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segunda-feira, 28 de abril de 2025

O BRASIL DA CORRUPÇÃO

NÃO HÁ ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL; O BRASIL É UMA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA.

A corrupção desembarcou em Pindorama travestida de nepotismo: na epístola em que comunicou o "achamento do Brasil", Pero Vaz de Caminha rogou ao rei de Portugal que intercedesse por seu genro, preso por roubo e degredado para a ilha de São Tomé, na África.

Não se sabe a duração do castigo imposto ao contraparente do escriba nem se o pedido foi atendido, mas sabe-se que a corrupção assola a política tupiniquim desde os tempos de antanho, e que os poderosos de hoje pouco diferem da elite colonial no tocante ao tráfico de influência, nepotismo, favorecimento e abuso de autoridade. Dito em português do asfalto, mudaram as moscas, mas a merda continua rigorosamente a mesma.

 

Mem de Sá, governador-geral do Brasil entre 1558 e 1572, foi acusado de enriquecimento ilícito. Os mercadores de escravos que saíam da África rumo ao Rio da Prata e paravam no Rio de Janeiro para abastecer tinham de pagar propina ao governador da capitania. Dom Lourenço de Almeida, que governou Minas Gerais entre 1720 e 1732, fez fortuna com ouro e diamantes extraídos à revelia da Coroa Portuguesa. Seu governo era auditado a cada três anos, mas ele subornava o responsável pela devassa.

No início do século XVII, a elite local controlava a política e a economia mineira, e, em contrapartida, ganhava do rei o direito à impunidade. As autoridades envolvidas na repressão ao contrabando praticavam contrabando e lucravam muito, pois Portugal fazia vista grossa — se a política da Coroa fosse implantada de forma inflexível, o Império não teria resistido. 


Como o que menos presta é o que mais dura, os políticos de hoje continuam praticando os mesmos atos espúrios que seus antepassados do século XVI. No entanto, seja hoje, seja no passado, a corrupção só pode existir com a conivência da sociedade. 


Houve corrupção no Brasil colonial, nos tempos do Império, na República Velha, na Era Vargas, na Segunda República, na ditadura militar — a ideia de que não houve corrupção durante os anos de chumbo é falsa; a repressão à imprensa impediu que os escândalos viessem à tona e mascarou os abusos do regime — e continua havendo na "Nova República". 


Sarney foi alvo de duas denúncias, mas o dito ficou pelo não dito. Collor foi acusado pelo irmão de envolvimento no "Esquema PC" e renunciou horas antes do julgamento de seu impeachment, mas ficou inelegível por 8 anos e só voltou à política nos anos 2000. No exercício do mandato de senador (2006-2022), assaltou os cofres da Petrobras Distribuidora. Apesar de ter sido condenado pelo STF8 anos de 10 meses de reclusão em 2023, só foi preso na madrugada da última sexta-feira.


Itamar Franco Fernando Henrique não foram acusados de envolvimento com corrupção, O grão-duque tucano comprou votos para aprovar a PEC da reeleição, mas o engavetador-geral Geraldo Brindeiro blindou suas penas vistosas.


 Lula, por sua vez, foi réu em duas dúzias de ações criminais, condenado em segunda instância a 12 anos e 1 mês de reclusão em 2018 e colocado numa cela VIP da PF em Curitiba e solto 580 dias depois, quando o STF proibiu (por 6 votos a 5) que criminosos condenados começassem a cumprir suas penas antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. 


Como se não bastasse, uma curiosa epifania revelou ao ministro Edson Fachin  com mais de 5 anos de atraso — que a 13ª Vara Federal de Curitiba carecia de competência territorial para processar e julgar o petista, e tanto suas duas condenações (já transitadas em julgado no STJ) quanto os demais processos que tramitavam contra ele na JF do Paraná foram anulados. 


Em 2022, com as velas enfunadas por ventos antibolsonaristas, o ex-presidiário mais famoso da história desta banânia foi reconduzido ao Palácio do Planalto.


Em 2010, Lula escalou uma nulidade da qual ninguém ouvira falar para "manter o Brasil no rumo do desenvolvimento" até que ele pudesse voltar ao trono. A dita-cuja cuidou da economia do país como lidou com a contabilidade das duas lojinhas de quinquilharias importadas que levou à falência em 1996 — época em que a paridade entre o dólar e o real favorecia esse tipo de negócio.


Em 2016, a "presidanta" de araque foi impichada e se tornou ré por corrupção e lavagem de dinheiro. Mas como vivemos no país da impunidade, os processos contra ela foram arquivados; como vivemos no país da antimeritocracia, ela foi recompensada com a presidência do Banco dos Brics


Michel Temer passou de vice a titular com o impeachment da nefelibata da mandioca, mas seu governo capenga ruiu com a divulgação da conversa de alcova com o moedor de carne bilionário Joesley Batista. Ele cogitou de renunciar, mas mudou de ideia e, quase dois dias depois, porejando indignação, disse à nação que "a investigação pedida pelo STF seria o território onde surgiriam todas as explicações, e que não renunciaria. Ato contínuo, comprou votos para sepultar as denúncias, tornou-se refém dos deputados venais, terminou seu mandato-tampão como pato-manco e transferiu a faixa para Bolsonaro em janeiro de 2019. 


Sem o escudo do foro privilegiado, o vampiro do Jaburu se tornou réu em quatro processos e chegou a ser preso, mas foi libertado dias depois pelo então presidente da 1ª Turma do TRF-2 — que ficou afastado do cargo durante 7 anos, acusado de venda de sentenças e formação de quadrilha, mas a ação acabou trancada pelo STF. 


Observação: Segundo foi publicado na revista Exame em março de 2019, quando Temer foi preso, o único ex-mandatário da "Nova República" que não corria risco iminente de ir parar na cadeira era Fernando Henrique. Na época, Lula estava cumprindo pena em Curitiba, Sarney era alvo de duas denúncias, Collor respondia a sete inquéritos (e se tornara réu num deles em 2017), Dilma respondia por corrupção e lavagem de dinheiro e o Vampiro do Jaburu era tetra-réu (duas vezes no RJ, uma em SP e outra no DF).


Em 2021, discursando para a récua de convertidos no chiqueirinho do Alvorada, Bolsonaro destacou que não há nada tão ruim que não possa piorar. Para não deixar dúvidas, tentou dar golpe de Estado no final do ano seguinte. Se os ventos não mudarem, ele e seus asseclas serão condenados entre setembro e outubro e poderão passar o próximo Natal atrás das grades.

Os estratagemas usados pela velha elite colonial persistem até hoje nas práticas ilícitas daqueles que se dizem representantes do povo — como atestam o mensalão, o petrolão e o orçamento secreto (ou "emendas de relator"). Até 2019, apenas duas ações penais da Lava-Jato haviam sido julgadas no STF. Numa delas prevaleceu o entendimento de que os elementos eram "apenas indiciais" — e a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, e seu ex-marido foram absolvidos por 3 votos a 2.  Na outra, as togas condenaram o deputado Nelson Meurer, mas declararam a extinção de punibilidade do filho do parlamentar, alegando que a única conduta que geraria a sanção penal era de junho de 2008.

 

Em vista do número de parlamentares que arrastam pendências judiciais e transitam livremente pelos corredores do Congresso, a parcela pensante da população perdeu a confiança no Legislativo e passou a ver o Judiciário como tábua de salvação. 


Como alegria de pobre dura pouco, o STF formou maioria para exumar e ressuscitar uma jurisprudência que vigeu durante míseros 7 anos ao longo das últimas 8 décadas. Com o voto de Minerva de Dias Toffoli, então presidente da Corte, ficou decidido que condenados em segunda instância deveriam permanecer em liberdade até o trânsito em julgado de suas sentenças.

 

Com quatro instâncias e um formidável cardápio de recursos, apelos, embargos e toda sorte de chicanas criadas sob medida para impedir que condenações de poderosos transitem em em julgado, essa caterva só vai presa no Dia de São Nunca. E na improvável hipótese de um caso fugir à regra, sempre há um magistrado de bom coração que expede um alvará de soltura "por razões humanitárias" (como fez o ministro Dias Toffoli no caso de Paulo Maluf).

 

Nossas leis são criadas pelo Congresso Nacional, que é formado por 513 deputados federais e 81 senadores. Em 2017, nada menos que 238 parlamentares eram investigados ou respondiam a processos no STF. Quando se dá às raposas a chave do galinheiro, perde-se o direito de reclamar do sumiço das galinhas, mas o fato de sermos obrigados a conviver com essa dura realidade não significa que devamos aceitá-la passivamente. 


Lula não aceitava. Tanto é que fundou o PT para implementar "uma maneira diferente de fazer política". Mas faltou combinar com a quadrilha do mensalão. Quando a roubalheira da petralhada veio a público, José Dirceu, então braço direito do demiurgo de Garanhuns, disse em entrevista ao Roda-Viva: “Este é um governo que não rouba, não deixa roubar e combate a corrupção".

 

Pausa para as gargalhadas (ou para as lágrimas, a critério do freguês).

quarta-feira, 14 de junho de 2023

DE VOLTA AO NEGÓCIO DO JAIR


Um pedido mui particular que Pero Vaz de Caminha incluiu na famosa carta a El-Rey plantou a semente do nepotismo em Pindorama. Séculos depois, a "rachadinha" se tornou tão comum para alguns parlamentares quanto o ato de respirar. 

Em "O Negócio do Jair — A História Proibida do Clã Bolsonaro", Juliana Dal Piva relata que o ex-presidente lançou mão dessa prática tão logo se elegeu deputado federal, fazendo escola para os filhos Flávio, na Alerj, e Carlos, na Câmara Municipal do Rio. Mas a maracutaia só ganhou destaque no final de 2018, quando o Estadão publicou que o Coaf havia identificado movimentações atípicas na conta de Fabrício Queiroz.
 
Queiroz se tornou íntimo de Jair nos anos 1980 e prestou serviços ao clã até outubro de 2018, quando Zero Um, informado por um delegado da PF de que a Operação Furna da Onça seria "segurada" para não respingar na campanha presidencial, exonerou o assessor e recomendou ao pai que fizesse o mesmo com Natália Queiroz, filha de Fabrício, que figurava na folha de pagamento do gabinete de Jair na Câmara, mas trabalhava como personal trainer no Rio de Janeiro.
 
Em entrevista a Veja, "Jacaré" — outro velho amigo de Jair — revelou que 
Ana Cristina Valle, segunda esposa do então deputado e mãe de Jair Renan, era responsável pela contratação de "funcionários fantasmas" no gabinete do marido e dos filhos. A separação do casal produziu montes de dinheiro: entre 2019 e 2022, madame movimentou R$ 9,3 milhões e comprou uma mansão em Brasília avaliada em R$ 2,9 milhões, embora seu salário fosse de R$ 6,2 mil mensais.
 
A novela Flávio/Queiroz teve inúmeros desdobramentos e foi interrompida diversas vezes — tanto por intervenções diretas do então presidente quanto por decisões de magistrados camaradas. Entre os episódios mais emocionantes, vale relembrar as explicações estapafúrdias dos envolvidos, o vídeo em que Queiroz aparece dançando no quarto do Hospital Albert Einstein (onde estava internado para tratar de um câncer no intestino) e o pagamento em dinheiro vivo de R$ 133,6 mil (referentes aos honorários médicos e serviços de hotelaria) feito pelo sambista de enfermaria. 

Observação: Queiroz passou três semanas em Bangú, mas sua mulher nem chegou a ser presa. No capítulo em que a novela virou comédia, o casal teve a prisão preventiva convertida em domiciliar pelo então presidente do STJ (com quem Jair Bolsonaro disse ter um caso de amor à primeira vista). 
 
O inquérito que sobre as rachadinhas foi arquivado com base no "mandato cruzado" — quando o parlamentar deixa de ocupar um cargo eletivo para assumir outro em uma casa legislativa diferente (o
 STJ anulou as provas e o STF manteve a decisão). Consta que a investigação prossegue, mas em sigilo, e que o primogênito do ex-presidente tinha planos de disputar a prefeitura do Rio no ano que vem, mas foi demovido por seu papai.

Após receber alta, Queiroz foi visto novamente seis meses depois, quando uma equipe de Veja o flagrou na lanchonete do hospital onde fora operado, e descobriu que ele estava morando a poucas quadras dali. Mas o fantasminha tornou a desaparecer e ficou invisível até ser preso no simulacro de escritório de advocacia de Frederick Wassef — o mafioso de comédia que, pego com batom na cueca, insultou a inteligência alheia ajustando sua narrativa em tempo real, como quem troca um pneu com o carro em movimento.
 
A eclosão de escândalos por atacado — marca registrada do governo Bolsonaro — levou a mídia a perder o interesse por Queiroz, que disputou a uma cadeira na Alerj, mas não conseguiu se eleger — o que é surpreendente, considerando à vocação inata do eleitorado tupiniquim para fazer sempre as piores escolhas (vide Damares, Mourão, Pazuello, Tiririca etc.).

E vamos que vamos!

quarta-feira, 31 de maio de 2023

A CORRUPÇÃO DE ONTEM, DE HOJE E DE AMANHÃ.

 

A corrupção chegou ao Brasil travestida de nepotismo quando Pero Vaz de Caminha pediu a El-Rey que intercedesse em favor de seu genro (condenado por roubo e degredado para a Ilha de São Tomé). Mas a impunidade, velha conhecida dos lusitanos, logo desembarcou no país do futuro que nunca chega. Em 1543, quando o dinheiro para a construção de um aqueduto na cidade alentejana de Elvas acabou antes da conclusão da obra, a comissão parlamentar que auditou a contabilidade concluiu que o desembargador português Pero Borges desviara exatos 114.064 reais (valor correspondente a um ano do seu salário). 


O julgamento se arrastou por anos a fio, mas Borges foi condenado a devolver o dinheiro e proibido de exercer cargos públicos por três anos. Parecia que a justiça havia sido alcançada, mas, 14 meses após a condenação, muito antes do fim do período de punição, o rei promoveu o condenado a ouvidor-geral do Brasil — cargo equivalente ao atual de ministro da Justiça. Em 15 de janeiro de 1549, duas semanas antes de partir para o Brasil, Borges recebeu de sua majestade a promessa de que, "se bem servisse", seria promovido a desembargador da Casa de Suplicação tão logo retornasse ao reino (mais detalhes em A coroa, a cruz e a espada: Lei, ordem e corrupção no Brasil, do jornalista e historiador Eduardo Bueno). Mas a coisa não parou por aí.


Em 17 de janeiro de 1949, El-Rey concedeu a Simoa da Costa, mulher de Borges, uma pensão anual de 40 mil reais a ser paga durante o tempo em que o marido estivesse no Novo Mundo. Para servir no Brasil como ouvidor-geral, Borges embolsava 200 mil reais por ano, mais que o salário nominal de um desembargador do Paço (170 mil reais), e contava com uma dúzia de cupinchas — entre os quais o escrivão Brás Fernandes (40 mil reais por ano) e o meirinho Manuel Gonçalves (20 mil reais anuais). E todos conseguiram receber seus salários antes de zarparem para o Brasil na frota do governador-geral Tomé de Souza, que já se encontrava fundeada no porto, aguardando por eles.

 

Pero Borges é considerado o primeiro corrupto do Brasil. Embora haja dúvidas sobre essa primazia — já que o provedor-mor (como o cargo de ministro da Fazenda era chamado na época) Antonio Cardoso de Barros foi acusado de construir engenhos de açúcar particulares no Recôncavo da Bahia utilizando dinheiro desviado —, a forma como o ouvidor-geral foi escolhido fez dele o primeiro grande exemplo de impunidade da história da história desta republiqueta.

sexta-feira, 24 de março de 2023

O ONTEM, O HOJE E O AMANHÃ...


Caminha abriu os portões da corrupção ao instituir o nepotismo no Brasil. Entre inúmeros exemplos recentes, vale citar a tentativa de Bolsonaro de indicar o filho fritador de hambúrgueres para a embaixada do Brasil nos EUA. Mas, em termos de "falta de absolutamente", nada se compara à Lula, que deixou a prisão para disputar um inédito terceiro mandato presidencial e venceu Bolsonaro por 2,2 milhões de votos (a menor diferença da história desta banânia).
 
Passados cinco meses do "pleito encantado", visivelmente desgastado  e acometido de uma súbita pneumonia às vésperas de viajar à China com portentosa comitiva —, o petista tenta vender uma imagem de dinamismo que simplesmente não convence. Seus discursos rabugentos não trazem novidades, apenas repúdio aos pequenos avanços econômicos e sociais conquistados em outros governos. Além, é claro, de um sentimento de vingança contra opositores reais ou imaginários. 
 
Lula confessou publicamente que passou 580 hospedado na PF de Curitiba pensando apenas em se vingar de Sergio Moro. A sinceridade do pai da mentira lhe rendeu o terceiro pedido de impeachment em menos de três meses de governo (os dois primeiros foram protocolados no final de janeiro). Em entrevista à CNN, Moro disse que o presidente está se vingando dos brasileiros, que esperavam picanha e cerveja e ganharam mais impostos. 
 
Observação: Em 2003, Lula foi alvo de um único pedido de impeachment; nos sete anos seguintes, outros 36 foram apresentados, mas nenhum seguiu adiante. Collor e Dilma colecionarem, respectivamente, 29 e 68 pedidos, e acabaram defenestrados do Planalto. Itamar, FHC e Temer foram alvo de 4, 27 e 33, nenhum dos quais prosperou. Bolsonaro teve 60 pedidos engavetados por Rodrigo Maia mais de 100 por Arthur Lira, que ele ajudou a eleger com dinheiro do "orçamento secreto".
 
Acreditava-se que o principal atributo do período pós-Bolsonaro era a percepção de que nada seria como antes. Mas ela se desfez antes mesmo do fim da lua de mel: A caminho dos 100 dias de governo, Lula limita-se a reciclar programas de antigas gestões petistas. Na cerimônia de relançamento do Mais Médicos, fez um discurso em que, trocando em miúdos, atribuía a Bolsonaro sua dificuldade de transmitir uma simbologia contemporânea.

AtualizaçãoMario Sabino escreveu no Metrópoles que Lula enlouqueceu. Perguntado sobre a operação da PF que prendeu os integrantes do PCC que planejavam o atentado contra o ex-juiz Sergio Moro, a deputada federal Rosangela Moro e os filhos do casal, Lula afirmou o seguinte: "Eu não vou falar, porque acho que é mais uma armação do Moro, mas eu quero ser cauteloso. Eu vou descobrir o que aconteceu. [...]  Eu acho que é mais uma armação e, se for mais uma armação, ele vai ficar mais desmascarado ainda." (mais detalhes neste vídeo). De uma só tacada, o presidente lançou suspeita de crime sobre o Ministério Público de São Paulo, a Polícia Federal, uma juíza, o Ministério da Justiça do seu próprio governo (e o ministro), além de um senador. É um ataque à democracia da mesma qualidade dos de Jair Bolsonaro ao STF e TSE.
 
Segundo o Ipec, 41% dos brasileiros aprovam o início deste governo — percentual inferior ao de 2003 e de 2007, mas superior aos 34% que Bolsonaro obteve no início de 2019. No que me concerne, torço pelo sucesso deste governo, mas não vejo como acreditar nisso. Lula promete "fazer coisas novas", mas a ansiedade por produzir algo novo inspira desconfiança quanto a sua capacidade de reproduzir a responsabilidade fiscal, que serviu de alavanca para o êxito social durante sua primeira gestão: No mais, do vista político, seu terceiro mandato é feito de Centrão e continuidade. 
 
Lula parece cada vez mais igual a si mesmo. A boa avaliação que lhe foi atribuída na pesquisa Ipec não muda o fato de que 57% dos entrevistados manifestaram seu anseio por uma nova liderança, alguém capaz de livrar o país da polarização que marcou 2022. Curiosamente, os votos obtidos pela "terceira via" não chegaram a 10%, o que levou os candidatos alternativos a se juntar à "frente democrática" de Lula para evitar uma trágica reeleição de Bolsonaro
 
O alarme da popularidade ainda não soou porque a maioria dos brasileiros sabe que nada de mal acontece no Brasil de hoje que não seja esplêndido diante do que poderia acontecer caso Bolsonaro tivesse obtido a reeleição. Só que a sensação de alívio costuma ter prazo de validade.

sábado, 9 de outubro de 2021

NÃO PODE DAR CERTO

 

"Tem de dar certo" é conselho de mãe de miss. Mas a expressão "dar certo" é usada também com a acepção de "produzir bons resultados". E foi com esse sentido em mente que eu intitulei esta sequência sobre o país do futuro que nunca chega porque tem um longo passado pela frente.

Tudo começou milhões de anos antes de Cabral — falo do navegante português, não do ex-governador carioca que por algum motivo continua preso (o fato de ter sido condenado a 400 anos de prisão não é motivo para mofar na cadeia; não no Brasil). 

Depois de transformar o Caos em ordem, criar o dia e a noite, separar as terras das águas, criar as plantas, as aves, os peixes, o Criador fez no sexto dia a maior de todas as burradas: “Agora vamos fazer os seres humanos, que serão como nós, que se parecerão conosco. Eles terão poder sobre os peixes, sobre as aves, sobre os animais domésticos e selvagens e sobre os animais que se arrastam pelo chão”, disse o Senhor das Esferas. E ao ver que "tudo era bom (?!)", Ele abençoou e santificou o sétimo dia e nele descansou. 

Comenta-se que, ao ser acusado de protecionismo devido ao tratamento dispensado à porção global que se tornaria o Brasil, Deus respostou: "vocês vão ver o povinho de merda que eu vou colocar lá". A meu ver, isso resume de maneira lapidar a história da nossa republiqueta de bananas. Mas nunca é demais relembrar alguns aspectos insólitos dessa tragicomédia, a começar pela chegada da esquadra de Cabral ao litoral do que estava destinado a ser a costa da Bahia.

Registram os livros de História que, aos 22 dias do mês de abril do Anno Domini 1.500, depois de ter sido desviada de seu destino original (Calicute, nas Índias Ocidentais), não se sabe ao certo se por uma tempestade ou uma calmaria, a esquadra cabrália aportou na costa brasileira. Em epístola endereçada a D. Manuel, "O Venturoso", comunicando a "descoberta" de terra brasilis, o escriba Pero Vaz de Caminha anotou que "em se plantando tudo dá", e aproveitou o ensejo para rogar a sua majestade que intercedesse em favor do marido da filha, inaugurando a corrupção em solo tupiniquim, ainda que na forma de nepotismo.

O Brasil foi colônia portuguesa até o início do século XIX, quando a família real, ameaçada pelo Tratado de Fontainebleau, mudou-se de mala e cuia para o Rio de Janeiro, depois de uma breve escala em Salvador (BA). Em 1822, D. Pedro I proclamou a independência, e dali a 67 anos o marechal Deodoro da Fonseca pôs fim à monarquia constitucional parlamentarista, apeou o monarca e implementou o presidencialismo republicano como forma de governo, protagonizando o primeiro dos muitos golpes de Estado que se sucederiam a partir de então.

Ao longo da história republicana do Brasil, ao menos quatro presidentes renunciaram — Deodoro da Fonseca, em 1891; Getúlio Dornelles Vargas, em 1945; Jânio da Silva Quadros, em 1960; e Fernando Affonso Collor de Mello, em 1992. Dos cinco que foram eleitos pelo voto direto desde o fim da ditadura militar, Collor e Dilma foram expulsos de campo antes do final do jogo. 

O pseudo caçador de marajás foi alvo de 29 pedidos de impeachment — mas nunca foi chamado de genocidaItamarFHCLula e Temer foram agraciados com 4, 27, 37 e 33 pedidos de impeachment, respectivamente, mas concluíram seus mandatos sem jamais ser chamados de genocidas. Madame foi alvo de 68 pedidos — e acabou penabundada porque estava quebrando o país —, mas ninguém jamais a acusou de genocídio.

Desde que se tornou um\ República, o Brasil amargou 38 presidentes (o número varia de 35 a 44, dependendo de como é feita a contagem). De 1926 para cá houve 25 mandatários, mas somente quatro dos que foram eleitos pelo voto popular concluíram seus mandatos — Eurico Gaspar DutraJuscelino KubitschekLula Fernando Henrique. Seriam seis se Collor e Dilma não tivessem ingressado na seleta confraria dos depostos, onde já se encontravam Washington LuísJúlio PrestesGetúlio Vargas, Carlos Luz, João Goulart.

Fosse esta banânia um país que se desse ao respeito e o mandatário de turno já teria sido devidamente despejado e internado. Pedidos de impeachment não faltam: em fevereiro, quando o deputado-réu Arthur Lira assumiu a presidência da Câmara, havia 60 petições protocoladas em desfavor da permanência do motoqueiro fantasma no Palácio do Planalto. Atualmente, são cerca de 140 — e contando.

Continua...

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

NUNCA ANTES NA HISTÓRIA DESTE PAÍS...

 

Na cerimônia de posse de certo governador de São Paulo (não me lembro se Quércia ou Fleury), o fundador da construtora Camargo Corrêa foi saudado por um ex-governador: "Dr. Camargo, o senhor por aqui?" Sebastião Camargo respondeu: "Eu estou sempre por aqui, governador. Vocês é que mudam".

Governo probo, nunca houve no Brasil. Se o nepotismo é uma das muitas facetas da corrupção, então "essa senhora" desembarcou na Terra de Vera Cruz com Cabral (falo do Pedro Álvares, não do ex-governador do Rio). No epílogo da epístola em que deu conta do "descobrimento" a D. Manuel, o escriba Pero Vaz de Caminha anotou:

E desta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta terra vi. E se a um pouco me alonguei, Ela me perdoe. Porque o desejo que tinha de Vos tudo dizer, mo fez proceder assim pelo miúdo. E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro, o que Dela receberei em muita mercê.”

Observação: o escriba estava preocupado com sua filha única, Isabel de Caminha, cujo marido, um certo Jorge de Osório, preso por roubo, fora degredado para a ilha de São Tomé, na África.

Como reza a sabedoria popular, o que começa mal tende a ficar pior. 

No início do século XIX, a iminente invasão de Portugal pelas tropas napoleônicas forçou a família real lusitana a vir de mala e cuia para o Rio de Janeiro. Com isso, o Brasil, que até 1815 foi mera colônia portuguesa, passou à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves. E assim permaneceu até o célebre “Grito da Independência” — o tal brado heroico retumbante ouvido pelas margens plácidas do Ipiranga, que Osório Duque Estrada poetizou na letra do Hino Nacional Brasileiro, o pintor Pedro Américo imortalizou em seu tão célebre quanto fantasioso quadro, e os livros didáticos transformaram numa obra de ficção.

Proclamação da República, também cantada em verso e prosa com pompa e circunstância, foi o primeiro dos muitos golpes de Estado que estavam por vir. Entre o apagar das luzes imperiais, em 1889, e a posse de Prudente de Morais, em 1894, somente militares ocuparam o assento mais cobiçado do palácio presidencial — daí esse período ser chamado de República da Espada

O Marechal Deodoro da Fonseca — a quem coube desfechar o golpe de misericórdia no regime monárquico e entrar para a história como o primeiro presidente do Brasil — governou interinamente por cerca de dois anos. Promulgada a Constituição de 1891 e realizada uma eleição indireta, o fardado derrotou o candidato civil Prudente de Morais por 129 votos a 97. Mas sua gestão, marcada pelo autoritarismo, foi encerrada prematuramente por um levante da Marinha que ficou conhecido como Revolta da Armada

Tão logo passou de vice a titular, o também marechal Floriano Peixoto demitiu todos os governadores que apoiaram seu antecessor (e que defendiam a realização de nova eleição, à luz do previsto no art. 42 da Carta Magna). Graças a sua postura ditatorial — que se tornaria moda entre os mandatários tupiniquins — o "Marechal de Ferro" teve de debelar sucessivas rebeliões — como a Revolução Federalista e a Segunda Revolta da Armada — para se manter no poder. 

Observação: Em abril de 1892, diante de protestos de opositores e divulgação de manifestos na capital federal, Peixoto decretou estado de sítio, prendeu e desterrou desafetos para a Amazônia. Quando Rui Barbosa ingressou com habeas corpus no Supremo Tribunal Federal em favor dos detidos, Peixoto ameaçou os magistrados: "Se os juízes concederem habeas corpus aos políticos, eu não sei quem amanhã lhes dará o habeas corpus de que, por sua vez, necessitarão". O Supremo negou o habeas corpus por dez votos a um. 

Em novembro de 1894, muito a contragosto, o marechal passou o bastão para o paulista Prudente de Morais — que obteve 90% dos votos na primeira eleição direta da nossa história. A exemplo do que faria o General Figueiredo quase um século depois, Peixoto se recusou a transmitir pessoalmente o cargo a seu sucessor.   

Ao longo de 131 anos de história republicana (completados em novembro do ano passado), 38 presidentes chegaram ao poder pela via do voto popular, eleição indireta, linha sucessória ou golpe de Estado (como até o passado é incerto neste país, esse número varia de 35 a 44). Destes, oito foram de alguma forma apeados antes do fim do mandato. Dos cinco eleitos pelo voto direto desde o fim da ditadura, Collor e Dilma foram expulsos de campo antes do final do jogo.

O caçador de marajás de festim — que inaugurou a lista dos chefes do Executivo Federal depostos por crime de responsabilidade — colecionou 29 pedidos de impeachment, mas nunca foi chamado de genocida. 

ItamarFHCLula e Temer foram agraciados, respectivamente, com 4, 27, 37 e 33 pedidos de impeachment, mas concluíram seus mandatos sem jamais serem chamados de genocidas. 

A gerentona de araque, que foi expelida da Presidência porque estava quebrando o país, foi alvo de 68 pedidos de impeachment, mas ninguém jamais a acusou de genocídio.

Falando em genocídio, o relatório final da CPI já está sendo escrito e deverá ser concluído no mês que vem. O texto-base já possui mais de mil páginas — e pode crescer, a depender dos fatos e dados a serem obtidos pela Comissão. O grosso do material está nos anexos, que incluem documentos e os principais pontos de destaque dos depoimentos.

O relator deve sugerir a continuidade da investigação pelo Ministério Público por meio de inquéritos específicos para cada assunto trazido em destaque. Vários dos capítulos já elaborados dizem respeito ao chamado "gabinete paralelo da saúde" e incluem a transcrição e links de vídeos, áudios, declarações e documentos que, segundo Renan Calheiros, comprovam a atuação do órgão extraoficial. Um dos tópicos do relatório trará a afirmação de que quem se opôs ao gabinete paralelo — como Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich — acabou deixando o Ministério.

Já o general e ex-ministro Eduardo Pazuello será apontado por não se opor à atuação de médicos do suposto gabinete na elaboração de políticas públicas e por "colocar em prática" as orientações extraoficiais. Segundo o senador Randolfe Rodrigues, o documento deve imputar o estrelado crimes como "charlatanismo, prevaricação, advocacia administrativa e por atuar contra a ordem sanitária". Os parlamentares ainda discutem se incluem na lista corrupção passiva.

Haverá um destaque no relatório também com relação ao aplicativo "TrateCov", que, segundo Pazuello teria sofrido um ataque hacker — fato desmentido por uma auditoria técnica do TCU. Na redação, o aplicativo está sendo tratado como uma das políticas falhas do Ministério da Saúde que teriam utilizado a capital do Amazonas como "experimento" para as teorias do gabinete paralelo. Nesse contexto, a minuta de um decreto presidencial que pretendia alterar a bula da cloroquina sem o aval da Anvisa também deverá ser anexada ao texto. Todos esses fatos, envolvendo principalmente o general Pazuello, aparecerão como aspectos que prejudicaram o país na aquisição de vacinas contra a doença.

Com encerramento programado para setembro, a CPI convive com um paradoxo. Tomada pelo relatório final, a investigação parlamentar terá a aparência de uma iniciativa de sucesso. Considerando-se as consequências a serem produzidas pelas conclusões do documento, resultará em frustração. As pessoas que acompanharam os depoimentos pela televisão terão a impressão de que desperdiçaram seu tempo quando as conclusões da Comissão morrerem no arquivo de Augusto Aras — que, como Procurador-Geral da República, é responsável pela análise dos crimes comuns atribuídos a Bolsonaro — e no gavetão do deputado Arthur Lira — a quem, como presidente da Câmara, cabe lidar com a acusação da prática de crimes de responsabilidade, que, em tese, levariam ao impeachment.

Dois espetáculos não cabem ao mesmo tempo num só palco. Ou numa única conjuntura política. Dividido entre um e outro, o público tende a se dispersar. Antes do recesso parlamentar de julho, estava em cartaz a novela da CPI do Genocídio. Ao farejar o cheiro de queimado, Bolsonaro aproveitou o retiro dos senadores para intensificar as críticas às urnas eletrônicas e os insultos a ministros do STF, impondo a mudança do cartaz neste mês de agosto. Ao voltar do recesso, o G7, como ficou conhecido o grupo majoritário que controla os rumos da CPI, percebeu que a pior coisa do sucesso é ter que continuar fazendo sucesso.

Às voltas com um déficit de atenção da plateia, os senadores começaram a planejar o fechamento das cortinas. Enxugam a pauta de depoimentos. Esperam encerrar as oitivas em três semanas. Para evitar marolas, cancelaram a acareação que seria feita nesta semana entre o ministro Onyx Lorenzoni e o deputado Luís Miranda e relutam em aprovar novas convocações. No papel, a Comissão poderia funcionar até o início de novembro, mas tudo indica que o relatório final será entregue em meados de setembro.

Pretende-se indiciar Bolsonaro e outros investigados por transformar em política pública o tratamento da Covid com remédios ineficazes, apostar na imunização coletiva pelo contágio, negligenciar o colapso hospitalar de Manaus, retardar a compra de vacinas da Pfizer e do Butantan, firmar contrato irregular para a compra da vacina indiana Covaxin, abrir as portas do Ministério da Saúde para picaretas que ofereciam vacinas inexistentes (ou seja, a Comissão pretende acusá-lo de crimes comuns e crimes de responsabilidade).

O presidente continua cagando e andando para a CPI. Considera-se invulnerável. Para os crimes comuns, conta com a blindagem do procurador-geral. Para os crimes de responsabilidade, tem a proteção do deputado-réu que preside a Câmara e já mandou para o gavetão 133 pedidos de impeachment. Mantida a blindagem, Bolsonaro poderá repetir que não teve nada a ver com o caos sanitário.

Não há nada que a cúpula da CPI possa fazer para dissolver a cumplicidade de Lira com Bolsonaro. Mas, com honrosas exceções, é espantosa a inércia dos senadores em relação ao procurador-geral. A recondução de Aras ao cargo está pendente de votação no Senado. Em vez de articular a reprovação do dito-cujo, parte dos integrantes da Comissão se reuniram, na última terça-feira, com o procurador que Bolsonaro escolheu para lavar a sua louça por mais dois anos.

Renan Calheiros tornou-se a personificação do paradoxo vivido pela CPI. Há dois anos, quando o Senado aprovou a nomeação de Aras para comandar a PGR, o ora relator da Comissão não conseguiu conter o entusiasmo. Naquela época, o senador alagoano estava ao lado do primogênito do capitão, outro entusiasta da escolha de Aras. Freguês de caderneta da Lava-Jato, o Cangaceiro das Alagoas queria acertar as contas com a força-tarefa de Curitiba; denunciado pelo MP-RJ por peculato e lavagem de dinheiro, Flávio "Rachadinha" Bolsonaro estava à procura de blindagem.

A PGR — e, por extensão, o Ministério Público Federal — vive um apagão mental. Já se sabia que Aras trata Bolsonaro como um ser inviolável e imune (eufemismos para intocável e impune). Descobre-se agora que, para livrar o presidente-suserano de incômodos judiciais, o procurador-vassalo e sua equipe decidiram enquadrá-lo na categoria dos seres inimputáveis.

Bolsonaro obteve da PGR um salvo-conduto para delinquir. Pode tudo, inclusive arrancar máscara da cara de criancinha. PT e PSOL pediram no STF a abertura de inquéritos para apurar o desrespeito a leis estaduais e federal em aglomerações promovidas pelo mandatário durante passeios de moto com seus devotos no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Norte. A subprocuradora-geral Lindôra Araújo (braço direito de Aras), a quem coube formular a manifestação da PGR, sustentou que Bolsonaro não infringiu medidas sanitárias nem colocou a vida de ninguém em risco.

Numa evidência de que a PGR opera em "modo Talibã", a subprocuradora aderiu ao negacionismo científico para dispensar Bolsonaro do mais comezinho cuidado sanitário. Anotou que, "em relação ao uso de máscara de proteção, inexistem trabalhos científicos com alto grau de confiabilidade em torno do nível de efetividade da medida de prevenção". 

No Rio Grande do Norte, Bolsonaro pediu a uma menina para retirar a máscara e arrancou o apetrecho da face de um menino. Para Lindôra, o presidente não teve a intenção de "constranger aquelas crianças". Segundo ela, "os infantes também não demonstraram, com atitudes ou gestos, terem ficado constrangidos, humilhados ou envergonhados na presença do presidente". Na avaliação da doutora, o presidente apenas interagiu com as crianças "de forma descontraída."

Como se sabe, Bolsonaro fez uma opção preferencial por exercer o cargo de presidente à margem da lei. Transgride até leis que sancionou. Como há males que vêm para pior, Aras e sua equipe promovem uma junção da ilegalidade com a impunidade.

Em seus deslocamentos eleitorais, Bolsonaro promove aglomerações proibidas por Estados e municípios. Ignora os poderes conferidos a governadores e prefeitos pela Constituição e reafirmados pelo STF. Por onde passa, discursa contra medidas sanitárias restritivas. Finge ignorar o fato de que sancionou em fevereiro do ano passado a "lei da pandemia", que prevê a adoção de providências excepcionais, como o isolamento e a quarentena. Em julho de 2020, Bolsonaro assinou a lei 14.019, que torna obrigatório o uso de máscaras de proteção individual em espaços públicos e privados. Em suma: além de cagar e andar para sua própria decisão, o capitão constrange o ministro Marcelo Queiroga com a cobrança de estudos para flexibilizar o uso da máscara. Agora, recebe salvo-conduto da Procuradoria para descumprir até a lei que avalizou.

Nos passeios de moto, Bolsonaro não percorre apenas o asfalto, mas o Código Penal, cujo artigo 268 estabelece pena de detenção de um mês a um ano para quem "infringir determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa". No artigo 132, o diploma legal retrocitado sujeita a uma pena de detenção de três meses a um ano as pessoas que expõem a vida ou a saúde de terceiros a perigo direto e iminente.

Nesse contexto, não parece razoável que um país inteiro tenha que passar vergonha para que um procurador-geral e sua equipe ofereçam blindagem a um presidente da República que se converteu num infrator serial. Não resta aos relatores dos dois processos no STFRosa Weber e Ricardo Lewandowski — senão ignorar a manifestação de Lindôra e ordenar a abertura dos inquéritos.

Vivo, Darwin diria que a atuação da PGR não é apenas uma prova de que o ser humano parou de evoluir. Trata-se de uma evidência de que ele já faz o caminho de volta. No momento, o melhor lugar para se proteger de Bolsonaro é uma caverna nas montanhas do Afeganistão. Aliás, se o homem de Neandertal desconfiasse que o resultado da evolução seria bolsonaros, talvez não tivesse saído da caverna. Teria optado por uma versão pré-histórica do isolamento social.

Com Josias de Souza

sábado, 2 de janeiro de 2021

O QUE COMEÇA MAL...


Finais de ano e retrospectivas são indissociáveis. Porém, se o réveillon é, tradicionalmente, um renovar-se de esperanças, as retrospectivas têm demonstrado que o buraco é bem mais embaixo.

O ano de 2020 é mais um dos que já se foram tarde e não deixaram saudades. Mas haja otimismo para achar que tudo será azul com bolinhas cor-de-rosa em 2021. 

Bom seria se Bolsonaro e o Sars-CoV-2 tivessem sido soterrados pelos últimos grãozinhos da ampulheta, à meia-noite de anteontem. Mas parece que ambos continuam fazendo vítimas, cada qual à sua maneira.

A maior potência do mundo livre lidera o ranking da Covid, com quase 20 milhões infectados e mais de 300 mil mortos. Mas lá eles têm Donald Trump, que até recentemente jogava no time do vírus. 

Em números absolutos, o Brasil ocupa o terceiro lugar (depois da Índia), com quase 8 milhões de casos e 190 mil mortes. E aqui temos Bolsonaro, eleito graças a uma ironia do destino e, segundo ele próprio, alguém que não nasceu para presidente, mas que jamais desceu do palanque, só tem olhos para a reeleição e continua jogando no time adversário.

Nesta republiqueta de almanaque, abençoada por Deus e bonita por natureza, o futuro é duvidoso e o passado, incerto — tanto que até a autoria dessa frase ora é atribuída ao ex-ministro Pedro Malan, ora ao ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola

O Brasil seria um grande país se não fosse o povo medonho que, sabe-se lá se por carma, sina, praga de madrinha ou obra do Criador, elege seus representantes a pior das escórias, uma gentalha que se candidata para roubar e rouba para se reeleger. 

Ao contrário do que se costuma pensar, Lula não inventou a corrupção, embora tenha sido o grande responsável por sua institucionalização. 

Observação: O picareta ainda não percebeu que seu tempo passou, sua luz apagou, seu povo sumiu. O eterno encantador de burros morreu e não sabe, e é justamente aí que mora o problema: enquanto não se der conta disso, esse egun mal despachado continuará a nos assombrar. Mas isso é outra conversa.

A corrupção aportou em terra brasilis em 1.500, travestida de nepotismo. A semente da praga, jogada no solo “onde se plantando, tudo dá”, está no final da carta de Caminha ao rei D. Manuel

Preocupado com sua única filha, cujo marido, preso por roubo, fora degredado para a ilha de São Tomé, o escriba pediu a sua majestade que comutasse a sentença. 

Não se sabe ao certo se o pedido foi atendido, mas, supondo que sim, o monarca não teve de recorrer aos atos secretos atualmente em voga, já que as normas vigentes à época autorizavam-no a fazê-lo abertamente. Bons tempos.

A rigor, a "farsa nacional" começou com o descobrimento. De acordo com os livros de história (pelo menos os da minha época de estudante), a esquadra de Cabral zarpou de Lisboa com destino a Calicute, na Índia, mas uma tormenta (ou uma calmaria, dependendo de quem conta o conto) a teria desviado da rota e voilà: foi descoberto o Brasil. 

A "Relação do Piloto Anônimo” — que, ao lado das cartas de Caminha e de Mestre João, é um dos três testemunhos diretos do descobrimento do Brasil que sobreviveram ao tempo —, relata o naufrágio da nau comandada por Vasco de Ataíde, mas epístola do escriba anota que a viagem até a (hoje) costa da Bahia decorreu na mais completa normalidade, "sem haver tempo forte ou contrário para que assim pudesse ser".

A região do suposto naufrágio era conhecida como "calmas equatoriais", porque os ventos deixavam de soprar por dias, ou semanas, e as embarcações ficavam ao sabor das correntes marinhas. Em seu admirável estudo sobre a viagem de Cabral, o contra-almirante Max Justo Guedes calculou que, durante a tal calmaria, a frota cabrália foi empurrada cerca de 90 milhas para oeste pela Corrente Equatorial Sul. No entanto, amotou o marítimo, esse deslocamento seria insignificante e não poderia ter causado o “descobrimento casual” do Brasil. 

A bem da verdade, a chegada da expedição portuguesa à "Ilha de Santa Cruz" não se deveu nem a tormentas, nem a calmarias. Portugal tinha conhecimento da existência do que viria a ser o Brasil quase uma década antes desse suposto “descobrimento” e, tecnicamente, já tinha posse das terras quando Cabral nelas desembarcou.

A Independência do Brasil, da forma como os autores dos livros didáticos a relatam, é outra obra de ficção. O famoso “Grito do Ipiranga”, dado pelo então príncipe regente Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon às margens do córrego do Ipiranga, só aconteceu porque o sua alteza, acometido de poderosa caganeira, fizera alto para esvaziar os intestinos atrás de uma moita. Enquanto o nobre executava essa gratificante tarefa, acercou-se da comitiva um mensageiro portando três cartas:

A primeira, assinada por seu pai, D. João VI, ordenava ao nobre rebento que regressasse imediatamente a Portugal e se submetesse ao Rei e às Cortes. 

A segunda, de José Bonifácio, aconselhava-o a romper com Portugal. 

A terceira, da Imperatriz Leopoldina, dileta consorte do príncipe (noves fora Domitila de Castro Canto e Mello, mais conhecida como Marquesa de Santos), transmitia ao marido o seguinte recado: “O pomo está maduro; colhe-o já, antes que apodreça”.

Impelido pelas circunstâncias, Pedrão, que já estava mesmo fazendo merda, aproveitou o embalo para romper os laços de união política com Portugal e declarar a independência do Brasil.

A Proclamação da República foi o primeiro de muitos golpes de Estado que estavam por vir. Dito com outras palavras, a Primeira República tupiniquim começou com um golpe militar, e o primeiro presidente, também militar, eleito indiretamente, foi “convidado” por seus irmãos de farda a deixar o cargo

Ao longo de 131 anos de história republicana (completados em novembro último), 38 presidentes chegaram ao poder pela via do voto popular, eleição indireta, linha sucessória ou golpe de Estado (como até o passado é duvidoso em nosso país, esse número pode variar de 35 a 44). Oito deles, a começar por Deodoro da Fonseca, foram de alguma maneira apeados do cargo. 

Como o que começa mal tende a piorar, o atual inquilino do Palácio do Planalto pode ter o mesmo destino de Dilma, a inolvidável gerentona de festim, e de Collor, o caçador de marajás de araque. E, cá entre nós, já está mais que na hora.

Continua.