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terça-feira, 30 de janeiro de 2024

AINDA SOBRE O OCASO DO EX-HERÓI NACIONAL

A Polícia Federal cumpriu na manhã desta segunda-feira uma operação contra o vereador Carlos Bolsonaro. Trata-se de um desdobramento da Operação Vigilância Aproximada, deflagrada na última semana, que mirou um grupo supostamente envolvido com um esquema de espionagem na Abin. Assessores de Zero Dois também foram alvo da operação, a exemplo de um agente da PF que integrava os quadros da Abin durante o desgoverno do capetão golpista. Segundo fontes, a apuração envolve pessoas que podem ter sido beneficiadas pela coleta ilegal de informações na Abin sob o comando de Alexandre Ramagem, — ora pré-candidato a prefeito do Rio de Janeiro —, entre as quais Flávio Bolsonaro e Jair Renan Bolsonaro. Para surpresa de ninguém, as três operações foram classificadas pelos bolsonaristas como "perseguição política".

Entre as figuras públicas mais emblemáticas e controversas surgidas nos últimos destaca-se o ex-juiz, ex-ministro e ainda senador Sergio Moro — deve-se o "ainda" às duas ações que tramitam contra ele no TRE-PR (uma aberta pelo PL e outra pela federação PT/PV/PCdoB) por "abuso de poder econômico". Segundo a acusação, Moro gastou mais de R$ 4 milhões com viagens, eventos e de campanha durante sua pré-candidatura ao Planalto pelo Podemos. Ao migar para o União Brasil e concorrer a uma vaga no Senado — cargo para o qual o limite legal de gastos é consideravelmente menor — ele teria "desequilibrado a disputa".
 
Observação: A irresignação de Aécio Neves com a derrota em 2014 ensejou a propositura de uma ação semelhante pelo PSDB contra a chapa Dilma-Temer. Em 2017, sob a presidência e com o voto de minerva do semideus togado Gilmar Mendes, o TSE decidiu pela improcedência — por "excesso de provas", como ironizou o ministro Herman Benjamin, relator do caso. "Eu recuso o papel de coveiro de prova viva. Posso até participar do velório, mas não carrego o caixão", ironizou o magistrado.
 
Os processos não estão na pauta das próximas sessões do TRE-PR, mas podem ser incluídos, uma vez que a fase de instrução foi concluída quando as partes apresentaram suas alegações finais. Qualquer que seja a decisão da corte, o litigante derrotado recorrerá ao próprio tribunal, ao TSE e, quiçá, ao STF. Enquanto estiver recorrendo, Moro poderá continuar exercendo o mandato normalmente. Se for finalmente condenado, ele e seus dois suplentes perderão o mandato, e os eleitores paranaenses deverão escolher quem ocupará sua cadeira até 2030. 
 
Entre os prováveis postulantes destacam-se a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e as deputadas federais Rosângela Moro e Gleisi Hoffmann. A eleição de Rosângela ajudaria preservar o capital político do marido, e a de Michelle, a blindá-la contra investigações que envolvem o ex-presidente. Mas a presidente do PT conta com a simpatia de Janja, que já apoiou sua campanha à Câmara Federal. 
 
Mas há outra frente de preocupação: em outubro do ano passado, o CNJ abriu uma Reclamação Disciplinar contra Moro por causa dos resultados de uma correição na 13ª Vara Federal de Curitiba. Na avaliação do corregedor Luís Felipe Salomão, o ex-juiz valeu-se da mesma estratégia usada por Deltan Dallagnol para sair candidato a deputado federal — lembrando que ex-coordenador do braço paranaense da Lava-Jato se candidatou na pendência de procedimentos administrativos e perdeu o mandato por causa deles. 
 
Moro foi de herói a
 vilão diversas vezes. No auge da Lava-Jato, ele era o estandarte usado como abre-alas pela direita para derrubar o PT. Com a vitória de Bolsonaroa promessa de uma indicação para o STF levou-o a trocar a toga pelo ministério da Justiça. Como político, foi sabotado pelo mito de pés de barro que ajudou a eleger. Demitido, reparou que seu eleitorado em potencial era muito menor que o do ex-chefe. Depois de um ano sabático nos EUA, equipou-se para disputar a Presidência. Não conseguindo fazer decolar sua candidatura pelo Podemos, filiou-se ao União Brasil e se elegeu senador, gerando a celeuma que  a percorrer os nove círculos do inferno (detalhes nesta postagem).
 
Execrado pelos petistas e abandonado pelos bolsonaristas, Moro se reaproximou do ex-chefe durante os debates finais do segundo turno das eleições de 2022. No Senado, nada fez de consistente nem demonstrou qualquer liderança na oposição. No dia da aprovação de Flávio Dino para o STF, fotos em que o parlamentar foi flagrado conversando amistosamente com o ministro "comunista" de Lula e um flagra da tela de seu celular por uma lente impertinente caíram sobre ele como uma pá de cal.

Na avaliação do advogado Gustavo Bonini Guedes, uma eventual cassação de Moro criaria de um precedente perigoso. "Como não conseguiram pegar nada na campanha, PT e PL suscitaram a tese do abuso do poder econômico na pré-campanha — que nunca existiu antes. Como a Justiça Eleitoral é de precedentes, de jurisprudência, isso vai refletir. [...] Na linha do que o próprio PT quer, o evento do Lula em São Paulo deveria entrar na conta da pré-campanha de Boulos." 


Guedes nega os supostos gastos excessivos de seu cliente no período anterior à campanha eleitoral formal de 2022 e defende uma análise a fundo, "gasto a gasto", para eliminar despesas pagas pelo Podemos e pelo União Brasil que, segundo ele, não podem ser incluídas no âmbito da pré-campanha. "Se Moro for cassado, ele sai da política, mas a política continua existindo, e outros adversários serão escolhidos para a batalha. Os inimigos se renovam. Se o TSE cassar o Moro, nestas eleições municipais este precedente vai ser usado para cassar mais gente", afirma Guedes.

 

Além do abuso de poder econômico, PT e PL alegam que há indícios de corrupção num contrato assinado entre União Brasil e o escritório do advogado Luis Felipe Cunha, que depois se tornou o primeiro suplente de Moro. Eles destacam o valor da contração, de R$ 1 milhão para um período de quatro meses, e o fato de Cunha não ter experiência na área eleitoral. Em seu depoimento, Moro justificou que o valor também abrangia pagamentos ao escritório de Guedes, que não teria sido contratado diretamente pelo União Brasil devido à resistência do presidente da sigla, Luciano Bivar


Questionado pela Folha, o causídico disse que não há ilegalidades na subcontratação e que ela "não foi feita às escondidas". "Houve por parte do partido a informação de que não gostariam de me contratar pelo fato de eu ter assinado contra o PSL [hoje União Brasil] uma ação de desfiliação de justa causa da Joice Hasselmann", afirmou ele.

 
Parafraseando um texto publicado pelo Jornal Opção em 17 de dezembro p.p., "se em quase nada agradou à esquerda em toda a trajetória pelos três Poderes, Moro foi um mix de personagens para a direita antipolítica durante todo esse tempo: foi Batman, Superman, Nero, Coringa, Judas, Banana de Pijamas e, por fim, Judas de novo". E assim ele terminou o ano no purgatório, desprezado pela esquerda, visto como traidor pela direita e prestes a ter seu currículo de ex-juiz e ex-ministro acrescido da tarja de ex-senador.
 
A conferir.

sábado, 20 de janeiro de 2024

SERGIO MORO E OS NOVE CÍRCULOS DO INFERNO

 

Não bastasse a provável cassação de seu mandato, o senador Sergio Moro se tornou alvo de um inquérito que visa apurar supostas irregularidades num acordo de delação premiada firmado em 2004 por Antonio Celso Garcia, que o acusa de obrigá-lo a gravar autoridades com foro privilegiadoA denúncia teria sido relatada à juíza substituta Gabriela Hardt em 2021, mas só foi encaminhada ao STF dois anos depois, durante a passagem relâmpago do juiz antilavajatista Eduardo Appio pela 13ª Vara Federal de Curitiba. 

Observação: Vale lembrar que Hardt assumiu os processos do braço paranaense da Lava-Jato em 2018, quando o Moro aceitou ser ministro de Bolsonaro, e tornou a assumi-los em março do ano passado, quando Appio foi afastado pelo TRF-4 por suspeitas de ter ameaçado o filho do desembargador Marcelo Malucelli.
 
Moro embarcou numa canoa que deveria saber furada (e iniciou seu périplo pelos nove círculos do inferno) quando trocou a magistratura por um efêmero ministério no desgoverno Bolsonaro. Talvez achasse realmente que poderia implementar uma forte agenda anticorrupção, e que sua indicação para o STF era pra valer. Mas acusá-lo de condenar Lula movido por "ambições políticas" me parece leviano. Até porque a sentença foi dada em julho de 2017, quando as chances de Bolsonaro ser eleito presidente eram as mesmas de eu ser ungido papa. E prisão do xamã do PT foi determinada pela 8ª Turma do TRF-4, que confirmou a condenação e aumentou a pena de 9 anos e 6 meses de reclusão para 12 anos e 1 mês.
 
Mas a terra plana não dá voltas, capota, e Moro deu com os burros n'água. As coisas poderiam ter tomado outro rumo se ele continuasse a engolir sapos e beber a água da lagoa (como fez durante 1 ano e 4 meses), mas a reunião interministerial de 22 de abril de 2020 foi a gota que transbordou o copo. Na coletiva de imprensa em que anunciou a demissão, o ainda herói nacional atribuiu sua decisão às frequentes interferências de Bolsonaro na PF

Observação: Sobre as alegadas ingerências, o chefe do clã das rachadinhas assim se pronunciou: “Fui eleito presidente para interferir mesmo, se é isso que eles querem. Se é para ser um banana ou um poste dentro da Presidência, tô fora”. Fato é que o desembarque criou uma crise no governo e originou um inquérito que acabou em pizza devido à aposentadoria do decano Celso de Mello e à subserviência do antiprocurador-geral Augusto Aras. 
 
Como juiz, Moro enquadrou poderosos em processos de grande repercussão, como o escândalo do Banestado, a Operação Farol da Colina e a Operação Fênix. No auge da (hoje moribunda) maior operação anticorrupção da história desta banânia, condenou figuras do alto escalão da política e do empresariado tupiniquim, como Lula, José Dirceu, Sérgio Cabral e Marcel OdebrechtÀ frente dos casos da Lava-Jato em Curitiba, tinha uma biografia respeitável, estabilidade no emprego e a vida a lhe sorrir. 

No governo, Moro foi traído por Bolsonaro. Como aspirante à Presidência, filiou-se ao Podemos, migrou para o União Brasil e foi sabotado por Luciano Bivar, que fingiu interesse em concorrer ao Planalto para tirá-lo do jogo — como já o havia tirado do Podemos. Como senador, vê aumentarem dia após dia as chances de sua poltrona acomodar novas nádegas. E como desgraça pouca é bobagem, o mesmo pode acontecer com a mulher, Rosângela, que enfrentou diversos obstáculos para se eleger deputada federal.
 
Voltando as acusações feitas pelo mix de empresário, estelionatário e ex-deputado Tony Garcia, o pedido de abertura de inquérito partiu da PGR e a autorização foi dada prontamente pelo nobre ministro Dias Toffoli, responsável pelo plantão do STF durante este recesso. 

Observação: Lula presenteou Toffoli com a suprema toga em 2009 em retribuição aos bons serviços prestados como advogado do Sindicato dos Metalúrgicos, consultor jurídico da CUT, assessor jurídico do PT e de José Dirceu e advogado-geral da União. Segundo a CF, indicados para o STF devem ter reputação ilibada e notório saber jurídico; para Lula, o fato de o apadrinhado ter bombado não uma, mas duas vezes em concursos para juiz de primeira instância fizeram tanta diferença quanto o currículo anabolizado de Nunes Marques, o desembargador piauiense cujos ombros Bolsonaro cobriu com a suprema toga porque "tomaram muita tubaína juntos".

Questionado pela imprensa sobre o inquérito, Moro ressaltou que: 1) Garcia foi condenado por estelionato em decisão transitada em julgado; 2) o acordo de delação envolveu a devolução de valores roubados do Consórcio Garibaldi; 3) as escutas ambientais foram autorizadas judicialmente e acompanhadas pela PF e pelo MPF; 4) a jurisprudência da época (2004) não obrigava o juiz a remeter processos para tribunais superior em casos de mera menção de autoridades com foro privilegiado; 5) gravações de conversas, quando de conhecimento de um dos interlocutores, dispensava autorização judicial; 6) se houve crime (coisa que ele nega), a punição estaria prescrita.
 
Moro desagradou a gregos e troianos. Sua imagem de herói nacional — que ajudou o mau militar e parlamentar medíocre a se passar por inimigo da corrupção e obter o apoio da classe média — se esvaneceu aos olhos dos bolsomínions quando ele abandou o barco atirando contra o capitão. Para a patuleia ignara, o ex-ministro continuou sendo "o algoz de Lula" e o "perseguidor da petralhada". 

Após a aprovação de Flávio Dino no Senado, Moro trocou mensagens com uma pessoa próxima — apelidada de "Mestrão" — que o alertou para não revelar seu voto (favorável ou contrário à indicação). A notícia pegou mal nas redes sociais (aliás, conversas vazadas sempre foram um problema para ele, vide a série de denúncias da Vaza Jato no The Intercept Brasil). 

Na noite seguinte, o Ministério Público se manifestou pela cassação do mandato de Moro por "abuso de poder econômico" na pré-campanha à Presidência. Detalhe: o processo eleitoral que ensejou esse furdunço foi movido pelas campanhas do PT e do PL. 
 
Observação: Em 2017, o então presidente do TSE Gilmar Mendes articulou uma impostura travestida de julgamento da chapa Dilma-Temer e o deu o voto que livrou a pele do vampiro do Jaburu 
— por "excesso de provas", como ironizou o ministro Herman Benjamim, relator do imbróglio. Mas os tempos eram outros, e outros eram os interesses dos envolvidos e os protagonistas da patética tragicomédia.

Moro tornou-se refém do personagem que criou na Lava-Jato e do político pouco habilidoso que demonstrou. Execrado pela esquerda, abandonado pela extrema-direita (e por boa parte de direita) e antipático aos olhos da alta cúpula do Judiciário, colhe os frutos do que plantou em 2018, quando trocou o certo pelo duvidoso (ou pelo errado, como ele descobriu mais adiante). Agora, vive sob a espada de Dâmocles e pode acabar pendurado — como o amigo Dallagnol — de ponta-cabeça sob manchetes de "CASSADO E COM O PLENÁRIO VAZIO". 

Na Divina Comédia, Dante Alighieri percorre o Inferno e o Purgatório guiado pelo poeta Virgílio, e o Paraíso, pela amada Beatriz. Na política, cada um precisa fazer seu caminho. Moro trocou sua carreira (22 anos) na magistratura pela política e deu com os costados no vestíbulo dos nove círculos do inferno, encimado pelos dizeres: "Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate!Ao contrário de Dante, ele entrou nessa sem guia, sozinho. Enquanto isso, Flávio Dino orbita as esferas do Paraíso até tomar posse no STF.

Atualização: Na última sexta-feira o advogado Rodrigo Gaião anunciou seu desembarque da defesa de Moro — não sem reforçar seu “direito a eventual verba honorária de sucumbência ou êxito, proporcionais ao período de atuação no feito". Mas uma mudança na composição do TRE pode embaralhar o cenário, já que o regimento interno estabelece que as decisões em ações que podem levar à cassação de registro ou à perda de diplomas somente poderão ser tomadas com a presença de todos os membros do tribunal. O mandato de Thiago Paiva dos Santos, representante da classe dos advogados, termina no próximo dia 23 e, quatro dias depois, chega ao fim a participação de José Rodrigo Sade e Roberto Aurichio Junior, dois substitutos da mesma classe. Entre os dias 22 (reinício dos trabalhos) e 27 (saída dos substitutos da classe de advogados) há duas sessões presenciais e três virtuais previstas, mas o caso contra Moro não consta da pauta (ao menos por enquanto). Seja qual for o resultado do julgamento, a parte derrotada acionará o TSE para reverter a decisão.


Hoje é dia de São Sebastião e aniversário do Rio de Janeiro. Okê Arô, Oxóssi!

domingo, 5 de março de 2023

O OLIMPO DAS TOGAS (PARTE 3)


Supremo Tribunal Federal ocupa uma área de 14.000 metros quadrados na Praça dos Três Poderes e dispõe de 11 ministros e 2.800 funcionários. São 116 faxineiros, 24 copeiros e 27 garçons (daqueles que usam gravata borboleta e luvas brancas), além de 80 secretárias, quase 300 seguranças e 12 auxiliares de desenvolvimento infantil para os filhos dos servidores. Ao todo, são cerca de 800 terceirizados e 2 mil servidores requisitados e concursados, o que perfaz uma média de 222 servidores por gabinete e consome mais de R$ 1 bilhão por ano (dinheiro do contribuinte).

 

Uma vez empossado, o ministro ganha um espaçoso gabinete (o da presidência tem 100 m2), um batalhão de auxiliares, uma cadeira em uma das duas turmas e uma poltrona couro caramelo no plenário, de onde virá a condenar os pobres, absolver os ricos e, valendo-se da hermenêutica, soltar ex-presidentes corruptos, chefes de organizações criminosas e outros bandidos de estimação. Conforme o "paciente" e o magistrado encarregado do processo, uma decisão pode levar 20 horas ou 20 anos.

 

A exemplo das imagens da deusa Têmis que decoram fóruns e tribunais mundo afora, a guardiã do STF tem os olhos vendados e traz a indefectível espada, mas sua balança foi roubada há alguns anos por um deputado, e o processo ainda não foi julgado pela corte (talvez seja esse o motivo de nossa deusa da Justiça está sentada).  

 

Com seus paramentos, rapapés, salamaleques, linguagem empolada, citações em latim e outras papagaiadas, o Supremo exala o bolor dos tempos do império. Nas sessões plenárias, as togas trazem os votos prontos (o trabalho pesado é feito pelos auxiliares) e raramente mudam de opinião por conta das sustentações orais de advogados, membros da PGR e quem mais subir à tribuna para fazer solilóquios. Concluída a leitura do voto do relator — o que pode preencher uma sessão inteira —, os seus pares leem os seus, em ordem inversa ao tempo de casa (do novato ao decano).

 

Em vez de simplesmente acompanhar o relator — ou expor em poucas palavras os motivos da discordância —, alguns ministros se derramam em elucubrações não raro incompreensíveis (Celso de Mello Marco Aurélio, por exemplo, pareciam se expressar em javanês) enquanto os demais aguardam a vez navegando na Web ou tirando um cochilo.


O atual decano foi brilhantemente definido pelo jornalista J.R. Guzzo como uma "fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro, mais um na multidão de altas autoridades que constroem todos os dias o fracasso do país". Durante um memorável bate-boca, Luís Roberto Barroso qualificou o colega como "uma pessoa horrível, mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia". Em outra ocasião, Barroso disse à Folha"No Supremo, você tem gabinete distribuindo senha para soltar corrupto, sem qualquer forma de direito e numa espécie de ação entre amigos.

 

Em 2017, durante sua passagem pela presidência do TSE, Gilmar foi o mentor da impostura travestida de julgamento da chapa Dilma-Temer e o responsável pelo voto que livrou a pele do vampiro do Jaburu por “excesso de provas”, como ironizou o relator do processo, ministro Herman Benjamim. Fiel a seu estilo (que prefiro não comentar), ele se empenhou pela anulação de condenações de réus da Lava-Jato como se travasse uma cruzada em defesa do império da impunidade

 

Em 2016, ao fundamentar seu voto sobre a prisão em segunda instânciaGilmar anotou: "Não se conhece no mundo civilizado um país que exija o trânsito em julgado; em princípio, pode-se executar a prisão com a decisão em segundo grau [...] uma coisa é ter alguém como investigado, outra coisa é ter alguém como denunciado, com denúncia recebida, e outra, ainda, é ter alguém com condenação...". Em 2017, ele admitiu que poderia mudar de posição se houvesse um novo julgamento, e dito e feito. Em 2019, sua excelência integrou a maioria que, por 6 votos a 5, proibiu o cumprimento antecipado da pena após a confirmação da sentença por um juízo colegiado.

 

Essa mudança de jurisprudência foi um exemplo lapidar da degradação imposta ao sistema de justiça pelo "garantismo" de juízes que se autoproclamam "defensores do direito de defesa", mas que garantem somente a impunidade. Em 2018, eu escrevi que "a insegurança jurídica promovida pelo Supremo descortinava um caminho perigoso para a sociedade, mas benéfico para Lula, pois o festival de atrocidades poderia anular sua condenação no caso do tríplex do Guarujá e, por tabela, livrá-lo da Lei da Ficha Limpa e permitir sua participação nas próximas eleições". E foi exatamente o que aconteceu.

 

Continua...

terça-feira, 29 de março de 2022

O FAROESTE À BRASILEIRA E A MÁ QUALIDADE DO ELEITORADO CANARINHO


Escrever sobre política no Brasil é como trocar um pneu com o carro em movimento. Como diz o bordão da BandNews, "em um segundo tudo pode mudar". Senão vejamos.

Após dizer que “colocaria a cara no fogo” pelo ministro-pastor Mílton Ribeiro, Bolsonaro teria decidido por sua demissão, aconselhado por aliados que temem desgaste do governo com as denúncias de corrupção no MEC. Ao cumprir um "pedido especial do presidente da República", o ministro se envolveu no que pode ser mais um grande escândalo de corrupção deste abjeto governo: a denúncia é de que pastores tinham atendimento preferencial na liberação de verbas da pasta para prefeituras

Até a manhã de ontem, porém, o governo não havia comentado a informação. Segundo o site O Antagonista, Ribeiro deve permanecer no cargo até o dia 1º de abril, quando será substituído por Garigham Amarante, que é apadrinhado de Valdemar Costa Neto. Na próxima quinta-feira, se nada mudar até lá, o ministro deverá ser ouvido pela Comissão de Educação do Senado.

ATUALIZAÇÃO: Bolsonaro "aceitou o pedido de demissão" de Ribeiro. O nome do substituto ainda não foi divulgado. Com a exoneração do papa-dízimo, o governo estabelece a média de uma queda de ministro a cada 43 dias. A Educação já teve quatro chefes: um colombiano que mal falava português, um brucutu sem educação, um aloprado sem currículo e a sumidade que ora deixa o cargo. Nenhum fez nada que prestasse. O capitão ainda não percebeu que de nada adianta trocar a roda da carroça se o problema é o burro.

***

No faroeste à brasileira, o xerife que perseguiu o bandido durante todo o filme acaba preso, já que parte da mais alta cúpula do judiciário vestiu a toga sobre a farda de militante. Exemplos de situações surreais como essa não faltam. Cito a absolvição da chapa Dilma-Temer pelo TSE, em junho de 2017, por “excesso de provas” — como salientou o relator do processo, ministro Herman Benjamin —, a “descondenação” de Lula pelo STF, em abril do ano passado, e o caso do procurador Deltan Dallagnol, que foi condenado recentemente a pagar uma indenização de R$ 75 mil ao agora ex- presidiário e pré-candidato à Presidência com mais chances de vencer o pleito de outubro p.f. Corrigido monetariamente e acrescido de juros, o valor da indenização passa de R$ 100 mil, mas o ex-coordenador da Lava-Jato no Paraná recebeu mais de R$ 500 mil em doações via Pix


Observação: Segundo Dallagnol, os brasileiros fizeram os depósitos espontaneamente, indignados com a injustiça de sua condenação. “Não tenho palavras para o carinho, a solidariedade e o senso de justiça desse gesto”, postou o ex-procurador no Twitter.


Faltando menos de sete meses para as eleições, todas as pesquisas dão conta de que Lula terá 171% dos votos válidos. Mas é bom lembrar que, em 2018, às vésperas do pleito, as pesquisas davam como certa a derrota de Bolsonaro no segundo turno (fosse quem fosse o adversário da vez) e eleição de Dilma para o Senado por MG. Acabou que o então obscuro deputado do baixo clero que surfou na onda do antipetismo e promoveu o maior estelionato eleitoral da história deste país desde a redemocratização venceu o bonifrate do então presidiário de Curitiba por uma diferença de 10,7 milhões de votos, e Dilma, cuja vitória também eram 'favas contadas', ganhou o que a Luzia ganhou atrás da horta.


Os institutos de pesquisa afirmam usar critérios científicos e dados fornecidos pelo IBGE, TSE etc. para definir uma “amostra” da população que represente fielmente todo o colégio eleitoral de um determinado município, estado ou país (conforme o caso). O objetivo é obter, a partir do menor número possível de entrevistas, um nível de confiança de 95%, com uma margem de erro entre dois e três pontos percentuais, para mais ou para menos.


Já dizia Magalhães Pinto que "política é como nuvens no céu; a gente olha e elas estão de um jeito, então olha de novo e elas já mudaram". O que essas enquetes refletem é apenas um “instantâneo” do humor da população num determinado momento — e desde que se admita que alguns milhares de entrevistados espelham o que pensam cerca de 150 milhões de eleitores aptos a votar. 


Por falar em pesquisas, um levantamento feito pelo DataSenado apontou que 62% dos eleitores têm vergonha do Brasil e 38% gostariam de morar em outro país — entre os mais jovens, esse sentimento é comum a 70% dos votantes. A pesquisa demonstrou também uma queda no interesse da população em geral por política: dez anos atrás, 63% dos brasileiros tinham interesse por política; agora, são 53%, e, desses, apenas 18% declaram ter “alto interesse”. Isso se explica não só pelo baixo nível de conhecimento da população sobre o sistema político e as deficiências no ensino, mas também (e principalmente) pela situação do país como um todo. Com a inflação de volta à casa dos dois dígitos, 12 milhões de desempregados e gente disputando a tapa os ossos que açougues e supermercados jogavam no lixo até não muito tempo atrás, não seria de esperar que política fosse prioridade zero para as camadas menos favorecidas do povo brasileiro. Mesmo assim, a maioria dos entrevistados (67%) acredita que a democracia é a melhor forma de governo, embora 87% estejam pouco ou nada satisfeitos com o atual regime político. 


Observação: Foram entrevistados 5.850 cidadãos maiores de 16 anos. Dos eleitores, 58% são das Regiões Sudeste e Sul, 26% do Nordeste, 8% do Norte e 8% do Centro-Oeste. O público é formado por 45% de pardos, 44% de brancos e 10% de negros. O maior grupo (47%) tem até o ensino fundamental completo e 37% vivem em municípios com mais de 50 mil e até 500 mil habitantes. Os ocupados são 60%, enquanto 30% se disseram fora da força de trabalho; e 45% têm renda familiar de até dois salários-mínimos. A maioria dos eleitores (55%) diz não ter posicionamento político. Do restante, 21% dizem ser de direita, 11% de esquerda, 9% de centro e 4% não sabem ou não responderam.

sábado, 12 de fevereiro de 2022

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS! (PARTE XII)


— Não renunciarei. repito: não renunciarei. Se quiserem, me derrubem! — rosnou Michel Temer, o dedo em riste demonstrando que o que lhe importava era se manter no cargo a qualquer custo. “Renunciar seria uma confissão de culpa”, asseverou o nosferatu tupiniquim, como se àquela altura suas justificativas estapafúrdias tivessem alguma credibilidade.

Na verdade, (quase) todo mundo queria ver Temer pelas constas, só que ninguém queria fazer o trabalho sujo. Assim, o governo ruiu, mas o mandatário continuou lá, aprovando coisas um tanto sem sentido, apenas para sinalizar que tudo estava na mais perfeita ordem, na mais santa paz (nada muito diferente do que acontece com o atual governo, onde Bolsonaro finge que preside enquanto o Centrão dá as ordens).

Quando a delação de Joesley Batista veio à tona, Temer perdeu a segunda grande chance de renunciar (a primeira foi por ocasião da deposição de Dilma). Comentou-se que ele chegou a pensar seriamente em fazê-lo, mas foi demovido da ideia por Eliseu PadilhaMoreira Franco, Carlos Marun, Romero Jucá e outros assessores puxa-sacos, igualmente investigados ou suspeitos de práticas nada republicanas, que perderiam os cargos e o foro privilegiado se o presidente renunciasse.

Em seu primeiro pronunciamento à nação depois que Lauro Jardim revelou a conversa de alcova de Temer e o moedor de carne bilionário, o presidente disse que o inquérito no STF seria “o território onde surgiram as explicações e restaria provada sua inocência”. E o que fez a partir de então? Mentiu descaradamente para justificar o injustificável, atacou seus acusadores e moveu mundos e fundos (especialmente fundos) para obstruir a denúncia. 

Descartada a renúncia e afastado o impeachment, não só porque Rodrigo Maia decidira empurrar a coisa com a barriga enquanto pudesse, mas também porque o processo demoraria demais e o país sofreria as consequências de outra deposição presidencial, via Congresso, em menos de 18 meses, só restou o inquérito no STF e o julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE — ação proposta pelo PSDB a pretexto de “encher o saco do PT”, conforme revelou o candidato derrotado Aécio Neves numa conversa gravada por (ele de novo!) Joesley Batista, que vinha se arrastando havia anos. 

Por (mais) uma ironia do destino, o partido que se tornou o maior aliado do governo com o impeachment transformou-se em seu algoz. Mas os tucanos mantiveram um pé no poleiro e os olhos no TSE, prontos para bater asas e voar assim que a cassação da presidanta lhes parecesse inevitável.

A procrastinação do julgamento complicou ainda mais a situação de Temer, pois ensejou a inclusão de outros elementos contra ele. Assim, se não havia evidências de que o vice não recebeu dinheiro de caixa 2 para sua campanha, não falavam provas de que a chapa recebeu, e ele se beneficiou dos mesmos recursos que garantiram a reeleição da presidanta. 

Depois de dizer que “os juízes não são de Marte” — dando a entender que seria impossível ignorar o cenário político e as consequências da cassação de (mais) um presidente — Gilmar Mendes adiantou para a imprensa que o julgamento seria “jurídico e judicial”, que o Tribunal não era “joguete de ninguém”, e que não cabia à Corte “resolver crise política”.

Antes do vazamento da delação dos donos da JBS, dava-se de barato que o TSE livraria a pele de Temer. A última coisa que se desejava naquele momento era mais uma troca de comando, mesmo porque o governo vinha tocando as reformas e a economia, dando sinais de recuperação. Mas seria difícil justificar a manutenção de um presidente altamente impopular e, ainda por cima, investigado por corrupção passiva, organização criminosa e obstrução da Justiça.

O ministro-relator Hermann Benjamin — que produziu um calhamaço de mais 1.000 páginas — defendia eleições diretas para a escolha do próximo presidente. Em sua avaliação, se a eleição de 2014 sagrou vencedora uma chapa que comprovadamente fraudara o pleito, a vontade popular fora desrespeitada e a eleição deveria ser anulada, dispensando o cumprimento do art. 81 da Constituição (que estabelece a realização de eleições indiretas no caso de vacância a partir de dois anos do mandato). Acabou que Gilmar Mendes entrou em ação e a chapa foi absolvida por 4 votos a 3 — “por excesso de provas”, como observou posteriormente o relator.

Enquanto houver bambu, vai ter flecha”, avisou o PGR Rodrigo Janot, que simpatizava com Dilma, mas não suportava Temer. Respaldado nos depoimentos de Joesley Batista e Lúcio Funaro (o homem da mala do presidente), Janot apresentou duas denúncias contra o vampiro do Jaburu, mas ambas foram barradas pela Câmara. Temer não foi apeado do cargo porque: 

1) Faltou consenso em torno do seu eventual sucessor (os parlamentares não estavam dispostos a abrir mão das eleições indiretas nem de escolher um de seus pares para o mandato-tampão); 

2) Não houve vontade política dos nobres congressistas; 

3) Não faltam, entre os 513 deputados federais, quem se disponha a votar contra ou a favor de qualquer coisa, desde que haja a "devida reciprocidade".

Continua...

domingo, 6 de fevereiro de 2022

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS! (PARTE VI)

TSE é historicamente condescendente com crimes eleitorais e vem postergando indefinidamente suas decisões, talvez por não ter estrutura nem disposição para atuar com a celeridade desejável. Em 2017, o ministro Gilmar Mendes, que à época presidia a Corte Eleitoral, foi o mentor da impostura travestida de julgamento da chapa Dilma-Temer e o responsável pelo voto de minerva que livrou a pele do então presidente por “excesso de provas”, como ironizou o relator do processo, ministro Herman Benjamim.

Fiel a seu estilo (que prefiro não comentar), o magistrado se empenhou pela anulação de condenações de réus da Lava-Jato como se travasse uma cruzada em defesa do império da impunidadeAliás, depois de um dos memoráveis bate-bocas com o semideus togado, o ministro Barroso disse à Folha: "No Supremo, você tem gabinete distribuindo senha para soltar corrupto, sem qualquer forma de direito e numa espécie de ação entre amigos.

Indicado para o STF em 2002 pelo então presidente FHCGilmar Mendes é a prova provada de que o grão-duque tucano deixou pelo menos duas heranças malditas (a outra foi a PEC da reeleição). Ele era defensor incondicional da Lava-Jato e inimigo figadal dos criminosos de colarinho branco enquanto os investigados eram Lula e políticos do PT. Foi ele, aliás, quem botou água no chope do ex-presidente quando Dilma o nomeou ministro-chefe da Casa Civil (com o nítido propósito de lhe restituir o foro privilegiado). Mais adiante, porém, passou a articular o sepultamento da prisão em segunda instância (que ele próprio defendia com unhas e dentes) e a conceder habeas corpus a quem fosse preso preventivamente pela força-tarefa de Curitiba.

Em 2016, ao fundamentar seu voto sobre a prisão em segunda instância, Gilmar anotou: "Não se conhece no mundo civilizado um país que exija o trânsito em julgado; em princípio, pode-se executar a prisão com a decisão em segundo grau [...] uma coisa é ter alguém como investigado, outra coisa é ter alguém como denunciado, com denúncia recebida, e outra, ainda, é ter alguém com condenação...". Em 2017, porém, passou a admitir publicamente que poderia mudar de posição se houvesse um novo julgamento.

Também em 2017, Mendes mandou soltar — não uma, mas três vezes — o empresário Jacó Barata Filho, tido como chefe da máfia dos ônibus no Rio. Apesar de os procuradores da Lava-Jato pedirem seu impeachment, o magistrado não se deu por impedido de julgar o caso: "O fato de ser padrinho de casamento da filha do acusado não se enquadra nas regras legais que determinam o afastamento de um magistrado para julgar uma causa em função de relação íntima com uma das partes".

Em 2019, quando a questão prisão em segunda instância voltou à pauta, Mendes votou contra, juntamente com Rosa WeberRicardo LewandowskiCelso de MelloMarco Aurélio Mello e o então presidente da corte, Dias Toffoli — que, como Gilmar, era favorável ao cumprimento antecipado da pena.

No Brasil, criminosos que têm cacife para bancar os honorários astronômicos cobrados por causídicos estrelados (caso dos políticos corruptos, que pagam os chicaneiros com dinheiro desviado do Erário) têm acesso a um formidável cardápio de recursos que lhes permite empurrar os processos com a barriga até que a prescrição impeça a punição ou até baterem as botas, o que ocorrer primeiro.

A título de exemplo, a defesa de Luiz Estevão ingressou com 120 recursos até o salafrário ser encarcerado, e Paulo Maluf só foi recolhido à Papuda depois de seu processo tramitar por quase duas décadas, mas bastaram alguns meses para ele ser posto em prisão domiciliar por uma decisão tomada de ofício de Dias Toffoli.

Por outro lado, são falsas as acusações veiculadas em redes sociais de que Gilmar Mendes jamais advogou, que bombou em concursos públicos e que foi alçado ao STF sem passar pelo crivo do Senado (crivo esse que é eminentemente protocolar, como vimos no post do dia 4, as únicas reprovações ocorreram há mais de um século, durante o governo de Floriano Peixoto).

O atual decano do STF graduou-se em Direito pela Universidade Federal de Brasília, onde iniciou o mestrado em Direito e Estado que concluiu na Alemanha (pena não ter ficado por lá). Também foi aprovado em 12° lugar para o cargo de Juiz Federal (1983-1984), em 4° lugar para o de Assessor Legislativo do Senado Federal (nomeação suspensa a pedido do candidato em 1984), em 1° lugar para o de Procurador da República (1984) e em 1° lugar para o de Professor Assistente (Direito Público) da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (1995). Sobre a sabatina na CCJ do Senado, ela realmente foi adiada, mas acabou acontecendo e o indicado, aprovado por 16 votos a 6 na CCJ e por 57 votos a 15 no plenário.

Quem ostenta no currículo duas reprovações em concursos para Juiz de primeira instância — ambas na fase inicial, na qual são testados os conhecimentos gerais do candidato — é o ministro Dias Toffoli, que foi nomeado para o STF graças aos “bons serviços prestados a Lula e ao PT”. Em sua trajetória até nossa mais alta Corte, Toffoli foi advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de SBC, consultor jurídico da CUT, advogado nas campanhas de Lula em 1998, 2002 e 2006 e subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil da Presidência e Advogado Geral da União. 

Abrilhantam também o invejável currículo de Toffoli o fato de ele não ter despido a farda de militante petista quando vestiu a suprema toga e ter ido buscar apoio em Gilmar Mendes, que é quem melhor encarna a figura do velho coronel político — ou, como bem o definiu J.R. Guzzo, “uma fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro, mais um na multidão de altas autoridades que constroem todos os dias o fracasso do país” —, de quem Toffoli absorveu a arrogância incontida, a grosseria, a falta de limites, o uso da autoridade da forma mais arbitrária possível e outros hábitos pouco elogiáveis.

Em 2019, a Receita Federal investigou a Faculdade da qual Mendes é sócio fundador e os honorários advocatícios de Guiomar Feitosa Mendes, esposa do ministro-deus (há também suspeitas de suposto favorecimento no julgamento de processos no STF, mas isso é outra conversa). A declaração de imposto de renda do casal vazou, e 18 pessoas, entre parentes e conhecidos, foram listadas como potenciais investigados no caso. 

Segundo matéria publicada na revista Época, a luxuosa vivenda do casal Mendes, que fica no Setor de Mansões à beira do Lago Paranoá, poderia se passar por um clube — a julgar pela piscina, com uma onça preta de cerâmica bebendo água e uma edícula cheia de boias coloridas em formato de macarrão — ou por uma fazenda urbana — com uma vista espetacular da cidade, árvores frutíferas, viveiros, patos, galinhas, cachorros, gatos, emas e até um pônei (dias antes, a revista eletrônica Crusoé publicou que os bens do casal totalizariam R$ 20 milhões, entre imóveis e bens espalhados pelo país.

Gilmar disse ser alvo de ataques desde que chegou ao STF e atribui o fato a seus posicionamentos críticos ao que considera excessos ilegais. Época discorreu sobre inúmeros casos em que ele atuou como “voz contrária a interesses diversos” (nas palavras do próprio). Sobre a esposa do ministro, a matéria menciona apenas que ela disse nunca ter tido problemas com a Receita, que é de família rica, que tem tudo declarado, que a investigação era um absurdo.

Não são esses detalhes da vida pregressa do ministro que me levam a lhe dedicar estas linhas, mas sua beligerância ao classificar de "inusitado" e "esdrúxulo" o episódio envolvendo a Equipe Especial de Fraudes da Receita Federal, que aponta indícios de corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico de influência do ministro e da mulher. Depois que a revista Veja trouxe o assunto a conhecimento público, Gilmar cobrou providências do presidente do STF para apurar “eventual ilícito” cometido pelos auditores. 

Como Lula, o todo-poderoso de araque parece achar que está acima da lei. Ave, César!

Continua...