"Morre-se de tudo no jornalismo, menos de tédio", dizia o Ricardo Boechat, que ancorava um programa na BandNews FM cujo bordão, "em 20 minutos tudo pode mudar", havia mudado para "em 1 minuto tudo pode mudar" meses antes de o helicóptero em que ele viajava colidiu com um caminhão.
Observação: Em 2016, o Sensacionalista publicou que "o brasileiro tinha medo de ir ao banheiro na democracia e voltar na monarquia", e sugeriu que a emissora reduzisse o intervalo para "dois segundo ou mesmo alguns milésimos". A sugestão foi atendida em novembro de 2019, quando o slogan passou a ser "em 1 segundo tudo pode mudar".
Magalhães Pinto ensinou "política é como as nuvens no céu; a gente olha e elas estão de um jeito, olha de novo e elas já mudaram". Indo mais além, escrever sobre política é como trocar pneu com o carro andando. Para pior, "mudar" não é sinônimo de "evoluir". No país do futuro que nunca chega, as mudanças costumam ser para pior.
Eleito presidente em 1994, Fernando Henrique alterou a Constituição para disputar a reeleição e derrotou Lula em 1998, mas não conseguiu fazer seu sucessor em 2002, e a derrota de José Serra deu início a 13 anos e fumada de jugo lulopetista. Em 2016, o impeachment de Dilma, foi como uma lufada de ar fresco numa catacumba, mas o ministério de notáveis prometido por Michel Temer era na verdade uma notável confraria de corruptos, e um conversa de alcova com o moedor de carne bilionário Joesley Batista transformou o vampiro do Jaburu em "pato manco".
Eleito em 2018, Bolsonaro ressuscitou a extrema-direita radical que pensávamos ter sido sepultada com o fim da ditadura e a volta dos militares aos quartéis. Para piorar, sua derrota em 2022 não despachou o bolsonarismo boçal para armário e, para piorar ainda mais, trouxe de volta o egum mal despachado que julgávamos ter sido exorcizado pelo impeachment de Dilma.
Marx ensinou que "a história acontece como tragédia e se repete como farsa". O retorno do ex-tudo (ex-retirante, ex-metalúrgico, ex-sindicalista, ex-presidiário e ex-corrupto) é a prova provada de que, pelo menos nisso, o filósofo alemão estava coberto de razão. Como também estava Pelé e Figueiredo, que alertaram para o risco de misturar brasileiros com urnas em eleições presidenciais. E assiste razão também ao jornalista Ricardo Kertzman, quando ele diz que "para o líder do mensalão passar por Pinóquio só falta o nariz e ser de madeira".
A investigação da PF que envolve Rui Costa possui todos os ingredientes para se transformar numa espécie de "Disneylândia do bolsonarismo": um ministro petista com gabinete no Planalto, um negócio da China, a pandemia da Covid, uma delação e um inusitado aroma de maconha. O caso envolve a compra de respiradores chineses, em abril de 2020, para abastecer o Consórcio Nordeste — grupo composto por estados governados por petistas e aliados e presidido por Costa, então governador da Bahia. A transação foi orçada em R$ 48 milhões, a emergência fez sumir a licitação, e pagou-se antecipadamente por equipamentos que jamais foram entregues.
Escolheu-se para importar os respiradores pulmonares a Hempcare —
empresa sem qualificação para a tarefa que, no papel, dedicava-se a distribuir medicamentos à base de canabidiol. Sócia da arapuca, a delatora Cristiana Taddeo empurrou para dentro do inquérito um enredo que deixa mal o homem forte do governo Lula 3 e mencionou dois intermediários, um deles com supostos laços de amizade com a mulher de Costa. O inquérito irá delimitar as culpas, mas a alegação não livra o ex-governador petista sequer da pecha da incompetência.
Mário Henrique Simonsen, ministro da Fazenda de 1974 a 1979, ensinou que, quando alguém traz o projeto de uma obra, deve-se perguntar quanto custará a comissão e, descoberto o percentual, pagar e não falar mais na obra. Costa não teria virado matéria-prima para o bolsonarismo se tivesse aplicado essa regra quando da proposta de importar respiradores da China através de uma distribuidora de remédios derivados da maconha.
O art. 5º da Constituição Cidadã explicita que todos são iguais perante a lei, mas até as pedras sabem que alguns são mais iguais que os outros. A exemplo do que fez com os ministro
Juscelino Filho (Comunicações),
Fufuca (Esportes) e
Alexandre Silveira (Minas e Energia),
Lula presenteou
Costa — a quem considera
como um primeiro-ministro — com a mesma blindagem assegurada aos suspeitos do Centrão.
Observação: Acusado de aplicar R$ 5 milhões do orçamento federal em benefício próprio, Juscelino continua na Esplanada. Autor de emenda que derramou R$ 4,7 milhões na construção de um estádio desnecessário, Fufuca segue ministro. Continua no cargo também Alexandre Silveira, um ex-policial civil, servidor e parlamentar que esconde atrás de sua modéstia patrimônio de notáveis R$ 79 milhões.
Costa reconhece que avalizou a compra dos respiradores com pagamento antecipado e que a empresa contratada jamais entregou os equipamentos. Ele alega que, consumada a lambança, ele próprio chamou a polícia, mas silencia diante da acusação da delatora de que a polícia baiana tentou apagá-lo do inquérito. Na prática, o ministro de Lula pede à plateia que o enxergue como um gestor inepto, não um reles desonesto. O diabo é que nenhuma das duas condições orna com o tamanho do cofre que Lula lhe confiou ao acomodar na Casa Civil a coordenação do PAC — um programa de obras orçado em R$ 1,7 trilhão, entre verbas públicas e privadas.
Lula subiu a rampa pela terceira vez prometendo uma gestão de mostruário, mas dirige o país com os olhos no retrovisor. Enxergando o terceiro reinado como uma extensão do segundo, quando ele se orgulhava se ser capaz de "eleger qualquer poste", acha que a sociedade ainda o vê como antigamente. Se ele limitar sua
segunda reforma ministerial a uma troca de cúmplices (como fez na primeira), baterá mais um prego em seu caixão (metaforicamente falando, claro).
Lula fez duras críticas à atuação de
Bolsonaro no enfrentamento da
Covid. Agora, em meio a uma das maiores epidemias de dengue da história do país, seis das oito secretarias de seu Ministério da Saúde (que manejam um orçamento de R$ 169,5 bi) estão sob influência de
Alexandre Padilha. O
Centrão, liderado por
Arthur Lira, trava uma disputa com o governo por verbas da Saúde, e a queda de braço escancara a falta de autonomia de
Nísia Trindade, que não pode sequer escolher seu subordinado direto — a contratação de
Swedenberger Barbosa para secretário-executivo foi uma demanda de
Lula.
Observação: Homem de confiança de José Dirceu nos primeiro governos petistas, Berger monitora a execução do orçamento da Saúde — da verba própria às emendas parlamentares. Em 2023, a pasta deixou pela primeira vez R$ 32 bilhões do orçamento em "restos a pagar" a serem executados em 2024 — R$ 5 bilhões a mais do que deixou o governo anterior. A responsabilidade pela paralisia no Congresso é creditada a ele mas é Nísia quem recebe as críticas do PT, do "centrão-raiz" (formado por PP, PL e Republicanos) e do próprio "presidengue" (como os bolsonaristas se referem ao xamã petista nas redes sociais).
O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, que vinha sendo dissolvido em banho-maria na Casa Civil de Rui Costa, foi empurrado por Alexandre Silveira para dentro do óleo quente. Costa, Silveira e Haddad decidiram, à revelia de Prates, distribuir os R$ 43,9 bilhões em dividendos extraordinários da Petrobras que foram retidos em 7 de março. Informado de que Aloizio Mercadante foi sondado para ocupar seu lugar, o quase ex-presidente da estatal percebe que Lula o carbonizou sem tocá-lo.
O vírus do intervencionismo intoxica a Petrobras e assusta investidores, mas Lula, aferrado a um período mesozoico que deixou na maior estatal do país um rastro ruinoso, diz que "o mercado é um dinossauro voraz".
Com Josias de Souza