Sempre desconfiei de pesquisas eleitorais, sobretudo quando elas são feitas com muita antecedência. Acerta o placar quem espera o apito final (e isso se o VAR não atrapalhar). Magalhães Pinto dizia que "política é como nuvem" e Ciro Gomes, que "eleição é filme e pesquisa é frame". Na melhor das hipóteses, elas são um "instantâneo" do humor do eleitorado num determinado momento, e isso se admitirmos que a opinião de 2 mil gatos pingados espelhe o pensamento de 150 milhões de eleitores.
Em 2018, todos os institutos davam de barato que Dilma seria a senadora mais votada, mas ela ficou em 4º lugar; que Bolsonaro perderia de qualquer adversário no segundo turno, mas ele venceu por uma diferença de quase 12 milhões de votos. Eduardo Suplicy, outro "eleito" por antecipação, foi penabundado após 27 anos de Senado; Geraldo Alckmin obteve menos de 5% dos votos, e Marina Silva, 1%. No Nordeste — tido e havido como o solo sagrado onde Lula realizaria o milagre da ressurreição —, o PT teve 10 milhões de votos a menos do que em 2014 e perdeu em cinco das sete capitais da região.
Lula começou a semana com a ressaca de opinião pública produzida pelas pesquisas Quest, Ipec (ex-Ibope) e Atlas. Embora simule tranquilidade, a petralhada exsuda bagos de preocupação. No segundo turno da campanha, chegou-se a falar na "sorte" de um país que dispunha de um líder popular com força para se contrapor ao obscurantismo antidemocrático de Bolsonaro. Depois de 15 meses de gestão, só um idiota não vê que a tal "frente ampla" que mandou o mito do arcaísmo para casa não foi capaz (e nem será) de desintoxicar a conjuntura nacional.
Confie-se ou no resultado das pesquisas, a impressão que fica é a de que Lula não consegue convencer o eleitorado de que "o Brasil voltou" para uma posição mais vantajosa do que sob Bolsonaro. O fato de o bolsonarismo se manter sólido evidencia que o petista não só é incapaz e conquistar eleitores do rival como vem se distanciando do eleitor mediano que ajudou a elegê-lo em 2022. Enquanto o alarme da impopularidade toca, seus operadores políticos tentam convencê-lo de que é preciso circular não no exterior, mas no Brasil. Mas a pergunta é: circular para quê?
No primeiro ano de sua terceira gestão, Lula tentou passar uma borracha na era da destruição. Fechou a fábrica de demolição que seu antecessor instalou no Planalto, recriou programas de antigos governos petistas e colocou em pé o Desenrola. Mas o efeito positivo começou a se dissipar no oitavo mês, quando as linhas de aprovação e desaprovação iniciaram um processo de aproximação nas pesquisas.
O petista repete ad nauseam que foi perseguido e injustiçado, mas quem tem olhos enxerga o abismo que separa a anulação de sentenças do conceito de inocência. Saltam aos olhos dois fatos: 1) A Lava-Jato exorbitou, mas a corrupção confessada e ressarcida não é uma obra de ficção; 2) Lula não foi absolvido nos vinte e tantos processos abertos contra ele; foi "descondenado" porque maioria das ações foi anulada ou arquivada pela prescrição resultante do deslocamento de Curitiba para Brasília.
O PT e seu pontífice demoram a perceber que o câncer da corrupção não será extirpado com discursos. Numa fase em que a tentativa de rescrever a história inclui as canetadas com que o ministro Dias Toffoli anulou multas bilionárias que empresas concordaram em pagar após confessarem seus crimes, a parcela minimamente pensante do eleitorado pede argumentos compreensíveis, não lero-lero político.
Lula disse que as pesquisas servem como "instrumento de ação e de mudança da sua estratégia de governo", mas suas ações sinalizam uma opção preferencial pela inação e pela perseverança no erro: "A gente tem de entendê-la como uma fotografia em função do momento em que você está vivendo...". Eleito por pequena margem com um discurso de "pacificador", sua excelência chega a um ano e três meses de governo perdendo apreço até entre seus eleitores mais tradicionais, mas continua insistindo que "a polarização é boa se a gente souber trabalhar os neutros para que a gente possa criar maioria e governar o Brasil."
Lula confunde alhos com bugalhos quando lembra que o país foi polarizado durante décadas pelas disputas entre PSDB e PT. Quando perdeu a eleição, José Serra parabenizou o adversário. FHC presenteou-o com uma transição de mostruário, passou-lhe a faixa e foi para casa. Bolsonaro sonegou ao país o reconhecimento da derrota, tramou uma virada de mesa, estimulou o acampamento que pedia intervenção militar na frente do QG do Exército e foi assistir desde a Flórida à intentona de 8 de janeiro e agora percorre a conjuntura à procura de encrenca. Na era da polarização
PSDB X PT, o bico mais afiado da oposição no Congresso era o de
Tasso Jereissati, um oposicionista de punhos de renda. Hoje,
Lula rala uma oposição protagonizada por gente como
Nikolas Ferreira, um guerrilheiro de redes sociais.
Sobre a má avaliação da economia, Lula disse: "Até agora, preparamos a terra, aramos, adubamos e colocamos a semente. Cobrimos a semente. Este é o ano em que vamos começar a colher o que plantamos". Foi como se ecoasse o Delfim Netto da ditadura, época do "milagre econômico": "Antes de repartir o bolo, é preciso esperar que ele cresça." Se observasse o "filme" exibido pelas pesquisas, o presidente perceberia que as curvas da aprovação e da desaprovação aproximam-se desde agosto do ano passado.
No corredor da existência, a paciência fica sempre na primeira porta. Convém a um governante bater de leve, sob pena de enfurecê-la. Lula exagera nas batidas. Se esperasse um pouquinho mais, talvez começasse a pensar antes de falar.
Com Josias de Souza