatra.

Passado um ano, nosso alcaide se inspirou no inusitado “toque de recolher” que foi incluído pelo governo do Estado na fase mais restritiva de combate à pandemia para alterar o horário do rodízio municipal de veículos, que passou a ser das 8h da noite às 5h da manhã, inclusive nos finais de semana. E como se dois erros tivessem o condão de produzir um acerto, Covas requentou a ideia do “megaferiadão”  — desta vez à revelia de Doria, que criticou a “falta de bom senso” do correligionário. Assiste razão ao governador. Pelo que se viu até agora, para além de gerar atritos com prefeitos de municípios da Baixada Santista — que enfrentam o pior momento da pandemia — a ideia asinina do prefeito causou engarrafamentos quilométricos nas rodovias que levam ao litoral. Nem mesmo as barreiras sanitárias feitas pelas prefeituras foram suficientes para barrar a entrada dos viajantes.

Doria governa o maior e mais importante estado do País — a terceira maior economia da América Latina, responsável por 32% do PIB nacional e o único ente da Federação que apresentou crescimento econômico em 2020. Diante de números assim, pergunta o blogueiro, colunista e contestador por natureza Ricardo Kertzman, qual presidente da República poderia ser estúpido o bastante para, em vez de se associar a São Paulo, ser seu detrator? A resposta é: o mesmo que prefere cloroquina à vacina e curandeirismo à ciência, que é amigão de Fabrício Queiroz, pai do dono de uma mansão de R$ 6 milhões e reconhecido mundialmente como o pior governante do mundo.

Políticos vivem da imagem que constroem e das realizações de seus mandatos. Nada mais natural que politizar ao máximo aquilo que importa à população. Tanto Doria quanto Bolsonaro estão de olho em 2022 e nenhum dos faz um pronunciamento público que não seja de cunho político-eleitoral. A diferença é que Doria politizou a pandemia para o bem e salvou vidas, e Bolsonaro, para o mal, e ajudou a matar seus compatriotas. Enquanto o tucano tem o que mostrar, o sociopata sem partido que transformou o Brasil num cemitério continental mente e ofende por não ter o que mostrar. 

Goste-se ou não do jeito do governador de São Paulo — que para mim não fede nem cheira — devemos muito a ele. Goste-se ou não do jeito do presidente da República — que passei a considerar uma versão de Lula com a polaridade invertida, mas ainda mais tosca e mal-acabada que o ex-presidiário — não lhe devemos nada, senão ações penais pela conduta homicida. O “calça apertada” doa seu salário. O “mito” se apropria de rachadinhas. O marqueteiro de São Paulo faz propaganda de vacina. O de Brasília, de cloroquina. 

Se for para aguentar político fanfarrão e ruim de marketing, fico com o “engomadinho” mesmo.