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quarta-feira, 3 de abril de 2024

DANDO NOME AOS BOIS (PARTE 5)


Há tempos que o Brasil vem sendo governado como uma usina de processamento de esgoto, onde a merda entra por um lado (pela porta das urnas), muda de aparência, troca de nome, recebe nova embalagem e sai como merda pelo outro (com a posse do novo governante). E o que mais poderia sair num país onde eleitores endeusam políticos em vez de cobrá-los e defenestrar os que mijam fora do penico? Onde políticos se elegem para roubar, roubam para se reeleger e criam leis que beneficiam os criminosos em detrimento dos cidadãos de bem?
 
Observação: Cito como exemplo o fim da prisão em segunda instância, decretado pelo plenário do STF com o voto de minerva de seu então presidente — o advogado petista que ganhou a toga de Lula em 2009, depois de ter sido reprovado em dois concursos para Juiz de Direito —, que, aliás, continua prestando bons serviços ao país, empurrando com um pedido de vista a prisão de Fernando Collor — que foi finalmente condenado 8 anos e 10 meses de reclusão —, anulando todas as provas obtidas com o acordo de leniência firmado pela Odebrecht e suspendendo o pagamento da multa de R$ 8,5 bilhões (como ele já havia com a multa de R$ 10 bi imposta à J&F).
 
Um pedido de vista do partido Novo interrompeu a votação do parecer do relator Darci de Matos sobre a prisão preventiva do deputado Chiquinho Brazão. Com o adiamento, a "fervura" deve baixar, aumentado as chances de soltura do encrencado (para que o parlamentar continue preso, são necessários os votos de pelos menos 257 dos 513 deputados). Por conta de mais esse imbróglio, o STF começou a julgar na última sexta-feira (29) o endurecimento das do foro privilegiado dos parlamentares. No momento em que escrevo este texto, falta 1 voto para formar maioria pela manutenção da prerrogativa mesmo após o fim dos mandatos ou nos casos de renúncia, não reeleição ou cassação 

Pelo critério atualmente em vigor, os inquéritos contra Bolsonaro não deveriam (em tese) estar sob a pena de Alexandre de Moraes. Mas basta mais um voto para virar pó a alegação da defesa de que as encrencas estreladas por seu cliente — da falsificação dos cartões de vacina à tentativa de golpe — devem descer da cobertura para o térreo do Judiciário, com todo o horizonte de recursos protelatórios que os réus costumam manejar para evoluir da primeira instância até o Éden da prescrição. 
 
Em momentos distintos da ditadura militar, Pelé — o eterno rei do futebol — e o general Figueiredo — o ex-presidente-ditador que preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo — alertaram para o perigo de misturar brasileiros com urnas em eleições presidenciais. O tempo provou que eles estavam certos: dos cinco presidentes eleitos pelo voto direto desde a redemocratização, dois foram impichados — e só não foram três graças a conivência de Rodrigo Maia e a cumplicidade de Arthur Lira.
 
Nossa democracia lembra aquelas fotos antigas de reis africanos que imitavam os trajes, trejeitos e enfeites dos governantes de nações mais evoluídas, mas não aprendiam suas virtudes. Na fotografia, o Brasil aparece como uma democracia de Primeiro Mundo, não passa de uma cópia barata e malsucedida do artigo legítimo. As eleições são subordinadas a todo tipo de patifaria, começando pelo voto obrigatório, passando pelo horário eleitoral obrigatório no rádio e na tv e pelas deformações propositais que entopem a Câmara Federal com políticos das regiões que têm menor número de eleitores. 
 
Políticos demagogos e corruptos não brotam em seus gabinetes por geração espontânea, se estão lá, é porque foram votados (ao menos em tese). Mas o que esperar de um eleitorado formado majoritariamente por gente ignorante, desinformada e lobotomizado pela polarização disseminada pelo ex-retirante, ex-metalúrgico, ex-sindicalista, ex-presidiário e atual mandatário com seu deplorável "nós contra eles"? De uma horda de cegos mentais (o pior tipo de cegueira, como ensinou o Nobel de Literatura português José Saramago) repete os mesmos erros, eleição após eleição, na esperançada de obter um resultado diferente? 
 
Observação: Com a popularização da Internet e das redes sociais a mídia deixou de dominar as massas e passou a ser controlada por elas. Isso trouxe dois problemas: 1) as massas são despreparadas, ignorantes, rudes e perniciosas; 2) quando se dá voz a burros não se pode reclamar dos zurros. 
 
Os ministros do STF não são eleitos diretamente, mas o presidente responsável que os escolhe e os senadores que a chancelam sua indicação emergem das unas como a merda que brota de um cagadouro entupido. Aliás, há muito que esta banânia é governada como uma usina de processamento de esgoto, onde entra merda por um lado e sai merda pelo outro. E o que mais poderia sair? Entre a porta de entrada, aberta nas eleições, e a de saída, com a troca de comando, a merda muda de aparência e de nome e ganha nova embalagem, mas continua sendo merda.
 
Além de um eleitorado majoritariamente ignorante, desinformado e desinteressado — e contaminado pela polarização semeada por Lula com seu abjeto "nós contra eles" —, o Brasil tem uma Justiça Eleitoral que, em tese, deveria garantir eleições exemplares, mas, na prática, enseja a produção dos políticos mais ladrões do mundo, distribuídos por três dúzias de partidos cujo objetivo é encher as burras de seus caciques com a verba dos fundos partidário e eleitoral (que sai dos cofres públicos, ou seja, do dinheiro dos contribuintes) e, nos anos em que há eleições, bancar a "festa da democracia". 

Os direitos dos cidadãos representam a área mais notável das semelhanças entre a pseudodemocracia tupiniquim e os tais reis africanos que aparecem nas fotos-símbolo do colonialismo. Nunca houve tantos direitos escritos nas leis nem tão incompetente foi o poder público em mantê-los. Há uma recusa sistemática em combater o crime por parte de nove entre dez políticos com algum peso. Sob Bolsonaro, o "centrão" transformou a ocupação do Orçamento federal num processo de bolsonarização das instituições, e Lula, que escapou do mensalão e tropeçou no Petrolão, segue igualmente refém do Imperador da Câmara. 
 
Pode passar pela cabeça de alguém que existe democracia num país como esse?

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

A FESTA DA DEMOCRACIA

Numa democracia de respeito, a eleição presidencial pelo voto popular é a expressão suprema da soberania de seu povo. Não é o caso do Brasil, infelizmente. O eleitor tupiniquim, que jamais se notabilizou pela capacidade cognitiva, incorporou à desinformação e à ignorância que sempre nortearam seu comportamento nas urnas. 
 
Em momentos distintos da nossa história republicana, Pelé, o eterno rei do futebol, e João Figueiredo, o general-presidente que preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo, disseram que os brasileiros não estavam preparado para votar. Ambos foram muito criticados, mas o tempo demonstrou que eles estavam certos.
 
Está visto que, 
a exemplo do pleito presidencial de 2018, as eleições de outubro serão pautadas pelo fígado — isso se nossa democracia capenga sobreviver ao próximo 7 de setembro. A diferença é que as moscas mudaram de posição, mas a merda continua exatamente a mesma. E a volta do lulopetismo corrupto será um preço alto a ser pago pelo defenestramento do bolsonarismo boçal (reconheço que as alternativas não são grandes coisas, mas fazer sempre as piores escolhas é levar a burrice ao extremo).
 
A menos de um mês da comemoração dos 200 anos da Independência do Brasil (e a menos de dois meses do primeiro turno das eleições), Bolsonaro voltou a convocar os anormais a assistirem ao desfile que Marinha, Exército, Aeronáutica, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros farão em Copacabana. O prefeito do Rio disse que a parada será na Avenida Presidente Vargas, no Centro, mas resta saber se o poder municipal poderá impedir a passagem de uma força armada brasileira em território nacional.
 
No ano passado, o Dia da Independência foi marcado por discursos golpistas, e nada sugere que neste ano será diferente. E anotem aí: se o TSE não impugnar as candidaturas de Roberto Jefferson — que tem o plano de disputar o Palácio do Planalto! —, de Daniel Silveira — que mira o Senado —, de Eduardo Cunha — postulante à Câmara —; e de Wilson Witzel — que sonha voltar ao Palácio Guanabara —, é provável que essa escumalha receba votos pra caramba.
 
Josias de Souza anotou em sua coluna no UOL que Bolsonaro gosta de fazer pose de valente em ambientes domesticados, como o cercadinho do Alvorada, nas lives de quinta-feira e no escurinho das conversas privadas. Convidado a expor suas ideias em debates francos ou sob os holofotes de um estúdio como o da TV Globo, ele foge do contraditório por medo de encontrar algum fantasma escondido na claridade, e se junta ao primogênito para executar a coreografia da empulhação. 
 
Coordenador da campanha do pai, o Zero Um foi às redes sociais para anunciar que "a entrevista de Bolsonaro ao Jornal Nacional no dia 22 estava confirmada", mas era apenas mais uma fake news da família real. A Globo não aceitou a condição imposta pelo presidente, que exigiu que a sabatina ocorresse no Alvorada. 
 
Observação: Desde 2014, por uma questão de isonomia, a Vênus Platinada decidiu que só faria entrevistas com presidenciáveis nos estúdios da própria emissora. Informado, Bolsonaro encontrou o pretexto que procurava para criar caso. Mais adiante, acossado pela péssima repercussão da fuga, o capitão deu meia-volta e informou que aceita comparecer. A conferir.
 
Numa disputa que tem tudo para ser decidida entre um presidente e um ex-presidente, é fundamental questionar ambos sobre as principais contradições e lacunas de seus discursos nas redes sociais. Lula disse que só compareceria se o rival também aparecesse, pois temia restar como alvo único dos demais postulantes ao Planalto. Bolsonaro, por sua vez, jamais se sentiu confortável diante do escrutínio da imprensa e do confronto com rivais políticos. Nos dois únicos debates a que compareceu em 2018 — na Bandeirantes e na Rede TV! — ele se mostrou acuado e foi reativo diante dos questionamentos. Se tivesse aceitado o convite para os demais, teria sido feito picadinho pela oratória de Ciro Gomes, que acabou em terceiro lugar na disputa.
 
O Brasil vive um momento de crise político-institucional, provocada pela insistência do presidente em acossar os demais Poderes e contestar a transparência do processo eleitoral. Esse tema precisa ser objeto de entrevistas e debates em que Bolsonaro seja confrontado com os dados que insiste em distorcer em ambientes controlados. A Quaest mostra que é decrescente a aderência desse discurso, mesmo entre os apoiadores do capitão. Ainda assim, debates e entrevistas servirão para desmentir a falácia que, pela insistência e por partir da autoridade máxima do país, ainda sensibiliza uma parcela significativa da sociedade.
 
A pesquisa da Quaest revelou também que o lulopetismo é mais radical que o bolsonarismo: 51% dos sectários do ex-presidiário disseram “desgostar” ou “odiar” Bolsonaro (eram 58% em junho); ao passo que 32% dos baba-ovos do capetão disseram repudiar o petralha (eram 25% em junho). Eu considero ambos abomináveis, mas ninguém me perguntou nada.
 
Bolsonaro precisa ser questionado sobre sua gestão na pandemia e aspectos relevantes de seu governo, como a redução da transparência sobre investigações e dados, a escalada da devastação da Amazônia e a corrupção no Ministério da Educação. Lula, por sua vez, precisa discorrer sobre suas ainda ambíguas propostas para a economia — foco de boa parte da desconfiança a respeito de sua candidatura. Há nuances sobre o que ele pretende fazer — em relação ao teto de gastos e às novas regras trabalhistas — que vão da revogação completa a alterações até aqui não especificadas. E o debate sobre a Lava-Jato também precisa ser feito para além da narrativa.
 
É positivo que a imprensa se ofereça saídas para fomentar o debate, e que os candidatos acenem com a disposição de debater. Atualmente, a cobertura da campanha está refém de ameaças intoleráveis à democracia por um lado e de propostas apenas superficiais no campo programático pelo outro. 
Nada que ajude a récua de muares, digo, o eleitorado a votar olhando para o futuro em vez de simplesmente escolher o que considera o mal menor.

Triste Brasil! 

quarta-feira, 6 de abril de 2022

MAIS SOBRE O SALSEIRO DA TERCEIRA VIA E O GOVERNO IMPOLUTO DO CAPITÃO


O famigerado bloqueio criativo — que transforma a tela em branco com o cursor piscante no maior pesadelo de quem escreve — vem perdendo espaço para ansiedade produzida pela enxurrada de descalabros que os noticiários estampam um dia sim e no outro também. 


A péssima escolha que fizemos em 2018 (por absoluta falta de opção) para exorcizar o lulopetismo corrupto foi, em grande medida, o estopim dessa tragédia, mas é preciso lembrar que, noves foram os devotos da seita do inferno, ninguém imaginava que o bolsonarismo boçal poderia ser tão nefasto.

 

Torno a relembrar que maus agentes públicos não brotam em seus gabinetes por geração espontânea; só foram parar lá porque contaram como o aval do eleitorado. Vale conferir o que disseram Pelé —o eterno Rei do Futebol — e Figueiredo — o general-presidente que preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo — sobre o risco de misturar brasileiros e urnas em pleitos presidenciais. 


Churchill disse que a democracia é a pior forma de governo à exceção de todas as outras, mas anotou que o melhor argumento contra a democracia é uma conversa de cinco minutos com um eleitor mediano. 

 

A novela a que vimos assistindo desde meados da semana passada está assim: Sergio Moro e João Doria desistiram de disputar a Presidência e, ato contínuo, desistiram de desistir. Moro e Eduardo Leite tentam emplacar seus nomes para representar a terceira via liderando uma chapa presidencial que envolve o MDB, PSDB e União Brasil. Faltou combinar com Doria, mas tudo bem. 

 

Por enquanto, apenas Moro se pronunciou sobre o encontro — por meio de nota, ele disse que conversou com Leite sobre a "necessidade de união do centro”, que está sendo liderada no União Brasil por Luciano Bivar, presidente nacional da sigla. Ciro Gomes se recusa a participar dessas articulações; se não desistir no meio do caminho, o político cearense nascido em Pindamonhangaba (SP) disputará a Presidência pela quarta vez. 


A conferir.

domingo, 3 de abril de 2022

LULA LÁ DE NOVO OUTRA VEZ


O tempo em que Lula era o presidiário mais famoso do Brasil e Sergio Moro um herói nacional perdeu-se nas brumas da corrupção que assola o país desde a célebre carta que Pero Vaz de Caminha enviou ao rei de Portugal. A Lava-Jato, que era tida e havida como a mais bem sucedida operação saneadora da história, foi desmantelada pelo dublê de mau militar e parlamentar medíocre que elegemos por falta de opção à volta do lulopetismo corrupto. E a menos que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, a próxima eleição presidencial (que está cada vez mais próxima) será uma reprise da anterior, mas com os protagonistas em posições invertidas. 

A jugar pelas pesquisas, o lulopetismo corrupto deve derrotar o bolsonarismo boçal. Mas enquetes eleitoreiras não são 100% confiáveis. Até porque a maioria é encomendada a empresas que cobram caro para apresentar o resultado desejado pelos marqueteiros dos candidatos. Demais disso, se a eleição fosse um filme, o resultado das pesquisas seria apenas um frame que registrava o humor dos eleitores naquele exato momento.

Em 1980, quando Lula et caterva fundaram o PT, disseram tratar-se de um “partido diferente”, que não roubaria nem deixaria roubar. Anos depois, o Mensalão e o Petrolão demonstraram que não há santos na política, apenas corruptos em maior ou menor grau. 

Lula disputou (e perdeu) o governo de São Paulo em 1982, elegeu-se deputado federal em 1986 (e instruiu seu espúrio partido a não assinar a Constituição de 1988, de cuja elaboração ele participou). Disputou e perdeu as três eleições presidenciais seguintes — para Collor em 1989 e para FHC em 1994 em 1988 —, até que derrotou José Serra e 2002 e, a despeito do Mensalão, venceu Geraldo Alckmin em 2006. Em 2010, com a popularidade nos píncaros, empalou o Brasil com o “poste” que viria a derrotar Aécio Neves dali a quatro anos, no maior estelionato eleitoral pré-Bolsonaro

O impeachment da Dilma promoveu Michel Temer a titular, mas sua ponte para o futuro foi para a ponte que partiu depois que Lauro Jardim revelou sua conversa de alcova mui suspeita com certo moedor de carne bilionário. No Brasil, a corrupção desafia até a lei da gravidade, e o vampiro do Jaburu se equilibrou no Planalto — graças aos favores das marafonas da Câmara, que custaram bilhões de reais em verbas e emendas parlamentares  e terminou o mandato-tampão como um patético “pato-manco” (ermo cunhado pelos norte-americanos para designar políticos que terminam seus mandatos tão desgastados que até os garçons demonstram seu desprezo servindo-lhes café frio).

Lula se tronou réu em 20 ações criminais e foi condenado em duas por uma dezena de juízes de três instâncias do Judiciário — a mais de 25 anos de reclusão, mas deixou a cela VIP na PF de Curitiba depois de míseros 580 dias e foi reconduzido ao cenário político por um consórcio de magistrados que vestiram a suprema toga por cima da farda de militante. Agora, segundo as tais pesquisas, conta com a preferência de 171% dos eleitores. 

Nunca é demais lembrar que, em 2018, essas mesmas empresas de pesquisa deram como certa a derrota de Bolsonaro (em qualquer cenário, não importando quem fosse seu adversário no segundo turno) e a eleição de Dilma para o Senado. Acabou que o capitão derrotou o preposto do presidiário por uma diferença de quase 11 milhões de votos e a eterna nefelibata da mandioca amargou um humilhante quinto lugar.

Uma coisa é torcer pelo que se quer que aconteça e outra, bem diferente, é fazer previsões com base nos fatos. A única semelhança é que tanto uma quanto a outra podem não acontecer. Exijamos, pois, a união dos candidatos da assim chamada “terceira via”, que precisam deixar de lado o ego, a vaidade e a empáfia, descer do salto e se unir em torno de quem tiver mais chances de romper essa maldita polarização. 

Entre a volta de Lula e sua quadrilha e a permanência de Bolsonaro et caterva, resta-nos seguir a sugestão de Diogo Mainardi. O problema é que a maioria de nós vive no Brasil — e não na Itália, como é o caso do jornalista retrocitado —, situação em que a opção menos traumática talvez seja anular o voto ou simplesmente não dar as caras no dia da eleição.

Kim Kataguiri disse para a Folha que “não seria omissão, mas uma expressão do eleitorado (...) ter a maioria de votos nulos e brancos ou abstenção é mostrar que a maior parte da população rejeita os candidatos”. João Amoedo comparou o ato de decidir entre Bolsonaro e Lula a uma escolha entre morrer afogado ou com um tiro, e Vinicius Poit, seu colega de partido, concordou: “Precisamos de uma outra opção que não seja nem esses dois nem o Ciro, que é um outro populista. Eu votaria nulo porque populismo, seja de direita ou de esquerda, não faz bem ao país”.

A meu ver, não há como discordar. Resta combinar com eleitorado, lembrando que, segundo profetizou Pelé, em meados dos anos 1970, o brasileiro está preparado para votar. Dez anos depois, o general João Figueiredo — o presidente que preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo — foi mais longe: “Um povo que não sabe sequer escovar os dentes não está preparado para votar”.

Triste Brasil.

quarta-feira, 23 de março de 2022

VALE A PENA VER DE NOVO — A NOVELA DA PETROBRAS

 


Nosso grande estadista em fim de mandato teve mais de três anos para criar mecanismos que minimizassem os impactos do câmbio e da cotação do petróleo no mercado internacional no preço dos combustíveis, mas preferiu criticar as vacinas, os governadores e o STF pelos danos causados por sua incompetência. Agora, ele diz que vai mandar o Ministro de Minas e Energia notificar os postos que não reduzirem os preços (coisa que ele acha que deveria ocorrer depois da mudança de impostos aprovada no Congresso).

O ex-presidente João Figueiredo — que preferia o cheiro do dos cavalos ao cheiro do povo e disse a uma criança que “daria um tiro no coco” se ele fosse criança e seu pai ganhasse salário-mínimo — ameaçava chamar Walter Pires, o linha-dura que ocupava o ministério do Exército na época, para sugerir que poderia dar o golpe. Em 1986, José Sarney levou às ruas milhares de “fiscais do Sarney” e chegou a mandar a Polícia Federal caçar boi gordo no pasto. Bolsonaro, que imita Figueiredo ameaçando golpe militar há tempos, resolve agora imitar Sarney. Já vimos esse filme e sabemos como ele termina.

Quando o preço do petróleo aumenta no mercado internacional, Bolsonaro diz que a alta não pode influir na Petrobras e pressiona a empresa a segurar o preço. Quando a cotação cai, ele afirma que a queda tem que influir na Petrobras e pressiona a empresa a baixar o preço. Mas só os idiotas veem contradição na conduta e nos argumentos do capetão, que são absolutamente coerentes: ele sempre diz e faz o que acha que vai ajudá-lo a se reeleger. Se isso fere a lógica, a Petrobras ou o Brasil, fodam-se a lógica, a Petrobras e o Brasil.

Já o ex-presidiário que aparece nas pesquisas como o queridinho do desmemoriado eleitorado canarinho culpa a privatização da BR Distribuidora (como se o motorista do caminhão que faz o frete determinasse o preço da mercadoria). Se for eleito, disse Lula, “o preço vai ser brasileiro, porque os investimentos são feitos em real”. Ciro Gomes, que carrega a lanterninha das intenções de voto, disse que “chegando ao governo (…) essa política vai mudar: a Petrobras vai cobrar quanto custa para produzir”.

Vale lembrar que o maior erro de Sarney, na edição do famigerado Plano Cruzado, foi tentar controlar a inflação por decreto. Parafraseando o jornalista H.L. Mencken, “todo problema complexo tem uma solução simples e errada”.

Bolsonaro, Lula e Ciro se esqueceram de combinar com os russos (e americanos, europeus, chineses). Se o preço for baixo aqui, ninguém venderá para o Brasil. Como não somos autossuficientes (ao contrário do que afirmam os petralhas), haverá desabastecimento. Gostemos não, obrigar a Petrobras a vender barato trará prejuízos à companhia e aos acionistas — costumeiramente apresentados como figuras satânicas que auferem lucros abusivos e indevidos, mas que são na maioria empresas e cidadãos brasileiros —, e o acionista majoritário da petrolífera é o próprio Brasil.

A “gerentona de araque” — que antes de ingressar na política faliu duas lojinhas de badulaque importados, e isso na época em que a paridade entre o dólar e o real era sopa no mel para esse tipo de comércio — represou o preço dos combustíveis e impôs à Petrobras um rombo de R$ 100 bilhões, que praticamente quebrou a companhia e se traduziu em mais dívida, descontrole fiscal, inflação etc.

A política de paridade com o preço internacional foi criada justamente para blindar a empresa contra governantes intervencionistas e irresponsáveis como Dilma e outros, de modo que o efeito será similar se o governo determinar o congelamento do preço e escrever um cheque para compensar a perda da Petrobras — ou se partir para a renúncia fiscal, conforme foi aprovado no Congresso. São outras soluções simples e erradas.

Lamentavelmente, ainda há no Brasil quem acredita (ou finge que acredita) em soluções mágicas e enxerga combustível fóssil como fator estratégico. Estratégico é educação, não petróleo. Privatizar a Petrobras geraria recursos para fazer o que é realmente importante, sem falar que a desconcentração reduziria o problema que estamos vivendo atualmente.

Enquanto o mundo civilizado investe em energia limpa, se organiza para abandonar um combustível ambientalmente insustentável e se prepara para entrar de vez no século XXI, o Brasil segue discutindo pautas dos anos 1950, dando subsídio (uniforme!) para combustível fóssil e destruindo o meio ambiente.

Pelo visto, só vamos entender o que está acontecendo quando não houver mais comprador para o petróleo. E isso não demora a acontecer.

Com Ricardo Rangel

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

RETROSPECTIVA — CONTINUAÇÃO

Michel Temer, Eurico Dutra e Nereu ramos são bons exemplos de políticos que ascenderam à presidência a despeito se sua falta de carisma. Isso sem falar no picolé de chuchu, cuja sensaborice contribuiu para o fiasco do tucano nas duas vezes que disputou a Presidência, a despeito de ter sido o político que governou São Paulo por mais tempo desde a redemocratização.

Observação: Comenta-se à boca pequena que Alckmin será candidato a vice-presidente na chapa de Lula (o que é no mínimo vergonhoso), mas não será com as bênçãos de Gilberto Kassab: na semana passada, o cacique do PSD foi curto e grosso: "Eu não estarei com o Lula no primeiro turno, e isso já foi dito a ele. Não é porque é o Geraldo, fulano ou sicrano, é porque teremos candidatura própria". Kassab disse ainda que, para ele, o "projeto redondo" em São Paulo "acabou", e outro nome será procurado.

João Batista Figueiredo era insuperável em falta de carisma e papas na língua. Sempre se soube que o último general a governar o Brasil durante a ditadura não nascera para ser figura pública. "Estou fazendo uma força desgraçada para ser político, mas não sei se vou me sair bem: no fundo, gosto mesmo é de clarim e de quartel", afirmou certa vez. Os marqueteiros chapa-branca até tentaram transformar o casca-grossa numa figura popular, com a alcunha de João do Povo, mas deram com os burros n’água.

Entre outras pérolas de sutileza, o militar carioca disse preferir “o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo". Quando uma criança perguntou o que ele faria se fosse criança e seu pai ganhasse salário-mínimo, respondeu sem pestanejar que daria “um tiro na cuca”. Sobre a abertura política, esbravejou: "É para abrir mesmo. Quem quiser que não abra, eu prendo e arrebento". Mas nada se compara a sua lapidar constatação de que "um povo que não sabe nem escovar os dentes não está preparado para votar".

Observação: Nas palavras do próprio Figueiredo: "Vejam se em muitos lugares no Nordeste o brasileiro pode votar bem, se ele não conhece noções de higiene? Aqui mesmo em Brasília, eu encontrei outro dia, num quartel, um soldado de Goiás, que nunca escovara os dentes e outro que nunca usara um banheiro. E por aí vocês me digam se o povo já está preparado para eleger o presidente da República."

Figueiredo era racista. Chegou a dizer que “a solução para as favelas é jogar uma bomba atômica”. Outra declaração típica do fardado: "Eu cheguei e as baianas já vieram me abraçando. Ficou um cheiro insuportável, cheguei no hotel tomei 3, 5, 7 banhos e aquele cheiro de preto não saía".

"Pérolas" como essas suscitam uma inevitável comparação entre Figueiredo e Bolsonaro. Há semelhanças, mas o general era autêntico, inclusive na grosseria, e o que o "mito" dos despirocados fala não passa de mise en scène para acirrar a escumalha que lhe dá respaldo nas urnas e nas redes sociais. Como quando disse que cagou para a CPI e que o Omar Aziz tem cara de capivara (o senador rebateu o insulto referindo-se ao ofensor como "aquele carioca que tira proveito de funcionários do próprio gabinete" e que "abre a boca para jogar fezes").

Numa entrevista concedida à Folha em 1978 (que recebeu o Prêmio Esso de Jornalismo), Figueiredo, então chefe do SNI, falou diversas vezes em "Revolução" e justificou muitas de suas opiniões, como ser contra a independência entre os Poderes, a anistia e as eleições diretas para Presidente. Perguntado sobre o eleitorado tupiniquim, respondeu aos entrevistadores: "Getúlio não fez uma ditadura sanguinária e acabou sendo eleito? Vocês sabem que no Rio Grande do Sul houve uma seca, e os eleitores decidiram votar contra o governo, por que não choveu? Um eleitorado não elegeu o Cacareco [rinoceronte do Zoológico de São Paulo]? Então uma coisa dessas tem cabimento?".

A pergunta do finado fazia sentido, mas é absurdo ter saudades dos anos de chumbo, como fazem jovens abilolados de 20~30 anos, que cantam "those were the days" para a ditadura apoiam atos antidemocráticos estimulados pelo “mito” — que teve o desplante de participar pessoalmente de manifestações em que a récua pugnava pelo fechamento do STF e do Congresso, volta do AI-5 e ditadura com Bolsonaro na Presidência — quando sequer haviam nascido naquela época.

Saudosistas de fancaria (como são os apoiadores do nosso mandatário de fancaria) idolatram um passado que nunca existiu. Bolsonaro é uma aberração que foi eleita para impedir a volta do lulopetismo corrupto, quando poucos podiam imaginar que se estava removendo o pino de uma granada de efeito retardado, desarrolhando a garrafa de um ifrit megalômano, abrindo a caixa de Pandora, enfim, deixo a escolha da analogia a critério do freguês.

Desde sua posse, em janeiro de 2019, o dublê de mau militar e parlamentar medíocre nada fez senão articular sua reeleição e cagar solenemente para quem não pensa como ele. De cagada em cagada, o Messias que não miracula vai esmerdeando o lema chauvinista e enjoadinho associado a sua campanha: "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos".

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

A MALDIÇÃO DA VICE-PRESIDÊNCIA — TERCEIRA PARTE

Sarney sempre foi um cacique da velha da política de cabresto nordestina, e só sobreviveu à ditadura porque se resignou a lamber as botas dos militares. A despeito dessa vassalagem, o último presidente-general da ditadura — que preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo e "daria um tiro no coco" se fosse criança e seu pai ganhasse salário-mínimo — se recusou a lhe transferir a faixa: faixa a gente transfere para presidente, não para vice, e esse é um impostor.

Observação: Anos depois, referindo-se ao político maranhense numa entrevista concedida à revista IstoÉ, also sprach Zaratustra, digo, assim disse Figueiredo: "Sempre foi um fraco, um carreirista. De puxa-saco passou a traidor. Por isso não passei a faixa presidencial para aquele pulha. Não cabia a ele assumir a Presidência".

A despeito de o "milagre econômico brasileiro" ser cantado em prosa e verso pelos saudosistas de plantão, Sarney herdou dos militares um país arrasado, com recessão, inflação, desemprego e dívida externa nas alturas. Todos os "pacotes de medidas econômicas" elucubrados durante sua gestão (por Dílson Funaro, Bresser Pereira e Maílson da Nóbrega) fizeram água numa questão de meses. 

Aos trancos e barrancos, o oligarca nordestino terminou o mandato (de 5 anos, sem direito a reeleição), mas deixou de herança a seu sucessor uma inflação que beirava 2000% ao ano. Tamanha era sua impopularidade ao deixar o governo que, para disputar uma cadeira de senador, Sarney teve de mudar o domicílio eleitoral para o recém-criado Estado do Amapá. 

Observação: O literato, acadêmico e político maranhense se aposentou da vida pública em 2014, aos 83 anos. Conta-se que certa vez, depois que um dilúvio assolou seu Estado natal, a então governadora Roseana Sarney telefonou ao pai para dizer que "metade do Maranhão estava debaixo d’água", e Sarney teria perguntado: "A sua ou a minha?

No apagar das luzes da desditosa gestão de Sarney, a récua de muares a que se convencionou chamar de "eleitorado", já então sob a égide de uma Constituição estalando de nova, foi às urnas pela primeira vez desde 1960 para escolher seu presidente. 

Disputaram a chamada "eleição solteira de 1989" nada menos que  22 candidatos, entre os quais figuravam monstros sagrados da política tupiniquim, como Ulysses Guimarães e Mário Covas. Graças ao dedo podre dos apedeutas votantes, o segundo turno reuniu o que havia (e continua havendo) de pior em termos de populismo e demagogia sórdida. Ao fim e ao cabo, o sacripanta de direita venceu o salafrário de esquerda.

Como dito linhas acima, naquela época o mandato presidencial era de 5 anos, sem direito a reeleição. Mas não há mal que sempre dure nem bem que nunca termine: em 1997, um FHC picado pela mosca azul usou e abusou de meios não exatamente ilibados — embora não inusitados à luz de como funciona a política no Brasil — para alterar a Constituição de maneira a implementar a reeleição de presidente e vice-presidente (apenas uma vez para um mandato subsequente, mas sem restrição para um pleito não consecutivo).

Como quem parte e reparte e não fica com a melhor parte é burro ou não tem arte, o tucano de plumas vistosas fruiu do desserviço que ele e seus cupinchas prestaram à Nação, mas também abriu espaço para o projeto de poder lulopetista, que durou exatos 13 anos, 4 meses e 11 dias (considerando os dois mandatos do ex-presidiário e os 5 anos e fumaça durante os quais sua sucessora incompetenta "fez o diabo" para destruir a economia nacional).

O Brasil daria um grande passo se aprovasse o fim da reeleição. A proposta de emenda constitucional está pronta para ser votada pelo Senado, mas é difícil construir esse tipo de ajuste quando todos os adversários do sultão do bananistão querem vencer a disputa em 2022. Como a política permite todos os tipos de sonhos, alguns já se enxergam eleitos e fazem planos para 2026, parecendo não se dar conta de que, por pior que seja o atual governo, o general da banda, aboletado na cadeira da Presidência, goza de uma situação mais confortável que a dos adversários.

Com a chave do cofre nas mãos e dois mandachuvas do Centrão lhe dando respaldo (por motivos que não vem ao caso discutir neste momento), o inferno é o limite para o capetão-negação exacerbar seu populismo eleitoreiro. E como desgraça pouca é bobagem, o leque de a janela de oportunidade para o impeachment do lunático despirocado fica mais estreita à medida que a eleição se aproxima.

Observação: Vale destacar que todos os presidentes que concluíram seus mandatos e disputaram a reeleição (FHC, Lula e Dilma) foram reeleitos. Isso não significa que esse "dogma" não possa ser quebrado, mas, sim, que, se a terceira via não se consolidar, teremos em 2022 uma reedição do pleito plebiscitário de 2018, com a diferença de que em 2018 não faltaram a Bolsonaro cabos eleitorais de peso, como Lula na cadeia, Haddad de bonifrate, a facada do maluco (que livrou o psicopata de participar dos debates), o estelionato eleitoral, o impulsionamento espúrio nas redes sociais, a confiança representada por Paulo Guedes na Economia e Sergio Moro na Justiça.

Sabíamos que Bolsonaro carecia de competência, preparo e envergadura para presidir o que quer que fosse, inclusive carrinho de pipoca em porta de cinema. Mas a perspectiva de ver o país ser governado por um criminoso condenado e preso... Enfim, apostamos nossas fichas e torcemos para a emenda não saísse pior que o soneto, mas diz um ditado que basta fazer planos para ouvir a gargalhada do diabo.

Observação: A expressão "pior a emenda que o soneto" surgiu quando Bocage recebeu de um jovem aspirante a poeta um soneto para correção, e o devolveu sem nenhuma marcação. Perguntado pelo pupilo se não havia nada a ser corrigido, o mestre respondeu que, dada a quantidade de erros, "a emenda ficaria pior que o soneto".

Parafraseando o "enviado pela Divina Providência para acabar com a fome, presentear a imensidão de desvalidos com três refeições por dia e multiplicar a fortuna dos milionários", nunca antes na história deste país o Palácio do Governo amargou um inquilino tão indiferente à dor alheia, que tanto despreza a Democracia e o Estado Democrático de Direito e odeia a liberdade de expressão, a imprensa e qualquer um que ouse discordar de sua elevada opinião. 

Do cruel “e daí?” ao “cale a boca”, passando pelo churrasco da morte (que depois fomos instados a acreditar que não passava de uma pilhéria), o Mefistófeles de botequim deixou de ser o palhaço negacionista da “gripezinha” para concorrer como franco-favorito ao título de Monstruosidade Pública Número 1 — embora estufe o peito e se jacte de ter sido eleito "personalidade do ano" pela revista Time.

Nos anos 1970, durante a ditadura militar, Pelé avisou: "os brasileiros não sabem votar". E o tempo demonstrou que ele estava coberto de razão. Da mesma forma que jabuti não sobe em árvore (se está lá, foi enchente ou mão de gente), político não brota em seu gabinete por geração espontânea (se está lá, é porque votaram nele). 

É impossível discordar de Pelé, mas sempre há quem se recuse a ver o que está bem diante de seu nariz — não por falta claridade, mas, sim, de acuidade visual. Para um um cego, tanto faz se a luz estiver acesa ou apagada. E não é preciso ser cientista político para ver que a agenda nacional ocupa, mal e parcamente, o primeiro ano e meio de mandato — no segundo ano, o presidente de turno se preocupa com os pleitos municipais, que servem de ensaio para a disputa presidencial que ocorrerá dois anos depois, e quando se vai ver, os quatro anos se foram e o mandato terminou.

Esperar demais das pessoas é carimbar o passaporte rumo à decepção, e achar que a liturgia do cargo transformaria em estadista um dublê de mau militar e parlamentar medíocre foi ignorar os ensinamentos da fábula do sapo e o escorpião. Governar vai muito além de ganhar eleições, notadamente em tempos de guerra. Parafraseando FHC — que não foi um estadista como manda o figurino, mas, noves fora o episódio lamentável da PEC da Reeleição, foi o presidente "menos pior" que tivemos desde a redemocratização —, “você não lidera dando ordens ao povo, mas fazendo com que o povo siga junto com você”.

Se a maioria apedeuta aprendesse a votar, a minoria pensante não seria obrigada a escolher, a cada eleição, de qual borda da Terra (plana) pular para o inferno. Infelizmente, esse tipo de situação se tornou regra na "Nova República" e, pelo visto, a próxima eleição não será exceção. Com base no que se vê até onde a alcança, a menos que a terceira via se consolide continuaremos navegando rumo a uma borrasca que tem tudo para se tornar a tempestade perfeita.

Continua no próximo capítulo.

sábado, 16 de outubro de 2021

NÃO PODE DAR CERTO — SÉTIMA PARTE


Dias após o golpe militar de 31 de março de 1964, uma junta formada pelo tenente-brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo, pelo general Artur da Costa e Silva e pelo almirante Augusto Rademaker assumiu o poder e decretou o Ato Institucional nº 1, que contava com onze artigos e determinava que o governo militar poderia cassar mandatos legislativos, suspender os direitos políticos (por dez anos) ou afastar do serviço público todo aquele que pudesse ameaçar a segurança nacional.

As eleições indiretas convocadas pelo AI-1 alçaram à Presidência o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, que foi sucedido por Costa e Silva. Na sequência, ocuparam o Palácio do Planalto os generais Emílio Garrastazu MédiciErnesto Beckmann Geisel e João Baptista de Oliveira Figueiredo.

Médici manteve a postura “linha-dura” iniciada em 1968; Geisel, que assumiu em 1974 e governou até 1979, deu início a um processo de abertura (lenta, gradual e segura) que culminou na Lei de Anistia. "Se é vontade do povo brasileiro, eu promoverei a abertura política no Brasil. Mas chegará um tempo em que o povo sentirá saudade do regime militar, pois muitos desses que lideram o fim do regime não estão pensando no bem do povo, mas, sim, em seus próprios interesses", disse o "Alemão", que, pelo visto, sabia das coisas.

João Figueiredo — o "João do Povo", como os marqueteiros chapa-branca de então tentaram, sem êxito, alcunhar o militar casca-grossa — foi incumbido de concluir a transição política. "Estou fazendo uma força desgraçada para ser político, mas não sei se vou me sair bem: no fundo o que gosto mesmo é de clarim e de quartel", disse o presidente que preferia o cheiro dos cavalos ao do povo, e que, perguntado por uma criança o que ele faria se fosse criança e seu pai ganhasse salário-mínimo, respondeu candidamente: “daria um tiro no coco.

Entre 1983 e 1984, milhões de brasileiros saíram às ruas em prol das “Diretas Já” — para presidente da República; os governadores, que eram ”biônicos” (nomeados pelos militares) desde o golpe de 1964, voltaram a ser eleitos pelo voto popular em 1982. No apagar das luzes da gestão de Figueiredo, depois que a Emenda Dante de Oliveira foi rejeitada pelo Congresso, um colégio eleitoral composto por senadores, deputados federais e delegados da assembleias legislativas dos Estados guindou à Presidência Tancredo de Almeida Neves, que foi hospitalizado 12 horas antes da cerimônia de posse e  declarado morto 38 dias e sete cirurgias depois, torando-se uma espécie de Viúva Porcina — aquela que foi sem nunca ter sido. 

Tancredo é tido e havido por muitos como o melhor presidente que o Brasil já teve, embora não seja possível dizer com certeza como o país estaria se ele, e não o oligarca José Sarney — a quem Figueiredo se recusou a transferir a faixa presidencial: "Faixa a gente transfere para presidente, não para vice, e esse é um impostor" — tivesse assumido a Presidência. E a gestão do poeta e acadêmico maranhense, autor de Marimbondos de Fogo e um sem-número de contos, crônicas, ensaios e romances, foi bem menos profícua que sua obra literária.

Observação: Vale destacar que o primeiro presidente eleito pelo voto popular desde a Jânio, em 1960, foi o pseudo caçador de marajás Fernando Collor de Mello, que também entrou para história como o primeiro chefe do Executivo Federal condenado num processo de impeachment.

A gestão de Sarney ― um maiores expoentes da política de cabresto nordestina ― serviu de palco para a promulgação da Constituição de 1988. O então presidente da Câmara, deputado Ulysses Guimarães (que dorme com os peixes desde 12 de outubro de 1992, quando o helicóptero em que ele viajava com a mulher, dona Mora, explodiu misteriosamente), reconheceu, durante o discurso de promulgação da "Constituição Cidadã", que ela não era perfeita, o que ela própria confessava ao admitir reformas."

O também nada perfeito mandatário de fancaria (o "mito" que desafia a Lei da Gravidade todas as manhãs, quando desperta nos aposentos presidenciais do Palácio do Alvorada) se refere sim outro também às "quatro linhas da Constituição", talvez por jamais ter lido a Carta que jurou obedecer e defender em 2019, que é composta por 245 artigos e mais de 1,6 mil dispositivos.

Voltando à longa noite de 21 anos da ditadura, o AI-2, baixado em 1965 e, combinado com os dois atos institucionais subsequentes, todos decretados durante a gestão de Castelo Branco, estabeleceu eleições indiretas para presidente e artificializou as ações do Congresso. Sucederam-se muitas campanhas de lideranças políticas civis contra o regime (por conta, sobretudo, da demora em se realizar um novo pleito eleitoral democrático), como a de Carlos Lacerda, que apoiou o golpe em seu início. Ainda assim, o regime não perdeu força; pelo contrário: houve aquilo que os historiadores chamam de “Golpe dentro do Golpe” — um endurecimento um endurecimento ainda maior do regime, imposto pelo famigerado AI-5, baixado em 13 de dezembro de 1968, durante o governo do "linha dura" Costa e Silva

Observação: O AI-5 — cuja reedição os sectários do bolsonarismo boçal defendem em suas manifestações — cassou liberdades individuais e respaldou práticas eminentemente ditatoriais. Historiadores afiram que a “ditadura escancarada” resultante desse ato institucional deveu-se a pressões de ações armadas revolucionárias que estavam em curso no país, como a Ação Popular, responsável pelo atentado à bomba no Aeroporto de Guararapes em 1966.

Retomando a narrativa do ponto em que Sarney assumiu a presidência, o processo de reabertura política que, segundo o plano da Aliança Democrática, deveria acontecer sem traumas, iniciou-se com o trauma da doença e a sombra do desastre. O grande desafio do político maranhense (que sempre puxou o saco dos militares) foi resgatar as esperanças dos brasileiros. Foi durante sua gestão que os militares voltaram para os quartéis, os partidos políticos de esquerda saíram da clandestinidade, a imprensa recuperou a liberdade e os sindicados, o direito a greves e manifestações. Foi também durante sua gestão que a tal "Constituição Cidadã" foi gestada e parida — para o bem e para o mal.

Sarney herdou dos governos militares uma inflação desenfreada e uma recessão econômica difícil de mitigar. Visando pôr termo à escalada inflacionária, ele lançou o malsinado Plano Cruzado — no qual as medidas de maior destaque foram o congelamento de preços e salários, a adoção do "gatilho salarial" (reajuste automático dos salários sempre que os índices inflacionários ultrapassassem a marca dos 20% ao mês) e a concessão de um abono salarial de 12% aos assalariados. Inicialmente, houve uma explosão de consumo. Os próprios cidadãos, travestidos de "Fiscais do Sarney", passaram a controlar os preços e denunciar remarcações. O ministro da Fazenda, Dilson Funaro, tornou-se uma das figuras mais populares do país. 

Mas não há mal que sempre dure nem bem que nunca termine: o congelamento de preços e a distorção nas margens de lucro das empresas levaram à queda de produção, que levou ao desabastecimento, que levou ao ágio, que levou à volta da inflação, que levou ao... Plano Cruzado II...

... que fica para o próximo capítulo.

domingo, 19 de setembro de 2021

COISAS DO BRASIL



O habito não faz o monge nem a faixa, o presidente. Há que haver conteúdo sob ou por detrás desses adereços indumentários. Notadamente o enfeite tiracolar transferido pelo ex-presidente a seu sucessor na cerimônia de posse — que, desde os idos de 1972, acontece sempre no dia 1º de janeiro do ano subsequente ao da eleição e tem início na Catedral de Brasília, a despeito do inciso VI do artigo 5º da Constituição. Coisas do Brasil.

Depois de desfilar no Rolls Royce Presidencial até o prédio do Congresso Nacional, Bolsonaro assinou o termo de posse, jurou "manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil" e recebeu de Michel Temer a faixa presidencial.

Bolsonaro jamais leu a Constituição que jurou defender e, como o escorpião da fábula, é incapaz de contrariar a própria natureza. Apesar de reconhecer que não nasceu para ser presidente, mas para ser militar, foi expelido da Escola de Oficiais do Exército por indisciplina e insubordinação (mas acabou sendo absolvido das acusações pelo STM). No ano seguinte, elegeu-se vereador e depois deputado federal por sete mandatos consecutivos, ao longo dos quais aprovou dois míseros projetos e colecionou mais de trinta ações criminais. Em 2018, foi alçado à Presidência por uma esdrúxula conjunção de fatores, entre os quais um mal explicado atentado que sofreu durante um ato de campanha em Juiz de Fora (MG). 

Bolsonaro disputa com Dilma — o poste com que Lula empalou os brasileiros em 2010 — o título de pior mandatário desde a redemocratização (e não por falta de concorrentes de peso). Com a autoridade de quem sabe das coisas, o general Ernesto Beckmann Geisel — penúltimo presidente da ditadura e mentor intelectual da reabertura política lenta, gradual e segura — definiu o então capitão da ativa comoum caso completamente fora do normal, inclusive mau militar”.

O último general-presidente, João Baptista de Oliveira Figueiredo que preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo (povo que, segundo ele, "não sabe nem escovar os dentes, quanto mais votar para presidente"), negou-se a passar a faixa presidencial a José Sarney (faixa a gente transfere para presidente, não para vice, e esse é um impostor). Coisas do Brasil.

A título de contextualização, vale lembrar que a Revolução de 1964 — cuja data “comemorativa” é 31 de março — foi um golpe de Estado desfechado na madrugada de 1º de abril, por líderes civis e militares conservadores, a pretexto de afastar do poder um grupo político que supostamente flertava com o comunismo.

Nos movimentos pró “Diretas Já”, pugnava-se pela aprovação da emenda constitucional Dante de Oliveira, que visava restaurar o direito às eleições diretas suspenso pelos militares. No dia da votação, exatos 20 anos depois do golpe, uma manobra de bastidores tirou da Câmara 112 deputados. A despeito do clamor das ruas, a emenda foi rejeitada — em outras palavras, o povo foi traído (mais uma vez) pela classe política, o câncer social que, infelizmente, é um mal necessário. Coisas do Brasil.

O desgaste do governo propiciou a vitória de Tancredo Neves em um colégio eleitoral — por 480 votos contra 180, a raposa mineira derrotou Paulo Maluf (que era apoiado pelos militares) depois de unir o PMDB à chamada Frente Liberal — formada por dissidentes do PDS, que dava sustentação ao governo militar. 

Em janeiro de 1985, o deputado federal Ulysses Guimarães — que chegou a ser cogitado para disputar a presidência da República pelo PMDB contra Maluf, mas acabou sendo preterido pela chapa “mista” formada com o PFL de Sarney — entregou a Tancredo o programa denominado Nova República, que previa eleições diretas em todos os níveis, educação gratuita, congelamento de preços da cesta básica e dos transportes, entre outras benesses.

Com esperança e ânimos redobrados, os brasileiros ansiavam pela chegada do dia 15 de março, data prevista para a posse do primeiro presidente civil após 21 anos de ditadura militar. Mas Tancredo foi hospitalizado 12 horas antes da cerimônia e teve o óbito declarado 38 dias e sete cirurgias depois — ironicamente, no feriado de 21 de abril, data em que o Brasil homenageia Tiradentes, o mártir da independência. Coisas do destino.

Tancredo levou para o túmulo a esperança de milhões de brasileiros, mas deixou de herança um neto que  envergonharia o país e um mix de oligarca maranhense, escritor, poeta e acadêmico chamado José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, mais conhecido como “Zé do Sarney”. A possibilidade de Ulysses Guimarães, então presidente da Câmara, ser guindado ao Palácio do Planalto chegou a ser cogitada, mas prevaleceu o entendimento de que caberia a José Sarney, vice na chapa de Tancredo e rebotalho do coronelismo nordestino, assumir a Presidência. E foi o que aconteceu, para o bem e para o mal.

Observação: A origem da alcunha — que o político maranhense usava para fins eleitorais desde 1958 e acabou incorporando oficialmente em 1964 — é atribuída ao fato de seu ter sido batizado Sarney de Araújo Costa em homenagem a um inglês de conhecido como Sir Ney, em cuja fazenda ele nasceu. Coisas do Maranhão.

Fisiologista como poucos e puxa-saco de carteirinha dos poderosos de plantão, Sarney (o filho) sobreviveu à ditadura, mas sua infausta gestão à frente da Presidência foi marcada pela hiperinflação. Tanto o Plano Cruzado quanto os "pacotes econômicos" que se lhe sucederam foram baseados no congelamento de preços e salários, e da feita que repetir o mesmo erro várias vezes esperando produzir um acerto é a melhor definição de idiotice que eu conheço, não causou estranheza o fato de todos fazerem água em questão de meses. 

Em 20 de fevereiro de 1987, pressionado pela queda nas reservas cambiais, Sarney fez um pronunciamento em rede nacional anunciando a suspensão, por tempo indeterminado, do pagamento dos juros da dívida externa — evitando usar a palavra "moratória", como se isso produzisse algum resultado positivo (ou menos negativo) na medida adotada. Coisas do Brasil.

Sarney deixou a Presidência com a popularidade em patamares abissais, tanto que transferiu seu domicílio eleitoral para o recém-criado Estado do Amapá, pelo qual teria chances de conseguir uma vaga no Senado. Como era esperado, seus adversários impugnaram se insurgiram contra o cambalacho, mas o STF o avalizou. Conta-se que o ministro Celso de Mello, que teve os ombros recobertos pela suprema toga graças ao oligarca maranhense, votou pela impugnação da candidatura do benfeitor. 

O ex-ministro da Justiça Saulo Ramos quis saber por quê. Mello respondeu que a Folha havia publicado que Sarney tinha os votos certos de vários ministros e citara seu nome como um deles. "E você votou contra porque a Folha noticiou que votaria a favor?", perguntou Saulo. "Exatamente", respondeu Mello. E Saulo: "Então você é um juiz de merda!"

Sarney deixou a vida pública em 2014, aos 83 anos, a pretexto de se dedicar à literatura em tempo integral. Conta-se que, após um dilúvio assolar o Maranhão, a então governadora Roseana Sarney — filha do macróbio — telefonou ao pai para informar que metade do Estado estava debaixo d’água. Sarney perguntou-lhe candidamente: "A sua metade ou a minha?

Nas eleições gerais de 2018, os pimpolhos do velho cacique maranhense foram penalizados na urnas: nem Zequinha se reelegeu deputado, nem Roseana — que governou o Maranhão por quatro legislaturas desde 1995 — conseguiu desbancar o pecedebista Flavio Dino — que se reelegeu governador com 59,29% dos votos válidos.

Como dito parágrafos acima, Figueiredo se recusou a transferir a faixa presidencial a Sarney. Não foi o primeiro nem o único caso na história republicana do Brasil. Coisa de país de terceiro mundo? Não necessariamente. Nos EUA, o ex-presidente Donald Trump, ídolo e muso inspirador do capitão-cloroquina, não só deu trabalho para ser desencalacrado do cargo como não compareceu à cerimônia de posse de Joe Biden, o que representa uma quebra de protocolo na tradição democrática americana, mas, como dito, encontra apoio na ala conservadora da política brasileira.

Na história do Brasil, o exemplo mais recente de um chefe do Executivo que se recusou a comparecer à posse de seu sucessor foi Figueiredo, conforme já foi dito nesta postagem. Sobre Sarney, o general disse à revista IstoÉ, pouco antes de sua morte, em 1999: "Sempre foi um fraco, um carreirista. De puxa-saco passou a traidor. Por isso não passei a faixa presidencial para aquele pulha. Não cabia a ele assumir a Presidência".

A quebra de protocolo em Brasília foi relembrada pelo neto do general, minutos depois de o presidente americano anunciar que não compareceria à posse do sucessor. "Meu avô também não compareceu à posse de seu sucessor, que chegava ao poder de forma ilegítima. Agiu conforme suas convicções. Assim devem fazer os homens de caráter!", postou no Twitter o empresário Paulo Figueiredo Filho. Coisas do Brasil.

Figueiredo não foi o único a se recusar a cumprir os ritos de transição no Brasil. A República ainda engatinhava quando Floriano Peixoto, que governou de 1891 a 1894, decidiu não comparecer à posse de Prudente de Morais porque não via com bons olhos a chegada de um civil ao poder. Afonso Pena também não passou a faixa a seu sucessor, Nilo Peçanha (e nem poderia, porque Nilo era vice de Pena, a quem substituir em virtude de sua morte, em 1909). Em 1954, Café Filho viu-se presidente do dia para a noite e começou a governar o país sem a bênção de seu antecessor, Getúlio Vargas, que "foi suicidado" com um tiro no peito em 24 de agosto de 1954.

Após o impasse entre Figueiredo e Sarney, somente dois presidentes eleitos diretamente (FHC e Lulareceberam e passaram a faixa a seus sucessores. O primeiro presidente eleito diretamente após a ditadura militar — o pseudo caçador de marajás Fernando Collor de Mello — recebeu a faixa de Sarney em março de 1990, mas renunciou ao mandato em dezembro de 1992 (e foi impichado mesmo assim, de modo que não passou a faixa a Itamar Franco).

Itamar, por sua vez, tomou posse em uma cerimônia breve e só usou a faixa presidencial no último de seus dois anos e três dias de governo, quando a colocou sobre os ombros de FHC. O tucano, presidente por dois mandatos, cumpriu o mesmo protocolo na posse de Lula, em 2003. Oito anos depois, foi a vez de Dilma ser destituída em um processo de impeachment — e não comparecer à posse de Michel Temer. Em janeiro de 2019, o vampiro do Jaburú repassou a faixa ao mandatário de fancaria que, por mal de nossos pecados, diz que "só Deus o tira da cadeira presidencial". Coisas do Brasil.

Bolsonaro na presidência era tudo de que o os brasileiros não precisavam, mas tornou-se a única alternativa válida depois que o ilustríssimo eleitorado tupiniquim o escalou para enfrentar o bonifrate do presidiário de Curitiba no segundo turno do pleito de 2018. Voltando à paráfrase de Bolsonaro a uma fala de Figueiredo, “plagiar é, implicitamente, admirar”, como bem disse o intelectual lusitano Júlio Dantas. Mas a pergunta que não quer calar é: se não nasceu para ser presidente, por que Bolsonaro fez da reeleição seu projeto de governo?

"Prometo que, se eleito, vou trabalhar noite e dia, durante os quatro anos do meu mandato… para ser reeleito”. Eis a promessa mais sincera e verdadeira feita pelo então candidato, como salientou o ex-delegado federal Jorge Pontes num artigo publicado em Veja. "Teremos um lapso de quatro anos praticamente jogados fora, destinados apenas à pavimentação de mais um — improvável — mandato presidencial", profetizou o policial, em agosto do ano passado.

Assim, graças à verdadeira herança maldita deixada pelo grão-duque do Tucanistão, assistimos a um mandatário eleito com juras de grandes mudanças e discursos anti-establishment emular Dilma, a inesquecível, e fazer o diabo para se reeleger.

A vitória de Bolsonaro foi um caso clássico de emenda pior que o soneto. Embora seja preferível acender a vela a amaldiçoar a escuridão, unir forças com os sectários do bolsonarismo boçal para evitar a volta da cleptocracia lulopetista foi como libertar da garrafa um gênio malfazejo e não saber como prendê-lo de volta. E urge fazê-lo, pois o Brasil dificilmente sobreviverá a mais cinco anos sob o descomando desse mafarrico.  

Segundo a revista eletrônica Crusoé, o presidente de fato desta banânia (falo do centrista Ciro Nogueira) disse a um empresário que Bolsonaro está "cada vez mais mercurial e incontrolável". O diagnóstico perturbador do ministro recém-empossado com promessas de carta branca jamais cumpridas reflete o estado de ânimo atual de setores do Centrão e de boa parte do Congresso. Embora estejam bem servidos em postos estratégicos e se lambuzando no poder desde que que o chefe do Executivo de festim lhes entregou a chave do cofre, a centralhada já entendeu que a aliança tem prazo de validade, e que esse prazo não é longo. Para as marafonas do parlamento, Bolsonaro é um político fadado ao infortúnio, seja pelo impeachment, pela cassação no TST ou derrota nas urnas. E convenhamos que não é preciso ser nenhum "Nostradamus" para fazer tal previsão.

Ainda segundo a reportagem, depois que o desembarque do governo passou a ser debatido a sério entre os partidos que compõem o Centrão, o presidente pato-manco enviou pelo líder do governo na Câmara — o ilibadíssimo Ricardo Barros, a quem o senador Omar Aziz, relator da CPI do Genocídio, se refere como responsável por um balcão de negócios com o Congresso que está a todo vapor — o recado de que continua em pé o esforço para conter possíveis defecções em sua base de apoio.

Entrementes, a despeito da carestia, a inflação oficial segue acima do esperado. O IPCA, medido pelo IBGE, acelerou para 9,68% no acumulado em 12 meses, levando a uma onda de revisões entre os economistas. Na segunda-feira, 13, o Boletim Focus, do Banco Central, registrou a 23ª alta consecutiva da mediana das projeções para o IPCA no fim de 2021, que agora está em 8%. Mas isso é assunto para uma próxima postagem.