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domingo, 19 de setembro de 2021

COISAS DO BRASIL



O habito não faz o monge nem a faixa, o presidente. Há que haver conteúdo sob ou por detrás desses adereços indumentários. Notadamente o enfeite tiracolar transferido pelo ex-presidente a seu sucessor na cerimônia de posse — que, desde os idos de 1972, acontece sempre no dia 1º de janeiro do ano subsequente ao da eleição e tem início na Catedral de Brasília, a despeito do inciso VI do artigo 5º da Constituição. Coisas do Brasil.

Depois de desfilar no Rolls Royce Presidencial até o prédio do Congresso Nacional, Bolsonaro assinou o termo de posse, jurou "manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil" e recebeu de Michel Temer a faixa presidencial.

Bolsonaro jamais leu a Constituição que jurou defender e, como o escorpião da fábula, é incapaz de contrariar a própria natureza. Apesar de reconhecer que não nasceu para ser presidente, mas para ser militar, foi expelido da Escola de Oficiais do Exército por indisciplina e insubordinação (mas acabou sendo absolvido das acusações pelo STM). No ano seguinte, elegeu-se vereador e depois deputado federal por sete mandatos consecutivos, ao longo dos quais aprovou dois míseros projetos e colecionou mais de trinta ações criminais. Em 2018, foi alçado à Presidência por uma esdrúxula conjunção de fatores, entre os quais um mal explicado atentado que sofreu durante um ato de campanha em Juiz de Fora (MG). 

Bolsonaro disputa com Dilma — o poste com que Lula empalou os brasileiros em 2010 — o título de pior mandatário desde a redemocratização (e não por falta de concorrentes de peso). Com a autoridade de quem sabe das coisas, o general Ernesto Beckmann Geisel — penúltimo presidente da ditadura e mentor intelectual da reabertura política lenta, gradual e segura — definiu o então capitão da ativa comoum caso completamente fora do normal, inclusive mau militar”.

O último general-presidente, João Baptista de Oliveira Figueiredo que preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo (povo que, segundo ele, "não sabe nem escovar os dentes, quanto mais votar para presidente"), negou-se a passar a faixa presidencial a José Sarney (faixa a gente transfere para presidente, não para vice, e esse é um impostor). Coisas do Brasil.

A título de contextualização, vale lembrar que a Revolução de 1964 — cuja data “comemorativa” é 31 de março — foi um golpe de Estado desfechado na madrugada de 1º de abril, por líderes civis e militares conservadores, a pretexto de afastar do poder um grupo político que supostamente flertava com o comunismo.

Nos movimentos pró “Diretas Já”, pugnava-se pela aprovação da emenda constitucional Dante de Oliveira, que visava restaurar o direito às eleições diretas suspenso pelos militares. No dia da votação, exatos 20 anos depois do golpe, uma manobra de bastidores tirou da Câmara 112 deputados. A despeito do clamor das ruas, a emenda foi rejeitada — em outras palavras, o povo foi traído (mais uma vez) pela classe política, o câncer social que, infelizmente, é um mal necessário. Coisas do Brasil.

O desgaste do governo propiciou a vitória de Tancredo Neves em um colégio eleitoral — por 480 votos contra 180, a raposa mineira derrotou Paulo Maluf (que era apoiado pelos militares) depois de unir o PMDB à chamada Frente Liberal — formada por dissidentes do PDS, que dava sustentação ao governo militar. 

Em janeiro de 1985, o deputado federal Ulysses Guimarães — que chegou a ser cogitado para disputar a presidência da República pelo PMDB contra Maluf, mas acabou sendo preterido pela chapa “mista” formada com o PFL de Sarney — entregou a Tancredo o programa denominado Nova República, que previa eleições diretas em todos os níveis, educação gratuita, congelamento de preços da cesta básica e dos transportes, entre outras benesses.

Com esperança e ânimos redobrados, os brasileiros ansiavam pela chegada do dia 15 de março, data prevista para a posse do primeiro presidente civil após 21 anos de ditadura militar. Mas Tancredo foi hospitalizado 12 horas antes da cerimônia e teve o óbito declarado 38 dias e sete cirurgias depois — ironicamente, no feriado de 21 de abril, data em que o Brasil homenageia Tiradentes, o mártir da independência. Coisas do destino.

Tancredo levou para o túmulo a esperança de milhões de brasileiros, mas deixou de herança um neto que  envergonharia o país e um mix de oligarca maranhense, escritor, poeta e acadêmico chamado José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, mais conhecido como “Zé do Sarney”. A possibilidade de Ulysses Guimarães, então presidente da Câmara, ser guindado ao Palácio do Planalto chegou a ser cogitada, mas prevaleceu o entendimento de que caberia a José Sarney, vice na chapa de Tancredo e rebotalho do coronelismo nordestino, assumir a Presidência. E foi o que aconteceu, para o bem e para o mal.

Observação: A origem da alcunha — que o político maranhense usava para fins eleitorais desde 1958 e acabou incorporando oficialmente em 1964 — é atribuída ao fato de seu pai ter sido batizado Sarney de Araújo Costa em homenagem a um inglês de conhecido como Sir Ney, em cuja fazenda José Ribamar nasceu. Coisas do Maranhão.

Fisiologista como poucos e puxa-saco de carteirinha dos poderosos de plantão, Sarney (o filho) sobreviveu à ditadura, mas sua infausta gestão à frente da Presidência foi marcada pela hiperinflação. Tanto o Plano Cruzado quanto os "pacotes econômicos" que se lhe sucederam foram baseados no congelamento de preços e salários, e da feita que repetir o mesmo erro várias vezes esperando produzir um acerto é a melhor definição de idiotice que eu conheço, não causou estranheza o fato de todos fazerem água em questão de meses. 

Em 20 de fevereiro de 1987, pressionado pela queda nas reservas cambiais, Sarney fez um pronunciamento em rede nacional anunciando a suspensão, por tempo indeterminado, do pagamento dos juros da dívida externa — evitando usar a palavra "moratória", como se isso produzisse algum resultado positivo (ou menos negativo) na medida adotada. Coisas do Brasil.

Sarney deixou a Presidência com a popularidade em patamares abissais, tanto que transferiu seu domicílio eleitoral para o recém-criado Estado do Amapá, pelo qual teria chances de conseguir uma vaga no Senado. Como era esperado, seus adversários impugnaram se insurgiram contra o cambalacho, mas o STF o avalizou. Conta-se que o ministro Celso de Mello, que teve os ombros recobertos pela suprema toga graças ao oligarca maranhense, votou pela impugnação da candidatura do benfeitor. 

O ex-ministro da Justiça Saulo Ramos quis saber por quê. Mello respondeu que a Folha havia publicado que Sarney tinha os votos certos de vários ministros e citara seu nome como um deles. "E você votou contra porque a Folha noticiou que votaria a favor?", perguntou Saulo. "Exatamente", respondeu Mello. E Saulo: "Então você é um juiz de merda!"

Sarney deixou a vida pública em 2014, aos 83 anos, a pretexto de se dedicar à literatura em tempo integral. Conta-se que, após um dilúvio assolar o Maranhão, a então governadora Roseana Sarney — filha do macróbio — telefonou ao pai para informar que metade do Estado estava debaixo d’água. Sarney perguntou-lhe candidamente: "A sua metade ou a minha?

Nas eleições gerais de 2018, os pimpolhos do velho cacique maranhense foram penalizados na urnas: nem Zequinha se reelegeu deputado, nem Roseana — que governou o Maranhão por quatro legislaturas desde 1995 — conseguiu desbancar o pecedebista Flavio Dino — que se reelegeu governador com 59,29% dos votos válidos.

Como dito parágrafos acima, Figueiredo se recusou a transferir a faixa presidencial a Sarney. Não foi o primeiro nem o único caso na história republicana do Brasil. Coisa de país de terceiro mundo? Não necessariamente. Nos EUA, o ex-presidente Donald Trump, ídolo e muso inspirador do capitão-cloroquina, não só deu trabalho para ser desencalacrado do cargo como não compareceu à cerimônia de posse de Joe Biden, o que representa uma quebra de protocolo na tradição democrática americana, mas, como dito, encontra apoio na ala conservadora da política brasileira.

Na história do Brasil, o exemplo mais recente de um chefe do Executivo que se recusou a comparecer à posse de seu sucessor foi Figueiredo, conforme já foi dito nesta postagem. Sobre Sarney, o general disse à revista IstoÉ, pouco antes de sua morte, em 1999: "Sempre foi um fraco, um carreirista. De puxa-saco passou a traidor. Por isso não passei a faixa presidencial para aquele pulha. Não cabia a ele assumir a Presidência".

A quebra de protocolo em Brasília foi relembrada pelo neto do general, minutos depois de o presidente americano anunciar que não compareceria à posse do sucessor. "Meu avô também não compareceu à posse de seu sucessor, que chegava ao poder de forma ilegítima. Agiu conforme suas convicções. Assim devem fazer os homens de caráter!", postou no Twitter o empresário Paulo Figueiredo Filho. Coisas do Brasil.

Figueiredo não foi o único a se recusar a cumprir os ritos de transição no Brasil. A República ainda engatinhava quando Floriano Peixoto, que governou de 1891 a 1894, decidiu não comparecer à posse de Prudente de Morais porque não via com bons olhos a chegada de um civil ao poder. Afonso Pena também não passou a faixa a seu sucessor, Nilo Peçanha (e nem poderia, porque Nilo era vice de Pena, a quem substituir em virtude de sua morte, em 1909). Em 1954, Café Filho viu-se presidente do dia para a noite e começou a governar o país sem a bênção de seu antecessor, Getúlio Vargas, que "foi suicidado" com um tiro no peito em 24 de agosto de 1954.

Após o impasse entre Figueiredo e Sarney, somente dois presidentes eleitos diretamente (FHC e Lulareceberam e passaram a faixa a seus sucessores. O primeiro presidente eleito diretamente após a ditadura militar — o pseudo caçador de marajás Fernando Collor de Mello — recebeu a faixa de Sarney em março de 1990, mas renunciou ao mandato em dezembro de 1992 (e foi impichado mesmo assim, de modo que não passou a faixa a Itamar Franco).

Itamar, por sua vez, tomou posse em uma cerimônia breve e só usou a faixa presidencial no último de seus dois anos e três dias de governo, quando a colocou sobre os ombros de FHC. O tucano, presidente por dois mandatos, cumpriu o mesmo protocolo na posse de Lula, em 2003. Oito anos depois, foi a vez de Dilma ser destituída em um processo de impeachment — e não comparecer à posse de Michel Temer. Em janeiro de 2019, o vampiro do Jaburú repassou a faixa ao mandatário de fancaria que, por mal de nossos pecados, diz que "só Deus o tira da cadeira presidencial". Coisas do Brasil.

Bolsonaro na presidência era tudo de que o os brasileiros não precisavam, mas tornou-se a única alternativa válida depois que o ilustríssimo eleitorado tupiniquim o escalou para enfrentar o bonifrate do presidiário de Curitiba no segundo turno do pleito de 2018. Voltando à paráfrase de Bolsonaro a uma fala de Figueiredo, “plagiar é, implicitamente, admirar”, como bem disse o intelectual lusitano Júlio Dantas. Mas a pergunta que não quer calar é: se não nasceu para ser presidente, por que Bolsonaro fez da reeleição seu projeto de governo?

"Prometo que, se eleito, vou trabalhar noite e dia, durante os quatro anos do meu mandato… para ser reeleito”. Eis a promessa mais sincera e verdadeira feita pelo então candidato, como salientou o ex-delegado federal Jorge Pontes num artigo publicado em Veja. "Teremos um lapso de quatro anos praticamente jogados fora, destinados apenas à pavimentação de mais um — improvável — mandato presidencial", profetizou o policial, em agosto do ano passado.

Assim, graças à verdadeira herança maldita deixada pelo grão-duque do Tucanistão, assistimos a um mandatário eleito com juras de grandes mudanças e discursos anti-establishment emular Dilma, a inesquecível, e fazer o diabo para se reeleger.

A vitória de Bolsonaro foi um caso clássico de emenda pior que o soneto. Embora seja preferível acender a vela a amaldiçoar a escuridão, unir forças com os sectários do bolsonarismo boçal para evitar a volta da cleptocracia lulopetista foi como libertar da garrafa um gênio malfazejo e não saber como prendê-lo de volta. E urge fazê-lo, pois o Brasil dificilmente sobreviverá a mais cinco anos sob o descomando desse mafarrico.  

Segundo a revista eletrônica Crusoé, o presidente de fato desta banânia (falo do centrista Ciro Nogueira) disse a um empresário que Bolsonaro está "cada vez mais mercurial e incontrolável". O diagnóstico perturbador do ministro recém-empossado com promessas de carta branca jamais cumpridas reflete o estado de ânimo atual de setores do Centrão e de boa parte do Congresso. Embora estejam bem servidos em postos estratégicos e se lambuzando no poder desde que que o chefe do Executivo de festim lhes entregou a chave do cofre, a centralhada já entendeu que a aliança tem prazo de validade, e que esse prazo não é longo. Para as marafonas do parlamento, Bolsonaro é um político fadado ao infortúnio, seja pelo impeachment, pela cassação no TST ou derrota nas urnas. E convenhamos que não é preciso ser nenhum "Nostradamus" para fazer tal previsão.

Ainda segundo a reportagem, depois que o desembarque do governo passou a ser debatido a sério entre os partidos que compõem o Centrão, o presidente pato-manco enviou pelo líder do governo na Câmara — o ilibadíssimo Ricardo Barros, a quem o senador Omar Aziz, relator da CPI do Genocídio, se refere como responsável por um balcão de negócios com o Congresso que está a todo vapor — o recado de que continua em pé o esforço para conter possíveis defecções em sua base de apoio.

Entrementes, a despeito da carestia, a inflação oficial segue acima do esperado. O IPCA, medido pelo IBGE, acelerou para 9,68% no acumulado em 12 meses, levando a uma onda de revisões entre os economistas. Na segunda-feira, 13, o Boletim Focus, do Banco Central, registrou a 23ª alta consecutiva da mediana das projeções para o IPCA no fim de 2021, que agora está em 8%. Mas isso é assunto para uma próxima postagem.

terça-feira, 23 de junho de 2020

MAIS SOBRE A NOVELA QUEIROZ/BOLSONARO(S) — PARTE 3



O outono se foi, o inverno chegou, e nem sinal de um plano econômico para fazer frente à recessão ou de um médico, sanitarista, farmacêutico ou enfermeiro à frente do Ministério da Saúde — que está acéfalo há mais de um mês, sob um interino que não se sabe se está lá provisoriamente permanente ou permanentemente provisório.

Sobre as quiméricas reformas estruturantes — panaceia que recolocaria o país na trilha do crescimento —, ninguém mais fala. Aliás, surpreendentemente, nosso sempre boquirroto e grandiloquente presidente silenciou sobre a prisão de seu amigo de fé, irmão, camarada e rachadista Fabrício Queiroz. Até onde eu sei, a única vez que Bolsonaro se manifestou sobre o caso foi em sua live semanal, quando disse que a prisão de Queiroz foi “espetaculosa”, e que para ele “o assunto está encerrado”. Para ele, talvez; para a Justiça, a merda só começou a feder.

Meses atrás, Paulo Marinho — que abrigou na própria casa o comitê de campanha de Jair Bolsonaro — revelou à Folha que o filho do presidente, Flávio, teria sido avisado antecipadamente de uma operação a ser deflagrada pela PF que mirava Fabrício Queiroz. O pimpolho demitiu o assessor e a filha do dito-cujo de seu gabinete na Alerj, e então vestiu a máscara dos três macaquinhos sábios. E o capitão fez o mesmo em se próprio gabinete, defenestrando apaniguados do velho amigo de fé, irmão e camarada.

Bolsonaro & filhos atuavam de forma tão coesa que era virtualmente impossível dizer onde terminava um gabinete e começava o outro — e, portanto, as responsabilidades de cada um. Desde que vieram a público as primeiras notícias sobre as movimentações financeiras atípicas de Queiroz, Bolsonaro e seu clã passaram a tratar os brasileiros como um bando de idiotas. 

Queiroz é um lembrete da falta de transparência de uma família com quatro homens públicos que influenciam os destinos do país pelo fato de o presidente governar como um patriarca de clã e perder a linha (força de expressão; ninguém perde algo que nunca teve) sempre que imprensa o questiona (questionava, que agora a pergunta não faz mais sentido) sobre o paradeiro do “espírito que anda”, que se prontificou a ir para o sacrifício, mas somente se sua família — notadamente a mulher e a filha que também trabalharam em gabinetes dos Bolsonaro — ficassem protegidas.

Faltou combinar com o MP-RJ, que decretou a prisão da cara metade do fantasminha camarada e pediu que seu nome fosse incluído na lista dos procurados da Interpol... E agora, José, digo, Jair?

Às vezes eu me pergunto por que alguém que não quer, não pode ou não sabe governar aspira tanto à reeleição, sobretudo quando ela se torna mais improvável (e indesejável) a cada dia. Mesmo que esse alguém seja o ex-capitão que Geisel classificou de “anormal e mau militar”; que foi excluído dos quadros da Escola de Oficiais por indisciplina e insubordinação (mas acabou sendo absolvido das acusações pelo STM); que aprovou dois míseros projetos e colecionou mais de trinta ações criminais ao longo dos quase 30 anos de carreira política, e que, três meses depois de ter subido a rampa do Palácio do Planalto, disse com todas as letras que não nasceu para ser presidente, nasceu para ser militar.

Como bem alertou Pelé em 1973, "os brasileiros não estão preparados para votar" — opinião que o general-ditador João Batista Figueiredo ratificou em 1978, ao dizer que "um povo que não sabe nem escovar os dentes não está preparado para votar". Coincidência? Não. Pura sabedoria.

Como ficará a situação de Jair Bolsonaro com a prisão de Queiroz, só o tempo dirá. Além de haver uma miríade de variáveis, cada ator dessa ópera bufa parece empenhado em criar narrativas tão mirabolantes quanto conflitantes. Frederick Wassef é um bom exemplo.

Até meados da semana passada, Fred era um ilustre desconhecido que atuava nos bastidores e se orgulhava de ser (mais um entre muitos) próximo do presidente. Depois que Queiroz foi preso no imóvel que figura nos registros da OAB como sede de seu escritório de advocacia — a exemplo do que informa a vistosa placa afixada no muro frontal da casa —, o causídico se tornou suspeito de ser o “Anjo” que vinha protegendo Queiroz, esposa e outros familiares do fantasma igualmente mergulhados até o pescoço nessa merdeira.

No sábado (20), em entrevista à Folha, o advogado não só negou ter "escondido" Queiroz como também ser o "Anjo". Em outra entrevista, afirmou ser consultor jurídico dos Bolsonaro e advogado de Flávio no caso das rachadinhas. No domingo (21), numa segunda entrevista à CNN Brasil — a quarta no último final de semana — negou que Jair e Flávio Bolsonaro soubessem que Queiroz estava escondido em sua propriedade, e teceu críticas contundentes à advogada do presidente, Karina Kufa.

Observação: Na quinta-feira, Kufa havia soltado uma nota dizendo que Wassef não advoga para Jair Bolsonaro — embora o presidente nunca tenha desmentido o advogado quando ele dizia para meio mundo que o representava. No mesmo dia, Wassef telefonou a Kufa e, aos berros, disse que iria desmenti-la.

Wassef disse que substabeleceria um colega para assumir a defesa de Flávio Bolsonaro e se desculpou: “Qualquer dano de imagem que eu possa ter causado ao presidente e ao senador eu peço desculpas”. Mas em momento algum da longa e confusa entrevista explicou por que Queiroz estava morando na casa dede (de Fred) quando foi capturado. Disse que, a despeito de Queiroz ter sido preso em seu imóvel, ele (Fred) não tem seu telefone e não fala com ele (Queiroz). Perguntado por que o fantasminha camarada foi se tratar do câncer em Atibaia, sendo que é do Rio de Janeiro, o rábula especulou: "Quem sabe ele estava sem dinheiro, abandonado?"

Wassef disse ainda que movimentação atípica não é crime. “Estamos transformando extratos bancários de várias pessoas, uma verdadeira contabilidade. Isso parece mais milhares de operações matemáticas e de contabilidade que uma investigação. (...) Se era tão grave, por que não ofereceram denúncia em um ano? Posso te dar mil explicações para essa movimentação financeira”, concluiu. Mas não deu explicação nenhuma. Repetiu sem parar, interrompendo o entrevistador, que seu cliente é vítima de perseguição, de “Santa Inquisição”, e seguiu com sua narrativa confusa e contraditória, dizendo que nunca foi transferido dinheiro de Queiroz para Flávio Bolsonaro.

Fred deixou patente a impressão de que sua maior preocupação era midiática. Demonstrou mais preocupação com a exposição de seu cliente (agora ex-cliente) do que em refutar as acusações que pesam contra ele. Como se vê, estamos — mais uma vez — diante de uma guerra de narrativas. E como em toda guerra, a primeira vítima é sempre a verdade.

Lauro Jardimem sua coluna no Globo, publicou:

 "Jair e Flavio Bolsonaro têm mais um problema pela frente. E não é pequeno. É um problema de quase dois metros de altura e que está se sentindo humilhado e com raiva: Frederick Wassef, o advogado de Flavio Bolsonaro e ex-hospedeiro de Fabrício Queiroz, está possesso. Sente-se abandonado. De acordo com relatos de pessoas próximas, sentiu-se traído e achincalhado com a nota oficial assinada pela advogada Karina Kufa, desmentindo que ele algum dia tenha sido advogado do presidenteWassef tem reclamado de modo acerbo e raivoso de Bolsonaro. Além de ter detestado que fatos do seu passado e também velhas histórias de Cristina Boner, sua ex-mulher, mas de quem ainda é muito próximo, terem sido remexidos em meio ao furacão da prisão de Queiroz".

A deputada estadual Janaína Paschoal, ex-apoiadora de primeira hora do presidente, disse que os fatos são chocantes, sobretudo porque Wassef dizia não saber o paradeiro de Queiroz. "É algo chocante porque você pensa: 'de quem foi essa ideia [de 'esconder' Queiroz na casa de Wassef]?'. A gente fica sem entender se foi uma iniciativa do advogado, se alguém solicitou". 

Ainda segundo Janaína, o fato de o legisperito ter abrigado Queiroz aproxima o caso do presidente e do filho Flávio, ambos clientes de Fred: "Esse senhor [Wassef] frequenta o Palácio [do Planalto]. Quem olha de fora tem a sensação de que o doutor tem alguma intimidade. De certa forma, o fato traz o caso para perto do presidente. Acho uma ideia tão ruim que tomei um choque".

A deputada comparou o caso Queiroz e os acontecimentos no entorno de Bolsonaro com a "época do PT": "Lembra da época do PT, quando os aloprados do PT faziam dossiês? Tem coisas que acontecem em volta do governo que me lembram muito. De repente o senador poderia avaliar uma colaboração premiada com o MPF, fazer uma colaboração e entregar tudo o que acontecia naquela Alerj. Cai quem tiver que cair. Esses mistérios, a situação desse homem, vai gerando uma instabilidade que prejudica o País. E o presidente prometeu que iria colocar o País acima de tudo".

Bem fez o ex-ministro Abraham Weintraub — outro ideólogo inútil —, que desembarcou nos EUA, no último sábado, valendo-se de seu passaporte diplomático para entrar no país onde o aguarda uma diretoria no Banco Mundial e um aumento de salário de quase 400% — e pago em dólares. Detalhe: o Planalto só publicou a exoneração do imprestável depois de sabê-lo seguro em solo americano. O ex-ministro deve estar morrendo de rir dos trouxas que cá discutem quão escandalosas foram sua indicação para o Banco Mundial e sua saída do país à francesa.

Resumo da ópera: Queiroz é o grande calcanhar de Aquiles da primeira-família. Alegando problemas de saúde decorrentes de um câncer, driblou diversas convocações para prestar depoimentos. Fez uma declaração por escrito em que reconheceu a prática da rachadinha, mas isentou o chefe de qualquer participação ou conhecimento do esquema. De acordo com o MP-RJ, há abundantes indícios de desvio de recursos públicos, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Se ele revelar tudo o que sabe, pode garantir não apenas uma cassação de mandato ou prisão a seu ex-chefe, mas também derrubar do altar de mentirinha o santarrão do pau oco e pés de barro que diz ser Messias, mas que não consegue fazer milagres.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

SEM RUMO NEM PRUMO, SEM EIRA NEM BEIRA



ATUALIZAÇÃO:

Bolsonaro resolveu concorrer a funcionário do mês. Para ele, não tem final de semana, ponto facultativo nem feriado. Trabalha 27/7, e todo santo dia presta mais um desserviço à nação. Ontem — em pleno domingo, portanto —, dizem os que ainda tentam explicar o comportamento do presidente que para manter fervente o caldeirão em que prepara ambrosia que serve a seus apoiadores atávicos (podia lhes servir feno ou capim, que dava no mesmo), o presidente inconsequente participou de um protesto defronte ao QG do Exército.

Os manifestantes portavam cartazes com mensagens contra a democracia e proibidas pela Constituição, contra o Supremo Tribunal Federal, contra o Congresso, defendendo uma intervenção militar e pedindo a volta do AI-5 — que fechou o Congresso, cassou políticos, suspendeu direitos, instituiu a censura à imprensa e levou à tortura e morte de presos políticos. O chefe do Executivo, por seu turno (note que não estamos falando do zé da esquina numa conversa de botequim do PRESIDENTE DA REPÚBLICA), defecou suas pérolas de sabedoria tendo ao fundo uma das faixas que dizia: “Intervenção militar com Bolsonaro no poder” (outras tinham textos parecidos, aparentando terem sido fabricadas pelo mesmo fornecedor).

Sem máscara — ainda que a tarefa de afrontar Mandetta já não conste da lista de prioridades presidencial, é de pequenino que se desentorta o pepino e, portanto, imperativo mostrar ao novo auxiliar quem é o galo do terreiro —, o capitão das trevas falou em democracia, mas em nenhum momento condenou os pedidos proibidos pela Constituição e antidemocráticos; pelo contrário, disse que acredita neles:

Eu estou aqui porque acredito em vocês. Vocês estão aqui porque acreditam no Brasil. Nós não queremos negociar nada. Nós queremos é ação pelo Brasil. Mais que um direito vocês têm obrigação de lutar pelo país de vocês. Contem com o seu presidente, para fazer tudo aquilo que for necessário para que nós possamos manter a nossa democracia e garantir aquilo que há de mais sagrado entre nós, que é a nossa liberdade”.

Resumo da ópera: Pela enésima vez, Bolsonaro cagou e andou para a recomendação da pasta da Saúde, e o novo ministro, ao silenciar, aceitou tacitamente o papel de coadjuvante na ópera bufa protagonizada pelo chefe de turno. Virou uma espécie de anti-Mandetta.

Por uma trapaça da sorte, Bolsonaro constrangeu Teich justamente no dia de sua estreia. O novo integrante da Esplanada, ao participar da reunião com os ministros da Saúde dos países do G-20, disse que "o Brasil reconhece o papel da Organização Mundial da Saúde" (quem, nunca é demais lembrar, recomenda o isolamento social).

Ao estrelar uma manifestação que tinha como motes principais a defesa da interrupção do isolamento e uma intervenção militar, diz Josias de Souza, o capitão alinhou o país não ao G-20, mas a uma espécie de G-4: além do Brasil paralelo que Bolsonaro imagina presidir, apenas três ditaduras menosprezam o vírus e renegam o isolamento: Bielorrússia, Turcomenistão e Nicarágua.

Teich precisa informar se o seu "alinhamento completo" com Bolsonaro inclui a aversão à ciência. A crise do coronavírus veio de fora, mas a abordagem errática do flagelo é um produto genuinamente nacional. Foi produzida por Bolsonaro. Sua principal característica é a ausência de governo. O presidente detonava o isolamento defendido por Mandetta, que espetava o chefe em público. Agora, seu comportamento revela que o desgoverno permanece.

O ministro precisa informar o que pretende fazer se Bolsonaro lhe pedir para dançar rumba numa UTI apinhada de pacientes da Covid-19. Bolsonaro precisa esclarecer o que pretende ao continuar agindo assim, e o povo e os demais Poderes precisam dizer até onde isso vai chegar. Ou, melhor ainda, pôr um ponto final nessa palhaçada. Como dito antes, é de pequenino que se desentorta o pepino, ou, em outras palavras, é preciso cortar o mal pela raiz.

Segue o texto que eu havia escrito ontem, antes de saber de mais essa estultice bolsonariana:

Por vezes eu mesmo me surpreendo com o tanto de pessoas (entre as quais me incluo) que se surpreendem com o desserviço que nos vem prestando o capitão das trevas no comando desta Nau de Insensatos.

Os dicionários definem como surpresa fato ou coisa que causa admiração ou espanto por ser inesperado, repentino, imprevisto” — daí a minha surpresa, pois todo mundo sabe (ou deveria saber) que Bolsonaro foi eleito porque os dois ou três candidatos que poderíamos ter testado foram descartados no primeiro turno das eleições passadas, juntamente com o medonho circo de horrores que posava de candidato à presidência. Para sair sinuca dessa sinuca de bico, a parcela pensante do eleitorado não teve alternativa que não unir forças com as macacas de auditório do “Mito” — que não é a essência do mal, como alguns afirmam, mas apenas um “um caso completamente fora do normal, inclusive um mau militar“ — como bem o definiu o general Ernesto Geisel.

Defenestrado de seu habitat natural pela decisão complacente do Superior Tribunal Militar, o oficial de baixa patente reformado e admirador confesso da ditadura resolveu tentar a sorte na política. Dois anos depois cumprir dois anos de mandato como vereador, disputou e conquistou uma cadeira na Câmara Federal (foi o deputado mais votado no Rio de Janeiro, o que abona minha tese sobre o total despreparo do eleitor brasileiro, para o qual Pelé nos alertou ainda nos anos 1970) e renovou o mandato nas seis eleições subsequentes.

Em seus 27 anos como deputado do baixo clero, Bolsonaro aprovou dois míseros projetos — talvez porque se empenhasse em tempo integral a colecionar processos por calúnia, injuria, difamação, racismo, apologia ao estupro, e por aí vai (a maioria movida por políticos de esquerda, o que... bem, para bom entendedor, meia palavra basta).

Quando foi nomeado ministro do Trabalho pelo caçador de marajás de araque Fernando Collor de Mello, o sindicalista Antonio Rogério Magri, perguntado sobre sua qualificação para o cargo, respondeu que “mesmo não sendo cozinheiro, sei quando a sopa está salgada”. Meses depois, ao ser flagrado usando o carro oficial para levar sua pet de estimação ao veterinário, Magri se justificou: a cachorra é um ser humano, e eu não hesitei” (qualquer semelhança com a lunática ex-presidente petista, nefelibata da mandioca e estocadora de vento é mera coincidência).

Sem menosprezar a responsabilidade e as dificuldades de governar um país como o Brasil, se Lula e Dilma conseguiram, qualquer um consegue, que desde que não seja um completo idiota, tenha alguma experiência na política e se cerque de ministros competentes e assessores confiáveis. Talvez não faça um governo brilhante e não se reeleja, mas é possível que termine sua obscura gestão sem sobressaltos. O problema é que quanto mais despreparado for o mandatário da vez, maiores as chances de sucumbir à febre do poder transmitida pela picadura da mosca azul. E como é impossível governar sozinho num regime presidencialista, o infectado se vê forçado (e acaba se acostumando) a fazer alianças espúrias e, por gratidão, interesses escusos ou coisa pior, nomear para cargos importantes gente sem envergadura nem estofo para exercê-los.

Michel Temer é um bom exemplo: quando se certificou de que assumiria o posto da quintessência da boçalidade, prometeu um “ministério de notáveis”, mas nomeou uma notável agremiação de enrolados na Justiça. Mais adiante, delatado pelo moedor de carne bilionário e flechado pelo ex-procurador geral Rodrigo Janot, empenhou as cuecas (as dele e as nossas) na comprar votos bastantes para evitar seu afastamento e subsequente processo de impeachment. Mas o deputado tinha décadas de janela e anos de vão de porta, 15 só como presidente do PMDB (hoje MDB). Já Dilma, quando o caldo entornou, não tinha sequer café quente no bule, tamanha a ojeriza que seu pedantismo e arrogância despertavam nos subalternos e nos parlamentares (inclusive entre alguns do seu próprio partido).    

Por coincidência, má influência ou incompetência, Bolsonaro, se não loteou a Esplanada entre um bando de corruptos (embora não faltem figurinhas carimbadas no seu ministério, como veremos a seguir), deve ter recrutado seus auxiliares em algum manicômio, haja vista a quantidade de ideologistas extremados, terraplanistas, criacionistas e baba-ovos do ex-astrólogo Olavo de Carvalho, guru do clã Bolsonaro. E vem eliminando as honrosas exceções devido ao protagonismo decorrente dos bons serviços prestados, como foi o caso do Ministro da Saúde. Incapaz de elevar sua estatura, o presidente rebaixa o teto de seu gabinete. Desconfortável com a presença de ministros cuja popularidade supere a sua própria, tornou-se useiro e vezeiro em arrancar qualquer plantinha que tenha potencial para lhe fazer sombra.

Bolsonaro é do tipo de chefe que acha que o chefe sempre tem razão (vide figura que ilustra esta postagem). Da sua ótica distorcida, a patética caneta Bic de R$ 2 que empunha tem o poder de uma bomba nuclear, e trabalhar sob seu comando é como ser currado e ter de pedir desculpas por estar de costas.

Observação: Entre as tais figurinhas carimbadas vale citar os ministros Álvaro Antônio — envolvido no escândalo do laranjal do PSL, mas que continua desafiando a lei da Gravidade —; Onyx Lorenzoni — que admitiu a prática de caixa 2 —; Ricardo Salles — réu por improbidade administrativa e alvo de uma acusação por danos ao Erário (por ter ordenado a retirada de um busto do guerrilheiro Carlos Lamarca do parque estadual do Rio Turvo, na cidade de Cajati) —; Tereza Cristina, investigada por suposto favorecimento à JBS quando era secretária do agronegócio no Mato Grosso do Sul —; a proselitista religiosa Damares Alves — alvo de duas investigações do MPF por discriminação contra os povos indígenas — entre outros que são réus ou investigados na Justiça.

Voltando ao morubixaba de aldeia que não nasceu para ser presidente, mas para ser militar — como disse há coisa de um ano, numa evidente paráfrase ao general João Figueiredo, o último ditador, que disse (litteris): “estou fazendo uma força desgraçada para ser político, mas não sei se vou me sair bem: no fundo o que gosto mesmo é de clarim e de quartel“ —, resta saber por que cargas d’água Bolsonaro age assim. Eu mesmo já desenvolvi uma porção de teorias, mas nenhuma delas me pareceu satisfatória.

No livro “POR DENTRO DA MENTE DE BOLSONARO”, o psicanalista Tales Ab'Sáber — autor de Em Lulismo, carisma pop e cultura anticrítica (2011), Dilma Rousseff e o ódio político (2015) e Michel Temer e o fascismo comum (2018) — afirma que o capitão sempre foi rigorosamente coerente, embora nem sempre tenha se expressado com clareza devido a sua linguagem falha, que precisa ser escondida ao máximo do debate público.

Aliás (e agora sou eu quem diz), o atentado em Juiz de Fora a um mês do primeiro turno funcionou como um poderoso cabo eleitoral, pois não só manteve Bolsonaro sob os holofotes da mídia, como justificou sua ausência nos debates, evitando que seu total despreparo aflorassem em toda sua plenitude, o que poderia afugentar boa parte do eleitorado (isso no primeiro turno, porque no segundo os brasileiros de bem teriam votado no próprio Pazuzu para impedir o retorno do lulopetismo ao poder).

Discursando — seja lendo, seja de improviso — Bolsonaro encanta tanto quanto um burro peidando, a não ser para sua claque amestrada. Em contrapartida, Ciro Gomes, a exemplo do demiurgo de Garanhuns, domina com maestria a arte da oratória. Seus discursos inflamados, vertidos em linguagem rasteira, soam como música aos ouvidos do eleitorado mais carente e menos esclarecido. Um debate entre os dois antes do segundo turno teria sepultado a candidatura do capitão das trevas, o que poderia ser complicado, dependendo de quem fosse escalado para enfrentar a marionete de Lula no embate final.

Observação: Deixo bem claro que não estou endossando a estapafúrdia teoria de Lula (de que o atentado contra Bolsonaro não passou de uma farsa). O ex-presidente ladrão tem o péssimo hábito de medir os demais pela própria régua. Ao acusar Bolsonaro de encenação, o molusco certamente pensou no que faria se estivesse no lugar do adversário. Como fez no "atentado" contra sua caravana do petista no Paraná, em maio de 2018, e no traque de festim que teria “explodido” na porta dos fundos do Instituto Lula, incidentes que os petistas encheram de fermento, sovaram, deixaram triplicar de tamanho para só então servir à imprensa cumpanhêra.

Para concluir esta lengalenga — afinal, já falei demais para uma segunda-feira, véspera do feriado de Tiradentes e em meio a uma quarentena compulsória que está deixando meio mundo louco (a outra metade já enlouqueceu), saliento que qualquer coisa pode ser dita de Bolsonaro, menos que ele tenha enganado alguém a respeito de quem realmente é. Para reforçar meu ponto de vista, reproduzo a seguir algumas pérolas produzidas pelo presidente quando ele ainda dava expediente no parlamento:

Sou contra os direitos humanos sim;
Sou a favor da tortura sim;
Desprezo homossexuais e quero que eles sejam discriminados sim;
Este país não tem solução por meio de uma ordem democrática não, eu fecharia o Congresso no dia seguinte que chegasse ao poder e mataria trinta mil pessoas de esquerda, a começar por Fernando Henrique Cardoso;
O erro da ditadura foi torturar e não matar;
Somos um país cristão, não existe essa historinha de estado laico não, vamos fazer o Brasil para as maiorias, as minorias têm que se curvar às maiorias ou simplesmente desaparecer;
Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre, botar esses picaretas para correr; se gosta tanto da Venezuela, essa turma tem que ir para lá.

Observação: Para se deleitar com ensinamentos mais recentes, proferidos pelo capitão depois que ele se aboletou no Palácio do Planalto, clique aqui e aqui.  

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

SOBRE LULA, JUSCELINO E BOLSONARO

Dentre outras asnices, Lula já se autodeclarou “a alma viva mais honesta do Brasil” e se autopromoveu de ser humano a “uma ideia”. A primeira gabolice saiu da boca do sapo quando ele já era réu em pelo menos seis processos; a segunda, depois que o TRF-4 ratificou sua condenação e a 13ª Vara Federal do Paraná expediu o competente mandado de prisão.

Em meio a um circo midiático que teve início na sexta-feira, 6 de abril de 2018, e só terminou na noite do sábado, o molusco falastrão declamou um trecho do célebre “I Have a Dream”, de Martin Luther King, e, com a expressão bestificada de um beato em epifania — ou de quem exagerou na manguaça —, sentenciou: "Não sou mais um ser humano, sou uma ideia." No mês passado, em mais um desvario, a má ideia teve o desplante de se comparar (de novo) a Juscelino Kubitschek.

Surtos psicótico-megalômanos são café-pequeno para quem tem o ego inflado como um Zeppelin. Grande mesmo é a cara de pau do falastrão, gabola e provinciano, que odeia leituras e culpa os adversários pelas adversidades, mas é misericordioso com bandidos de estimação, a quem tudo perdoa.

Sem jamais ter sequer folheado uma biografia que não a própria, o egun mal despachado não faz a menor ideia de quem foi Juscelino. Mas apresentava-o como exemplo a seguir e, mais adiante, passou a se achar superior a ele. Esse traço comum se destaca na diminuta lista de semelhanças. Bem mais extensa é a relação das diferenças, todas profundas, algumas abissais. 

Da feita que se tornou político, o pernambucano desempregado que deu certo passou a mirar as próximas eleições; o mineiro de Diamantina pensava nas futuras gerações.  

O petralha ama ser presidente, mas seria irretocavelmente feliz se pudesse presidir o país sem administrá-lo. Bom de conversa e ruim de serviço, detesta reuniões de trabalho ou audiências com ministros das áreas técnicas e escapa sempre que pode do tedioso expediente no Palácio do Planalto.  

JK amava exercer a Presidência, administrava o país com volúpia e paixão — e a chama dos visionários lhe incendiava o olhar ao contemplar canteiros de obras que o populista petista visita para falatórios eleitoreiros, demonstrando tratar com prazer de política, enquanto seu paradigma tratava também de política com prazer.

O país primitivo dos anos 50 pareceu moderno já no dia da posse de JK. Cinco anos depois, ficara mesmo. O otimista incontrolável inventou Brasília, rasgou estradas onde nem trilhas havia, implantou a indústria automobilística, antecipou o futuro. Cometeu erros, claro. Compôs parcerias condenáveis, fechou os olhos à cupidez das empreiteiras, não enxergou o dragão inflacionário. Mas o conjunto da obra é amplamente favorável.

Com JK, o Brasil viveu a Era da Esperança, mas tornou-se primitivo quando Lula ganhou a eleição. Oito anos depois, ficou mesmo. Mas Lula estava bem no retrato, reiteraram os institutos de pesquisa. Fazia sentido. Primeiro, porque milhões de brasileiros inscritos no Bolsa-Família estavam gratos à esperteza que os reduziu a dependentes da esmola federal. Depois, e sobretudo, porque o advento da Era da Mediocridade tornou o país mais jeca, mais brega, menos exigente, menos altivo.

Nos anos 50, o governo e a oposição eram conduzidos pelos melhores e mais brilhantes. O povo mereceu um presidente como JK. No Brasil de Lula, mandaram os medíocres. O grande rebanho de devotos teve o pastor que mereceu. E continua merecendo, a julgar pelos desqualificados designados, no primeiro escrutínio, para disputar Planalto no segundo turno das eleições passadas. E pela alternativa que restou aos eleitores mais esclarecidos para impedir que o PT e seus satélites e apaniguados retornassem e, com seu apetite pantagruélico, devorassem até a última migalha do Erário.

O capitão cloroquina disse com todas as letras que não nasceu para ser presidente, mas para ser militar. O último presidente general da ditadura militar disse algo parecido: "Estou fazendo uma força desgraçada para ser político, mas não sei se vou me sair bem: no fundo o que gosto mesmo é de clarim e de quartel". Aliás, Figueiredo disse ainda que preferia o cheiro dos cavalos ao do povo e, perguntado por uma criança o que ele faria se fosse criança e seu pai ganhasse salário-mínimo, respondeu de bate-pronto que “daria um tiro no coco.

Mas o mau militar e parlamentar medíocre que despacha atualmente no Palácio do Planalto tomou gosto por morar às margens do Paranoá e jamais desceu do palanque. A despeito dos mais de 100 mil cadáveres empilhados bem debaixo de seu nariz por essa maldita pandemia, suas prioridades são sobreviver a um improvável — mas não impossível — processo impeachment e se reeleger em 2022. Com coronavoucher, chapéu de cangaceiro e tudo.

Em ritmo de campanha antecipada, o mito dos bolsomínions passou a tratar o Nordeste como uma extensão dos jardins do Alvorada. Entre 31 de julho e 17 de agosto ele visitou os estados da Bahia, Piauí e Sergipe. Na região Norte, esteve no Pará, e deve voar amanhã para o Rio Grande do Norte. 

Tudo somado e subtraído, em menos de um mês nosso indômito capitão terá desfilado suas “pretensões reeleitorais” cinco vezes aos eleitores das duas regiões mais petistas do país. As incursões coincidem com a alta de sua popularidade, que se deve — conforme eu mencionei nesta postagem — ao vale corona de R$ 600 que o governo tem pago desde abril aos brasileiros que enfrentam a pandemia em situação de vulnerabilidade.

Bolsonaro associa o socorro emergencial a uma agenda de inaugurações de obras e proselitismo político. Entregou uma usina termoelétrica na cidade de Barra dos Coqueiros (SE); inaugurou um sistema de abastecimento de água em Campo Alegre de Lourdes (BA); visitou o Parque Nacional da Serra da Capivara (PI) e entregou a primeira parte da obra de modernização do porto de Belém (PA). Entregará títulos de legalização de terras no Vale do Açu (RN) e visitará obras hídricas.

Durante a campanha, o candidato Bolsonaro jurou que não disputaria um segundo mandato; segundo ele, a reeleição tem sido "péssima" para o país, pois os governantes "se endividam, fazem barbaridade, dão cambalhota" para se reeleger. Eleito e empossado, o presidente Bolsonaro esquivou-se a pegar em lanças pelo fim da reeleição, alegando que cabe ao Congresso promover uma reforma que lime esse instituto do ordenamento jurídico. Oxalá seu entusiasmo com as pesquisas não o impeça de lembrar do que aconteceu com a economia do Brasil quando Dilma deu suas cambalhotas.

Político que não ambiciona o Poder vira alvo, mas político que só ambiciona o Poder arrisca-se a errar o alvo. Sobretudo quando não percebe que a única ambição verdadeiramente útil na antessala de uma crise econômica é a ambição de trabalhar.

Com Augusto Nunes e Josias de Souza

sexta-feira, 24 de outubro de 2025

MENTIRAS QUE SOAM VERDADEIRAS

É MELHOR UM FIM HORROROSO DO QUE UM HORROR SEM FIM.  

A maioria de nós já ouviu dizer que avestruzes enterram a cabeça na areia quando estão assustados, que preguiças são preguiçosas, que porcos são sujos, que golfinhos estão sempre sorrindo, que elefantes nunca esquecem, que Lula foi absolvido e que Bolsonaro foi condenado injustamente. Só que nada disso é verdade. 


No que tange aos avestruzes, as fêmeas colocam a cabeça no buraco que usam como ninho para virar os ovos várias vezes durante o dia — se realmente enterrassem a cabeça para não ver o perigo, como diz a lenda, as pobres aves morreriam asfixiadas. 


As preguiças se movem devagar porque seu metabolismo as obriga a economizar energia, e como não andam sobre as solas dos pés, mas se arrastam com suas longas garras, sua locomoção nas árvores e no solo é lenta e desajeitada. Por outro lado, elas se movem velozmente na água e dormem cerca de 10 horas por dia — bem menos que os gatos e outros animais domésticos.


Os porcos são animais naturalmente asseados. Eles defecam longe de onde comem, dormem e acasalam, mas, como não conseguem suar, refrescam-se chafurdando na lama — o que lhes dá a aparência de sujos. Por outro lado, é impossível manter-se limpo quando se vive confinado num chiqueiro pequeno, superlotado e imundo.


Os golfinhos são brincalhões e parecem sorrir porque o formato de suas mandíbulas cria essa ilusão. Mas são incapazes de mudar de expressão, e podem ser surpreendentemente desagradáveis e traiçoeiros, chegando a atacar outros mamíferos marinhos e até pessoas quando se sentem ameaçados.


Os elefantes possuem o maior cérebro entre os mamíferos terrestres. Seu lobo temporal — extremamente desenvolvido — permite memorizar cheiros, vozes, lugares, hierarquias, vínculos familiares e comandos de voz. Eles são capazes de reconhecer outros elefantes — e até humanos — após décadas de separação, bem como de manter relações complexas dentro da manada, que a matriarca conduz por rotas migratórias antigas, guiada por lembranças de locais com água e comida.


Assim como afirmar que “os elefantes não esquecem” é uma simplificação poética embasada na ciência, dizer que os eleitores brasileiros fazem, a cada dois anos, por ignorância, o que Pandora fez uma única vez por curiosidade, é uma simplificação poética embasada na mitologia grega.


Celebrizada pelo jornalista Ivan Lessa, a máxima segundo a qual os brasileiros esquecem, a cada 15 anos, o que aconteceu nos últimos 15, ilustra a quintessência da falta de memória — ou de preparo — do nosso eleitorado. Aliás, em momentos distintos da ditadura, Pelé e o ex-presidente João Figueiredo alertaram para o risco de misturar brasileiros e urnas em eleições presidenciais. Ambos foram muito criticados, mas como contestá-los, se lutamos tanto pelo direito de votar para presidente e elegemos gente como Lula, Dilma e Bolsonaro?


Em 135 anos de história republicana, 35 brasileiros foram alçados à Presidência pelo voto popular, eleição indireta, linha sucessória ou golpe de Estado. Em agosto de 1961, a renúncia de Jânio Quadros ladrilhou o caminho para o golpe de 1964, que depôs João “Jango” Goulart do Palácio do Planalto e deu início a duas décadas de ditadura militar.


Em 1989, depois de 29 anos sem votar para presidente e podendo escolher entre Ulysses Guimarães, Mário Covas e Leonel Brizola — de um cardápio com mais de 20 postulantes — a plebe ignara preferiu despachar Collor e Lula para o segundo turno. O caçador de marajás de mentirinha derrotou o desempregado que deu certo por 683.920 a 215.177 votos válidos, provando que memória histórica e senso crítico não são pré-requisitos para exercer o direito de voto.


Collor foi empossado em março de 1990 e penabundado em dezembro de 1992. Em 1994, graças ao bem-sucedido Plano Real, Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda de Itamar Franco, elegeu-se presidente no primeiro turno. Picado pela “mosca azul”, comprou a PEC da Reeleição.


Como quem parte, reparte e não fica com a melhor parte é burro ou não tem arte, o tucano de plumas vistosas renovou seu mandato no ano seguinte — novamente no primeiro turno. Mas não há nada como o tempo para passar. Em 2002, sem novos coelhos para tirar da velha cartola, não conseguiu eleger seu sucessor: Lula derrotou José Serra por 61,27% a 38,73% dos votos válidos.


Em 2006, apesar do escândalo do mensalão, o petista venceu Geraldo Alckmin por 60,83% a 39,17% dos votos válidos. Em 2010, visando manter aquecida a poltrona que tencionava disputar dali a quatro anos, fez eleger um “poste” — Dilma Rousseff —, que pegou gosto pelo poder, fez o diabo para se reeleger, entrou em curto-circuito e foi desligada em 2016, pondo fim a 13 anos e fumaça de lulopetismo corrupto.


Com o impeachment da mulher sapiens, Michel Temer passou de vice a titular do cargo. Num primeiro momento, a troca de comando pareceu alvissareira. Depois de mais de uma década ouvindo garranchos verbais de um semianalfabeto e frases desconexas de uma destrambelhada que não sabia juntar sujeito e predicado, ter um presidente que sabia falar — até usando mesóclises — foi como uma lufada de ar fresco numa catacumba. Mas há males que vêm para o bem e bens que vêm para pior.


O prometido “ministério de notáveis” revelou-se uma notável agremiação de corruptos, e a “ponte para o futuro”, uma patética pinguela. Depois que sua conversa de alcova com Joesley Batista veio a lume, Temer pensou em renunciar, mas foi demovido por sua tropa de choque.


Escudado das flechadas de Janot pelas marafonas da Câmara, o nosferatu que tem medo de fantasma concluiu seu mandato-tampão como pato manco e transferiu a faixa para um mix de mau militar e parlamentar medíocre travestido de outsider antissistema, que se tornou o pior mandatário tupiniquim desde Tomé de Souza.


Para provar que era amigo do mercado e obter o apoio dos empresários, o estadista que sempre acreditou em Estado grande e intervencionista e lutou por privilégios para corporações que se locupletam do Estado há décadas, foi buscar Paulo Guedes..


Para provar que era inimigo da corrupção e obter o apoio da classe média, o deputado adepto das práticas da baixa política, amigo de milicianos, que em sete mandatos aprovou apenas dois projetos e passou por oito partidos diferentes, todos de aluguel, foi buscar Sérgio Moro. 


Para obter o apoio das Forças Armadas, o oficial de baixa patente, despreparado, agressivo e falastrão, condenado por insubordinação e indisciplina e enxotado da corporação, foi buscar legitimidade numa penca de generais saudosos da ditadura.


Bolsonaro obrigou Moro a reverter uma nomeação, tomou-lhe o Coaf, forçou-o a substituir um superintendente da PF e esnobou seu projeto contra a corrupção. O ex-juiz fingiu que não viu, tentou negociar e, por fim, desembarcou do governo para tentar salvar o pouco prestígio que lhe restava.


Bolsonaro desautorizou Guedes, interferiu em seu ministério, sabotou seus projetos e, com o Centrão, enterrou de vez a agenda econômica. A maneira como gerenciou a pandemia de Covid foi catastrófica. Os crimes comuns e de responsabilidade cometidos pelo aspirante a genocida só ficaram impunes graças à leniência de Rodrigo Maia e Arthur Lira, que presidiram a Câmara durante sua gestão, e à cumplicidade de Augusto Aras, seu antiprocurador-geral.


Bolsonaro jamais escondeu a admiração pela ditadura militar e a vocação para o autoritarismo. Em 2019, poucos meses após a posse, reconheceu que não nasceu para ser presidente, mas para ser militar, embora tenha passado menos anos no Exército do que na política e, ao longo de 27 anos no baixo clero da Câmara, tenha apresentado 172 projetos, relatado 73 e aprovado apenas dois.


Na eleição de 2014, ao ver o poste de Lula derrotar o neto corrupto de Tancredo, Bolsonaro resolveu disputar a Presidência “com a cara da direita”. Ignorado pelo PP, que apoiou a campanha de Dilma, lançou seu ultimato: “Ou o partido sai da latrina ou afunda de vez”. Graças à Lava-Jato, a sigla afundou de vez. Graças à sua pregação antipetista, Bolsonaro renovou seu mandato como deputado mais votado do Rio de Janeiro, saltando de 120,6 mil votos em 2010 para 464,5 mil em 2014.


Derrotado em 2022 graças à sua nefasta gestão, Bolsonaro pôs em marcha a tentativa de golpe que lhe rendeu a condenação a 27 anos e 3 meses de prisão, além do pagamento de multa e indenização. O acórdão publicado na terça-feira (22) abriu o prazo de cinco dias para a interposição de embargos de declaração e de 15 dias para embargos infringentes.


Os embargos de declaração servem apenas para pedir esclarecimentos sobre o texto do acórdão — nada de rediscutir o mérito. Já os embargos infringentes permitiriam um novo julgamento no plenário, mas o Supremo já decidiu em outros casos que eles só são admissíveis quando há pelo menos dois votos favoráveis à absolvição — condição que, adivinhe, não se aplica à condenação do ex-presidente. Ele cumpre prisão domiciliar desde agosto e pode ser enviado ao Complexo Penitenciário da Papuda antes do final do ano.


Há males que o tempo cura, males que vêm para pior e males que pioram com o passar dos anos. Lula 3.0 é uma reedição piorada das versões 1 e 2 e, como nada é tão ruim que não possa piorar, o macróbio quer, porque quer, disputar a reeleição em 2026 — para nossa alegria (risos nervosos).


Vale lembrar que o ministro Fachin tomou a decisão teratológica de anular as condenações de Lula em caráter eminentemente processual. Como o mérito não foi analisado, o ex-presidiário não foi absolvido. Em outras palavras, o ministro agiu como um delegado que manda soltar um criminoso porque ele foi preso em flagrante pela Guarda Civil Metropolitana, e não pela Polícia Militar. Mesmo assim, o macróbio eneadáctilo alega que foi inocentado — e sua claque amestrada acredita.


As consequências da inconsequência do eleitorado tupiniquim são lamentadas todos os dias, inclusive por quem abriu a Caixa de Pandora achando que estava escolhendo o menor de dois males — o que só se justificaria se não houvesse outra opção. Tanto em 2018 quanto em 2022 havia alternativas; só não viu quem não quis ou não conseguiu, porque sofre do pior tipo de cegueira, que é a mental.

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Reza uma velha (e filosófica) anedota que quando Deus estava distribuindo benesses e catástrofes naturais pelo mundo recém-criado, um anjo apontou para o que seria futuramente o Brasil e perguntou: Senhor, por que brindas essa porção de terra com clima ameno, praias e florestas deslumbrantes, grandes rios e belos lagos, mas não desertos, geleiras, vulcões, furacões ou terremotos? E o Criador respondeu: Espera para ver o povinho filho da puta que vou colocar lá.


Resumo da ópera:


Bolsonaro foi eleito em 2018 graças ao antipetismo, mas a emenda ficou pior que o soneto. Sua nefasta passagem pelo Planalto resultou na “descondenação” de Lula e culminou com seu terceiro mandato, que vem se revelando pior do que os anteriores. E a possibilidade de ele se reeleger é assustadoramente real, mesmo porque, ironicamente, seu maior cabo eleitoral é Bolsonaro — e seus filhos despirocados, claro.


Se Sérgio Moro não tivesse trocado a magistratura pelo ministério da Justiça no desgoverno do capetão, é possível que a Lava-Jato ainda estivesse ativa e operante, e Lula ainda estivesse cumprindo pena em Curitiba, na Papuda ou no diabo que o carregue. Tanto ele quanto Bolsonaro são cânceres que evoluíram para metástases e, portanto, se tornaram inoperáveis. Mais cedo ou mais tarde, a Ceifadora livrará o Brasil desse mal. Até lá, a abjeta polarização seguirá a todo vapor — a menos que uma “terceira via” surja e se consolide ao longo do ano que vem.


Políticos incompetentes e/ou corruptos que ocupam cargos eletivos não brotam nos gabinetes por geração espontânea; se estão lá, é porque foram eleitos por ignorantes polarizados, que brigam entre si enquanto a alcateia de chacais se banqueteia e ri da cara deles — e dos nossos, de brinde.


Einstein teria dito que o Universo e a estupidez humana são infinitos, mas salientou que, no tocante ao Universo, ele ainda não tinha 100% de certeza. Alguns aspectos de suas famosas teorias não sobreviveram à passagem do tempo, mas sua percepção da infinitude da estupidez humana deveria ser bordada com fios de ouro nas asas de uma borboleta e pendurada no hall de entrada do Congresso.


Não há provas de que boas ações produzam bons resultados. A lei do retorno é mera cantilena para dormitar bovinos, mas insistir no mesmo erro esperando produzir um acerto é a melhor definição de imbecilidade que conheço, e más escolhas inevitavelmente geram péssimas consequências — como temos visto a cada eleição presidencial desde 2002.


Triste Brasil.