Para fugir à mesmice da mitologia grega (mais detalhes nesta
postagem), esqueçamos por um instante o célebre Monte
Olimpo e foquemos Asgard, a morada dos deuses na mitologia nórdica.
Asgard se contrapõe a Niflheim, o mundo da névoa e da ilusão, e se liga ao reino dos mortais (Midgard) pela ponte do arco-íris (Bifrost). Nesse mundo mítico e místico fica o suntuoso palácio de Valhala, de onde Odin, o deus dos deuses, sentado em Hlidskialf, seu trono mágico, observa tudo que se passa nos nove mundos.
Atribuem-se-lhe (ao deus, não ao trono) poderes como o de ver o passado e o futuro dos mortais, de cegá-los e de deixá-los
surdos — dizem as más as más línguas que ele os teria usado impiedosamente contra a militância petista e a récua de bolsomínions. Quando cavalga Sleipnir,
o mais belo dos cavalos, Odin se faz acompanhar dos corvos Hugin
e Munin, que sobrevoam os nove mundos e o mantêm a par de tudo o que
neles acontece.
No hemisfério sul de um certo planetinha azul, encravada no
planalto central de uma republiqueta de almanaque, fica a mitológica Brasília
das Maravilhas — cidade projetada no final dos anos 1950 por Oscar
Niemayer para substituir o Rio de Janeiro como
distrito federal e capital do país. No extremo leste de seu Plano Piloto, dividem a Praça dos Três
Poderes o Palácio
do Planalto, sede executivo federal; o Congresso
Nacional, sede do poder legislativo; e o Supremo
Tribunal Federal, o órgão máximo do judiciário tupiniquim.
O STF ocupa uma área
de 14.000 metros quadrados, que dá e sobra para abrigar
confortavelmente o Plenário (salão de debates dos 11 togados),
a sala do presidente da Corte (com respeitáveis 100 m2)
e as duas Turmas (cada qual com cinco integrantes).
Os
ministros, como são intitulados os membros dessa e das demais cortes
superiores na tal republiqueta, são alçados ao supremo cargo pelo presidente da República, mas dependem de autorização expressa dos senadores (maioria simples, de 41 dos 81 votos possíveis) para se aboletarem nas supremas poltronas de couro cor de caramelo, de onde virão a condenar os pobres e absolver os ricos, soltar traficantes e chefes de organizações criminosas, criar leis sob medida para favorecer um ex-presidente ladrão, e por aí afora.
O cargo de ministro do STF não é vitalício no sentido
estrito da palavra, já que o prazo de validade determinado pela Constituição Federal expira quando o ocupante completa 75 anos de idade. No entanto, nada impede um togado de vestir o supremo pijama quando bem entender, como fez dias atrás o decano Celso de Mello, que adiantou em três semanas seu desligamento da Corte, e antes dele o ministro Joaquim Barbosa, que se aposentou em 2014, aos 59 anos.
Enquanto ministros do Supremo, esses semideuses são inamovíveis — ou seja, só correm o risco de ser expelidos da Corte se forem condenados por crime de responsabilidade (note bem o leitor que eu não disse "se cometerem crime de responsabilidade", mas "se forem condenados por crime de responsabilidade").
Diferentemente das imagens da deusa Têmis que
decoram fóruns e tribunais mundo afora, a estátua de pedra erigida diante
do STF está sentada. Como as demais, ela tem os olhos vendados e porta a indefectível espada, mas sua balança foi roubada há alguns anos por um deputado, que, por ter direito a foro especial por prerrogativa de função, ainda não foi julgado pela suprema corte, onde uma decisão tanto pode demorar duas horas quanto vinte
anos para ser proferida — a depender do ministro que a toma e a quem ela favorece. Assim, por medida de extrema cautela, a deusa
da Justitia tupiniquim espera sentada.
A despeito do “periculum in mora”, celeridade nunca
foi o ponto forte do STF. E a situação piorou a partir de 2002,
quando as sessões plenárias começaram a ser transmitidas ao vivo pela TV
Justiça. Sob os holofotes, os vaidosos ministros, cujos egos gigantescos mal cabem
nos amplos salões da Corte, passaram a ler votos cada vez mais longos e a se
desentender mais frequentemente com seus pares.
Observação: Somados, os votos proferidos pelo colegiado a cada sessão
perfazem, em média, 60 mil palavras, o que daria um livro de mais de 200
páginas. É muita lenha queimada para pouca fumaça do bom direito produzida.
Até o
início do século XIX, nossa republiqueta de bananas não contava com uma corte suprema. Com a vinda
da família real portuguesa para o Rio de Janeiro, o príncipe regente criou a Casa da Suplicação do Brasil, que é considerada a versão 1.0
do STF. Mas a função de suprema corte só se solidificou após
a declaração da
independência, criação do Supremo Tribunal de Justiça
e sua subsequente promoção a Supremo Tribunal Federal (noves fora
um curto período em que o tribunal foi efetivamente chamado de Corte Suprema).Passados dois séculos, o STF rescende ao bolor dos tempos do
Império, com seus paramentos, rapapés, salamaleques, linguagem empolada, votos
repletos de citações em latim e outras papagaiadas.
Os ministros trazem os
votos prontos e raríssimas vezes mudam de opinião por conta das sustentações
orais de advogados, amici curiae, membros da PGR e quem mais subir à tribuna e fizer solilóquios — enquanto aguardam sua
vez de falar, suas excelências se entretêm com a monteira de papéis que se empilham em suas bancadas, navegam na Web, jogam Solitaire ou tiram um cochilo; afinal, ninguém é de ferro.
Após o voto do relator, os demais magistrados se pronunciam na ordem inversa ao tempo de casa (ou
seja, seja, do novato ao decano). Em havendo empate, cabe ao presidente de turno dar o voto de minerva.
Ainda que os magistrados pudessem se limitar a dizer se
acompanham ou não o voto do relator e, no caso de divergência, expor em
poucas palavras o motivo que os levou a discordar, a leitura dos voto costuma levar horas. Há casos em que a leitura de um único voto preenche uma sessão inteira — tempo mais que suficiente para julgar dois ou mais processos, agilizando os trabalhos e aprimorando a performance do tribunal.
Observação: Até hoje, o STF concluiu
apenas dois julgamentos de parlamentares em ações criminais oriundas da operação Lava-Jato.
No mesmo espaço de tempo, a força-tarefa contabilizou 242 condenações contra 155 pessoas
em 50 processos e recuperou R$ 2,5 bilhões (uma média de R$
1,37 milhão por dia devolvido aos cofres públicos desde 2014). Segundo estimativas do MPF, o valor apurado pode chegar a R$ 40 bilhões.
Manter
essa máquina gigantesca funcionando custa aos contribuintes mais
de R$ 1 bilhão por ano. Se somarmos a essa exorbitância os R$
6 bilhões que custam o STJ e o TST, os
salários e mordomias de senadores, deputados federais, governadores, deputados
estaduais, prefeitos e vereadores, bem como os bilhões tragados pelo ralo da
corrupção, teremos um pisto do motivo pelo qual o país nunca tem recursos para investir na Saúde, na Educação, na Segurança etc., ainda que a arrecadação anual ultrapasse a casa dos R$ 3 trilhões.
Observação: No
Brasil, cada contribuinte trabalha mais de 5 meses por ano só para fazer frente
à carga tributária, que consome 41,80% da sua renda. Como disse certa vez o economista Delfin Netto, nosso país virou uma INGANA, com impostos da Inglaterra e serviços públicos de Gana.
Continua...