Em 2012, assistimos estarrecidos (mas esperançosos) à condenação da alta cúpula do
Mensalão. Em 2016, livramo-nos de
Dilma, que afundou o Brasil na maior recessão da história republicana do país — e está prestes a perder o primeiro lugar no ranking para
Bolsonaro, mas isso é outra história.
Quanto ao poste de Lula, nenhuma surpresa: em fevereiro
de 1995, quando a paridade cambial entre o real e o dólar favorecia
sobremaneira a importação e revenda de badulaques, a calamidade em forma de
gente faliu duas lojinhas tipo R$ 1,99 que havia montado em Porto Alegre e
batizado com o sugestivo nome de “Pão & Circo” — que remete a uma
estratégia romana destinada a entreter a plebe ignara, insatisfeita com os
excessos do Império.
Comercializar quinquilharias baratas deveria ser algo
trivial para alguém que, 15 anos depois, se apresentaria aos eleitores como a
“gerentona” capaz de manter o Brasil no rumo do desenvolvimento. O problema,
para Dilma e seus três sócios, é que a futura presidente cuidou da contabilidade da empresa como lidaria mais adiante com as finanças do
País: em julho de 1996 seu comercio já não existia mais.
Para começar, a loja foi aberta sem que os donos soubessem
ao certo o que seria comercializado ali. Às favas o planejamento — primeiro
passo para criação de qualquer negócio que se pretenda lucrativo. A empresa foi
registrada para vender de tudo um pouco a preços módicos, entre bijuterias,
confecções, eletrônicos, tapeçaria, livros, bebidas, tabaco e até flores
naturais e artificiais. Mas Dilma acabou apostando no comércio
de brinquedos para crianças, em especial os “Cavaleiros do Zodíaco”.
Os artigos revendidos pela Pão & Circo eram
importados de um bazar localizado no Panamá, para onde a grande
economista e a sócia e ex-cunhada Sirlei Araújo viajavam
regularmente para comprar os produtos. Apesar de a mercadoria custar barato, o
negócio era impopular — como Dilma se tornaria mais adiante.
Ao abrir a vendinha, a mulher sapiens não levou em conta que “o
olho do dono engorda o porco”, e só aparecia por lá eventualmente, preferindo
dar ordens e terceirizar as tarefas do dia a dia — como fez ao delegar a
economia ao ministro Joaquim Levy e a política ao vice Michel
Temer — até este desistir da função dizendo-se boicotado pelo (então)
ministro-chefe da Casa Civil Aloizio Mercadante.
Na sociedade da Pão & Circo, o equivalente
a Mercadante era Carlos Araújo, ex-marido de Dilma,
que a aconselhava sobre como turbinar as vendas, mas era tão inepto quanto a
futura chefa da Casa Civil e presidenta do Conselho de Administração da
Petrobrás no governo de Lula demonstrou ser na negociata de
Pasadena. Mesmo assim, a empresária de festim teve uma carreira meteórica: sem
saber atirar, virou modelo de guerrilheira; sem ter sido vereadora, virou
secretária municipal; sem passar pela Assembleia Legislativa, virou
secretária de Estado; sem estagiar no Congresso, virou ministra; sem ter
inaugurado nada de relevante, virou estrela de palanque; sem jamais ter tido um
único voto na vida até 2010, virou presidente de país.
Observação: Até os pedalinhos do Sítio
Santa Bárbara, em Atibaia, sabiam desde sempre que Lula institucionalizou
a corrupção no Brasil. E quem não sabia ficou sabendo quando o procurador Deltan
Dallagnol apresentou à imprensa um PowerPoint tosco,
mas elucidativo, demonstrando que o picareta dos picaretas era o comandante
máximo da ORCRIM. Dilma foi o maior erro tático que o
petista cometeu em sua trajetória política. Dias atrás, ele próprio disse em
entrevista à CBN que não pretende incluir a nefelibata da mandioca em sua campanha à Presidência
nem em um eventual futuro governo. A obviedade chapada dos motivos dispensa maiores considerações.
Arrogante, pedante, intransigente e mouca à voz da razão, Dilma montou uma arapuca para si mesma, mas levou de embrulho tanto os inconsequentes que a reconduziram ao Planalto quanto a parcela pensante dos brasileiros. Num monumental estelionato eleitoral, sua alteza irreal preços administrados, aumentou gastos com programas eminentemente eleitoreiros e “pedalou” a mais não poder. Somado à irresponsabilidade fiscal, seu apetite eleitoral aumentou o inchaço da máquina pública e resultou na falência do Estado — para se ter uma ideia, enquanto a Casa Branca contava com 468 servidores, o Palácio do Planalto contabilizava 4.487 funcionários.
Em setembro de 2015, nove meses depois do início da segunda (e ainda mais funesta) gestão da estocadora de vento, o Orçamento já acumulava um rombo de R$ 30 bilhões — algo nunca visto até então. Era o começo do fim: a despeito de as pedaladas fiscais terem sido o “motivo oficial” da deposição, a petista foi expelida do cargo pelo conjunto de sua obra e por sua absoluta falta de traquejo no trato com o Parlamento.
Num primeiro momento, a troca de comando foi como uma lufada de ar fresco numa catacumba. O novo presidente sabia até falar! Considerando que passáramos 13 anos ouvindo os garranchos verbais de um semianalfabeto e as frases desconexas de uma destrambelhada que não era capaz de juntar sujeito e predicado numa frase que fizesse sentido, ter um mandatário que usava até mesóclises era um refrigério.
Embora fosse impossível consertar o país da noite para o dia, Temer conseguiu debelar a inflação (que rodava pelos 10% quando ele assumiu), reduzir de maneira “responsável” a Selic e aprovar a PEC do Teto dos Gastos e a Reforma Trabalhista. Mas seu ministério de notáveis revelou-se uma notável agremiação de corruptos — que foram caindo à razão de um por mês.
O primeiro a cair foi Romero Jucá, o “Caju”, que deixou o Ministério do Planejamento uma semana após a nomeação — só que continuou no governo, ocupando uma secretaria criada especialmente para preservar seu direito ao foro privilegiado. Na sequência, demitiram-se ou foram demitidos Fabiano Silveira, Henrique Eduardo Alves, Geddel Vieira Lima e mais meia dúzia de ministros e/ou assessores de primeiro escalão. Temer moveu mundos e fundo$ para preservar Eliseu Padilha, o “Primo”, e Wellington Moreira Franco, o “Angorá”, que o ajudavam a comandar “a quadrilha mais perigosa do Brasil”, como disse Joesley em entrevista à revista Época.
Livramo-nos de Dilma, mas herdamos Michel
Temer, que jamais conquistou a simpatia dos brasileiros. E nem poderia,
tendo sido vice de quem foi e presidido o PMDB por 15 anos. Após
o julgamento do impeachment, a imprensa publicou vários artigos acusando o
procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava-Jato em
Curitiba, de defender um “direito autoritário, próprio das tiranias” e a
“relativização do direito de defesa”. Curiosamente, esses mesmos
veículos de comunicação não manifestaram a mesma preocupação quando a petista era
presidente. Coisas do Brasil.
Em fevereiro de 2017 o partido de Temer
indicou Edison Lobão para presidir a CCJ do Senado,
numa evidente estratégia de frear os avanços da operação anticorrupção. Lobão era defensor ferrenho da anistia ao caixa 2
e crítico figadal das delações premidas (uma das principais ferramentas
da força-tarefa), e dizia que acordos de colaboração haviam virado “um
inquérito universal” e poderiam levar o Brasil à “tirania”. Para
surpresa de ninguém, partidos investigados se empenharam em bloquear um
eventual terceiro mandato de Janot e a possível escolha de alguém
próximo a ele para chefiar a PGR.
Mesmo com a podridão aflorando no seu entorno, o presidente seguia
adiante, levando a Nau dos Insensatos pelas águas revoltas da crise como um
timoneiro experimentado. Sob seu comando, dizia, o Brasil chegaria são e salvo
às próximas eleições e seria entregue fortalecido ao próximo dirigente.
A coisa até funcionou durante algum tempo, a despeito da pecha da ilegitimidade — uma falácia petista,
pois quem votou em Dilma votou na chapa; como vice da anta, Temer não
só era seu substituto eventual como encabeçava a linha sucessória presidencial. O que ele fez para ser promovido a titular e o fato de seu governo ter
degringolado já é outra conversa.
Mas o nosferatu que jurou que não
interferiria na Lava-Jato, que afastaria quem fosse denunciado e exoneraria
quem se tornasse réu deu um salvo-conduto aos
assessores citados nas delações, pois precisava deles para blindar o governo. Só que faltou combinar com os russos, ou melhor, com Joesley Batista:
Em maio de 2017, Temer foi abatido em seu voo de galinha pela delação
premiada do moedor de carne bilionário e de outros seis altos executivos
da JBF/J&F.
Nossa história recomenda darmos mais atenção à figura do vice-presidente. Em 15 de novembro de
1889, um golpe militar capitaneado pelo marechal Deodoro da Fonseca apeou D.
Pedro II do trono e substituiu a monarquia constitucionalista pela
república presidencialista. Deodoro presidiu o país até 1891,
quando então "foi convidado a renunciar" e substituído pelo vice — o também marechal Floriano Peixoto —, que concluiu o mandato-tampão e foi sucedido por Prudente
de Moraes, que entrou para a história não só como o primeiro civil a
presidir o país, mas também como o primeiro presidente eleito pelo voto direto.
Seria pedir demais aos eleitores brasileiros — que raramente
se lembram em que votaram para deputado — analisarem cuidadosamente a
composição das chapas que disputam a Presidência, mas o fato é que nove vices
terminaram os mandatos de seus titulares: Floriano Peixoto, Nilo
Peçanha, Delfim Moreira, Café Filho, João Goulart, José
Sarney, Itamar Franco e Michel Temer.
Claro que, não fossem os vices, outros sucessores e outras
formas de sucessão haveria, mas seria oportuno questionar a real necessidade da
figura do vice nos tempos atuais. Para o reserva é ótimo: a vice-presidência
rende palácio à beira do lago, diversas mordomias e, em caso de infortúnio do
titular, até a Presidência. Para o país, no entanto, essa peça serve apenas
para decoração, quando não para conspirar contra o titular, como fez Michel
Temer.
Filho imigrantes libaneses, Michel Miguel Elias Temer
Lulia nasceu em Tietê (SP), graduou-se em Direito pela USP,
atuou como advogado trabalhista e lecionou na PUC-SP e
na Faculdade de Direito de Itu antes de ingressar na vida
pública como oficial de gabinete de Ataliba
Nogueira, então secretário de Educação do governo de São Paulo. Em 1981,
filiou-se ao PMDB (hoje MDB); em 1983, foi nomeado
procurador-geral do Estado de São Paulo pelo então governador Franco
Montoro; no ano seguinte, assumiu a Secretaria de Segurança Pública de
São Paulo; dois anos depois, disputou uma vaga na Câmara Federal, conseguiu uma
suplência e assumiu a cadeira do deputado licenciado Tidei de Lima,
tornando-se constituinte.
Ao longo de seis mandatos, Temer presidiu a Câmara em
1997, 1999 e 2009 e o PMDB de 2001 até o final de 2010, quando se
licenciou do cargo para assumir a vice-presidência da República. Em maio de
2016, quando Dilma foi afastada, passou de “vice decorativo” a
presidente interino e acabou efetivado no cargo em agosto, depois que a titular
foi devida e definitivamente defenestrada.
Continua...