sábado, 23 de novembro de 2024

ELE NÃO SABIA DE NADA

QUANDO A GENTE IMAGINA QUE JÁ VIU O PIOR DAS PESSOAS, APARECE ALGUÉM PARA MOSTRAR QUE O MAL É INFINITO.

 

Sob Bolsonaro, o absurdo era tramado com a naturalidade de um batizado. Adorno tétrico da trama, o assassinato de Lula, Alckmin e Moraes forneceria a apoteose necessária para virar a mesa da democracia em grande estilo. Mas o imprevisto costuma ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, e as consequências sempre chegam depois.
 
"Quem espera sempre alcança", reza a sabedoria popular. Sempre que se via em apuros, Bolsonaro recorria ao versículo multiuso: "conhecereis a verdade e a verdade vos libertará" (João, 8:32). A Operação Contragolpe proporcionou seu encontro com a verdade, mas, ao invés de libertá-lo, a verdade o empurrará à cadeia. 

Até o momento, quatro militares de alta patente e um policial federal foram presos. Bolsonaro, Braga Netto e Mauro Cid estão entre os 37 indiciados pela "suposta" tentativa de golpe — "suposta" porque, como sabemos, sempre há a possibilidade de o que tem rabo de jacaré, couro de jacaré, boca de jacaré e dentes de jacaré ser, na verdade, um coelhinho branco.
 
Em junho de 2022, numa reunião em que o presidente foi filmado rosnando contra a democracia e o bobo da corte dizendo que era preciso virar a mesa antes das eleições, o general Mário Fernandes, número dois da Secretaria-Geral da Presidência, fez coro com os insurretos: 
"...É muito melhor assumir um pequeno risco de conturbar o país [...], para que aconteça antes, do que assumir um risco muito maior de conturbação no 'day after', né? Quando a fotografia lá for de quem a fraude determinar". 

Segundo a PF, o "day after" do general incluía uma carnificina que só não aconteceu por falta de adesão da tropa.
 
Bolsonaro perdeu a reeleição e colecionou derrotas nos pleitos municipais. A inelegibilidade o excluiu da cédula de 2026, mas a vitória de Trump o animou a conceder entrevistas em série, pregando uma "pacificação" escorada numa anistia inusitada. A cada vez mais provável condenação criminal pende como uma espada de Dâmocles sobre seu plano de controlar a sucessão no campo da direita.
 
Em público, Valdemar Costa Neto — ex-presidiário do Mensalão e indiciado na última terça-feira — insiste na tese abilolada de que Bolsonaro "não tem nada a ver com nada". Nos bastidores, porém, a cúpula do PL já admite que subiu no telhado a pretensão mimetizar Lula em 2018, registrando uma candidatura legalmente inviável.
 
A esta altura, falar em solidariedade afronta o razoável, mesmo nos insanos territórios da extrema-direita, e a construção de uma chapa conservadora, sem o veneno golpista do "mito", já começa a ser articulada. Mesmo porque os parlamentares do Centrão são conhecidos por carregar o caixão, não por pular na cova com o defunto. 
 
Cabe aos representantes da direita construir uma alternativa sensata, e a Tarcísio de Freitas, o primeiro da fila, tirar a mão da alça do caixão, trocando uma reeleição praticamente certa para o governo de São Paulo pela aventura de concorrer disputar o Planalto em 2026. Na seara da esquerda, Lula diz que concorrerá ao quarto mandato "se tiver saúde" — se tivesse juízo, o macróbio indicaria um sucessor para recompor o arco conservador que o reabilitou, não por gostar dele, mas para se livrar do refugo da escória da humanidade.
 
Indiciado, Bolsonaro renovou a pose de perseguido. Mas demonizar Moraes perdeu o nexo quando quando o delator Mauro Cid, os ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica (que não aderiram ao golpe) os investigadores da PF, as togas que avalizam os despachos de Moraes e o procurador-geral Paulo Gonet se juntaram à hipotética confraria de perseguidores.
 
Em 1986, ainda capitão da ativa, Bolsonaro amargou 15 dias de prisão disciplinar por publicar na revista Veja o artigo "O salário está baixo". No ano seguinte, a mesma revista revelou que ele e outro capitão planejavam explodir bombas nos quartéis se o aumento do soldo ficasse abaixo de 60%. O então ministro do Exército pediu a expulsão dos insurretos, mas o Superior Tribunal Militar acatou a tese da defesa.
 
Bolsonaro trocou a caserna por um mandato de vereador e outros 7 de deputado federal. Em 1991, defendeu o retorno do regime de exceção e o fechamento temporário do Congresso. Em 1994, disse que preferia "sobreviver no regime militar a morrer nesta democracia". Em 1999, afirmou que "a situação do país seria melhor se a ditadura tivesse matado mais gente" (incluindo o então presidente FHC). Em 2016, 
ao votar favor do impeachment de Dilma, homenageou o torturador da ditadura Carlos Alberto Brilhante Ustra. 

Sem outra fonte de renda além do salário de parlamentar, a "Famiglia Bolsonaro" comprou mais de 100 imóveis, 51 dos quais foram pagos total ou parcialmente em espécie. Em "O Negócio do Jair", a jornalista Juliana Dal Piva revela o método usado pelo clã para acumular milhões de reais e construir um projeto político iniciado com o emprego de parentes e coordenado pela segunda esposa. O livro detalha ainda as relações da família com o ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega, que virou chefe da milícia de Rio das Pedras e do Escritório do Crime, e acabou executado em 2020 por policiais militares baianos e fluminenses.  
 
Em meio à pandemia, Bolsonaro desdenhou do vírus, disse que a reação da população e da imprensa era "histeria", chamou a Covid de "gripezinha de nada" e demitiu Mandetta da Saúde porque o médico "estava se achando estrela", nomeou um sucessor que não durou um mês no cargo, e colocou em seu lugar o general Eduardo 
"um manda e o outro obedece" Pazuello. 
 
relatório da CPI da Covid apontou uma dúzia de crimes, mas o genocida saiu ileso graças à subserviência do antiprocurador Augusto Aras, e escapou de 140 pedidos de impeachment porque Rodrigo Maia "viu erros, mas não crimes de responsabilidade", e Arthur Lira avaliou que "todos os pedidos que analisou eram inúteis". 

Ao longo de toda a gestão, o pior mandatário desde Tomé de Souza não só incentivou como participou de atos antidemocráticos, chamou Moraes de canalha e Barroso de filho da puta, transformou o 7 de Setembro em apologia ao golpe de Estado, e por aí afora. Mas o dito ficou pelo não dito. 
 
Derrotado nas urnas, o capetão-golpista se encastelou no Alvorada até a antevéspera da posse de Lula. Mestre em tirar a castanha com a mão do gato, escafedeu-se para a Flórida (EUA) e se homiziou na cueca do Pateta por 89 dias, retornando somente quando poeira dos atos terroristas do 8 de janeiro já havia baixado. 

Observação: Se Bolsonaro não conspirasse 24/7 contra a democracia, não se associasse à a Covid, não rosnasse para o Legislativo e o Judiciário, não se amancebasse com QueirozZambelli, Collor, milicianos e que tais, talvez o ex-tudo (ex-retirante, ex-metalúrgico, ex-sindicalista, ex-presidiário, ex-condenado etc.) ainda estivesse gozando férias compulsórias na carceragem da PF em Curitiba. Mas de nada adianta chorar sobre o leite derramado.
 
Desde a última terça-feira que só se fala na Operação Contragolpe e seus impactos na situação do ex-presidente — uma novela que começou há anos e deve entrar pelo ano que vem, já que novidades surgem dia sim, outro também, e a última peça nunca fica pronta. 

Moraes deve enviar a PGR, nesta segunda-feira, o relatório de 884 páginas que recebeu da PF, mas Gonet dificilmente denunciará os indiciados até o final do ano, e o tempo necessário para alinhar todas as investigações conduzidas pode empurrar a denúncia para depois do recesso judiciário. O recebimento da denúncia pelo STF abrirá prazo para a instrução da ação penal. 

Espera-se que a sentença saia ainda em 2025, para não contaminar as eleições de 2026. Com as penas impostas aos envolvidos no 8 de janeiro variando entre 16 e 18 anos, é provável que, em caso de condenação, o Messias que não miracula permaneça inelegível por mais tempo que os anos que lhe restam de vida. 

Bolsonaro disse a Veja que "jamais compactuaria com qualquer plano para dar um golpe". Lavou as mãos sobre o plano que previa o assassinato de Lula, Alckmin e Moraes. Se alguém cometeu algum crime, ele não sabia. Collor também não sabia do esquema PC, e Lula, do Mensalão. O "eu não sabia" é um velho conhecido dos brasileiros, que reaparece sempre que algum personagem capaz de tudo pede à nação que o veja como como um incapaz de todo.
 
O Brasil terá que aprender a conviver com um Bolsonaro inelegível, indiciado e indefensável. Não será fácil, e ficará mais difícil à medida que o indiciamento evoluir para denúncia, ação penal e provável condenação. Essa convivência pode ser longa, já que a Justiça, conhecida por tardar mas não falhar, move-se em solo brasileiro a velocidade de um cágado perneta. 

O fato de a deusa Themis ter sido retratada sentada diante do STF indica que quem recorre àquela corte precisa ter paciência de : dependendo de quem julga e de quem é julgado, a sentença pode demorar 20 horas ou 20 anos (haja vista as condenações de Maluf, de Collor e do próprio Lula).

Triste Brasil.

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

ESQUERDA X DIREITA

É A INGUINORANSSA QUE ASTRVANCA O POGRESSO.

Em sua fase larval, o PT se jactava de não roubar nem deixar roubar, mas bastou seu Pontifex Maximus ascender ao poder para a petralhada institucionalizar a corrupção e transformar o Brasil numa organização criminosa pluripartidária. 
 
Rivalidade na política sempre existiu. Lula começou a semear a cisão 
entre a classe operária e as "elites"quando ainda era líder sindical, e essa polarização se consolidou na disputa acirrada entre ele e Collor, na eleição solteira de 1989.

CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA

Existem duas maneiras de ser enganado. Uma é acreditar no que não é verdade, a outra é não acreditar no que é verdade. Os bolsonaristas acham que a vitória de Trump abre as portas para a volta do mito em 2026, ao passo que os lulopetistas acreditam que Lula disputará e obterá um quarto mandato. Já quem não se rendeu ao fanatismo militante tem o dever de duvidar desse efeito Orloff. Se as eleições municipais não servem para projetar com precisão as eleições presidenciais de dois anos depois, menos confiável é o reflexo presumido nos resultados eleitorais em dois países muito diferentes. 
Bolsonaro não ganhou em 2018 devido à ascensão de Trump ao poder em 2016, mas graças uma conjunção de fatores internos. O que nos aproxima dos EUA é o mau humor do eleitorado que a direita sabe bem capturar e a esquerda ainda não faz ideia de como reconquistar. Tudo o mais nos distancia: sistema eleitoral, organização pluripartidária, trauma do passado de golpes e governos autoritários, existência de Justiça Eleitoral, barreiras legais a candidaturas fichas-sujas, Suprema Corte em alerta e a inelegibilidade do capetão-golpista.

Antes do golpe de 1964, a hipótese de um semianalfabeto chegar à Presidência era tão improvável quanto minha ascensão ao Trono de Pedro, mas Einstein ensinou que o impossível só é impossível até que alguém duvide e prove o contrário, e Lula provou — não uma, mas três vezes!
 
Ainda que o PSDB tenha sido o adversário natural do PT durante décadas,
 os tucanos sempre foram de "centro" (se de centro-esquerda ou centro-direita, nem eles próprios sabem; quando há dois banheiros na casa, tucano que é tucano mija no corredor). Com a derrota de Aécio Neves em 2014, o partido perdeu o protagonismo e iniciou um processo de autocombustão. 

Observação: De 2018 para cá, as disputas presidenciais lembram a anedota do barítono, que, vaiado, provocou a plateia: "Não gostaram da minha performance? Esperem para ouvir o tenor!
 
O esquema de corrupção administrado pelo Planalto não "existe desde sempre". Ele começou com o Mensalão, evoluiu para Petrolão e desaguou no Tratoraço de Bolsonaro. Com a volta do desempregado que deu certo — que sempre negou o Mensalão e o Petrolão e atribuiu o desastre econômico à breve passagem de Michel Temer pelo Planalto —, a retomada da putaria franciscana eram favas contadas.

Pandora abriu sua caixa de desgraças uma única vez, mas os brasileiros borrifam merda na conjuntura a cada eleição. Nosso país vem sendo administrado como uma usina de processamento de esgoto, onde a merda entra pela porta das urnas, muda de aparência, troca de nome, recebe nova embalagem e sai pela outra porta, na posse do novo mandatário.
 
A merda reprocessada no governo Lula desaguou no governo Dilma e se reprocessou no governo Temer — parte integrante da herança que os desgovernos petistas deixaram para os próximos mandatários. Por um breve período, a Lava-Jato nos deu a impressão de que lei valia para todos. Mas o STF voltou atrás na jurisprudência sobre prisão em segunda instânciaanulou as condenações do xamã da petralhada e pregou no ex-juiz Sergio Moro a pecha da parcialidade. Essa sucessão de descalabros levou a usina de compostagem a produzir o bolsonarismo

Enquanto Lula oscilava entre a prisão e o Planalto, uma combinação mal-ajambrada de mau militar e parlamentar medíocre comia pelas beiradas. À luz da Teoria das Probabilidades, um anormal ser guindado à Presidência era improvável; dois, inacreditável; três, e em seguida, virtualmente impossível. Mas não no Brasil. Lula ocupou o Planalto de 2003 a 2010; Dilma, de 2011 a 12 de maio de 2016; e Bolsonaro, de 2019 a 2022. 
 
Graças à sucessão de decisões teratológicas emanadas do STFLula voltou a desgovernar esta banânia em janeiro de 2023. Bolsonaro está inelegível até 2030, mas alardeia que voltará em 2026, talvez porque a PGR e o ministro Alexandre de Moraes venham protelando sua conversão a réu pela fieira de crimes que lhe são atribuídos. 

Observação: Talvez isso mude agora, à luz dos detalhes estarrecedores revelados pela Operação ContragolpeA PF mirou em especial quatro militares, presos no contexto da suspeita de integrarem um plano que tinha como ponto de partida a decretação de um estado de exceção e, a partir daí, prisão, sequestro ou assassinato do então presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, e da chapa presidencial eleita (Lula-Alckmin).
 
Minha pergunta, caro leitor, é a seguinte: você se enxerga como "de esquerda", "de direita" ou "isentão"? 

Continua...

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

BANDIDO BOM É BANDIDO SOLTO

QUANDO VOCÊ ESTÁ NUM POÇO E O DESTINO LHE DÁ UMA CORDA, CABE A VOCÊ USÁ-LA PARA SUBIR OU PARA SE ENFORCAR.

Há tempos que o Brasil é governado como uma usina de processamento de esgoto, onde a merda entra pela porta das urnas, ganha nova embalagem e sai pelo outro lado, na posse do novo governante. O resultado é um círculo vicioso: políticos endeusados por uma choldra tacanha se elegem para roubar, roubam para se reeleger e criam leis em benefício próprio, em detrimento dos interesses da choldra tacanha, que, mesmo assim, insiste em reelegê-los. 
 
Assistir aos telejornais tornou-se uma provação. Quando não é o PCC executando delatores sob o nariz da polícia, é Haddad exaltando o óbvio na tentativa de convencer o PT e o próprio Lula de que é preciso cortar despesas para manter o déficit fiscal sob controle. E antes mesmo de decidir onde cortar — Saúde, Educação, Segurança Pública ou Previdência Social —, Lula nos enfia goela abaixo um novo Aerolula orçado em R$ 1,5 bi.

ObservaçãoO inquérito sobre a trama golpista mudou de patamar na última terça-feira, quando veio à público que um grupo de oficiais da tropa de elite do Exército urdiu um plano que envolvia o assassinato de Lula, Alckmin e Moraes. A questão agora não é mais se Bolsonaro e seus cúmplices serão condenados à prisão, mas quando as sentenças serão proferidas. Em que pesem as bobagens verbalizadas pelo filho do pai, o artigo 359-M do Código Penal anota que é crime "tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído". Relator do inquérito, Xandão avalia que a materialidade da tentativa de golpe está comprovada. A PF deve encaminhar ao Supremo ainda nesta semana o relatório que antecede os indiciamentos. Juridicamente, o destino dos golpistas logo estará nas mãos do procurador-geral Paulo Gonet. Politicamente, os aliados de Bolsonaro foram presenteados com um pretexto para organizar uma chapa à sucessão de 2026 sem o capetão. Até aqui, a pose de vítima do ex-presidente golpista era uma caricatura; a partir de agora, a ideia de articular algo que se pareça com a reabilitação política de um "mito" de pés de barro torna-se um escárnio.  
 
De um lado da Praça dos Três Poderes, nossos congressistas mantêm um olho no peixe (as presidências da Câmara e do Senado), outro no gato (as "emendas Pix") e os ambos na proposta que simplifica o impeachment de ministros do STF. Do outro lado da praça, semideuses togados empurram para as calendas a prisão de Collor e adiam as férias compulsórias de
 Bolsonaro e seus asseclas na Papuda ou no raio que os parta.

Collor, para quem não lembra, derrotou Lula em 1989 e se tornou primeiro presidente eleito pelo voto popular na “Nova República” e o primeiro a sofrer impeachment. Depois de recuperar seus direitos políticos, o sacripanta disputou (e perdeu) o governo de Alagoas, foi eleito senador, tentou o governo do estado e perdeu outra vez, renovou o mandato de senador em 2014 e foi denunciado pela saudosa Lava-Jato, no ano seguinte, de desviar R$ 20 milhões da BR Distribuidora.
 
Passados nove anos, o "Rei-Sol" continua livre, leve e solto, embora tenha sido condenado pelo STF a 8 anos de 10 meses de prisão. Os embargos de declaração (recurso que se destina apenas a esclarecer pontos contraditórios, omissos ou obscuros da sentença) começaram ser apreciados no escurinho do plenário virtual em fevereiro. Depois que Moraes votou pela rejeição, Toffoli vestiu a fantasia de paladino e emperrou o julgamento com um pedido de vista tão escancaradamente protelatório quanto os próprios embargos, já que a defesa pedia simplesmente a redução da pena.
 
Devolvidos os autos e reiniciado o julgamento, um pedido de destaque apresentado pelo ministro bolsonarista André Mendonça (que seguiu o voto de Dias Toffoli pela redução da pena) levou o caso ao plenário físico, onde o recurso foi rejeitado por 6 votos a 4 (o ministro lulista Cristiano Zanin se escusou de votar). Significa dizer que 40% das togas (Toffoli, Mendonça, Mendes e Marques) votaram a favor de cortar a pena pela metade, e como o réu não amargou condenações anteriores e tem mais de 70 anos, o castigo poderia ser convertido de cana dura em prestação de serviços à comunidade. Um acinte!
 
A defesa de Collor ainda pode apresentar novos embargos de declaração. Tecnicamente, isso faz parte do devido processo legal; na prática, olhando esse imbróglio a partir de uma mesa de bar, o cidadão comum pode chegar à conclusão de que, no Brasil, acima de um certo nível de poder e renda, bandido bom é bandido solto.

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

CIÊNCIA X RELIGIÃO... (FINAL)

SEM O MEDO DO DIABO NÃO EXISTE NECESSIDADE DE DEUS.
 
A morte é a única certeza que temos na vida, mas o que acontece depois — isso se houver um "depois" — intriga a humanidade desde os tempos mais antigos. 

Os católicos não acreditam em reencarnação; os "bons" vão para o Céu e os "pecadores", para o Inferno (não deixe de ler esta anedota). Na visão dos espíritas, os "maus" reencarnam para evoluir espiritualmente. Já os judeus... enfim, cada grupo tem sua versão do que seria a vida após a morte, e o desfile de crenças é tão variado quanto o desfile das escolas de samba na Marquês de Sapucaí.

A perspectiva da vida eterna sempre foi (e continuará sendo) explorada por proselitistas que alegam falar em nome de um Deus cuja existência jamais se provou. E, claro, soam convincentes: afinal, o sucesso do engodo depende da habilidade do enganador em manipular a fé alheia, como bem ilustra a origem do termo "conto do vigário". Uma das versões mais conhecidas remonta a Ouro Preto, onde um pároco propôs amarrar uma imagem de Nossa Senhora a um burro e sugeriu que o animal decidisse para qual paróquia a santa deveria ir. O burro foi direto para a igreja de Pilar, que ficou com a imagem até que se descobriu que o burro pertencia ao pároco da outra paróquia.


Política e religião não são mutuamente excludentes, mas a influência da religião na política cria uma via de mão dupla que fomenta a instrumentalização recíproca. Reivindicando uma suposta interlocução divina, padres, pastores e outros "religiosos" (dentro ou fora dos parlamentos) exercem forte influência sobre a população, que, fragilizada pelo temor do fogo do inferno, se deixa manipular pela verborragia desses mestres do proselitismo. O truque é velho como o diabo, mas funciona, pois oferece conforto diante das incertezas do porvir.

 

A fé individual não depende de rituais, hierarquias ou dogmas. Ela surge espontaneamente, movida por experiências profundas e pessoais — como um momento inesperado de conexão com a existência —, e se desenvolve sem a necessidade de intermediários ou tradições rígidas. Em tempos de desconfiança nas instituições, muitos encontram na espiritualidade uma maneira de se conectar com uma força maior. Para outros, a fé é uma confiança silenciosa em algo transcendente, uma aceitação do mistério que dispensa "explicações definitivas".

 

A complexidade do Universo pode ser contemplada e apreciada sem uma explicação finalista. Ao afirmar que somos "poeira das estrelas", o astrofísico Carl Sagan não só descreveu a conexão entre nós e o cosmos como abriu uma janela para que muitos vejam no vasto Universo um sentido de "sagrado", mesmo que sem figura divina. Até porque a ciência não invalida a fé — ela a expande. 


A fé pode ser uma admiração pelo Universo, uma disposição para o questionamento, uma abertura ao desconhecido, uma busca por novas respostas, uma maneira de honrar o mistério da existência. Einstein, Spinoza e outros grandes pensadores viam no Universo uma ordem tão majestosa que, mesmo sem acreditar em um "Deus pessoal", sentiam-se conectados a uma força criadora e consideravam a busca pelo conhecimento um ato quase espiritual — Einstein chegou a dizer que o mistério é a fonte de toda verdadeira arte e ciência.

 

A busca pelo autoconhecimento mostra que a espiritualidade livre pode ser um uma maneira de nos conectarmos com o mundo sem a necessidade de um conjunto de crenças formais. A fé, nesse contexto, se torna uma prática interior, uma jornada de descoberta pessoal que aceita as incertezas da existência.

 

Diferente de muitas religiões tradicionais, que impõem normas e rituais rígidos, a espiritualidade pessoal se ajusta aos valores e necessidades de cada um. Meditação, contemplação da natureza ou mesmo o simples exercício de gratidão são maneiras de alinhar a vida com uma ordem maior. Uma fé ao mesmo tempo íntima e universal, que respeita o mistério sem se prender às religiões formais nem enjeitar as tradições. 


Uma fé que aceita respostas parciais, valoriza o caminho e celebra o mistério é um retorno ao sentido mais original da espiritualidade, de uma ligação com o que nos transcende sem precisar de explicações definitivas. Em outras palavras, uma confiança de que, mesmo sem respostas absolutas, nossa existência tem um um propósito, ainda que seja simplesmente a busca por entender o insondável.


Quod erat demonstrandum.

terça-feira, 19 de novembro de 2024

META AI — A POLÊMICA

QUEM TEM MEDO DE CAGAR NÃO COME, TOMA SOPA.

A inclusão da Meta AI no WhatsApp, Facebook e Instagram vem preocupando os usuários. 
A empresa reconhece que utiliza os dados para aprimorar sua inteligência artificial, mas garante a conformidade com a LGPD e reforça que o WhatsApp conta com criptografia de ponta a ponta em todas as formas de comunicação.

Em tese, o treinamento se restringe ao uso das informações fornecidas durante as interações com a ferramenta, que, segundo a big tech, não vincula os dados pessoais da conta do WhatsApp aos dados do usuário no Facebook e no Instagram. 

A impossibilidade de remover a IA do WhatsApp não fere a LGPD se a coleta de dados é feita com o consentimento dos usuários, mas quem quiser pode se opor expressamente ao uso dos seus dados preenchendo formulários específicos para o Face e para o Insta (no mensageiro, a solicitação é validada mediante a confirmação de um número de telefone vinculado à conta).

CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA

O terrorista de festim que detonou o próprio carro num estacionamento da Câmara e se explodiu na frente do STF provocou um inusitado debate entre Bolsonaro e Alexandre de Moraes. Numa postagem de ex-Bolsonaro, o ex-presidente anotou: "Apelo a todas as correntes políticas e aos líderes das instituições nacionais para que, neste momento de tragédia, deem os passos necessários para avançar na pacificação nacional." Escorando-se no inquérito que apura os crimes do alto-comando da trama golpista, Xandão rebateu: "Não há possibilidade de pacificação com anistia dos criminosos." 
Na visão de Bolsonaro, o que houve foi "um fato isolado provocado por perturbações na saúde mental da pessoa que, infelizmente, acabou falecendo". Na avaliação do ministro, "a coisa está conectada com o quebra-quebra do 8 de janeiro num contexto que se iniciou lá atrás, no famoso gabinete do ódio". 
Para o capetão, "já passou da hora de o Brasil voltar a cultivar um ambiente adequado para que as diferentes ideias possam se confrontar pacificamente, e que a força dos argumentos valha mais do que o argumento da força." Para o togado da calva luzidia, a força do direito deve prevalecer sobre o direito da força, e "está chegando a hora da responsabilização total de todos aqueles que atentaram contra a democracia". 
O duelo antecipa as duas consequências práticas das explosões que estremeceram a conjuntura política na noite de quarta-feira: 1) A proposta de anistia dos condenados do 8 de janeiro descerá à sepultura junto com o homem-bomba; 2) Bolsonaro e seus cúmplices ficaram mais próximos de um encontro com incontornáveis sentenças condenatórias.
 
Não há como desativar a ferramenta no WhatsApp nem fazer o downgrade de versão sem baixar um APK de terceiros (o que não é recomendável, pois os APKs copiam o código-fonte do WhatsApp e exigem que o usuário forneça seus dados de login para entrar na plataforma). Enquanto o recurso que permite ocultar botão — que já está disponível nos EUA — não chega ao Brasil, quem quiser evitar que bot fique visível na página inicial do aplicativo deve manter a conversa pressionada e tocar no ícone da lixeira, ou então segurar aba até que a seta para baixo surja, permitindo enviar a conversa para a pasta Arquivadas.
 
Não existe almoço grátis — quando você não paga por um produto, é porque o produto é o você — mas ninguém é obrigado a usar o Facebook, o Instagram, o WhatsApp ou o Xwitter do Mr. Musk (detalhes nesta postagem). 

Por falar no X, uma gambiarra para "desligar" a Meta AI no Zap viralizou na plataforma. O truque consiste basicamente em pedir ao bot que ignore as mensagens do usuário e finja que ele não existe.

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

CIÊNCIA X RELIGIÃO (PARTE III)

HÁ UMA DIFERENÇA FUNDAMENTAL ENTRE A RELIGIÃO, QUE SE BASEIA NA AUTORIDADE, E A CIÊNCIA, QUE SE BASEIA NA OBSERVAÇÃO E NA RAZÃO: A CIÊNCIA FUNCIONA.

Depois de perder a esposa e o filho pequeno num acidente causado por um motorista embriagado, um pastor subiu ao púlpito e proferiu o sermão que lhe custou o emprego. Segue uma versão resumida da fala do religioso:

"Em junho do ano passado, três pequenos tornados atingiram a cidade de May, no Oklahoma. Os danos materiais foram consideráveis, mas ninguém morreu. Quando os moradores, agradecidos, reuniram-se na igreja batista local para orar e cantar, um quarto tornado varreu a cidade, destruiu a igreja, matou 41 pessoas e mutilou dezenas de outras, incluindo crianças.

'Em agosto, um homem saiu de barco com seus dois filhos e o cachorro da família pelo lago Winnipesaukee. Quando o animal caiu na água, os meninos pularam para salvá-lo e foram arrastados pela correnteza. O pai tentou salvá-los, mas acabou virando o barco. Todos se afogaram, exceto o cachorro, que conseguiu nadar até a margem.

'Em outubro, um furacão devastou Wilmington, na Carolina do Norte. Dez pessoas morreram, incluindo seis crianças que estavam na creche de uma igreja. Anos antes, no Zaire, uma família de missionários que levava alimentos, remédios e o evangelho foi brutalmente assassinada — ou devorada por canibais, como sugeria a reportagem nas entrelinhas.

'Cristo, dizem, ascendeu aos céus em corpo e espírito. Nós, pobres mortais, ficamos aqui com pedaços de carne mutilada e uma única pergunta: Por quê? Leio a Bíblia desde sempre — primeiro no colo de minha mãe, depois na Juventude Metodista e na Faculdade de Teologia —, e afirmo a vocês que a resposta não está nas Escrituras. O que mais se aproxima dela é um advertência de São Paulo: 'Não perguntem, irmãos, porque vocês não entenderão'. E quando Jó questionou o próprio Deus, recebeu uma resposta ainda mais dura: 'Onde estavas tu quando eu fundava a Terra? — o equivalente a um Cai fora, seu trouxa!'

'Deus é nossa vara e nosso cajado, proclama o grande salmo, e nos guiará no Vale da Sombra da Morte. Outro salmo O descreve como refúgio e fortalezaA religião deveria ser nosso conforto nas horas mais sombrias, mas o que diriam as pessoas que morreram na igreja de Oklahoma? E aquela família que se afogou tentando salvar seu cachorro? A Bíblia nos exorta a aceitar tudo com fé, como se a vida fosse uma piada cósmica, e o Céu, o lugar onde a moral da história será finalmente revelada.

'Quando pesquisei sobre as várias vertentes religiosas, fiquei perplexo com a quantidade. Católicos, metodistas, episcopalianos, mórmons, anglicanos, luteranos, presbiterianos, adventistas do sétimo dia, ortodoxos gregos, quacres… e isso sem contar muçulmanos, budistas, judeus, hindus… Cada religião alega ter linha direta com o Todo-Poderoso, mas muitas foram construídas sobre sangue e ossos dos que se recusaram a aceitar a ideia de Deus que elas pregam. Romanos atiraram cristãos aos leões; cristãos mutilaram e queimaram hereges; Hitler sacrificou milhões de judeus ao falso deus da pureza racial; outros milhões de viventes foram eletrocutados, enforcados, esquartejados e envenenados... tudo em nome de um deus.

'O que ganhamos com nossa fé? A promessa de que o Céu nos espera, e que lá, finalmente, tudo fará sentido? Desde a infância, nos ensinam sobre o Céu como recompensa e o Inferno como castigo. Céu, Céu, Céu!, repetem. Prometem o reencontro com nossos pais, o abraço de nossas mães falecidas. O Paraíso é a cenoura; o Inferno, a vara. Ameaçamos nossas crianças com o fogo eterno por roubarem uma bala ou mentirem, mas não existe prova alguma disso, apenas uma certeza cega de que tudo tem um propósito.

'A religião é como um golpe de seguro. Pagamos o prêmio e não temos como reclamar quando descobrimos que a empresa que levou nosso dinheiro sequer existe. Viemos do mistério e ao mistério retornaremos. Se existe algo além, dificilmente será o Deus das igrejas."

Deixo as conclusões a cargo do leitor.

domingo, 17 de novembro de 2024

NEM SÓ DE MACARRÃO VIVEM OS MOLHOS

CONSERTE AS GOTEIRAS ENQUANTO O TEMPO ESTÁ FIRME.

 
O sabor da macarronada, do nhoque, do rondelle e de outros tipos de massa depende diretamente do molho, mas nem só de massa "vive" o molho. Dito isso, veremos como preparar almôndegas —ou polpette, como os italianos se referem a essas bolas de carne temperada servidas "al pomodoro", ou seja, com molho de tomate. 

Você vai precisar de:
 
- ½ kg de patinho moído;
- 1 cebola média picada;
- 3 dentes de alho;
- 1 ovo
- ½ xícara (chá) de queijo parmesão ralado fino;
- ¼ de xícara (chá) de farinha de rosca;
- 6 raminhos de salsa;
- Sal e pimenta-do-reino moída na hora a gosto;
- Azeite.
 
O preparo é simples:
 
  • Misture a carne moída com ¾ da cebola, 2 dentes de alho e a salsinha picados e tempere com sal e pimenta a gosto. 
  • Quebre o ovo num copo ou xícara (assim você não perde a receita se ele estiver estragado), transfira para a tigela com a carne e os temperos e misture com as mãos por cerca de 2 minutos;
  • Faça uma bola de carne e arremesse-a contra a tigela algumas vezes (o choque evita que as almôndegas se desmanchem durante a fritura), adicione o queijo ralado e a farinha de rosca e amasse novamente para incorporar.
  • Unte as mãos com óleo ou azeite e enrole porções da massa não menores que bolas de pingue-pongue nem maiores que bolas de tênis, coloque-as numa travessa e reserve.
  • Aqueça uma colher (chá) de azeite numa panela ou frigideira de borda alta, esmague os dentes de alho restantes com com sal até formar uma pasta e, usando uma colher de pau ou de silicone, misture essa pasta ao azeite na panela.
  • Coloque as almôndegas uma ao lado da outra (sem amontoar), doure-as por cerca de 5 minutos (virando as bolinhas de vez em quando, para que fiquem douradas por igual), transfira-as para uma travessa forrada com papel-toalha e repita o processo com as demais almôndegas (se necessário, acrescente um pouco mais de azeite).
  • Coloque um pouco de água na frigideira e raspe bem para "deglaçar" (ou seja, diluir e transformar em molho os resíduos da fritura que ficaram grudados no fundo da panela).
  • Adicione o molho de tomate (receita nesta postagem), deixe cozinhar em fogo médio até ferver, retorne as almôndegas douradas à frigideira com o molho, baixe o fogo e deixe cozinhar por mais 6 minutos, polvilhe com parmesão ralado e decore com folhinhas de manjericão.
Aproveitando o embalo, segue uma variação que é muito popular na Alemanha, onde esses bolinhos de carne são chamados de Frikadellen, Bulette, Fleischklöpse, Fleischpflanzerl, Klops, Fleischküchle, Hacktätschli, Beefsteak, Brisolette, Faschierte Laibchen, Fleischlaberl, conforme a região: 

Misture ½ kg de carne moída, 1 cebola cortada em cubinhos, 4 ovos inteiros, ½ maço de cebolinha, sal, pimenta-do-reino, orégano, páprica doce e molho de pimenta a gosto, ½ maço de cebolinha picada e farinha de rosca, faça bolinhos pequenos, frite-os em óleo bem quente, virando de todos os lados para dourar por igual, e sirva com mostarda escura.


Se alguém botar defeito nessas delícias, é porque esse alguém tem problemas de paladar. Nada que um bom otorrino não resolva. 
 
Bom proveito.