Mostrando postagens classificadas por data para a consulta MOSCA AZUL. Ordenar por relevância Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por data para a consulta MOSCA AZUL. Ordenar por relevância Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 24 de outubro de 2025

MENTIRAS QUE SOAM VERDADEIRAS

É MELHOR UM FIM HORROROSO DO QUE UM HORROR SEM FIM.  

A maioria de nós já ouviu dizer que avestruzes enterram a cabeça na areia quando estão assustados, que preguiças são preguiçosas, que porcos são sujos, que golfinhos estão sempre sorrindo, que elefantes nunca esquecem, que Lula foi absolvido e que Bolsonaro foi condenado injustamente. Só que nada disso é verdade. 


No que tange aos avestruzes, as fêmeas colocam a cabeça no buraco que usam como ninho para virar os ovos várias vezes durante o dia — se realmente enterrassem a cabeça para não ver o perigo, como diz a lenda, as pobres aves morreriam asfixiadas. 


As preguiças se movem devagar porque seu metabolismo as obriga a economizar energia, e como não andam sobre as solas dos pés, mas se arrastam com suas longas garras, sua locomoção nas árvores e no solo é lenta e desajeitada. Por outro lado, elas se movem velozmente na água e dormem cerca de 10 horas por dia — bem menos que os gatos e outros animais domésticos.


Os porcos são animais naturalmente asseados. Eles defecam longe de onde comem, dormem e acasalam, mas, como não conseguem suar, refrescam-se chafurdando na lama — o que lhes dá a aparência de sujos. Por outro lado, é impossível manter-se limpo quando se vive confinado num chiqueiro pequeno, superlotado e imundo.


Os golfinhos são brincalhões e parecem sorrir porque o formato de suas mandíbulas cria essa ilusão. Mas são incapazes de mudar de expressão, e podem ser surpreendentemente desagradáveis e traiçoeiros, chegando a atacar outros mamíferos marinhos e até pessoas quando se sentem ameaçados.


Os elefantes possuem o maior cérebro entre os mamíferos terrestres. Seu lobo temporal — extremamente desenvolvido — permite memorizar cheiros, vozes, lugares, hierarquias, vínculos familiares e comandos de voz. Eles são capazes de reconhecer outros elefantes — e até humanos — após décadas de separação, bem como de manter relações complexas dentro da manada, que a matriarca conduz por rotas migratórias antigas, guiada por lembranças de locais com água e comida.


Assim como afirmar que “os elefantes não esquecem” é uma simplificação poética embasada na ciência, dizer que os eleitores brasileiros fazem, a cada dois anos, por ignorância, o que Pandora fez uma única vez por curiosidade, é uma simplificação poética embasada na mitologia grega.


Celebrizada pelo jornalista Ivan Lessa, a máxima segundo a qual os brasileiros esquecem, a cada 15 anos, o que aconteceu nos últimos 15, ilustra a quintessência da falta de memória — ou de preparo — do nosso eleitorado. Aliás, em momentos distintos da ditadura, Pelé e o ex-presidente João Figueiredo alertaram para o risco de misturar brasileiros e urnas em eleições presidenciais. Ambos foram muito criticados, mas como contestá-los, se lutamos tanto pelo direito de votar para presidente e elegemos gente como Lula, Dilma e Bolsonaro?


Em 135 anos de história republicana, 35 brasileiros foram alçados à Presidência pelo voto popular, eleição indireta, linha sucessória ou golpe de Estado. Em agosto de 1961, a renúncia de Jânio Quadros ladrilhou o caminho para o golpe de 1964, que depôs João “Jango” Goulart do Palácio do Planalto e deu início a duas décadas de ditadura militar.


Em 1989, depois de 29 anos sem votar para presidente e podendo escolher entre Ulysses Guimarães, Mário Covas e Leonel Brizola — de um cardápio com mais de 20 postulantes — a plebe ignara preferiu despachar Collor e Lula para o segundo turno. O caçador de marajás de mentirinha derrotou o desempregado que deu certo por 683.920 a 215.177 votos válidos, provando que memória histórica e senso crítico não são pré-requisitos para exercer o direito de voto.


Collor foi empossado em março de 1990 e penabundado em dezembro de 1992. Em 1994, graças ao bem-sucedido Plano Real, Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda de Itamar Franco, elegeu-se presidente no primeiro turno. Picado pela “mosca azul”, comprou a PEC da Reeleição.


Como quem parte, reparte e não fica com a melhor parte é burro ou não tem arte, o tucano de plumas vistosas renovou seu mandato no ano seguinte — novamente no primeiro turno. Mas não há nada como o tempo para passar. Em 2002, sem novos coelhos para tirar da velha cartola, não conseguiu eleger seu sucessor: Lula derrotou José Serra por 61,27% a 38,73% dos votos válidos.


Em 2006, apesar do escândalo do mensalão, o petista venceu Geraldo Alckmin por 60,83% a 39,17% dos votos válidos. Em 2010, visando manter aquecida a poltrona que tencionava disputar dali a quatro anos, fez eleger um “poste” — Dilma Rousseff —, que pegou gosto pelo poder, fez o diabo para se reeleger, entrou em curto-circuito e foi desligada em 2016, pondo fim a 13 anos e fumaça de lulopetismo corrupto.


Com o impeachment da mulher sapiens, Michel Temer passou de vice a titular do cargo. Num primeiro momento, a troca de comando pareceu alvissareira. Depois de mais de uma década ouvindo garranchos verbais de um semianalfabeto e frases desconexas de uma destrambelhada que não sabia juntar sujeito e predicado, ter um presidente que sabia falar — até usando mesóclises — foi como uma lufada de ar fresco numa catacumba. Mas há males que vêm para o bem e bens que vêm para pior.


O prometido “ministério de notáveis” revelou-se uma notável agremiação de corruptos, e a “ponte para o futuro”, uma patética pinguela. Depois que sua conversa de alcova com Joesley Batista veio a lume, Temer pensou em renunciar, mas foi demovido por sua tropa de choque.


Escudado das flechadas de Janot pelas marafonas da Câmara, o nosferatu que tem medo de fantasma concluiu seu mandato-tampão como pato manco e transferiu a faixa para um mix de mau militar e parlamentar medíocre travestido de outsider antissistema, que se tornou o pior mandatário tupiniquim desde Tomé de Souza.


Para provar que era amigo do mercado e obter o apoio dos empresários, o estadista que sempre acreditou em Estado grande e intervencionista e lutou por privilégios para corporações que se locupletam do Estado há décadas, foi buscar Paulo Guedes..


Para provar que era inimigo da corrupção e obter o apoio da classe média, o deputado adepto das práticas da baixa política, amigo de milicianos, que em sete mandatos aprovou apenas dois projetos e passou por oito partidos diferentes, todos de aluguel, foi buscar Sérgio Moro. 


Para obter o apoio das Forças Armadas, o oficial de baixa patente, despreparado, agressivo e falastrão, condenado por insubordinação e indisciplina e enxotado da corporação, foi buscar legitimidade numa penca de generais saudosos da ditadura.


Bolsonaro obrigou Moro a reverter uma nomeação, tomou-lhe o Coaf, forçou-o a substituir um superintendente da PF e esnobou seu projeto contra a corrupção. O ex-juiz fingiu que não viu, tentou negociar e, por fim, desembarcou do governo para tentar salvar o pouco prestígio que lhe restava.


Bolsonaro desautorizou Guedes, interferiu em seu ministério, sabotou seus projetos e, com o Centrão, enterrou de vez a agenda econômica. A maneira como gerenciou a pandemia de Covid foi catastrófica. Os crimes comuns e de responsabilidade cometidos pelo aspirante a genocida só ficaram impunes graças à leniência de Rodrigo Maia e Arthur Lira, que presidiram a Câmara durante sua gestão, e à cumplicidade de Augusto Aras, seu antiprocurador-geral.


Bolsonaro jamais escondeu a admiração pela ditadura militar e a vocação para o autoritarismo. Em 2019, poucos meses após a posse, reconheceu que não nasceu para ser presidente, mas para ser militar, embora tenha passado menos anos no Exército do que na política e, ao longo de 27 anos no baixo clero da Câmara, tenha apresentado 172 projetos, relatado 73 e aprovado apenas dois.


Na eleição de 2014, ao ver o poste de Lula derrotar o neto corrupto de Tancredo, Bolsonaro resolveu disputar a Presidência “com a cara da direita”. Ignorado pelo PP, que apoiou a campanha de Dilma, lançou seu ultimato: “Ou o partido sai da latrina ou afunda de vez”. Graças à Lava-Jato, a sigla afundou de vez. Graças à sua pregação antipetista, Bolsonaro renovou seu mandato como deputado mais votado do Rio de Janeiro, saltando de 120,6 mil votos em 2010 para 464,5 mil em 2014.


Derrotado em 2022 graças à sua nefasta gestão, Bolsonaro pôs em marcha a tentativa de golpe que lhe rendeu a condenação a 27 anos e 3 meses de prisão, além do pagamento de multa e indenização. O acórdão publicado na terça-feira (22) abriu o prazo de cinco dias para a interposição de embargos de declaração e de 15 dias para embargos infringentes.


Os embargos de declaração servem apenas para pedir esclarecimentos sobre o texto do acórdão — nada de rediscutir o mérito. Já os embargos infringentes permitiriam um novo julgamento no plenário, mas o Supremo já decidiu em outros casos que eles só são admissíveis quando há pelo menos dois votos favoráveis à absolvição — condição que, adivinhe, não se aplica à condenação do ex-presidente. Ele cumpre prisão domiciliar desde agosto e pode ser enviado ao Complexo Penitenciário da Papuda antes do final do ano.


Há males que o tempo cura, males que vêm para pior e males que pioram com o passar dos anos. Lula 3.0 é uma reedição piorada das versões 1 e 2 e, como nada é tão ruim que não possa piorar, o macróbio quer, porque quer, disputar a reeleição em 2026 — para nossa alegria (risos nervosos).


Vale lembrar que o ministro Fachin tomou a decisão teratológica de anular as condenações de Lula em caráter eminentemente processual. Como o mérito não foi analisado, o ex-presidiário não foi absolvido. Em outras palavras, o ministro agiu como um delegado que manda soltar um criminoso porque ele foi preso em flagrante pela Guarda Civil Metropolitana, e não pela Polícia Militar. Mesmo assim, o macróbio eneadáctilo alega que foi inocentado — e sua claque amestrada acredita.


As consequências da inconsequência do eleitorado tupiniquim são lamentadas todos os dias, inclusive por quem abriu a Caixa de Pandora achando que estava escolhendo o menor de dois males — o que só se justificaria se não houvesse outra opção. Tanto em 2018 quanto em 2022 havia alternativas; só não viu quem não quis ou não conseguiu, porque sofre do pior tipo de cegueira, que é a mental.

.

Reza uma velha (e filosófica) anedota que quando Deus estava distribuindo benesses e catástrofes naturais pelo mundo recém-criado, um anjo apontou para o que seria futuramente o Brasil e perguntou: Senhor, por que brindas essa porção de terra com clima ameno, praias e florestas deslumbrantes, grandes rios e belos lagos, mas não desertos, geleiras, vulcões, furacões ou terremotos? E o Criador respondeu: Espera para ver o povinho filho da puta que vou colocar lá.


Resumo da ópera:


Bolsonaro foi eleito em 2018 graças ao antipetismo, mas a emenda ficou pior que o soneto. Sua nefasta passagem pelo Planalto resultou na “descondenação” de Lula e culminou com seu terceiro mandato, que vem se revelando pior do que os anteriores. E a possibilidade de ele se reeleger é assustadoramente real, mesmo porque, ironicamente, seu maior cabo eleitoral é Bolsonaro — e seus filhos despirocados, claro.


Se Sérgio Moro não tivesse trocado a magistratura pelo ministério da Justiça no desgoverno do capetão, é possível que a Lava-Jato ainda estivesse ativa e operante, e Lula ainda estivesse cumprindo pena em Curitiba, na Papuda ou no diabo que o carregue. Tanto ele quanto Bolsonaro são cânceres que evoluíram para metástases e, portanto, se tornaram inoperáveis. Mais cedo ou mais tarde, a Ceifadora livrará o Brasil desse mal. Até lá, a abjeta polarização seguirá a todo vapor — a menos que uma “terceira via” surja e se consolide ao longo do ano que vem.


Políticos incompetentes e/ou corruptos que ocupam cargos eletivos não brotam nos gabinetes por geração espontânea; se estão lá, é porque foram eleitos por ignorantes polarizados, que brigam entre si enquanto a alcateia de chacais se banqueteia e ri da cara deles — e dos nossos, de brinde.


Einstein teria dito que o Universo e a estupidez humana são infinitos, mas salientou que, no tocante ao Universo, ele ainda não tinha 100% de certeza. Alguns aspectos de suas famosas teorias não sobreviveram à passagem do tempo, mas sua percepção da infinitude da estupidez humana deveria ser bordada com fios de ouro nas asas de uma borboleta e pendurada no hall de entrada do Congresso.


Não há provas de que boas ações produzam bons resultados. A lei do retorno é mera cantilena para dormitar bovinos, mas insistir no mesmo erro esperando produzir um acerto é a melhor definição de imbecilidade que conheço, e más escolhas inevitavelmente geram péssimas consequências — como temos visto a cada eleição presidencial desde 2002.


Triste Brasil.


sexta-feira, 8 de agosto de 2025

SOBRE SAUDADE, SAUDOSISMO E ALIENAÇÃO.

HÁ QUE EXTIRPAR O CARCINOMA ANTES QUE SE TORNE METÁSTASE.

A palavra saudade (do latim solitas, que significa solidão) não é exclusiva da língua portuguesa. No inglês, homesickness equivale a saudades de casa, e to miss expressa o sentimento de falta de alguém. Expressões com significados semelhantes existem no espanhol — te extraño —, no francês — j’ai regret — e no alemão — Ich vermisse —, mas saudade ficou em 7º lugar entre as palavras mais difíceis de traduzir, segundo a Today Translations. 

 

Sentir saudades de algo bom que se foi é saudável, mas romantizar um passado que nunca existiu é caso de internação. Dizer que a vida era melhor quando não havia Internet nem celulares é cultuar o retrocesso, e almejar a volta da ditadura militar é passar recibo de que Einstein estava certo sobre a infinitude da estupidez humana e José Saramago, sobre o pior tipo de cegueira ser a mental.

 

Em "O Alienista", a obsessão de um psiquiatra por definir o limite entre sanidade e loucura acaba aprisionando toda uma cidade. Ao final, a única pessoa racional é o próprio alienista, que se condena como o único alienado. No mundo real, só a falta de manicômios por que tantos eleitores que expeliram o cérebro na primeira evacuação repetem a cada dois anos, nas urnas, o que Pandora fez com sua caixa uma única vez. 

 

Em momentos distintos da ditadura militar, Pelé e o general Figueiredo alertaram para o risco de misturar brasileiros com urnas em eleições presidenciais. Como ninguém os levou a sério, a vitória Collor sobre Lula na eleição de 1989 — a primeira pelo voto direto desde 1960 — resultou em um dos piores governos desde Tomé de Souza. Com impeachment do pseudocaçador de marajás, o vice Itamar Franco passou a titular, e o sucesso do Plano Real assegurou a vitória de Fernando Henrique em 1994.

 

O tucano de plumas vistosas foi o mais próximo de um estadista que presidiu o Brasil desde a redemocratização, mas sucumbiu à mosca azul e se tornou mentor, fomentador e primeiro beneficiário da PEC da Reeleição, abrindo espaço para Lula e Dilma se reelegerem. Michel Temer terminou seu mandato tampão a duras penas e não concorreu à reeleição; Bolsonaro disputou, foi derrotado e partiu para o golpe — que só não prosperou por falta de apoio das Forças Armadas.

 

Bolsonaro iniciou sua trajetória militar em 1973, mas deixou a caserna pela porta lateral depois que a revista Veja revelou que ele e outro capitão pretendiam explodir bombas em instalações militares como forma de pressionar o comando por melhores salários. Eles foram condenados por unanimidade, mas o STM os absolveu por 9 votos a 4 (mais detalhes em O Cadete e o Capitão: A Vida de Jair Bolsonaro no Quartel). Depois de deixar a caserna pela porta lateral, o futuro presidente golpista foi vereador e sete vezes deputado federal, passou por nove partidos (todos do Centrão) e acabou no PL do ex-mensaleiro e ex-presidiário Valdemar Costa Neto, onde disse estar se sentindo em casa

 

A despeito de não passar de projeto mal-ajambrado de mau militarparlamentar medíocre e admirador confesso da ditadura, ele derrotou Haddad em 2018 porque a parcela pensante do eleitorado rejeitou a ideia de ter no Planalto um bonifrate do então presidiário mais famoso do Brasil. Mas emenda ficou pior que o soneto. Bolsonaro conspirou contra o Estado Democrático de Direito em manifestações, motociatas e outros atos de cunho eminentemente golpista. Em 2021, durante um comício em Santa Catarina, referiu-se ao ministro Barroso — então presidente do TSE — como "aquele filho da puta". Discursando nas festividades de 7 de Setembro, levou seus apoiadores ao delírio xingando Moraes de canalha e afirmando que descumpriria as decisões do magistrado. 

 

Se o Brasil fosse uma democracia que se desse ao respeito, Bolsonaro teria sido impichado e processado criminalmente. Mas Rodrigo Maia e Arthur Lira engavetaram mais de 140 pedidos de impeachment, e o antiprocurador-geral Augusto Aras fez o mesmo com dezenas de denúncias por crimes comuns. Para piorar, sua indigesta gestão resultou na "descondenação" de Lula, que o derrotou em 2022. Evitar que um mandatário negacionista, sociopata e aluado se perpetuasse no poder era imperativo, mas eleger Lula era opcional — era "reconduzir o criminoso à cena do crime" (como disse Geraldo Alckmin quando ainda era tucano).  

 

Mas o que esperar de um país onde 29% da população com idades entre 15 e 64 anos é composta de analfabetos funcionais? Onde não se investe em educação porque povo ignorante é mais fácil de manipular com promessas assistencialistas, como Bolsa Família e assemelhadas? Povo instruído não se contenta com circo medíocre nem troca facilmente o voto por saco de cimento, vale gás ou selfie com seu bandido de estimação. Manter o rebanho ignorante é fundamental quando se governa com promessas vazias, slogans publicitários e programas que, em vez de emancipar, amarram.

 

Isso explica por que os brasileiros se dividem entre um ex-presidiário e um psicopata genocida de viés golpista. Mesmo inelegível até 2030 e com uma condenação esperando para acontecer, o "mito" segue liderando a extrema-direita, que o vê como um ex-presidente de mostruário perseguido por um algoz que, entre outras "injustiças", decretou sua prisão domiciliar. Também explica por que o Congresso está apinhado de parlamentares fisiologistas e corruptos, que colocam os próprios interesse acima dos interesses de quem deveriam representar, e por que nosso país é governado como uma usina de processamento de esgoto, onde a merda entra pela porta das urnas e sai reciclada, mas ainda como merda, na posse do novo governante. 

 

Quem observa o Congresso de longe fica com a impressão de que Câmara e Senado viraram hospícios, e quem vê de perto descobre que o manicômio é momentaneamente administrado pelos loucos. Entre os espasmos que marcaram a volta das férias — Bolsonaro em prisão domiciliar e seu filho posando de herói da resistência democrática —, surge a maior das excentricidades: amotinada nos plenários das duas Casas, a facção bolsonarista exige a aprovação de um "pacote da paz" — que, trocando em miúdos, seria um pacote "salva-Bolsonaro, já que busca uma lei ou emenda constitucional para um indivíduo certo. Além da anistia, a sem-vergonhice inclui o impeachment de Moraes e o fim do foro privilegiado, com a anulação do julgamento da trama golpista no Supremo e a transferência do caso para a primeira instância do Judiciário, onde tudo voltaria à estaca zero. Tudo em nome da democracia, naturalmente. 

 

É improvável que eles consigam deter a condenação de Bolsonaro em setembro, mas Hugo Motta só conseguiu voltar à mesa da presidência da Câmara na noite de quarta-feira, após longa negociação com a oposição mediada por seu antecessor, Arthur Lira. Segundo o deputado bolsonarista Sóstenes Cavalcante, o presidente da Câmara se comprometeu a colocar em pauta os projetos da anistia e o que coloca fim ao foro privilegiado. Num abraço de afogados, Motta levou junto o presidente do Senado, Davi Alcolumbre. 

 

A anistia "é o esquecimento de uma ou mais infrações criminais" — ou seja, extingue totalmente a punição e os seus efeitos — e pode ser concedida antes de uma condenação. Com uma eventual anistia a crimes comuns e eleitorais, Bolsonaro sairia "zero quilômetro", pronto para concorrer à próxima eleição presidencial — mais ou menos como o STF fez com Lula ao anular suas condenações). Mas vale destacar que anistia tem natureza de lei penal, sendo da competência do Congresso Nacional. Como lei, dependerá de sanção do presidente da República — a menos que saia pela via da emenda constitucional. Por ter natureza de lei, a anistia é interpretada e aplicada pelo Poder Judiciário. E aí o buraco é mais embaixo.

 

No que tange ao processo criminal referente às imputações criminosas de golpe de Estado, atentado violento ao estado democrático de Direito, associação criminosa etc., muito já se discutiu sobre o foro competente. Alegou-se que, sem o manto da presidência nem cargo parlamentar, Bolsonaro não deveria ser julgado pelo STF. Mas a corte chamou a competência para si em razão de se tratar de imputações de crimes contra o Estado nacional e a sua constituição. Foro é matéria processual e, como tal, não se aplica retroativamente. Caso o STF condene Bolsonaro antes de uma eventual alteração legislativa processual, a decisão terá plena validade. 

 

Desde que assumiu o mandato presidencial, Bolsonaro preparou um golpe de Estado para se perpetuar no poder. A intentona não prosperou, mas o golpismo progrediu e passou a atacar a soberania nacional com condutas no estrangeiro a cargo do filho Eduardo, que convenceu Trump — seja por carta barganhando pela impunidade do pai, seja pelo tarifaço e pela arbitrária aplicação da Lei Magnitsky — a se imiscuir em nossas questões, a despeito da Carta das Nações Unidas, que garante a soberania dos Estados nacionais e autodeterminação dos povos.

 

Por tudo isso, nem com anistia, borrachas, deslocamentos de foros e alegadas nulidades e abusos, os democratas deverão jogar a toalha em favor de tiranos de plantão, que vão prosseguir com o esforço para salvar Bolsonaro, nem que isso custe colocar o Congresso e o país em polvorosa. Tiranos são tão perversos que Tomás de Aquino, doutor e santo da Igreja, defendeu a legitimidade do tiranicídio.

 

Resumo da ópera: Tudo visto e examinado, fica evidente  que o culpado por esse e outros descalabros é do populacho que o Criador designou para a porção de terra que viria a ser o país do futuro que nunca chega porque tem um imenso passado pela frente. Com um povo que tem bandidos de estimação, que reconduz criminosos à cena do crime, que canta o hino nacional para pneu de trator, envia sinais de celular para ETs e atende prontamente quando convocado para defender a anistia de um golpista, país nenhum pode dar certo.


Triste Brasil.

segunda-feira, 28 de julho de 2025

SOBRE LUIZ FUX, O NÚCLEO GOLPISTA E "OTRAS COSITAS MÁS"

DEBATES ENTRE PESSOAS RAZOÁVEIS NÃO GERAM CONFLITOS, GERAM NOVAS IDEIAS. 

Depois que um golpe de Estado (o primeiro de muitos) substituiu a monarquia parlamentarista do Império pelo presidencialismo republicano, em 1889, mais de três dúzias de brasileiros ocuparam a Presidência. Fernando Henrique foi o mais próximo de um estadista que tivemos desde a "redemocratização" — lembrando que a renúncia de Jânio, em 1961, pavimentou o caminho para o golpe de 1964 e os subsequentes 21 anos de ditadura. Mas Lord Acton ensinou que o poder corrompe, e FHC, que ninguém resiste à picadura da mosca azul. 

 

Em 1997, o tucano de plumas vistosas comprou a PEC da reeleição e, rezando pelo catecismo de Geraldo Vandré — segundo o qual "quem sabe faz a hora, não espera acontecer" —, derrotou Lula já no primeiro turno do pleito de 1998. Mas faltaram-lhe novos coelhos para tirar da velha cartola e, quatro anos depois, o petista venceu José Serra, levando o PT ao poder. A partir de então, o Brasil passou a ser governado como uma usina de processamento de esgoto: a merda entra pela porta das urnas e muda de aparência, mas o que sai na posse do novo governante continua sendo merda — reciclada, mas ainda merda. 

 

Não que a coisa fosse melhor em outro momento da nossa história. A sementinha da corrupção foi plantada em Pindorama nos idos 1500, quando, em sua famosa carta, Pero Vaz de Caminha pediu ao rei D. Manuel que intercedesse por seu genro. Trezentos anos depois, o país passou de colônia a reino-unido, mas somente porque a família real portuguesa se desabalou para o Rio de Janeiro para fugir de Napoleão Bonaparte. Nossa independência — paga a peso de ouro — foi proclamada por D. Pedro I enquanto esvaziava os intestinos, e a Proclamação da República, despida do glamour que lhe atribuem os livros de História, não passou de um golpe de Estado político-militar (o primeiro de muitos, como dito anteriormente). 

 

Até o início do século XIX, nosso país não tinha uma corte constitucional. A "Casa da Suplicação do Brasil" foi criada em 1808, mas a função de corte suprema só se solidificaria 1829, com a criação do "Supremo Tribunal de Justiça" — que passou a se chamar "Supremo Tribunal Federal" com a proclamação da República. Hoje, além do papel de corte composicional, cabe ao Supremo processar agentes públicos com foro especial por prerrogativa de função e julgar recursos extraordinários contra decisões de outros tribunais. Mas aquela conversa de que juízes são isentos, apolíticos e apartidários não passa de cantilena para dormitar bovinos. Os magistrados não só tomaram gosto pela política — e quem conquista poder político não abre mão dele facilmente — como também sucumbiram à nefasta polarização, que dividiu o país em duas abjetas facções.

 

Mesmo estando inelegível e contando os dias que faltam para sua mais que provável condenação, Bolsonaro continua fazendo pose de candidato. Ao pressionar a banda podre da Câmara a aprovar uma insana proposta de anistia, o golpista confessa por vias tortas os crimes que jura não ter cometido. Como se não bastasse, seu filho Eduardo atua como articulador das sanções impostas pela Casa Branca ao país que, como deputado por São Paulo (que também elegeu Tiririca para quatro mandatos consecutivos), é pago para defender. 

 

Dias atrás, o filho do pai estendeu sua abjeta chantagem aos presidentes da Câmara e do Senado: se Motta não levar à pauta de votações da Câmara o projeto que anistia aos golpistas e Alcolumbre engavetar o pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes — renovado dias atrás pelo senador das rachadinhas, panetones e mansões milionárias Eduardo Bolsonaro —, poderão ter seus vistos de entrada nos EUA cassados, a exemplo do que aconteceu com oito dos onze ministros do STF.

 

O ex-ministro Sepúlveda Pertence definiu o Supremo como "um arquipélago de 11 ilhas", mas a politização ficou mais evidente em 2019, quando seis dos onze membros da Corte mudaram a jurisprudência sobre a prisão em segunda instancia, ensejando a "volta do criminoso à cena do crime” — como bem observou o hoje vice-presidente Geraldo Alckmin quando ainda era tucano. 

 

Gilmar Mendes — a verdadeira "herança maldita" de FHC — defendia a Lava-Jato com unhas e dentes, mas virou a casaca depois que a Vaza-Jato denegriu a imagem do ex-juiz Sergio Moro, do ex-procurador Deltan Dallagnol e de outros integrantes do braço paranaense da força-tarefa, embora seu "crime hediondo" tenha sido combater corrupção sistêmica e pôr na cadeia bandidos travestidos de executivos das maiores empreiteiras do país e políticos ímprobos de altíssimo coturno. 

 

Dias Toffoli — que ganhou a suprema toga graças aos "bons serviços prestados" como advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, consultor jurídico da Central Única dos Trabalhadores (CUT), assessor jurídico do PT e do ex-ministro José Dirceu e subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil sob Lula, a despeito de ter sido reprovado em dois concursos para juiz de primeira instância em São Paulo —, vem fazendo das tripas coração para reconquistar as boas graças de Lula com decisões teratológicas que visam claramente favorecer os "amigos do rei". 

 

Indicado por Lula para o Supremo a pedido da então primeira-dama, Ricardo Lewandowski retribuiu a gentileza durante o julgamento do Mensalão, no qual atuou mais como defensor dos réus do que como julgador. No impeachment de Dilma, ele e o senador Renan Calheiros urdiram uma tramoia para evitar que a mulher sapiens tivesse seus direitos político suspensos.

 

E por aí segue a procissão.

 

Em seu artigo 1º, a Constituição Cidadã anota que "a República Federativa do Brasil [...] constitui-se em Estado Democrático de Direito" e tem como primeiro fundamento "a soberania". O parágrafo único desse mesmo artigo estabelece que "todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente". Já no primeiro inciso do artigo 3º, o Regimento Interno da Câmara explicita que é dever do deputado federal "promover a defesa do interesse público e da soberania nacional". Na prática, porém, a teoria costuma ser outra.

 

Morando nos EUA e exercendo em tempo integral a atividade de traidor da pátria, Eduardo Bolsonaro rasga a Carta Magna, sapateia sobre o regimento da Câmara e desonra os 741 mil votos que obteve do eleitorado paulista em 2022. Mas não é só: a falta de posicionamento dos dirigentes do Congresso sobre o pedido de cassação do traíra injeta na conjuntura brasiliense uma vergonha convulsiva: quando alguém precisa tomar uma decisão e não toma, está decidindo não fazer nada, e nada, no caso do deputado, é uma palavra que já ultrapassa tudo. Ou Congresso expurga o personagem dos seus quadros, tornando-o inelegível, ou se desmoraliza junto com ele.

 

A coação exercida sobre o STF por Trump em parceria com a Famiglia Bolsonaro já justificaria a prisão preventiva do chefe do clã, mas Moraes "morde e assopra", evitando confundir o necessário com o excessivo, sobretudo depois que seu colega Luiz Fux votou contra as medidas cautelares impostas ao capetão (dizem que o fez para não ter seus visto de entrada nos EUA cassado, como já aconteceu com oito de seus pares). Vale destacar que não foi a primeira vez que ele divergiu do relator e de seus colegas da Primeira Turma. Durante a análise da denúncia da PGR, o ministro levantou dúvidas sobre a delação de Mauro Cid e a competência da Turma para julgar Bolsonaro e seus cúmplices (que, segundo ele, seria da primeira instancia do Judiciário ou, na pior das hipóteses, dos 11 ministros da Corte). 

 

Diz um ditado que "só não muda de opinião quem já morreu", mas causa espécie que o ministro "punitivista" que apoiou o relator (Joaquim Barbosa) na condenação da maioria dos réus da ação penal 470 (vulgo "Processo do Mensalão") e se tornou um dos principais defensores da Lava-Jato tenha dado um "cavalo de pau" digno dos melhores filmes de ação, aliando-se à corrente "garantista", que prioriza a proteção dos direitos fundamentais dos réus. 

 

Embora concorde com as condenações pela trama golpista, Fux tem acatado alguns argumentos dos acusados, e comenta-se à boca pequena que ele continuará nessa linha, como forma de "garantir a moderação no STF". No julgamento da cabeleireira Débora dos Santos, que ficou conhecida por pichar com batom a frase "Perdeu, mané" na estátua da Justiça, Moraes propôs 14 anos de prisão, mas Fux sugeriu um ano e seis meses, arrancando elogios de Michelle Bolsonaro.

 

No fim de março, durante o julgamento da denúncia da PGR contra o grupo principal da trama golpista — encabeçado por Bolsonaro —, Fux foi o único a abraçar o argumento da defesa no sentido de que o foro indicado para conduzir as investigações seria primeira instância do Judiciário, e não no STF. Derrotado por seus pares, ele acabou votando pelo recebimento da denúncia, que foi aceita por unanimidade. No mesmo julgamento, afirmou ser contrário à ideia de punir a tentativa de golpe como se fosse um crime consumado. Defendeu a necessidade de diferenciar os atos preparatórios da execução do crime e levantou dúvidas sobre a legalidade da delação de Mauro Cid. As observações renderam elogios da defesa de Bolsonaro.

 

No depoimento de Cid ao STF, Fux fez perguntas que foram elogiadas por Eduardo Bolsonaro — em suas redes sociais, o filho do pai escreveu: "Urgente! Fux desmontou o castelo de areia com duas perguntas." Nos depoimentos de testemunhas do chamado núcleo crucial, foi o único —além do relator — a comparecer às sessões e fazer questionamentos nas oitivas. E a expectativa é que ele continue apresentando contrapontos às discussões, assumindo de maneira informal o papel de "ministro revisor", personificado por Lewandowski no julgamento do Mensalão, mas extinto em 2023 por uma alteração no Regimento Interno da Corte. 

 

As ideias que Fux defende atualmente contrastam com julgamentos penais do passado. Após sua brilhante atuação no Mensalão, o ministro defendeu a Lava-Jato mesmo depois que a Vaza-Jato expôs uma "suposta relação espúria" de Sergio Moro com os procuradores de Curitiba. Em abril de 2021, Fux se posicionou contra a anulação das condenações impostas a Lula pela 13ª Vara Federal de Curitiba. Em junho de 2022, quando presidia o STF, disse que a anulação foi resultado da análise de questões formais: "Ninguém pode esquecer que ocorreu no Brasil, no Mensalão, na Lava-Jato."

 

Fux intensificou sua relação com Bolsonaro a partir de setembro de 2020, quando assumiu a presidência do STF. No mês seguinte, recebeu o então mandatário para uma "visita de cortesia" que durou cerca de 45 minutos. Bolsonaro elogiou a decisão de Fux de manter preso um dos líderes do PCC, solto por determinação do (hoje aposentado) ministro Marco Aurélio. Sua atitude provocou irritação do colega — até porque não é praxe um ministro suspender a decisão de outro.

No dia seguinte ao encontro, Bolsonaro concedeu a Fux a Ordem de Rio Branco em seu mais alto nível, o grau de Grã-Cruz.

 

Coincidência ou não, os únicos ministros do STF que não tiveram seus vistos revogados pelo secretário de Estado dos EUA foram os bolsonaristas André Mendonça e Nunes Marques... e Luiz Fux — indicado para o tribunal por Dilma em 2011.

 

Aguardemos, pois, os próximos capítulos de mais esse emocionante folhetim tupiniquim.