O menino pobre que nasceu no agreste pernambucano e acabou no Palácio do Planalto é uma espécie de Phoenix que, em vez de ressurgir das cinzas, emergiu do xadrez e foi reinserido no tabuleiro da sucessão presidencial por obra de graça de togas companheiras. Em 1967, incentivado pelo irmão Frei Chico — que era ateu, chamava-se José e era militante comunista —, filiou-se ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (do qual viria a ser 2º suplente, 1º secretário e presidente) e, em 1969, casou-se Maria de Lourdes da Silva, que contraiu hepatite durante a gravidez e foi submetida a uma cesárea de emergência da qual nem ela nem a criança sobreviveram. Após ter um caso e uma filha (Lurian) com a enfermeira Miriam Cordeiro, o futuro 35º presidente desta banânia se casou com Marisa Letícia, que lhe deu os filhos Fábio Luiz, Sandro Luiz e Luiz Cláudio e morreu em fevereiro de 2017, meses antes de o marido ser condenado no processo do tríplex — do qual ela também era ré.
Em 2012, quando a PF deflagrou a Operação Porto Seguro, veio a público que Lula tinha um caso com Rosemary Noronha desde os anos 1990. Na condição de "segunda-dama informal", madame acompanhou "Deus" — como ela se referia a ele — em pelo menos 32 viagens oficiais. Seu nome não aparecia nos manifestos e ela tampouco ficava na suíte destinada ao presidente, mas não abria mão de hotéis de luxo e de restaurantes estrelados. Segundo Leo Pinheiro, a moça recebia R$ 50 mil por mês da OAS (também a pedido do "chefe", o empreiteiro teria incluído o marido dela na folha de pagamento da empresa).
Quando a história veio a público, o jornal O Globo pediu a quebra do sigilo dos gastos de Rose no cartão presidencial, mas o STJ empurrou a coisa com a barriga. Em 2014, quando o movimento “Volta, Lula” ganhou corpo, Dilma — que prometeu "fazer o diabo" para se reeleger — ameaçou divulgar as despesas da concubina real, forçando sua majestade a recuar. Segundo o blog Diário do Poder, os gastos com cartões corporativos entre 2003 e 2015 somaram R$ 615 milhões (média de mais de R$ 50 milhões por ano), e incluíram mesas de sinuca, diárias dos seguranças da "primeira-família" e custeio de musculação e materiais de construção para Lurian. Em setembro de 2013, Augusto Nunespublicou em Veja um resumo circunstanciado das relações de Lula com sua suposta amásia. Segue um excerto:
"A discrição nunca foi uma característica da personalidade de Rosemary Noronha. Quando servia ao ex-presidente em Brasília, ela era temida. Em nome da intimidade com o “chefe”, fazia valer suas vontades mesmo que isso significasse afrontar superiores ou humilhar subordinados. Nos eventos palacianos, a assessora dos cabelos vermelhos e dos vestidos e óculos sempre exuberantes colecionou tantos inimigos — a primeira-dama não a suportava — que acabou sendo transferida para São Paulo. Mas caiu para cima. Encarregada de comandar o gabinete de Lula de 2009 a 2012, Rose viveu dias de soberana e reinou até ser apanhada pela PF ajudando uma quadrilha que vendia facilidades no governo. Em troca de pequenos agrados, inclusive em dinheiro, ela usava a intimidade que tinha com Lula para abrir as portas de gabinetes restritos na Esplanada. Foi demitida, banida do serviço público e indiciada por crimes de formação de quadrilha e corrupção. Um ano e meio após esse turbilhão de desgraças, no entanto, a fase ruim parece ter ficado no passado. Para que isso acontecesse, porém, Rose chegou ao extremo de ameaçar envolver o governo no escândalo."
O general Golbery do Couto e Silva (também conhecido como "O Bruxo") disse certa vez a Emílio Odebrecht que Lula nada tinha de comunista, que não passava de um bon vivant, que deixou de ser operário quando fundou o PT e que trocou a pinga vagabunda e os cigarros baratos por vinhos premiados, uísques caríssimos e charutos de US$ 100 assim que encontrou quem pagasse a conta. Análise perfeita, mas não totalmente exata: na condição de líder sindical, Lula não dava expediente em chão de fábrica desde 1972; numa conta de padaria, mais da metade de seus "gloriosos dias" foi dedicada à "arte da política", não ao batente diário que consome o tempo de milhões de brasileiros (mais detalhes na sequência O desempregado que deu certo).
A luz viaja a 1.079.252.848,8 km/h no vácuo, mas não preenche o escuro que a Enel fornece a 24 municípios da região metropolitana de São Paulo. Na noite da última quarta-feira, o breu voltou a se instalar em cerca de 300 mil domicílios, muito dos quais ainda amargavam as consequências do apagão do último dia 3. Como desgraça pouca é bobagem, temporais com rajadas de vento estão previstos para este final de semana — um para a Enel, prefeitos e governador, que atribuem às árvores (mal podadas) o papel de vilão da história.
No apagão passado, agentes públicos e privados gastaram mais tempo e energia falando dos problemas do que apresentando soluções. Em meio a um blackout que se entendeu por quase uma semana para milhares de paulistanos, ficou claro (sem trocadilho) que ocorrências dessa natureza farão parte do "novo normal" que nasce do cruzamento da inépcia extrema com o clima irascível. Mas não é só: devido ao forte calor, o consumo de energia elétrica na última semana ultrapassou pela primeira vez, por dois dias consecutivos, a marca de 100 mil MW. Mesmo com os reservatórios das hidrelétricas cheios, o Operador Nacional do Sistema Elétrico precisou acionar as caras e poluentes termelétricas.
Já se vislumbra no horizonte, em meio aos cumulonimbus, mais um aumento na tarifa da energia. Assim, o calor vai aumentar, as tempestades serão mais frequentes e a gente vai pagar mais caro pela energia elétrica que não sabe se vai ter.
***
Atribui-se a Otto Von Bismarck a máxima segundo a qual ninguém dormiria tranquilo se soubesse como são feitas as salsichas e as leis (o porquê desta citação de abertura ficará claro ao final da leitura).
Janja da Silva,terceira mulher de Lula, ocupa desde 1º de janeiro o gabinete no terceiro andar do Palácio do Planalto que pertenceu a Micheque de 2019 a 2022. Marisa Letícia exigiu uma sala, mas nunca se soube o que fez ali uma primeira-dama que, em 8 anos no posto, somou quatro declarações públicas. Sabe-se que ela deixava a sala no fim da tarde, entrava sem bater no gabinete de Lula e, com ou sem testemunhas por perto, repetia o comunicado: era hora de o marido voltar para casa.
A agenda e o número de funcionários à disposição de Janja são mantidos em sigilo, mas sabe-se que ali a exigente primeira-dama planeja contratações e demissões, compras de todo tipos e a próxima viagem do casal, bem como transforma em adversário quem ousa se colocar em seu caminho. Figura em sua lista negra o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, por ter obstruído a compra de uma mesa para o Alvorada no valor de R$ 200 mil e por ter vazado para a imprensa a compra do sofá avaliado em R$ 65 mil e da cama de casal orçada em R$ 42 mil.
O encanto mais recente é a preparação do cardápio semanal do Alvorada. Em maio, em busca de "uma variedade maior de sabores e pratos", Janja contratou três chefs para comandar a cozinha da residência oficial da Presidência. Em postagens nas redes sociais, revelou que evita alimentos com glúten e vigia com lupa o menu oferecido ao marido. "Ele precisa alimentar-se de uma forma bem mais saudável", ensinou.
A impaciência com subordinados transborda mesmo com câmeras por perto, como ocorreu em julho, durante a reinauguração do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia. Lula seguia homenageando os contemplados com a Ordem Nacional do Mérito Científico, quando madame confiscou um microfone para repreender a funcionária do cerimonial: "Segura um pouco. Ele nem entregou a faixa", ordenou.
No dia da posse, a rainha-consorte ficou na frente do rei. Segurando a cadela Resistência, já estava no alto da rampa do Planalto quando Lula chegou lá. E atribuiu a cena sem precedentes à necessidade de comandar o último ensaio para a entrega da faixa por um grupo de "representantes do povo brasileiro" escolhido por ela própria. Em Washington, meteu-se entre o marido e JoeBiden na hora da foto. Na índia, desembarcou ao lado do marido, juntou as palmas das mãos, recitou a palavra “namastê” e avisou que, se ninguém a segurasse, sairia dançando — mas apagou o vídeo quando foi lembrada de que tanta animação não combinava com as inundações devastadoras em curso no Rio Grande do Sul. Em Delhi, de mãos dadas com Lula, invadiu a área em que os membros do G20 seriam fotografados com o primeiro-ministro Narendra Modi — e estava caprichando na pose quando foi gentilmente convidada pelo anfitrião a juntar-se à plateia. "Lula não largava minha mão", explicou.
Até o casamento, em 2022, o que Janja mais fez — e com exemplar determinação — foi andar atrás de Lula. Começou a segui-lo nos anos 1990, na esteira das "caravanas da cidadania" lideradas pelo petista. A amizade ganhou força em 2011, quando a futura esposa convenceu o então ex-presidente a fazer uma palestra no Rio. E a busca ficou mais fácil depois de abril de 2018, quando ela pediu demissão do emprego em Itaipu para instalar-se no acampamento montado em Curitiba, nas imediações do prédio em que o então presidiário mais famoso do Brasil cumpria pena. As visitas conjugais se amiudaram e, meses depois, a namorada do preso virou primeira-dama.
Janja começou governando com plenos poderes o Palácio da Alvorada. No início do mandato, apareceu para uma entrevista à TV Globo vestindo um terninho branco abotoado sobre uma blusa roxa e carregando o que parecia um livro com mais de mil páginas — que, como ela própria esclareceu, era a lista do patrimônio da residência presidencial. "Vou mostrar como este lugar foi entregue para a gente", ameaçou. Em seguida, culpou a família Bolsonaro por distintos estragos — de mesas avariadas a rasgos no revestimento de poltronas e focos de infiltração no teto. Ao longo da conversa, escancarou defeitos de fabricação que, somados, identificavam uma genuína alpinista social prenhe de deslumbramento.
No coração do poder, Janja parece tão à vontade quanto deputado no sexto mandato. Invade reuniões ministeriais sem pedir licença, dá pitos em quem piora o humor do marido com más notícias, nomeia e demite. Com Lula retido em Brasília para comparecer à posse do ministro Barroso na presidência do STF, ela visitou a região gaúcha afetada pela tragédia. Escoltada por ministros, prometeu socorro aos flagelados e ajuda aos desvalidos. Não é pouca coisa, mas é quase nada para a paranaense de 57 anos resolvida a "ressignificar o conceito de primeira-dama". A expressão não mereceu uma única e escassa menção no texto constitucional, mas, a julgar pelo que anda fazendo, ela acredita que quem vota num candidato a presidente elege um casal.
Na semana passada, ao virar capa de revista, a modelo principiante deixou claro que o que parecia duro de engolir se tornou intragável. Na sessão de fotos produzidas por Bob Wolfenson — um craque no mundo da moda —, ela usou seis trajes concebidos por estilistas nativos dos quais é cliente. "Compro o que eles fazem porque a gente precisa falar mais sobre moda brasileira", justificou. Entre outras declarações, informou que vai continuar opinando sobre o que lhe der na telha. "Não é porque sou mulher do presidente que vou falar só de batom", recitou. Mas reiterou a antiga paixão por cremes para os cabelos, cosméticos, roupas e sapatos.
Depois de Lula, o que Janja mais ama são as decolagens no avião presidencial, rumo a novas gastanças em algum ponto do planeta. Já pediu ao marido uma aeronave nova, com banheiro, cama de casal e maior autonomia de voo. Quanto ao ritmo das viagens internacionais, contenta-se com uma por mês — nos dez primeiros meses de governo, foram visitados 19 países. E não pode se queixar da qualidade dos hotéis: numa viagem das arábias, o primeiro-casal se hospedou num sete estrelas cujas diárias espantam até campeões do ranking da Forbes. Além disso, cabe a ela conferir a lista de integrantes das comitivas cada vez mais gordas (no voo para a China, por exemplo, embarcam 300 felizardos).
Essa vida que Janja teria pedido a Deus se acreditasse em Deus fica mais ensolarada quando algum órgão de imprensa amplifica seus poderes. Sua influência no governo levou o Le Monde a qualificá-la de vice-presidente. "Passaram-se meses, quase um ano, e Janja não saiu dos palcos, muito pelo contrário", observou o jornal francês. Aos 57 anos, ela se tornou uma das figuras políticas mais influentes do país. É uma ascensão e tanto para quem nasceu no município paranaense de União da Vitória, no seio de família considerada "reacionária e conservadora" — que teria desaprovado sua filiação da ao PT em 1983. Aliás, sabe-se que seu pai e seu irmão reprovaram seu primeiro casamento porque o escolhido era 11 anos mais velho, mas não se sabe como reagiram ao fato de o atual marido ser 20 anos mais velho.
Em 1986, contratada pela liderança do PT na Assembleia Legislativa do Paraná, Janja descobriu que a carteirinha do partido garantia ao portador uma vaga no Programa Desemprego Zero para a companheirada. Em 2005, no primeiro mandato do desempregado que deu certo, a bolsista tornou-se "socióloga de campo" em Itaipu (sem concurso), e ao deixar a empresa para dedicar-se em tempo integral à busca do vidão de primeira-dama, embolsava R$ 20 mil mensais.
Se não fosse prisioneira do deslumbramento, Janja trataria de administrar com competência programas sociais historicamente geridos pela mulher do presidente. Se valorizasse a discrição, tocaria sem barulhos projetos específicos — qualquer comparação com a antropóloga Ruth Cardoso, criadora do programa Comunidade Solidária, seria um insulto à memória da mulher de FHC. Além de herdar o que as antecessoras tiveram de pior, a atual primeira-dama parece ter sido condenada ainda no berçário a intrometer-se em tudo. E acaba não fazendo nada. Quanto mais avança na tentativa de ressignificar sabe Deus o quê, maior é a sensação de que ela chegou lá não para resolver, mas para complicar.
"Minhas conversas com o presidente são dentro de casa, no nosso dia a dia, e nos fins de semana, tomando uma cervejinha. Ele me ouve com muita atenção", jura a doutora em tudo. Como certamente conversam bastante também nas viagens mensais, melhor nem pensar nos efeitos provocados pelos pareceres da primeira-dama ressignificada ao pousarem na cabeça baldia de Lula, que sempre leva em conta a opinião da companheira.
Marisa Letícia Lula da Silva morreu no dia 3 de fevereiro de 2017, aos 66 anos, vítima de um aneurisma. Embora ela fosse hipertensa, sedentária e fumante, sua morte foi inesperada. Durante o velório, o viúvo proferiu um discurso emocionado, regado a lágrimas, e a imprensa concedeu ampla cobertura à desgraça que se abateu sobre o Clã Lula da Silva. Nas redes sociais, mensagens de solidariedade, pêsames e congêneres dividiram espaço com posts publicados por gente que não morria de amores por Lula, pelo PT e pela própria ex-primeira dama. Alguns resvalaram do mau gosto para o grotesco, o que é indesculpável, mas, ainda assim, compreensível.
Militantes de esquerda em geral e puxa-sacos em particular relembraram a infância pobre da falecida, que estudou somente até a 7ª série, começou a trabalhar aos 9 anos, enviuvou do primeiro marido aos 20, liderou a marcha pela libertação do segundo, costurou a primeira bandeira do PT, apoiou o chefão da ORCRIM nas campanhas; enfim, pintaram-na como uma Amélia melhorada, com a inteligência de Marie Curie, a abnegação de Madre Teresa, a têmpera de Margaret Thatcher e a fleuma de Hillary Clinton (no episódio Monica Lewinsky).
Curiosamente, ninguém mencionou que a finada deixou patente, bem do Escândalo do Mensalão, a notória incapacidade petista de separar o público do privado ao mandar plantar, no gramado do Alvorada, um canteiro de flores vermelhas no formato da estrela símbolo do partido. Tampouco foi lembrado que ela ― muito convenientemente ― teria “fechado os olhos” (aqui metaforicamente) para o affair do marido com Rosemary Noronha (entendeu agora o que eu quis dizer com a “fleuma de Hillary”?).
Rose, como a “segunda-dama” era chamada informalmente, foi apresentada a Lula pelo guerrilheiro de araque José Dirceu. O “caso” teve início na década de 90, mas só veio a público em 2012, quando a PF deflagrou a Operação Porto Seguro. Nesse meio tempo, a moçoila acompanhou “O Chefe” ― ou “Deus”, como ela costumava se referir a ele ― em pelo menos 32 viagens oficiais. Seu nome não constava do manifesto de voo e ela não compartilhava com Lula a mesma suíte, mas ficava nos melhores hotéis, comia do bom e do melhor em restaurantes estrelados e, segundo Leo Pinheiro, recebia R$ 50 mil por mês da OAS (também a pedido do petista, o empreiteiro teria incluído o marido de Rose na folha de pagamento da empresa).
Quando a história ganhou notoriedade, o repórter Thiago Herdy e o jornal O Globo entraram na Justiça com um pedido de quebra do sigilo dos gastos da dita-cuja no cartão corporativo da Presidência, mas o STJ empurrou a coisa com a barriga. Em 2014, quando o movimento “Volta, Lula” ganhou corpo, Dilma ― que prometeu “fez o diabo” para se reeleger ― ameaçou divulgar as despesas da concubina real, forçando o petralha a recuar.
Segundo o jornalista Cláudio Humberto, editor do blog Diário do Poder, os gastos com cartões corporativos no período de 2003 a 2015 somaram R$ 615 milhões (mais de R$ 51 milhões por ano), ao passo que no último ano do governo FHC a conta foi de “apenas” R$ 3 milhões. A farra foi tamanha que um alto funcionário do Ministério das Comunicações chegou a pagar duas mesas de sinuca com o cartão corporativo — que também foi usado por seguranças da “primeira-família” para pagar equipamentos de musculação e materiais de construção para Lurian, filha de Lula.
Em setembro de 2013, o jornalista Augusto Nunes publicou em sua coluna: "Neste sábado, Lula completará 288 dias de silêncio sobre o escândalo que protagonizou ao lado de Rosemary Noronha. Ele parece ainda acreditar que o Brasil acabará esquecendo as bandalheiras que reduziram a esconderijo de quadrilheiros o escritório da Presidência da República em São Paulo. No mais cruel dos dias para quem tem culpa no cartório, a edição de VEJA tratará de reiterar que a memória da imprensa independente não é tão leviana. As revelações contidas nas quatro páginas tornarão mais encorpada e mais cinzenta a pilha de perguntas em busca de resposta. Por exemplo: quem está bancando os honorários do oneroso exército de advogados incumbido de livrar de punições judiciais a vigarista de estimação do ex-presidente? Num depoimento à Polícia Federal, Rose não conseguiu explicar como comprou o muito que tem com o pouco que ganha. De onde vem o dinheiro consumido pela tropa de bacharéis que cobram em dólares americanos? Lula sabe”. Segue um excerto da matéria: A discrição nunca foi uma característica da personalidade de Rosemary Noronha. Quando servia ao ex-presidente em Brasília, ela era temida. Em nome da intimidade com o “chefe”, fazia valer suas vontades mesmo que isso significasse afrontar superiores ou humilhar subordinados. Nos eventos palacianos, a assessora dos cabelos vermelhos e dos vestidos e óculos sempre exuberantes colecionou tantos inimigos — a primeira-dama não a suportava — que acabou sendo transferida para São Paulo. Mas caiu para cima. Encarregada de comandar o gabinete de Lula de 2009 a 2012, Rose viveu dias de soberana e reinou até ser apanhada pela Polícia Federal ajudando uma quadrilha que vendia facilidades no governo. Ela usava a intimidade que tinha com Lula para abrir as portas de gabinetes restritos na Esplanada. Em troca, recebia pequenos agrados, inclusive em dinheiro. Foi demitida, banida do serviço público e indiciada por crimes de formação de quadrilha e corrupção. Um ano e meio após esse turbilhão de desgraças, no entanto, a fase ruim parece ter ficado no passado. Para que isso acontecesse, porém, Rosemary chegou ao extremo de ameaçar envolver o governo no escândalo."
No discurso emocionado que proferiu no velório da esposa, Lula disse que ele dona Marisa foram foram vítimas de injustiça, que a mulher morreu "triste com a maldade que fizeram com ela" e que ele espera que "os facínoras que fizeram isso um dia peçam desculpas". Confira um trecho do comício:
“Se alguém tem medo de ser preso, este que está aqui, enterrando sua mulher hoje, não tem. Não tenho que provar que sou inocente. Eles que precisam dizer que as mentiras que estão contando são verdadeiras. Marisa foi mãe, foi pai, foi tia, foi tudo; eu e ela nunca brigamos. Marisa nunca pediu um vestido, um anel. Eu vou continuar agradecendo à Marisa até o dia que eu não puder mais agradecer, o dia em que eu morrer. Espero encontrar com ela, com esse mesmo vestido que eu escolhi para colocar nela, vermelho, para mostrar que a gente não tinha medo de vermelho quando era vivo, e não tinha medo de vermelho quando morre”.
Neste vídeo, a jornalista e hoje deputada federal Joice Hasselmann resumiu em 6 minutos, de maneira irreprochável, o que pensava da desfaçatez do viúvo que transformou esquife em palanque e foi aplaudido pelos micos amestrados de costume — conquanto muita gente tenha lido nas entrelinhas a monstruosidade moral de um safardana nauseabundo, capaz de usar a morte da mulher para fazer proselitismo político.
Antes de desposar Marisa Letícia Rocco Casa, o desempregado que deu certo foi casado com Maria de Lourdes da Silva — uma mineira cuja família fugiu da seca no início dos anos 1950. Se tivesse seguido pela rota de Montes Claros ao invés de descer em direção a Governador Valadares, o pau-de-arara que trazia dona Lindú e os filhos poderia ter cruzado com a caminhoneta que levava a futura esposa do futuro petista à gare da Central do Brasil, onde ela (então com 3 anos) e seus familiares tomaram o "trem baiano" para São Paulo.
Os dois se conheceram num bairro pobre da periferia paulistana, onde moravam em casas contíguas, e se casaram em maio de l969 — a festa de foi na casa da irmã Ruth (ex-Tiana), e teve sanduíche, bolo e guaraná. Um ano depois, o casal comprou uma casinha com 2 quartos, sala e cozinha, que reformou para receber o primeiro filho. A gravidez transcorreu sem problemas até o oitavo mês, quando então Lourdes contraiu hepatite e foi submetida a uma cesárea de emergência. Nem ela nem a criança sobreviveram.
Em algum momento de sua viuvez, Lula conheceu a enfermeira Miriam Cordeiro, com quem teve a filha Lurian. e que foi protagonista de um vídeo exibido por Fernando Collor, no horário eleitoral do segundo turno de 1989, no qual a mulher dizia que Lula lhe ofereceu dinheiro para que abortasse. O episódio teve grande repercussão e o petista perdeu a eleição (não só por causa do vídeo, mas, certamente, também devido a ele). Soube-se mais adiante que ela havia recebido dinheiro da campanha de Collor para fazer a "denúncia", mas então o estrago já estava feito.
Lula se filiou ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema em 1967, incentivado pelo irmão José Ferreira da Silva (o tal Frei Chico), que era ateu e militante do Partido Comunista Brasileiro. Na época, o futuro fundador do PT dizia ter ojeriza à política e a quem gosta de política, mas se elegeu 2º suplente da diretoria da entidade em 1969, 1º secretário em 1972 e presidente em 1975. Foi sob sua liderança que o ciclo de greves em prol da recomposição salarial da categoria teve início.
Em 1974, Lula se casou com Marisa Letícia, que havia conhecido sete meses antes, no Sindicato. Paulista de São Bernardo do Campo, ela nasceu em 7 de abril de 1950 e começou a trabalhar aos 9 anos de idade — primeiro como babá, depois na fábrica de doces Dulcora— e foi casada com o taxista Marcos Cláudio da Silva, que morreu assassinado seis meses depois do enlace. Além de Marcos, fruto do primeiro casamento, ela teve com Lula os filhos Fábio Luiz (vulgo Lulinha), Sandro Luiz e Luiz Cláudio.
Como principal dirigente do movimento sindical brasileiro, Lula participou de assembleias e reuniões em todo o país (chegando mesmo a ir ao Japão a convite da Toyota). Foi cassado em 1979, mas recuperou o cargo ao final da greve. No ano seguinte, acusado de promover greve e incitar publicamente à "subversão da ordem político-social", eleficou 31 dias detido nas dependências do DOPS, mas jamais foi torturado. O delegado Romeu Tuma, então diretor-geral do DOPS, permitia que ele lesse jornais, recebesse visitas importantes e até visitasse a mãe, que estava com câncer terminal (ele ia deitado no banco traseiro de uma viatura, escoltado por agentes vestidos como operários). Quando dona Lindú morreu,Tuma o autorizou a acompanhar o enterro.
Marisa Letícia confeccionou a primeira bandeira do PT, mas pouco apareceu nas campanhas de Lula anteriores à de 2002. Em dezembro de 2016, virou ré na Lava-Jato, acusada de crime de lavagem de dinheiro ao lado marido no caso do tríplex, mas não chegou a ser condenada: um aneurisma a matou em fevereiro de 2017, cinco meses antes de Sergio Moro proferir a sentença condenatória.
Golbery do Couto e Silva ("O Bruxo") disse a Emílio Odebrecht que Lula posava de esquerdista, mas não passava de um bon vivant. Com efeito. O molusco deixou de ser operário quando fundou o PT, mas, na condição de líder sindical, não dava expediente em chão de fábrica desde 1972. Bastou encontrar quem pagasse a conta para ele trocar a pinga vagabunda e os cigarros baratos por vinhos premiados, uísques caríssimos e charutos de US$ 100. Numa conta de padaria, mais da metade de seus "gloriosos dias" foi dedicada à "arte da política", não ao batente diário que consome o tempo de milhões de brasileiros.
Lula começou a trabalhar aos 7 anos, mas sempre foi avesso à labuta, preferindo viver de privilégios e mordomias conquistados através de contatos proveitosos. O embusteiro que emergiu das delações da Odebrecht desnudado da roupagem de salvador da pátria prestava serviços a corporações corruptas, de todos os matizes e origens, em troca dos prazeres da boa vida. Como camelô de empreiteiro, ele desfrutou do poder de maneira indecorosa, mas sem jamais deixar de cultuar a imagem de político habilidoso, honesto e provido de um senso de justiça social sem paradigma na história deste país.
Na avaliação de Dora
Kramer, ao pedir ao TRF-4 o
aumento da pena (de 12 anos e 11 meses) de Lula
no processo referente ao sítio de Atibaia, o MPF claramente reagiu à tentativa de Gilmar Mendes de criar um atalho jurídico para a soltura do petista.
Dora pondera ainda que os
procuradores não só deixaram patente o tratamento que entendem deva ser dispensado
ao condenado, como reafirmaram seu apoio ao ministro da Justiça, que conduziu o
processo quando era juiz da 13ª Vara Federal do Paraná — à juíza substituta Gabriela Hardt coube apenas firmar a
condenação e estabelecer a pena.
A narrativa de perseguição política e condenação sem provas
que Lula e seus eternos apoiadores
cantam em prosa e verso não se sustenta senão nos delírios megalômanos do demiurgo
pernambucano — se bem que megalomania é uma característica que ele já demonstrou
ad nauseam, inclusive no discurso-comício
que fez no dia em que foi preso, quando disse não ser mais uma pessoa, mas sim uma ideia. Naquela época, a 8ª Turma do TRF-4 havia
confirmado por unanimidade sua condenação, aumentado sua pena para 12 anos e 1
mês e, após apreciar os embargos declaratórios da defesa, determinado sua
prisão. Ao então juiz Moro — que o ex-presidente vê como seu algoz — coube apenas fazer
cumprir a decisão do Tribunal.
No post daquele sábado, 7, comentei jamais ter visto em 6 décadas de existência a imprensa cobrir ao vivo, durante tanto tempo, uma comédia burlesca como aquela, cujo ápice se deu na manhã do sábado, no discurso-comício feito sob medida para militontos e apoiadores em que o petista, em sua peroração patética, desafiou “procuradores e asseclas”, Moro e os desembargadores do TRF-4 para um debate sobre as provas que embasaram sua condenação (volta a esse assunto mais adiante).
Se em algum momento Moropecou, foi quando ofereceu ao condenado, “em homenagem à dignidade do cargo” (do qualLulajamais
foi digno), a opção de
se entregar espontaneamente, além de vetar o uso de algemas e mandar preparar
uma cela especial para acomodá-lo, esquecendo-se de que oferecer a mão a um
petista implica o risco de perder o braço. Lula
brincou de gato e rato com a PF
durante mais de 24 horas, e quando o prazo para se entregar voluntariamente expirou,
às 17h do dia 6 de abril de 2018, encastelou-se no Sindicato dos Metalúrgicos de SBC e lá ficou até o início da noite
seguinte. Ao longo de toda a
palhaçada, integrantes da alta cúpula petista estimularam seu amado líder a não
se entregar, enquanto seus advogados sugeriam o contrário. Entrementes, o STJ negou mais um
pedido de habeas corpus — em seu
despacho, Fachin, escreveu que a
existência de recursos sub judice (no
caso, os famigerados “embargos dos embargos”) não constituía fator impeditivo ao
cumprimento da pena de prisão.
Terminado o “ato ecumênico” em homenagem a Marisa Letícia — que completaria 68
anos naquele sábado se não tivesse morrido 14 meses antes —, o metalúrgico que
aprendeu a falar com tanto brilho que bastava abrir a boca para iluminar o
mundo de Marilena Chauí resolveu
tomar mais uns tragos, almoçar e dormir a sesta antes de, finalmente, dignar-se de ser conduzido pela PF ao aeroporto de Congonhas e de lá para Curitiba, onde uma
sala VIP havia sido preparada para
acomodá-lo (ao custo de 10 mil reais por mês).
Réu em 10 ações criminais (detalhes mais adiante), condenado
em duas e preso há 450 dias, o pseudo parteiro do Brasil Maravilha continua
protestando inocência — e assim continuará até o dia em que o diabo finalmente
o carregar. No processo do tríplex, nada menos que 21 juízes viram evidências
de culpabilidade suficientes para condená-lo ou, conforme o caso, manter sua
condenação e ordem de prisão. Seu batido ramerrão — em que os ratos põem
a culpa no queijo — insulta nossa inteligência com a fantasiosa teoria em que a ratazana mor atribui suas mazelas, que são mera consequência dos crimes que cometeu, a uma conspiração política, a uma tramoia da elite que não a perdoa por dar
aos pobres a chance de andar de avião e comer carne, a Moro e os procuradores da
Lava-Jato, que o condenaram sem provas para impedi-lo de disputar a presidência da Banânia. É muita cara de pau!
Observação: Em nenhum país que se pretende civilizado e
democrático a candidatura de um criminoso condenado e encarcerado seria levada
a sério, e tampouco que as mais altas esferas judiciais declarassem que a
inelegibilidade do presidiário era tão chapada quanto sua culpabilidade — coisa
que um servidor do cartório eleitoral poderia ter dito logo no começo dessa
patética função circense. Mas estamos no Brasil, o “sistema” está fora do ar e
por conta disso tivemos de pagar por uma das farsas mais velhacas já aplicadas
na política deste país.
Insulta nossa inteligência, também, a falácia de que todos os juízes
que condenaram o pseudo redentor dos miseráveis — muitos dos quais foram
indicados por ele próprio ou por sua imprestável sucessora — se mancomunaram
para colocá-lo atrás das grades sem prova alguma. Seriam todos perseguidores e/ou
incompetentes? Só mesmo nos delírios mais megalomaníacos do parteiro do Brasil
Maravilha — e na cabeça oca daqueles cuja capacidade de discernimento, rasa a
ponto de uma formiguinha conseguir atravessar sem sequer molhar as canelinhas — que tamanho absurdo poderia fazer sentido.
Observação: Se você tem estômago forte para rever cenas
autênticas com Lula, Dilma, Cunha, Temer, Cardozo e
outros ícones da corrupção nacional, não deixe de assistir ao documentário Democracia em Vertigem, no qual a
cineasta Petra Costa ora pinta o
desempregado que deu certo como herói nacional, ora deixa claro que ele enveredou
pelo caminho sem volta da corrupção ao comprar apoio parlamentar através do
Mensalão, mas as cenas gravadas no dia de sua prisão são imperdíveis.
Durante a tramitação do processo sobre o tríplex do
Condomínio Solaris, na badalada Praia das Astúrias, que foi totalmente remodelado
e ricamente decorado pela construtora OAS
como “agradecimento” pela ajuda na obtenção de contratos da empreiteira com a
Petrobras, os advogados de Lula ingressaram com mais de 100 recursos. Nunca
antes na história deste país houve outro caso em que o direito de defesa tenha
sido tão amplamente explorado. Ao contrário do que afirma a defesa, o
então juiz Moro e os três
desembargadores da 8º Turma do TRF-4
não condenaram o demiurgo de Garanhuns com base “em meros depoimentos”,
mas à luz de um conjunto avassalador de provas documentais — tais como termos
de adesão e compromisso, formulários (alguns dos quais rasurados, mostrando
intenção de ocultar a real propriedade do imóvel), contratos, declarações de
Imposto de Renda, emails trocados entre executivos da OAS e até imagens do ex-presidente em visita ao imóvel. Não havia
como não reconhecer a culpabilidade chapada do acusado — tanto assim que o TRF-4 aumentou a pena de 9 anos e meio para 12 anos e 1 mês de prisão.
A defesa levou o caso aos tribunais
superiores, não para analisar o mérito da condenação, até porque o reexame das
provas só é possível até a segunda instância, mas para conseguir os habeas corpus que livrariam o exterminador
do plural do cumprimento antecipado da pena. Se tivesse havido arbitrariedade,
se a defesa tivesse sido cerceada ou prejudicada, se a condenação tivesse
alguma irregularidade jurídica ou factual, haveria motivo para conceder o habeas corpus. Mas nenhum dos cinco membros da 5ª Turma do STJ (Fischer,
Mussi, Fonseca, Dantas e Paciornik) e os seis ministros que
votaram contra o HC de Lula no Supremo (Fachin, Moraes, Barroso, Rosa, Fux e Cármen) viram qualquer irregularidade no processo. E os que
votaram a favor (GilmarMendes, Toffoli e Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello) só o fizeram porque são contrários ao início da
execução da pena após condenação em segunda instância — se algum deles tivesse
encontrado algum problema, certamente teria feito alguma menção explícita, mas
todos embasaram seus votos na tese geral a respeito da presunção de inocência.
Na semana passada, ao decidir não decidir sobre o habeas corpus com base na suposta parcialidade do ex-juiz Sergio Moro, a 2ª Turma do STF deu abertura a uma manobra indecente, mas não
inédita, semelhante ao salvo-conduto dado pelo
plenário da Corte ao próprio Lula, em março de 2018, quando,depois desistiram de prosseguir com o julgamento
e, atendendo a um pedido verbal da defesa, concederam uma estapafúrdia liminar que
impedia a prisão do molusco até que o mérito do recurso fosse julgado — o que
só ocorreu depois dos feriados da Semana Santa. Desta vez, o procedimento foi parecido, mas o resultado, felizmente, foi diferente: Celso de Mello votou com Fachin e Cármen Lúcia contra a concessão da liminar — ou seja,Gilmar e Lewandowski, que votaram favoravelmente à soltura do paciente, "entraram pelo decano", como disse o sempre inspirado José Simão.
O STF esteve muito perto de
manchar sua história como poucas vezes se viu na vida deste país: uma decisão
equivocada da corte, motivada por determinadas visões jurídicas ou mesmo
ideológicas, é grave e perigosa, mas ainda passível de debate e argumentação. Já se Lula tivesse
conseguido a liberdade, estaríamos diante da validação do truque regimental, da
institucionalização da chicana, do abandono da missão de julgar, da promoção
objetiva da injustiça ou do privilégio por meio de atalhos, independentemente
de haver alguma intencionalidade neste sentido. E isso não há como defender.
Eu pretendia concluir este post com uma breve retrospectiva
da situação jurídica do deus pai da Petelândia, mas o tamanho do texto recomenda deixá-la
para uma próxima oportunidade.