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quinta-feira, 27 de outubro de 2022

CESSE TUDO O QUE A ANTIGA MUSA CANTA...


O título desta postagem é parte de um verso de OS LUSÍADAS, escrito por Luiz Vaz de Camões. O texto a seguir é do jornalista Mario Sabino, que trocou recentemente o Antagonista (fundado por ele e Diogo Mainardi em 2015) pelo portal Metrópoles:

 

Sergio Moro é o assunto deste artigo. Sinto-me bem à vontade para falar sobre ele, porque fui um dos jornalistas que mais defenderam a Lava-Jato e o ex-juiz. Não me arrependo: entre os capítulos mais vergonhosos da história recente do país, está o da perseguição a Sergio Moro — primeiramente pelos petistas, por causa da condenação de Lula, e depois pelos bolsonaristas, por ele ter saído do governo acusando o atual presidente da República de interferência política na PF e no Coaf, a fim de salvar Flávio Bolsonaro, acusado de fazer rachadinhas quando era deputado estadual no Rio de Janeiro.

 

Estive com Sergio Moro quatro vezes, sempre como jornalista, porque dele não sou nem nunca fui amigo. Na primeira, ele ainda era juiz. Fui à 13ª Vara Federal de Curitiba, pouco antes da prisão de Lula, para conhecê-lo. Quem nos apresentou foi um colega meu. Nas duas seguintes, também acompanhado de jornalistas, jantei com o então ministro da Justiça e Segurança Pública em Brasília. A quarta e última vez foi em São Paulo, em dezembro de 2021, quando ele visitou, a convite meu, a redação do site e da revista digital que fundei. Houve uma quinta conversa, mas telefônica — no primeiro semestre deste ano, Sergio Moro ligou para mim, depois que publiquei um artigo no qual criticava a sua entrada na União Brasil, partido de Luciano Bivar. Ele deu lá as suas explicações, embora explicações não me devesse.

 

A esta altura do campeonato, não tenho mais a arrogância de dizer o que uma pessoa deve ou não fazer da sua própria vida. Mas acho que ainda posso concordar ou não com as escolhas dela, especialmente se a figura é pública. A entrada de Sergio Moro na campanha de Jair Bolsonaro, coroada pela sua presença no debate de domingo 16, quando ele serviu de coach para o atual presidente, é um dos episódios mais constrangedores a que assisti. Depois de todas as acusações que Sergio Moro fez a Jair Bolsonaro, como é que pode?

 

Pois é, pode. Não sou ingênuo. Sei que políticos não amam nem odeiam. Mas esse preceito (alguns chamariam de um tipo de psicopatia) atinge um grau surpreendente no Brasil, e não é de hoje. Em 1945, o líder comunista Luís Carlos Prestes entrou na campanha queremista, para manter Getúlio Vargas no poder. Obedeceu à ordem de Moscou, ainda que, como ditador, Vargas o tenha encarcerado durante nove anos, além de ter entregado a mulher de Prestes, Olga Benário, à Alemanha nazista. Mulher e filho, visto que ela estava grávida. Outro exemplo: em 1984, José Sarney, expoente da ditadura militar, pulou sem vergonha de ser feliz para o barco democrático que pedia eleições diretas — e acabou virando presidente da República, no lugar de Tancredo Neves, com o auxílio daquela velha senhora sem hora marcada para nos visitar.

 

Avancemos a máquina do tempo para os dias que correm. Nesta campanha, já vimos o ex-tucano Geraldo Alckmin, que foi próximo da Opus Dei e se vendia como adversário figadal de Lula, tornar-se o vice na chapa do petista, com a cara mais limpa do mundo. Candidato a vice de Lula, enfatize-se, pelo Partido Socialista Brasileiro, que ainda toca a Internacional nos seus encontros, cruz credo. Para completar o quadro, temos Sergio Moro batalhando pela reeleição de Jair Bolsonaro. Ele, o grande nome da Terceira Via, aquela que foi sem nunca ter sido.

 

Sergio Moro não fez, portanto, nada de diferente do que se vem fazendo desde há muito. O choque é porque, até ontem, ele se vendia como o oposto de tudo isso que está aí, com a dimensão de uma Lava-Jato no currículo. Adaptou o seu lema — faça a coisa certa — para a opção por Jair Bolsonaro, a quem acusou de cometer crime. Publicou no Twitter que "fazer a coisa certa agora é derrotar o Lula e o projeto de poder do PT e depois, como senador independente, trabalhar pelo Brasil".

 

O senador eleito pelo Paraná tem o direito de achar que Jair Bolsonaro é o melhor candidato para o Brasil. Mas esse advérbio no Twitter"agora" — dá conta de um, digamos, pragmatismo que não parecia pautar o comportamento de Sergio Moro. Na última vez em que nos vimos, ele me presenteou com o seu livro, Contra o Sistema da Corrupção. No último capítulo, ele reproduz os quatro conselhos que deu na cerimônia de formatura da Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos. Disse Sergio Moro:

 

"Primeiro, nunca desista de lutar por uma boa causa. Mesmo se você perder, o que realmente importa é o que você defende. Segundo, sempre se lembre de que, mesmo nos momentos mais difíceis, quando parece que os desafios à frente são insuperáveis, você nunca estará sozinho se estiver lutando por uma causa justa ou por justiça. Terceiro, lembre-se de que o seu comportamento pode inspirar outros. Você irá se surpreender ao ver como outras pessoas podem ajudar se elas tiverem bons exemplos e receberem os incentivos corretos. Quarto, nunca se renda aos males da corrupção ou do desespero. Acima de tudo, não há vitória se, ao longo do caminho, você perder a sua alma."

 

Esqueça-se do que Sergio Moro disse. Revogam-se as disposições em contrário. Cumpra-se.

 

PS: O senador eleito pelo Paraná deixou de me seguir no Twitter, mas, se não for bloqueado, continuarei a segui-lo. Desejo boa sorte a ele.

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

UM PAÍS SUI GENERIS (PARTE III)

 

Em setembro do ano passado, Diogo Mainardi publicou em Crusoé:
  
"A parcela do eleitorado que opta pela fórmula “nem Lula, nem Bolsonaro” corresponde a 25% do total, segundo a pesquisa encomendada pela Genial InvestimentosLula tem quase duas vezes mais do que isso, 45%, e o sociopata já foi passado para trás, com seus 23%. Minha turma é nem Lula, nem Bolsonaro, nem Arthur Lira, nem Gilmar Mendes, nem Augusto Aras, nem Dias Toffoli, nem Braga Netto, nem VTC Log, nem Dilma Rousseff, nem Michel Temer, nem João Doria, nem Renan Calheiros, nem Carlos Bolsonaro, nem os funcionários fantasmas de Flávio Bolsonaro, nem o lobista da Covaxin, nem o motoboy, nem Ciro Nogueira, nem Gleisi Hoffmann, nem o PIB do segundo trimestre, nem Joe Biden, nem o FIB Bank, nem a Covid, nem Sete de Setembro, nem Osmar Terra, nem Luciano Hang, nem Onyx Lorenzoni, nem o jabuti da reforma administrativa, nem o golpe do Código Eleitoral, nem o PSDB, nem Paulo Guedes (como foi que ele só entrou agora?), nem a variante Delta, nem Silas Malafaia, nem o PCC, nem Aécio Neves, nem os caminhoneiros, nem os cantores sertanejos, nem Roberto Campos Neto, nem as 28 mil queimadas na selva, nem Ernesto Araújo, nem Rodrigo Pacheco, nem Kássio Nunes, nem cloroquina, nem FIESP, nem Febraban, nem Paulo Skaf, nem os procuradores de Mossoró. 
 
'Os nomes foram pescados apenas entre aqueles citados em O Antagonista nas primeiras seis horas da quarta-feira (1º de setembro de 2021). Se o site cobrisse outros assuntos além da imundice brasiliense, a lista de expurgo seria bem maior. Estupidamente, aliás, acabei ignorando os escroques da imprensa e das redes sociais. Eu deveria ter acrescentado o jornalismo lulista, que nos últimos dias recebeu do próprio Lula promessas públicas de suborno com verbas estatais, num ambiente de censura e de omertà mafiosa, e os blogueiros bolsonaristas, que reproduziram o esquema do PT com a mesma canalhice e com uma pitada a mais de analfabetismo. 
 
'Por enquanto, ninguém foi capaz de encarnar a candidatura “nem Lula, nem Bolsonaro”, causando uma certa ansiedade naqueles que acompanham as pesquisas de semana em semana. Mas se a fórmula valesse apenas para a escolha de um nome capaz de enfrentar os dois bandoleiros nas urnas, em 2022, ela seria reduzida a um mero lema de campanha presidencial. Para ter algum sentido, ela precisa valer de agora até 2023, 2024, 2025. Trata-se de um programa permanente, que jamais será plenamente realizado, porque é minoritário. O Brasil nunca teve um projeto. Na falta de algo melhor, “nem Lula, nem Bolsonaro” pode cumprir esse papel."
 
A despeito das inúmeras mudanças ocorridas nos últimos 13 meses — entre as quais a saída de Diogo Mainardi e Mario Sabino do Antagonista —, o texto continua atual. 
 
O Brasil não aguenta mais tanta turbulência política, insegurança jurídica, polarização, incompetência administrativa e falta de projeto de governo. Em dois anos de meio de pandemia, houve quase quatro vezes mais mortes por Covid em nosso país do que as registradas no Afeganistão em duas décadas de guerra. 

Bolsonaro foi o presidente que mais pedidos de impeachment colecionou — mas nenhum prosperou, pois nem Rodrigo Maia nem (muito menos) Arthur Lira fizeram o que a Constituição determina. E mais de uma centena de denúncias por crimes comuns foram parar no gavetão de Augusto Aras, o procurador-geral que não procura. 
 
Bolsonaro não sofrerá as consequências de seus atos espúrios enquanto for inquilino do Palácio do Planalto. Sem a blindagem de que ora dispõe, a coisa muda de figura. Mas é bom lembrar que o mesmo Supremo que "descondenou" Lula pode passar pano para o capetão. 

E viva o eleitor brasileiro.

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

TRISTE BRASIL

 

De novo, não teve golpe, escreveu o jornalista Jerônimo Teixeira na revista Crusoéreferindo-se ao 7 de Setembro. Mas, àquela altura, a expectativa era que apenas o cardápio básico do bolsonarismo fosse servido: ataques à democracia, ao Supremo, às urnas. Às vésperas dos comícios patriótico-eleitoreiros, Bolsonaro chamara Alexandre de Moraes de "vagabundo" — o que denota uma relativa melhora; no ano passado, o termo usado foi "canalha".

Observação: Diogo Mainardi e Mario Sabino fundaram o site O Antagonista em 2015 e a revista eletrônica Crusoé em 2018. Mainardi anunciou seu bota-fora no final do mês passado e Sabino, no último dia 15Claudio Dantas assumiu a Direção-Geral de Jornalismo do site e Carlos Graieb, o comando da revista. Mainardi anunciou que deixava de escrever para ambas as publicações para se dedicar a "atividades mais gratificantes do ponto de vista intelectual e espiritual". Sabino assinou com o Metrópoles no dia 14, e atuará como diretor da sucursal do portal em São Paulo. O empresário Pedro Cerize, sócio da empresa de análise financeira Invanunciou no Twitter que é o novo dono de O Antagonista e Crusoé.


No comício em Brasília, após dar a deixa para a multidão vaiar o STF, o presidente emendou: "A voz do povo é a voz de Deus" (momentos antes, "a voz de Deus" o havia saudado aos brados de "imbrochável, imbrochável"). Ato contínuo, mandou ainda um recado velado à corte, que foi repetido em termos similares no comício em Copacabana: "Com uma reeleição, nós traremos para dentro das quatro linhas [da Constituição] todos que ousam ficar fora delas" (velado para padrões bolsonaristas, bem entendido, pois, na real, foi tão acintoso quanto a indumentária verde-exorcista do dublê de Louro José e Véio da Havan).

 

O clima de tensão permanente faz parte da canastrice do "mito", que xinga ministros do STF, ofende jornalistas, lança dúvidas espúrias sobre as urnas e fala em "liberdade" apenas para entusiasmar seguidores e aterrorizar opositores — como se sabe, sua defesa da livre expressão deve durar somente até o próximo especial de Natal do Porta dos Fundos.

 

Sob a ameaça do golpe que não virá, o cenário político vive o paradoxo da instabilidade estável. Como os cidadãos do império descrito em À Espera dos Bárbaros pelo poeta grego Konstantinos Kaváfis, estamos todos antevendo a chegada de bárbaros que nunca chegam — a metáfora é imperfeita; no caso brasileiro, os bárbaros já chegaram, só não se sabe se vão mesmo levar a barbárie até as últimas consequências.

 

Enquanto a choldra ansiosa pelo golpe (que não veio e, muito provavelmente, não virá) levanta faixas e cartazes pedindo intervenção militar, outro grupo (igualmente ignaro e desprezível) ressuscita ambiguidades esquisitas, como Dilma Rousseff ter sido vítima de um golpe — embora alguns petistas ousem discordar: em 2016, Haddad disse que golpe era uma palavra “muito dura”

 

No governo Temer, começou a ganhar corpo uma conversa estranha sobre a necessidade de resistir ao golpe (isso quando não se falava em resistir ao fascismo!). A palavra "resistência" conjurava a miragem histórica do enfrentamento armado à ditadura militar. O documentário Democracia em Vertigem deu forma a essa ilusão fundindo a trajetória dos pais da diretora Petra Costa — que participaram de um movimento clandestino contra o regime militar — à derrocada da nefelibata da mandioca.

 

Depois da eleição de um capitão reformado que exalta a ditadura e seus torturadores, o termo "resistência" se tornou um clichê nos meios progressistas. Hoje, quando um resistente grita "golpe", já não se sabe se ele está fazendo uma denúncia ou expressando um desejo recalcado. O  jovem militante de rede social anseia pela fase final do golpe — com tanques sucateados tomando as ruas, em meio a muita fumaça, e os porões do DOPS  reabertos. Só assim seus pesadelos mais temidos e suas ilusões mais queridas se tornariam realidade.

 

Por outro lado, as inegáveis aspirações antidemocráticas do bolsonarismo são, no mínimo, preocupantes. E a fixação pelo fantasma do golpe vem acompanhada de um vício de análise: toda vez que uma insinuação de ruptura não se cumpre, conclui-se que as instituições são vigorosas e estão funcionando a pleno vapor, quando na verdade a submissão da máquina pública aos ditames da chamada guerra cultural — iniciada nos anos petistas, sim, mas radicalizada com Bolsonaro — já corroeu as tais instituições. E o desgaste não se limita ao Estado aparelhado por milicos e olavetes. Igrejas, escolas, empresas e até grupos familiares estão divididos por ideologias beligerantes.

 

Em entrevista concedida à finada Época (que encerrou suas atividades como revista impressa para se tornar uma seção do jornal O Globo em maio de 2021), o filósofo inglês John Gray, autor de O Silêncio dos Animais, fez uma avaliação desalentadora sobre os Estados Unidos depois do governo Trump: o país ainda é uma democracia, com eleições limpas e regulares, mas não pode mais ser considerado uma sociedade liberal. O liberalismo de que Gray fala (e cujas ilusões critica em obras como Cachorros de Palha) não se limita ao livre mercado, mas se estende às liberdades individuais e às instituições que as sustentam. 

 

"Para se ter de fato uma sociedade liberal é preciso que exista uma grande variedade de instituições que não são marcadamente politizadas" disse Gray na entrevista. Segundo ele, essa condição já não se encontraria mais nos Estados Unidos. "Não acredito que uma sociedade liberal ainda esteja viva quando todas as instituições vivem em guerra interna e estão em guerra umas com as outras". 

 

Sem nunca ter desenvolvido uma sociedade liberal digna desse nome, o Brasil vive a mesma situação.

 

Com Crusoé

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

OBRIGADO, MONICA



A colunista social da Folha de S.Paulo publicou uma nota sobre a festa de aniversário da sogra de Gilmar Mendes. Sua leitura vale mais do que quatro anos na faculdade de jornalismo. Mas ela pode ser apreciada também como um tratado concentrado de antropologia.

 

Maria da Conceição Feitosa, a Doninha, completou 90 anos no mês passado com uma festa que celebrou também os 70 anos da advogada Guiomar Mendes, sua filha, e os 50 anos da neta Ketlin Feitosa Scartezini. Marido de Guiomar, o ministro do STF Gilmar Mendes esteve na comemoração, que foi realizada na Fazenda Boísa, no Ceará. Enquanto o aniversário da matriarca Doninha é comemorado em abril, o de Guiomar ocorre em agosto e o de Ketlin, em março.”

 

Mais do que uma festa de aniversário, portanto, foi um tributo à glória da estirpe, que nunca vai acabar.

 

“O dia de celebrações foi marcado por uma missa e por uma festa que teve como atrações musicais Bernardo e Manoel, Sirano e Sirino e Vicente Nery. O ministro Gilmar Mendes soltou a voz ao microfone, cantando o clássico sertanejo ‘Chalana’ em homenagem à sogra nonagenária.”

 

A nota incluiu até uma fotografia para eternizar esse radioso momento musical.

 

Ao contrário da colunista social da Folha de S. Paulo, sempre evitei qualquer contato com o ministro do STF. A escolha reflete um senso de pudor que, por mais de trinta anos, caracterizou meu trabalho na imprensa e me afastou preventivamente de determinadas fontes. Trata-se de uma barreira intelectual e, sobretudo, estética, que resultou nesse fracasso estrondoso que é a minha carreira no jornalismo. 

 

Nos últimos tempos, tenho pensado um bocado sobre o assunto. De fato, consegui fracassar até quando obtive algum sucesso. O impeachment de Dilma Rousseff, por exemplo, do qual participei ativamente, deu em Michel Temer. O encarceramento de Lula, que também contou com meu empenho direto, deu em Jair Bolsonaro e, a partir do ano que vem, novamente em Lula. A responsabilidade é de Gilmar Mendes, claro, mas tenho de reconhecer que o saldo da minha atividade profissional, analisado friamente, é um verdadeiro desastre.

 

Foi por isso que resolvi escrever esta coluna. É um agradecimento enviesado à colunista social da Folha de S. Paulo, da qual eu costumo debochar. Num momento em que tudo ao meu redor parecia desmoronar, apontando para meu fim, ela foi capaz de restaurar minha autoestima, com aquela nota singela sobre a sogra de Gilmar Mendes. 

 

Obrigado, Monica. Seu vexame me redimiu.


Texto de Diogo Mainardi

domingo, 4 de setembro de 2022

APROXIMA-SE MAIS UM 7 DE SETEMBRO


 

No final de julho, durante a convenção estadual em que o Republicanos confirmou as candidaturas de Tarcísio de Freitas ao governo do estado de São Paulo e de Marcos Pontes ao Senado, Bolsonaro voltou a convocar apoiadores para as festividades de 7 de Setembro. E voltou a fazê-lo várias vezes ao longo do mês passado. 

Como o escorpião da fábula, o presidente é incapaz de ir contra sua própria natureza. No ano passado, ele surtou na Avenida Paulista; neste, o aparelhamento eleitoral do Dia da Independência se dará no Rio de Janeiro. 

ObservaçãoDepois de anunciar que realizaria uma parada militar na praia de Copacabana no 7 de Setembro, com “muita gente”, tropas das Forças Armadas e agentes da Polícia Militar, Bolsonaro recuou da ideia e aceitou que o tradicional desfile do feriado da Independência seja feito no local de sempre: a Avenida Presidente Vargas, no centro do Rio.

Ao sequestrar a data nacional pelo segundo ano consecutivo e transformá-la num dia de celebração do seu radicalismo político, a aberração que finge presidir o país faz do desafio às instituições e à própria democracia um processo de desmoralização dos militares, sobretudo ao encostar sua insanidade naquilo que chama de "minhas Forças Armadas".

Bolsonaro classificou a pleito presidencial de outubro como "uma luta do bem contra o mal". Disparou velhas e emboloradas acusações contra o "outro lado": "Não nos aproximaremos da Venezuela, não nos aproximaremos de Cuba. Quero distância dessas ditaduras". Cooptou as forças militares com investimentos orçamentários e mimos previdenciários. Consolidou o processo de venezuelização as FFAA ao colocar os contracheques dos seus generais de estimação numa laje acima do teto salarial do serviço público. Rasgou o Estatuto Militar e o Regimento Interno do Exército e deixou as Forças Armadas numa sinuca de bico ao atrair o então general da ativa Eduardo Pesadelo para um palanque eleitoral.

Se o desfile de tanques da Marinha (sucateados e fumacentos) na Praça dos Três Poderes, horas antes da votação da PEC que naufragou antes de tornar obrigatório o voto impresso, foi uma evidente ameaça à democracia, o que dizer de transformar uma parada militar em comício? Pode-se esperar qualquer coisa de um presidente que participou de um ato golpista defronte ao QG do Exército em seu quarto mês de mandato, e isso não exclui um desfile das tropas animando bolsonaristas em Copacabana a menos de um mês das eleições. 

Vale lembrar que "ordem errada não se cumpre". Mas a perspectiva de ser derrotado e preso está deixando Bolsonaro cada vez mais agitado. Falando de maneira descontrolada, sua insolência causou impacto ao dizer que atiraria para matar se a polícia batesse à sua porta para executar uma ordem de prisão "Ninguém me leva preso. Prefiro morrer”.

Bolsonaro está certo de que será alvo de inquéritos e acabará na prisão se perder a eleição. Todos os seus atos foram contaminados por essa certeza, da sabotagem à Lava-Jato ao assassinato de dezenas de milhares de pessoas durante a epidemia, da compra do Centrão ao golpismo bananeiro. O fator que mais contribui para sua provável derrota é o nojo que a maioria dos brasileiros passou a nutrir por ele. 

O Centrão tem vazado para imprensa que o presidente pode reagir com sangue a uma ordem de prisão. Pode até ser, mas Lula dizia a mesma coisa e foi quietinho para a cadeia. Diogo Mainardi disse que não há perigo nenhum em prender Bolsonaro, e que o Centrão está manobrando apenas para cavar seu indulto depois da derrota eleitoral. Eu, porém, tenho cá minhas dúvidas... Resta esperar para ver o que nos reserva a próxima quarta-feira.
 
Triste Brasil.

sábado, 20 de agosto de 2022

SAINDO DE MANSINHO

 

De tempos em tempos, desisto do Brasil. Estou desistindo novamente agora. Além de renunciar às urnas, resolvi renunciar também ao nosso site. A partir de hoje, vou parar de escrever para a imprensa. No caso, O Antagonista e a Crusoé.

 

O plano é me dedicar a atividades mais gratificantes do ponto de vista intelectual e espiritual. De fato, pretendo passar meus dias deitado no sofá, tirando meleca do nariz. Quanto tempo isso vai durar? O trato é permanecer um ano de folga. Pode ser mais, pode ser menos. A única certeza é que vou me abster de comentar a campanha eleitoral, os debates na TV, o resultado do primeiro turno, a festa do vencedor, os nomes dos ministros, as tentativas de golpe, a compra dos parlamentares. Sinto-me revigorado só de ver essa lista.

 

É claro que há reciprocidade nisso. Eu desisti do Brasil, o Brasil desistiu de mim. Ninguém está disposto a ler pela trigésima-oitava vez os mesmos comentários sobre os mesmos assuntos. Eu já disse o que tinha a dizer. O afastamento, portanto, é consensual. O Brasil e eu enjoamos um do outro. Vou sair de mansinho e o leitor nem vai notar.

 

Estupidamente, eu havia prometido me atirar do campanário de São Marcos em caso de segundo turno entre Lula e Jair Bolsonaro. A aposentadoria precoce foi o jeitinho acovardado que arrumei para descumprir a promessa. É uma espécie de terceira via particular. Minha vida vai virar uma Simone Tebet: estreita, tediosa, supérflua e sem brilho, mas longe daquela gentalha fedorenta que há vinte anos embosteia meu dia a dia.

 

A última vez que desisti do jornalismo — e do Brasil — foi em meados de 2010, antes do estelionato eleitoral de Dilma Rousseff. Fiz as malas, voltei para Veneza, escrevi um livro. Foi a melhor fase da minha vida. Vou tentar replicá-la agora. Sim, tem tudo para dar errado, mas estou pronto para o fracasso: sou Simone Tebet.

 

Quatro anos depois de desistir do jornalismo — e do Brasil —, desisti de desistir e, juntamente com Mario Sabino, meu amigo fraterno, lancei O Antagonista e a Crusoé. Foi uma aventura e tanto. Fizemos o impeachment e trancamos Lula na cadeia. Denunciamos o bunker de Michel Temer e a sociopatia assassina de Jair Bolsonaro. Chega. É preciso renovar o site. Sem mim. Estou gagá. Já fiz o que podia. Ou mais do que podia.

 

Quanto ao meu futuro, ele é inexistente: só tenho um presente, cada vez mais curto. Vou cuidar do meu jardim. E da minha sepultura. O epitáfio, esculpido no granito, é dedicado aos leitores que me aturaram até aqui.

 

Texto de Diogo Mainardi

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

LULA ESTÁ ELEITO?

 

Devemos ao Criador a súcia de apedeutas fanáticos que nos obriga escolher — mais uma vez — entre um criminoso que quer voltar à cena do crime e outro que se recusa a deixá-la, e ao advogado e procurador federal Gustavo Adolfo de Carvalho Baeta Neves o belíssimo samba-enredo O Amanhã, composto em 1978 e imortalizado na voz de Simone

Lembrei-me dessa música porque os poderes preditivos que seu compositor atribuiu a ciganas, cartomantes e seus apetrechos esotéricos são conferidos atualmente às famigeradas pesquisas de intenção de voto, que dão como certa a vitória do ex-presidiário — algumas, inclusive, apontam que essa agonia pode se encerra no dia 2 de outubro.  
 
A pré-campanha deste ano vem sendo marcada por uma escalada de violência, sendo o assassinato de Marcelo Arruda o episódio mais drástico. Segundo o Datafolha, metade do eleitorado brasileiro diz ter deixado de conversar sobre política com amigos e familiares nos últimos meses. O índice é maior entre os eleitores de Lula do que entre os apoiadores de Bolsonaro

Comportamento semelhante é percebido nas redes sociais: 53% dos eleitores mudaram a postura para evitar atritos com amigos e familiares. No WhatsApp, 43% pararam de falar sobre política e 19% saíram de algum grupo. Considerando outras redes sociais, 41% das pessoas deixaram de comentar e publicar conteúdo eleitoral.
 
Bolsonaro deveria ter sido defenestrado há muito tempo e Lula, há muito mais tempo. Isso teria evitado que o candidato que elegemos em 2018 para impedir a volta do lulopetismo se perpetuasse como uma emenda que ficou pior do que o soneto, levando "forças misteriosas" a converter o ex-presidiário em ex-corrupto e o recolocar no tabuleiro da sucessão presidencial. 
 
Dizem que a esperança é a última que morre, mas furar essa polarização é uma missão dificílima para Ciro Gomes e quase impossível para Simone Tebet. A alternativa, segundo São Diogo Mainardi, é pular do campanário de São Marcos, mas isso é fácil para ele, que mora em Veneza. Assim, caminhamos em direção à eleição mais tensa da nossa história republicana sem ter sequer um gato que faça as vezes do cachorro de que não dispomos.
 
A certeza de que Lula vai vencer — e vai vencer com folga — vem promovendo alterações significativas no tabuleiro da política. Partidos que até recentemente se dividiam entre bolsonaristas e lulistas agora se dividem apenas sobre qual é o melhor momento para aderir à candidatura do PT. O MDB de Simone Tebet, por exemplo, pretendia barganhar seu apoio no segundo turno, mas corre o risco de ser atropelado por um triunfo imediato do petralha. O PSDB, farejando o perigo, resolveu dar uma rasteira em Simone, sob o pretexto de que é preciso impedir a quartelada bolsonarista.
 
Em entrevista ao Valor, Ciro afirmou que "Lula não tem escrúpulo de nenhuma natureza." Disse ainda que um eventual terceiro mandato do petista será uma grande tragédia. "O cenário atual é totalmente diferente de 2003. O povão quer cerveja e picanha, mas Lula terá uma conta impagável com Renan Calheiros, Eunício Oliveira, MDB, Guilherme Boulos. Depois de nomear um banqueiro para a Economia, entregar as políticas de papo-furado (mulher, índio e negro) para o PT se divertir e dar o Orçamento para o Centrão se locupletar, Lula vai passear no estrangeiro.
 
Observação: As medidas eleitoreiras adotadas por Bolsonaro e pelo Congresso neste ano vão tirar R$ 178,2 bilhões do caixa do Planalto em 2023, informa o Estadão. O valor sobe para R$ 281,4 bilhões com a redução do caixa dos governadores e dos prefeitos. A lista inclui um custo adicional de pelo menos R$ 60 bilhões para financiar o Auxílio Brasil — medida que já foi antecipada por Lula e Bolsonaro — e um gasto de R$ 25 bilhões para custar o reajuste salarial de 10% aos servidores públicos (que não repõe nem metade da inflação acumulada de 25% prevista para o período de 2020 a 2022).
 
Ao ser perguntado pelo Valor se não poderia ter ajudado Fernando Haddad a conquistar mais votos em 2018, o candidato do PDT respondeu: Em nome de quê? Lula mentiu para o povo. Dizendo, de dentro da cadeia, que era candidato sabendo que não poderia. Ele me convidou para fazer essa farsa junto com ele. Na época, mandei um palavrão de volta. E aí ele lança quem? Alguém cujo histórico era perder a eleição para nulo e branco um ano antes.
 
O manifesto em defesa da democracia reflete esse novo clima. Depois do fiasco da Terceira Via, alguns dos maiores empresários do Brasil resolveram apoiar Lula — um dos promotores do manifesto, Josué Gomes, é cotado até para ministro da Fazenda. Os militares também entenderam que a disputa está decidida e passaram a cochichar para a imprensa que o resultado das urnas será respeitado, ao passo que os donos do Centrão já negociam com os petistas um salvo-conduto para tirá-los da cadeia.
 
Se a campanha eleitoral acabou antes mesmo de começar oficialmente, é preciso que a oposição comece a se organizar. A unanimidade lulista é fruto exclusivo da calamidade bolsonarista. Assim que chutarem o sociopata do Palácio do Planalto e o prenderem na Papuda, os brasileiros devem voltar a espernear livremente, como tem de ser.

Com Diogo Mainardi

sexta-feira, 29 de julho de 2022

TRISTE BRASIL — PARTE III

 

Há pessoas com quem nos encantamos à primeira vista e nos decepcionamos mais adiante; pessoas com quem antipatizamos, mas passamos a apreciar quando as conhecemos melhor; e pessoas com quem "nosso santo não cruza nem com reza brava". Há ainda uma seleta confraria que reúne proselitistas, demagogos, demiurgos de fancaria, políticos, vigaristas e outros que tais. E a dupla que estrela a tragicomédia da sucessão presidencial faz parte desse grupo.
 
Depois que Doria, Leite, Mandetta, Moro, Pacheco e Vieira desistiram (ou foram forçados a desistir) de suas candidaturas, a tão sonhada "terceira via" se resumiu a Ciro e Simone. A possibilidade de Bivar, Eymael, D´Ávila, Janones, Manzano, Marçal, Péricles ou Vera Lucia sobreviverem ao primeiro turno é tão remota quanto a deste que vos escreve ser ungido papa. Se eles são candidatos, isso se deve a uma idiossincrasia que foi descrita, nos anos 1970, tanto por Pelé, o eterno rei do futebol, quanto pelo ex-presidente-general João Figueiredo. 
 
Políticos que ascendem a cargos eletivos não brotam nos gabinetes por geração espontânea; se estão lá, é porque o povo os elegeu. A questão é que, por motivos que dispensam maiores explicações, nosso eleitorado é composto majoritariamente por pessoas incapazes de eleger um mero síndico de prédio (com o devido respeito aos síndicos, naturalmente), e a minoria esclarecida não tem em quem votar, já que as alternativas são de uma mediocridade a toda prova. Assim, supondo que Bolsonaro não mele as eleições, teremos outro pleito plebiscitário e seremos obrigados, mais uma vez, a tapar o nariz e apoiar quem não queremos para evitar a vitória de quem queremos menos ainda. 
 
Do alto de sua imensa sabedoria, Bolsonaro qualificou as próximas eleições como "uma guerra do bem contra o mal" (escusado dizer qual lado o sociopata acha que representa). Em contrapartida, escândalos como o mensalão, o petrolão — entre outras atrocidades — desautorizam o ex-presidiário que lidera as pesquisas a assumir o papel do "bem" nessa tragicomédia — que será, isso sim, uma disputa entre o ruim e o pior. 
 
Vale acrescentar que Lula — em quem eu jamais votei — me enganou pelo menos três vezes. A primeira foi quando eu achei que ele jamais seria eleito presidente; a segunda foi quando eu achei que ele jamais seria preso; e a terceira foi quando eu acreditei que ele passaria alguns anos no xilindró, esquecendo-me que 7 dos 11 ministros do STF ganharam dele ou de sua abjeta sucessora a toga que lhes recobre os ombros (e depois Moro é que era "parcial"!). Já Bolsonaro me enganou uma vez só, não com seu estelionato eleitoral, mas porque eu jamais imaginei que sua gestão seria tão nefasta.  
 
Ciro e Simone são tudo que nos resta. Ambos tiveram a candidatura oficializada, mas nenhum deles ameaça o protagonismo de nhô-ruim e nhô-pior. A menos que ocorra uma formidável reviravolta, o sobralense de Pindamonhangaba amargará a quarta derrota e a senadora emedebista, a primeira, até porque ela não conta sequer com o apoio de seu partido. O fato de ela ser mulher pode ser um trunfo, pois o eleitorado feminino não é exatamente fã do capetão — e nem do capiroto, noves fora no nordeste e, mesmo assim, nas classes F e G. Por outro lado, a única mulher que ocupou a Presidência nos 132 anos de história republicana desta banânia não deixou saudades.
 
Ciro foi sabatinado por um pool de jornalistas da Globo News na última quarta-feira (recomendo assistir a entrevista de cabo a rabo). Como quem não tem cão caça com gato, ele me parece ser o melhor candidato, já que Bolsonaro precisa ser contido e, como o próprio Ciro reconheceu, "não há caminho para apoiar Lula no segundo turno"(isso se houver segundo turno). Ainda que eu tenha minhas ressalvas, ele foi o único candidato (até agora) a apresentar um projeto de governo como manda o figurino. 
 
Os queridinhos do eleitorado não foram além das parlapatices de praxe, que só encantam os convertidos. Lula pretende recriar ministérios, mudar os preços da Petrobras e retomar o Bolsa Família — como bem definiu Geraldo Alckmin antes se se tornar seu mais novo amigo de infância, Lula é o criminoso que quer voltar à cena do crime (e Bolsonaro é o que nela quer permanecer por motivos torpes, mas isso o picolé de chuchu não falou). Tão revoltante quanto aturar o petralha posando de inocente é ver o "mito" da escumalha defender o que ele entende por "democracia" — algo que julgávamos página infeliz virada da nossa História, com a licença do poeta. 
 
Diante da evidência de que Bolsonaro pretende melar as eleições ou, no mínimo, contestar o resultado em caso de derrota, figuras preeminentes de vários espectros da sociedade civil cunharam e subscreveram um manifesto em que palavras gastas de repúdio deram lugar a um aviso de que o desmonte do Estado Democrático de Direito não será tolerado. O ex-decano do STF, Celso de Mello, foi escolhido porta-voz do libelo contra o autoritarismo. 
 
Diogo Mainardi escreveu no Antagonista que só uma quartelada bolsonarista pode mudar o quadro, e que, nesse caso, o dever de Ciro — e de todos nós — é enfiar imediatamente o aspirante a tiranete na cadeia. Resta saber como Ciro Nogueira, Arthur Lira e outros caciques do Centrão — antes equiparado a um bando de ladrões nas paródias musicais do general Augusto Heleno — farão para pular da canoa furada para o bote de Lula caso a desgraça se confirme e o petralha volte ao Planalto. Lira, o “dono da pauta” do Brasil, não hesitou em vestir a camisa de Bolsonaro quando deveria vestir a de presidente da Câmara e dizer um “não” republicano às ameaças de seu parceiro, de solapar o processo eleitoral. 
 
Também integra esse execrável elenco de anões moralmente deformados um procurador-geral-vassalo, que sai de férias esperando que, durante sua ausência, seus subordinados mandem para o arquivo os pedidos de investigação contra o presidente-suserano. Como bem pontuou Vera Magalhães em sua coluna em O Globo, Bolsonaro deixou claro o que pretende fazer. Nogueira, Lira e Aras dobraram a aposta e ficaram no barco. Os democratas estão em terra, dizendo que resistirão aos corsários. O papel de cada um no registro do nosso tempo também já está consignado.
 
Triste Brasil!

sexta-feira, 8 de julho de 2022

A PEC KAMIKAZE

 

PEC Kamikaze é um apelido enganoso, porque o bolsonarismo, com a cumplicidade de todos os senadores, exceto José Serra, imolou o Brasil, e não a si próprio. Melhor seria chamá-la de PEC do Desespero, como fez o editorial do Estadão, segundo o qual "a PEC 1/2022 é uma violência contra as regras do jogo eleitoral".

 

"É incompreensível que senadores não alinhados ao bolsonarismo tenham aprovado a criação de um estado de emergência para burlar a legislação fiscal e eleitoral", diz o editorial. "Para piorar, os parlamentares autorizaram essa aberração jurídica motivados por uma mentira: ao contrário do que o governo diz, a proposta, destinada na prática a comprar votos para a reeleição do presidente, cria benefícios sociais para profissionais de classe média, e não para a população carente e desempregada. O foco da PEC 1/2022, apelidada corretamente de ‘PEC do Desespero’, tem pouco a ver com os pobres. Ela cria auxílios, por exemplo, para caminhoneiros e taxistas – que, por mais que estejam sofrendo as consequências da crise social e econômica, não fazem parte da população necessitada no Brasil (…). Tal aberração, vergonhosamente apoiada pela oposição, não merece nenhuma condescendência."


 

 

 


Mas a catástrofe não acaba aí. Suas altezas do Senado concluíram que a instalação de outra CPI, agora, seria inconveniente porque atrapalharia o projeto de reeleição do presidente. Os senadores encontraram a coerência no absurdo. Por que prejudicariam o presidente depois de rasgar a legislação eleitoral e fiscal, depois de aviltar a Constituição para autorizar Bolsonaro a distribuir mais de R$ 40 bilhões a eleitores pobres na boca da urna? Que diabo, a incongruência tem limites!

 

O provável recurso da oposição ao STF para forçar os partidos a indicarem seus representantes na CPI é inconveniente para o governo porque tumultua a campanha à reeleição, sonegando ao Planalto aquela quase unanimidade que se formou no Senado na semana passada. Uma comunhão que levou até os senadores petistas a aprovarem a PEC da reeleição, que promoveu o suicídio coletivo das leis para que Bolsonaro sobreviva na corrida presidencial.

 

Thomas Traumann, em artigo para O Globo, apresenta-se como “jornalista e consultor”. Um oxímoro perfeito, aponta Diogo Mainardi, considerando que uma coisa exclui a outra. A nota biográfica só omite que o articulista foi ministro da propaganda de Dilma, a inesquecível. Segundo o artigo, Bolsonaro, com seu estelionato eleitoral, deve conseguir encabrestar uns votos, mas que sua campanha “corre contra o tempo”, porque “a principal experiência de colocar dinheiro direto no bolso dos eleitores mostra que isso não implica um movimento rápido”. 

 

O jornalista e consultor entende do assunto, claro, pois acompanhou de perto o estelionato eleitoral petista.


ATUALIZAÇÃOArthur Lira adiou para terça que vem a votação na Câmara. Ele avaliou que a presença de apenas 427 dos 513 deputados colocava em risco a aprovação da matéria, que exige 308 votos favoráveis. A oposição agradece. 

domingo, 29 de maio de 2022

QUEIRA DEUS QUE ELE ESTEJA CERTO

 

No faroeste à brasileira em que o Brasil se transformou sob Bolsonaro a palavra de ordem é soltar os bandidos e prender o xerife. Mas causa espécie a Justiça aceitar a denúncia apresentada contra Sergio Moro pelos deputados Rui FalcãoErika Kokai, Natalia BonavidesJosé Guimarães e Paulo Pimenta, pedindo que o ex-juiz seja condenado ressarça os cofres públicos por alegados prejuízos causados à Petrobras durante sua atuação na Lava-Jato. 


Moro forneceu farto material a quem deseja questionar seu trabalho, mas o fato é que nos governos de Lula e Dilma, diretorias da estatal foram servidas no balcão da baixa política para o PT, o MDB e o PP. Dito de outra maneira, o assalto ocorreu durante os governos petistas — como foi confessado por empreiteiros corruptores e servidores corrompidos, alguns dos quais pagaram multas pesadas e/ou viram o sol nascer quadrado. E os prejuízos à estatal e ao país foram causados pela corrupção desenfreada, não pelos policiais federais, auditores fiscais, procuradores e magistrados que trouxeram o escândalo à tona.

 

Moro cavou o próprio infortúnio ao se deixar seduzir por uma falsa promessa de carta-branca no superministério da Justiça e Segurança Pública e uma futura indicação para o STF. Se tivesse permanecido na 13ª Vara Federal de Curitiba, talvez a prisão em segunda instância continuasse valendo, Lula estivesse cumprindo pena e a vaza-jato tivesse ido para a lata do lixo da História. Mas a vida é feita de escolhas e o problema com as consequências é que elas sempre vêm depois.

 

Após engolir sapos e beber a água tóxica da fossa negra em que o pior governo da história recente desta banânia se transformou, Moro finalmente desembarcou da canoa que deveria saber furada — e foi prontamente tachado de traidor pela escumalha bolsonarista. Em outubro do ano passado, filiou-se ao Podemos, mas seu ingresso na política desagradou a gregos e troianos. 


Sem o apoio prometido pelo partido, Moro migrou para o União Brasil, mas teve as asas podadas por Luciano Bivar et caterva. Pelo andar da carruagem, terá sorte se conseguir disputar uma cadeira na Câmara Federal.

 

Sem o nome do ex-juiz nas pesquisas, Bolsonaro cresceu alguns pontos. Mesmo assim, o criminoso que quer voltar à cena do crime continua à frente do que nela quer permanecer. Entre votar em um dos dois, melhor saltar do campanário de San Marco, como disse Diogo Mainardi


Como nada é tão ruim que não possa piorar, a terceira via se tornou mais ou menos parecida com a “inocência” de Lula. A diferença é que o picareta acredita nas próprias mentiras, ao passo que nem a terceira via acredita na terceira via.

 

Lula tem 40% das intenções de voto. Bolsonaro têm 32%. Segundo o petralha, sua vitória será no primeiro turno — e com 171% dos votos válidos. Já os puxa-sacos do “mito” asseguram que a reeleição já está no papo. 


Se analisarmos esses números friamente, veremos que nhô ruim e nhô pior bateram no teto, e que os 28% que os rejeitam não aparecem nas pesquisas porque seus votos estão pulverizados entre candidatos nanicos, brancos, nulos e abstenções. Diogo Mainardi diz que não há uma terceira via no “Datapovo”, mas há um terceiro Brasil. 


Queira Deus que ele esteja certo!

segunda-feira, 16 de maio de 2022

QUER CONHECER O CARÁTER DE UMA PESSOA? DÊ-LHE PODER! (SEGUNDA PARTE)



Os pedidos de propina que resultaram na demissão do ministro-pastor Milton Ribeiro passaram de manchete a nota de rodapé depois que o presidente disfuncional criou a penúltima crise institucional para tentar disfarçar sua inaptidão para o cargo que ele jamais pensou em ocupar, mas que agora não quer deixar. Tanto a sucessão de crises quanto a intransigência do mandatário, que se recusa a reconhecer sua incompetência para presidir seja o que for, vêm ficando cansativas. Sobretudo porque desviam a atenção dos verdadeiros problemas que o país enfrenta (isso não significa que a permanência de Bolsonaro no cargo não seja um problema).

Ivan Lessa acertou em cheio quando disse que a cada 15 anos o brasileiro esquece o que aconteceu nos últimos 15 anos. Se estivesse vivo, ele certamente teria encurtado esse prazo — como fez a BandNews com o bordão “em 20 minutos tudo pode mudar”, que passou a ser “em um segundo tudo pode mudar”. Prova disso é que o pleito plebiscitário de 2018 foi um dos piores da história recente desta republiqueta, e a récua de muares que atende por “eleitorado” vem se empenhando em tornar o próximo ainda pior.

Mais importante que apontar os culpados é resolver os problemas, mas há casos em se faz necessário identificar (e eliminar) e depois tratar das consequências, até porque, eliminando-se a causa, as consequências tendem a desaparecer. E de nada adianta mudar a roda da carroça se o problema é o burro. Governantes ímprobos e parlamentares desonestos não brotam nos gabinetes por geração espontânea; se estão lá, é porque foram votados. Prorrogar o mandato do capetão por mais quatro anos é tão inconcebível (mas não impossível) quanto a alternativa (mais provável) que se nos apresenta. Mas convenhamos: se as opções do cardápio se resumem a merda à parmegiana ou suflê de bosta, o mais sensato é procurar outro restaurante.

Tão absurdo quanto alguém com o currículo de Bolsonaro ser guindado à Presidência é a inação da caterva eleita para a Casa do Povo, que não só defende o mandato de um troglodita travestido de deputado, que foi condenado a 9 anos de prisão pelo STF, como indicá-lo para cinco comissões da Câmara. Ao afirmarem que cassar mandatos de congressistas é uma atribuição exclusiva do Legislativo, os presidentes das duas Casas, temendo um possível “efeito Orloff” de decisões desse tipo, isolaram o STF na Praça dos Três Poderes.

O que mais Bolsonaro fez nos últimos tempos, para além de gozar férias paradisíacas no litoral paulista e em cidades turísticas da costa catarinense, promover motociatas e fazer campanha pela reeleição (prática que o TSE não move uma palha para coibir), foi atacar a corte suprema e seus integrantes. Mas a anulação da pena imposta ao brucutu bolsonarista no dia seguinte à condenação, sem sequer esperar pela publicação do acórdão, foi um passo além. Talvez o tenha feito para estimular a escumalha de apoiadores mais radicais, ou (também) com propósitos eminentemente eleitoreiros (o que dá no mesmo).

Se vivêssemos numa democracia como manda o figurino, Bolsonaro teria sido apeado do cargo muito antes dos discursos golpistas de setembro do ano passado. Nesta republiqueta de bananas, porém, onde um ex-presidiário é convertido em ex-corrupto por conveniência da alta cúpula do Judiciário, não espanta que um pedido de desculpas mal ajambrado, rabiscado à pressas pelo vampiro do Jaburu, bastasse para que todos acreditassem que o sociopata estava sinceramente arrependido. Acorda, cambada!

Longe de mim pactuar com a volta de Lula (à cena do crime, como disse o atual candidato a vice-presidente na chapa encabeçada pelo ex-presidiário). Faço eco às palavras de Diogo Mainardi. Jamais votaria em Lula ou em Bolsonaro. E tampouco na “terceira via” — não depois do que a terceira via fez com a própria terceira via. A diferença é que Diogo mora em Veneza. Um oceano inteiro o separa do voto. Ainda segundo ele, quem se recusa a votar é chamado a se afastar completamente do processo eleitoral. É um erro abster-se e, ao mesmo tempo, tentar convencer os outros a fazer o mesmo. O abandono tem de ser absoluto, irrevogável, intransferível.

Em 2018, 36,3% dos eleitores acima de sessenta anos se abstiveram. Em 2020, a taxa foi ainda maior: 41,9%. É mais do que o eleitorado total de Lula ou de Bolsonaro. É provável que esse número seja superado em 2022, até porque há outra parcela do eleitorado que, de alguma maneira, poderia integrar a conta dos desistentes. Ela é formada pelos brasileiros que votaram num candidato a presidente e, em menos de quatro anos, conseguiram esquecer seu nome.

Em 2018, esse contingente desmemoriado representou 13,6% do total. Trata-se, porém, de uma gente dotada de uma superioridade moral que nunca serei capaz de atingir. É o desprezo supremo. Por mais que eu me empenhe, esse estágio sublime de imperturbabilidade está muito acima de minha capacidade, porque requer um grau de sabedoria digna de um Diógenes, o Cão. 

O Brasil que se estrepe sozinho, sem a minha cumplicidade.