Estima-se que haja 726.712 detentos nos presídios
tupiniquins. Há quem diga que esse número não expressa a realidade, que a
população carcerária é menor. Talvez seja, mas isso não muda o fato de que há muito mais presos do
que vagas nos presídios — são 368.049 vagas em 1.449 unidades penais em todo o território
nacional. Para alguns juristas renomados, associações de advogados e
até ministros supremos da “ala garantista”, a solução é soltar meio mundo. Mas talvez
a resposta seja outra. Senão vejamos.
É certo que prender enche prisões, mas é igualmente certo
que a punição faz parte do processo de controle da criminalidade. Pode parecer
paradoxal, mas, em vez de soltar quem está preso e passar a prender menos, dever-se-ia
prender mais e melhor. Claro que
isso demanda a construção de mais presídios, e isso custa dinheiro — cerca de R$ 1 bilhão por 20 mil vagas —, mas se R$ 1 bilhão é o custo diário da
violência no país, não estamos falando em gasto, e sim em investimento.
Estamos em terceiro lugar no ranking mundial de pessoas
presas, mas podemos “nos gabar” de termos entre elas figuras notórias, como o
ex-presidente Lula e o médium João Teixeira de Faria, mais conhecido
como João de Deus. O primeiro é réu
em oito processos e está cumprindo a pena a que foi condenado na ação
envolvendo o célebre tríplex no Guarujá; o segundo é réu por estupro e violação
sexual e acusado de tráfico de crianças. Ambos estão presos em salas especiais
e recebem tratamento diferenciado do que é dispensado aos demais detentos, como
será visto mais adiante.
Lula está preso há
nove meses e 11 dias na sede da Superintendência
da Polícia Federal no Paraná. Para quem estiver interessado em fazer uma
visitinha, ela fica no número 220 da R. Profa. Sandália Monzon, em Curitiba. Em
razão da “dignidade do cargo” e para evitar riscos a integridade moral ou
física do ex-presidente bandido, foi-lhe destinada uma cela especial, com área
de 15 m2, mesa redonda e quatro cadeiras, estante, TV de plasma,
esteira ergométrica, frigobar, banheiro com pia, vaso sanitário e chuveiro
elétrico. Durante a corrida presidencial, o “digno” ocupante dessa sala não
teve o menor constrangimento em convertê-la no seu comitê de campanha — com
total conivência das autoridades.
Diferentemente dos demais presidiários, Lula não limpa o banheiro, não varre o chão nem recolhe o lixo de
sua suíte — tudo isso fica a cargo de um funcionário da limpeza, que faz a
faxina quando o “hóspede” está no banho de sol. Por essas e outras, alguns policiais
se referem a ele como “Lula Escobar”,
numa alusão ao narcotraficante colombiano Pablo Escobar, que, num acordo com a Justiça, construiu uma
mansão-presídio para nela cumprir sua pena.
Além do processo que o mandou para a cadeia, Lula responde a outras sete ações
criminais, duas das quais tramitam na 13ª
Vara Federal do Paraná e estão conclusas para sentença — isto é, a decisão
pode sair a qualquer momento —, mas especula-se que juíza substituta Gabriela Hardt deixará o julgamento por
conta do magistrado que vier a ser efetivado na vaga aberta com a exoneração de
Sérgio Moro.
João de Deus ainda
não foi condenado, mas já se tornou réu por estupro de vulnerável e violação
sexual, além de ser acusado de tráfico de crianças. Tudo começou quando o programa
"Conversa com Bial"
levou ao ar o testemunho de 12 mulheres que teriam sido vítimas do curandeiro
mais famoso do Brasil. Dessas, a única a autorizar que seu nome fosse divulgado
foi a holandesa
Zahira Lieneke, que afirmou
ter sido estuprada em 2014, mas foi o suficiente para a abrir as comportas do
inferno: desde então, o médium de 77 anos — que ao longo das últimas quatro
décadas atendeu mais de 3,5 milhões de pessoas do mundo inteiro — foi acusado
de violência sexual por centenas de mulheres de pelo menos dez estados do país,
sendo de sua própria filha o relato mais surpreendente (depois da enxurrada de
delações,
Dalva Teixeira, de 49
anos, alegou ter sido abusada pelo pai desde os 10 anos de idade).
João de Deus está
preso desde 16 de dezembro. A exemplo de Lula,
ele não fica com os outros 5.000 presos do Complexo
Prisional de Aparecida de Goiânia. A pretexto de evitar que se tornasse
vítima da tácita lei da bandidagem que pune violência sexual com violência
sexual, médium foi acomodado numa sala de 50 m2, que compartilha com
outros três detentos, todos advogados. No cômodo, que não tem grades nas
janelas, há uma TV de 20 polegadas, banheiro com chuveiro elétrico e privada de
louça. Nada mau se considerarmos que os demais prisioneiros ficam amontoados em
cubículos projetados para acomodar 5 pessoas cada, mas que têm pelo menos o
triplo de ocupantes.
Na semana passada, visando garantir que, em caso de
condenação de João de Deus, as
vítimas sejam indenizadas, a Justiça determinou o bloqueio de R$ 50 milhões do curandeiro, entre
imóveis e investimentos bancários. Considerando que ele não cobrava formalmente
pelos tratamentos espirituais, e que não poderia atender 10 mil pessoas por mês se não dedicasse tempo integral à caridade, explicar
esse patrimônio exige levar ao pé da letra o ditado segundo o qual “quem dá aos pobres empresta a Deus”, e
acreditar que a retribuição vem com juros e correção monetária.
Antes de se estabelecer em Abadiânia (GO), na década de
1970, João de Deus peregrinou pelo
país como Lula em pré-campanha, só que fazendo cirurgias espirituais. Segundo o
MP de Goiás, as denúncias vêm desde 2010; em 2012 o médium ser julgado por
abuso sexual, mas foi inocentado por falta de provas; no mesmo ano, após vários
relatos de abusos contra mulheres, foi proibido de prestar atendimento pelos
frequentadores de uma casa na cidade de Três Coroas (RS), mas as vítimas não
registraram queixa por medo de represálias. Consta ainda que ele foi denunciado
por exercício ilegal da medicina e acusado de “sedução” de menor, atentado ao
pudor, contrabando de minério e assassinato, mas jamais foi condenado.
Tanto Lula quanto João de Deus negam os crimes que lhes são imputados, a exemplo do
que fazem políticos, empresários e demais figurões investigados na operação Lava-Jato e congêneres. Todos seguem
fielmente a mesma cartilha, afirmando-se surpresos com as acusações, dizendo
confiar na Justiça, e blá, blá, blá. Mesmo depois de condenados a mais de 100
anos de prisão, como é o caso do o ex-governador fluminense Sérgio Cabral. Outros bom exemplos são Eduardo Cunha e João Vaccari Netto, que
estão na cadeia, respectivamente, desde 2017 e 2015. Ou o guerrilheiro de
festim José Dirceu e Paulo Maluf,
que ainda não foram mandados de volta para a cadeia porque o Supremo é o Supremo.
Dizem
as más-línguas que o Lula aconselhou
João de Deus a adotar a mesma
estratégia de defesa que ele usou no caso do tríplex, mas é difícil o médium
convencer alguém de que o pinto não era dela. Aliás, com Lula não funcionou, como também não funcionaram os mais de 80
recursos interpostos por sua defesa em todas as instâncias do Judiciário. E ao
que tudo indica, não vai funcionar tampouco no caso do sítio em Atibaia, que,
segundo o petralha, nunca foi dele.
Alex Nader, que divide a defesa do
curandeiro molestador com Alberto
Zacarias Toron e Antonio Carlos Kakay
de Almeida Castro (este último
atende nada menos que 17 enrolados na Lava-Jato),
contesta a prisão preventiva sustentando que seu cliente não tentou movimentar
dinheiro, não ameaçou testemunhas e se apresentou à polícia de forma
espontânea. Enfim, talvez seja tudo uma questão de fé.