domingo, 13 de fevereiro de 2022

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS! (PARTE XIII)

Para não acabar no xadrez, Michel Temer resolveu jogar seu xadrez, e assim indicou Alexandre de Moraes para a vaga aberta no STF com a morte de Teori Zavascki. Então ministro da Justiça, Moraes aceitou a gentil oferta do mandatário, embora tivesse anotado em sua tese de doutorado que “ninguém em cargo de confiança do presidente da República poderia ser indicado ao Supremo Tribunal Federal, para evitar “gratidão política.

Atualmente, com exceção do próprio MoraesGilmar Mendes — herança maldita de FHC —, Nunes MarquesAndré Mendonça — indicados por Bolsonaro —, os supremos togados foram todos indicados por Lula ou por Dilma.

A escolha de um ministro supremo não é uma decisão qualquer, como escolher uma gravata. Mas Bolsonaro indicou o desembargador piauiense Nunes Marques por "afinidade". "Não vou botar uma pessoa só por causa do currículo", disse o psicopata do Planalto sobre o currículo anabolizado do apadrinhado, dando de ombros para o fato de notável saber jurídicoreputação ilibada serem requisitos constitucionais para alguém ocupar uma cadeira no Supremo

Bolsonaro preferiu priorizar a tubaína que ele e o escolhido haviam tomado juntos e irrelevar o fato de os títulos de "pós-doutor" em Direito Constitucional pela Universidade de Messina, na Itália, e de "postgrado" em contratação pública pela Universidad de La Coruña, na Espanha, serem respectivamente um ciclo um ciclo de palestras e um curso de extensão de cinco dias. 

O eminente desembargador também não viu problema algum em seu currículo. Faz sentido. Pode-se desconfiar de uma verdade, mas a mentira, como tal, será sempre rigorosamente verdadeira. Melhor não discutir com especialistas nem tampouco criticar o presidente — que, embora dispusesse de "uns dez bons currículos", preferiu selecionar alguém com quem tomou muita tubaína. E daí?

Há algumas esquisitices em nossa Suprema Corte — de ministro reprovado em concurso para juiz a magistrado que mantém negócio privado. Com o ingresso de Nunes Marques, a supremacia do tribunal foi tisnada pelo currículo-tubaína do substituto do libertador de traficantes. Isso sem falar na mais recente nomeação. 

Fazia tempo que Bolsonaro prometera um ministro terrivelmente evangélico: "Imaginemos as sessões daquele Supremo Tribunal Federal começarem com uma oração". Diferentemente de outras promessas — como acabar com a reeleição, apoiar a Lava-Jato e não se curvar à velha política do “toma-lá-dá-cá”, essa, pelo menos, sua alteza cumpriu. E a aprovação do pastor presbiteriano pelo Senado foi comemorada no Planalto com pulinhos, gritinhos de “Aleluia”, “Glória a Deus” e frases ininteligíveis — cortesia da primeira-dama, que, a exemplo do marido, não faz a menor ideia do que seja “liturgia do cargo”.  

Como dizia Tom Jobim, o Brasil não é para amadores. Mas agora isto aqui está ficando esquisito até para os mais devotados profissionais.

sábado, 12 de fevereiro de 2022

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS! (PARTE XII)


— Não renunciarei. repito: não renunciarei. Se quiserem, me derrubem! — rosnou Michel Temer, o dedo em riste demonstrando que o que lhe importava era se manter no cargo a qualquer custo. “Renunciar seria uma confissão de culpa”, asseverou o nosferatu tupiniquim, como se àquela altura suas justificativas estapafúrdias tivessem alguma credibilidade.

Na verdade, (quase) todo mundo queria ver Temer pelas constas, só que ninguém queria fazer o trabalho sujo. Assim, o governo ruiu, mas o mandatário continuou lá, aprovando coisas um tanto sem sentido, apenas para sinalizar que tudo estava na mais perfeita ordem, na mais santa paz (nada muito diferente do que acontece com o atual governo, onde Bolsonaro finge que preside enquanto o Centrão dá as ordens).

Quando a delação de Joesley Batista veio à tona, Temer perdeu a segunda grande chance de renunciar (a primeira foi por ocasião da deposição de Dilma). Comentou-se que ele chegou a pensar seriamente em fazê-lo, mas foi demovido da ideia por Eliseu PadilhaMoreira Franco, Carlos Marun, Romero Jucá e outros assessores puxa-sacos, igualmente investigados ou suspeitos de práticas nada republicanas, que perderiam os cargos e o foro privilegiado se o presidente renunciasse.

Em seu primeiro pronunciamento à nação depois que Lauro Jardim revelou a conversa de alcova de Temer e o moedor de carne bilionário, o presidente disse que o inquérito no STF seria “o território onde surgiram as explicações e restaria provada sua inocência”. E o que fez a partir de então? Mentiu descaradamente para justificar o injustificável, atacou seus acusadores e moveu mundos e fundos (especialmente fundos) para obstruir a denúncia. 

Descartada a renúncia e afastado o impeachment, não só porque Rodrigo Maia decidira empurrar a coisa com a barriga enquanto pudesse, mas também porque o processo demoraria demais e o país sofreria as consequências de outra deposição presidencial, via Congresso, em menos de 18 meses, só restou o inquérito no STF e o julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE — ação proposta pelo PSDB a pretexto de “encher o saco do PT”, conforme revelou o candidato derrotado Aécio Neves numa conversa gravada por (ele de novo!) Joesley Batista, que vinha se arrastando havia anos. 

Por (mais) uma ironia do destino, o partido que se tornou o maior aliado do governo com o impeachment transformou-se em seu algoz. Mas os tucanos mantiveram um pé no poleiro e os olhos no TSE, prontos para bater asas e voar assim que a cassação da presidanta lhes parecesse inevitável.

A procrastinação do julgamento complicou ainda mais a situação de Temer, pois ensejou a inclusão de outros elementos contra ele. Assim, se não havia evidências de que o vice não recebeu dinheiro de caixa 2 para sua campanha, não falavam provas de que a chapa recebeu, e ele se beneficiou dos mesmos recursos que garantiram a reeleição da presidanta. 

Depois de dizer que “os juízes não são de Marte” — dando a entender que seria impossível ignorar o cenário político e as consequências da cassação de (mais) um presidente — Gilmar Mendes adiantou para a imprensa que o julgamento seria “jurídico e judicial”, que o Tribunal não era “joguete de ninguém”, e que não cabia à Corte “resolver crise política”.

Antes do vazamento da delação dos donos da JBS, dava-se de barato que o TSE livraria a pele de Temer. A última coisa que se desejava naquele momento era mais uma troca de comando, mesmo porque o governo vinha tocando as reformas e a economia, dando sinais de recuperação. Mas seria difícil justificar a manutenção de um presidente altamente impopular e, ainda por cima, investigado por corrupção passiva, organização criminosa e obstrução da Justiça.

O ministro-relator Hermann Benjamin — que produziu um calhamaço de mais 1.000 páginas — defendia eleições diretas para a escolha do próximo presidente. Em sua avaliação, se a eleição de 2014 sagrou vencedora uma chapa que comprovadamente fraudara o pleito, a vontade popular fora desrespeitada e a eleição deveria ser anulada, dispensando o cumprimento do art. 81 da Constituição (que estabelece a realização de eleições indiretas no caso de vacância a partir de dois anos do mandato). Acabou que Gilmar Mendes entrou em ação e a chapa foi absolvida por 4 votos a 3 — “por excesso de provas”, como observou posteriormente o relator.

Enquanto houver bambu, vai ter flecha”, avisou o PGR Rodrigo Janot, que simpatizava com Dilma, mas não suportava Temer. Respaldado nos depoimentos de Joesley Batista e Lúcio Funaro (o homem da mala do presidente), Janot apresentou duas denúncias contra o vampiro do Jaburu, mas ambas foram barradas pela Câmara. Temer não foi apeado do cargo porque: 

1) Faltou consenso em torno do seu eventual sucessor (os parlamentares não estavam dispostos a abrir mão das eleições indiretas nem de escolher um de seus pares para o mandato-tampão); 

2) Não houve vontade política dos nobres congressistas; 

3) Não faltam, entre os 513 deputados federais, quem se disponha a votar contra ou a favor de qualquer coisa, desde que haja a "devida reciprocidade".

Continua...

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS (PARTE XI)


Pessoas normais miram-se no espelho e veem a própria imagem. Ególatras, megalômanos e lunáticos veem aquilo que gostariam de ver — ou de ser. Eis o porquê de certo retirante pernambucano que vendeu laranjas, engraxou sapatos e trabalhou como office-boy antes de se tornar torneiro mecânico, eneadátilo, dirigente sindical, fundador de político e presidente da República se ver como “a alma viva mais honesta do Brasil”.

Os vampiros, como se sabe, não têm a imagem refletida em espelhos, e talvez por isso... bem, vamos por partes. Em dezembro de 2015, o então vice decorativo de Dilma enviou uma carta à chefa (que vazou por obra e graça do próprio missivista e foi largamente reproduzida na mídia) dizendo que “a palavra voa, mas o escrito fica” — daí ele preferir manifestar por escrito o "desabafo que devia ter feito muito antes" — e que sempre teve ciência da absoluta desconfiança da presidanta e do PT em relação a ele e ao PMDB

A nefelibata da mandioca disse que “não via motivos para desconfiar um milímetro de seu vice, que sempre teve um comportamento bastante correto”, mas não demorou a perceber que estava enganada. Depois que a Câmara votou a admissibilidade do impeachment, Temer enviou uma mensagem de voz a parlamentares peemedebistas em que falava como se estivesse prestes a assumir o governo. 

O áudio dava a impressão de ser um “comunicado" sobre como ele pretendia conduzir o país. Sua assessoria informou que a mensagem havia sido enviada por engano a um grupo de deputados do partido, mas a desculpa não colou. No dia seguinte, Dilma declarou que "havia um golpe em curso que tinha chefe e vice-chefe" (referindo-se a Temer e a Eduardo Cunha, então presidente da Câmara). Sábias palavras, majestade.

Quando foi promovido a titular, Temer relutou em deixar o Jaburu e se instalar no Alvorada, mas cedeu à pressão de aliados — segundo os quais a mudança “atribuiria legitimidade a seu mandato como presidente”. Só que não chegou a esquentar lugar: a despeito dos mais R$ 20 mil que foram gastos com a adaptação do palácio às necessidades de Michelzinho, o vampiro voltou de mala e cuia para o Jaburu. Segundo ele revelou entrevista à revista Veja, o Alvorada era assombrado. Vampiro com medo de fantasma era só o que nos faltava!

Num primeiro momento, a troca de comando foi como uma lufada de ar fresco numa catacumba. Após 13 anos e fumaça ouvindo os garranchos verbais de um semianalfabeto e as frases desconexas de uma destrambelhada que não era capaz sequer de juntar sujeito e predicado numa frase que fizesse sentido, um presidente que não só sabia falar como até usava mesóclises era um refrigério. Não seria de esperar que os problemas do país fossem solucionados da noite para o dia, mas o fato é que Temer conseguiu reduzir a inflação (que rodava pelos 10% quando ele assumiu) e baixar a Selic e aprovar a PEC do Teto dos Gastos e a Reforma Trabalhista, entre outros “prodígios”. No entanto, o ministério de notáveis que ele prometeu se revelou uma notável agremiação de corruptos — que foram caindo à razão de um por mês.

O primeiro a cair foi Romero Jucá, o “Caju”, colega de partido e amigo de longa data de Temer. Em conversa com o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado — gravada sem o conhecimento do interlocutor —, ouve-se Jucá dizer defendendo um pacto para “estancar a sangria” (referindo-se à Lava-Jato). Mesmo sem o status de ministro, o político pernambucano continuou no governo, ocupando uma secretaria criada especialmente para preservar seu direito ao foro privilegiado.

Uma semana depois que o caju caiu do pé foi a vez do ministro da Transparência, Fiscalização e Controle, que caiu devido a uma conversa — também gravada à sorrelfa por Machado — em que ele criticava a Lava-Jato e orientava Renan Calheiros sobre como se comportar em relação à PGR.  Junho levou embora o ministro do Turismo — que, segundo a delação premiada de Machado, teria recebido R$ 1,55 milhão em propina entre 2008 e 2014. 

Julho passou batido, mas agosto pegou no contrapé o então Advogado-Geral da União, que foi demitido por conta de uma discussão com o então todo-poderoso ministro-chefe da Casa Civil (o amigão de Temer em cujo apartamento a PF encontrou R$ 51 milhões em caixas de papelão). O imbróglio resultou também na demissão do ministro da Cultura — que alegou ter sido pressionado para aprovar o projeto imobiliário La Vue Ladeira da Barra, onde o chefe da Casa Civil tinha um apartamento. O desgaste decorrente do episódio levou à queda do próprio Geddel, que “se demitiu” uma semana mais tarde. Temer se empenhou em preservar Eliseu Padilha, o “Primo”, e Wellington Moreira Franco, o “Angorá”, que o ajudavam a comandar, nas palavras de Joesley Batista, “a quadrilha mais perigosa do Brasil”. Tutti buona gente!

Michel Temer, que aspirava a entrar para a história como “o cara que recolocou o Brasil nos eixos”, tornou-se o primeiro presidente no exercício do mandato a ser denunciado por crime comum. Mesmo assim, a nauseabunda tropa de choque do Planalto — capitaneada pelo abjeto Carlos Marun — recrutou um coro de 251 marafonas da Câmara para entoar a marcha fúnebre enquanto a segunda denúncia contra o presidente era sepultada, malgrado a caudalosa torrente de indícios de que ele havia mijado fora do penico. 

A honestidade e a lisura no trato da coisa pública — virtudes esperadas de presidentes, ministros, parlamentares, governadores e políticos em geral — há muito fizeram as malas e partiram do Brasil. Para onde? Ninguém sabe, ninguém viu. Prova disso é a sucessão de escândalos-nossos-de-cada-dia, de fazer corar santo de pedra, mas que a população transforma em anedota porque lágrimas não pagam dívidas e a vida precisa continuar. 

Continua...

A LEI DE MOORE E A COMPUTAÇÃO QUÂNTICA (FINAL)

VOCÊ SEMPRE ACHA ALGO NO ÚLTIMO LUGAR EM QUE PROCURA.

Google anunciou recentemente que seu processador quântico Sycamore atingiu a “supremacia quântica” — ou seja, conseguiu executar em pouco mais de 3 minutos uma tarefa impossível de ser executada pelos supercomputadores clássicos mais poderosos da atualidade (ou até poderia, mas levaria 10 mil anos, de modo que ninguém viveria o bastante para conferir o resultado).

É preciso ter em mente que os computadores quânticos não são tão “supremos” como se imagina, já que o estado quântico dos qubits os torna suscetíveis a vibrações ou variações de temperatura. Nessas circunstâncias, um qubit interfere em outro, criando combinações aleatórias e dando margem a erros que não se verificam num ambiente de bits (para manter a estabilidade, as máquinas quânticas precisam ser mantidas em ambientes extremamente frios, a temperaturas abaixo de zero, o que é impraticável no ambiente de negócio). 

Mas há outros “senões” que, pelo menos por enquanto, impedem essa tecnologia de se tornar padrão de mercado. Aliás, os computadores quânticos que existem atualmente sequer se encaixam no patamar de computadores de propósito geral, como são conhecidos, por exemplo, nossos PCs. Em outras palavras, eles apenas realizam tarefas muito específicas, como a executada pelo Sycamore.

A grande preocupação em relação a esse prodígio tecnológico remete à criptografia: não existe protocolo criptográfico capaz de resistir a um computador quântico teórico operando em plena capacidade. Por outro lado, imagina-se que as máquinas quânticas poderiam ser usadas para criar novos padrões criptográficos mais robustos, que não poderiam ser quebrados nem mesmo por outros computadores quânticos.

Muito do que foi dito aqui (e mais ainda do que não foi dito) não passa de meras lucubrações teóricas. A computação quântica é uma tecnologia emergente, embora já tenha aplicação no mundo real — fabricantes de automóveis, p. ex., utilizam-na em simulações visando encontrar a melhor composição química para maximizar o desempenho das baterias de veículos elétricos, e a Airbus para traçar a melhor trajetória de decolagem e pouso que proporcione maior economia de combustível.

A exemplo do que aconteceu nos anos 1950, quando surgiram os primeiros mainframes, os computadores quânticos são máquinas grandes — alguns tem 3m de altura e ocupam 10m² de espaço —, altamente complexas e caríssimas. Daí elas serem usadas somente em algumas em universidades, grandes corporações e startups com cacife para bancá-las. Demais disso, para manter a estabilidade dos qubits é preciso manter os computadores em temperaturas baixíssimas — quanto mais próximas do zero absoluto (-273°C), melhor — o que é impraticável no ambiente de negócio.

A IBM oferece acesso (via cloud) a seus processadores quânticos desde 2016 — e já anunciou uma roadmap de 1.000 qubits para 2023. A China já investiu cerca de US$ 400 milhões em pesquisas quânticas e os EUA pretendem investir bilhões nesse segmento. Google, Intel, IBM e Microsoft também tem investido pesado nessa tendência, e a Ford está desenvolvendo um projeto-piloto de pesquisa com a Microsoft que usa tecnologia inspirada na computação quântica para simular a movimentação de milhares de veículos e reduzir os congestionamentos. 

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS! (PARTE X)


Em 2012, assistimos estarrecidos (mas esperançosos) à condenação da alta cúpula do Mensalão. Em 2016, livramo-nos de Dilma, que afundou o Brasil na maior recessão da história republicana do país — e está prestes a perder o primeiro lugar no ranking para Bolsonaro, mas isso é outra história.

Quanto ao poste de Lula, nenhuma surpresa: em fevereiro de 1995, quando a paridade cambial entre o real e o dólar favorecia sobremaneira a importação e revenda de badulaques, a calamidade em forma de gente faliu duas lojinhas tipo R$ 1,99 que havia montado em Porto Alegre e batizado com o sugestivo nome de “Pão & Circo” — que remete a uma estratégia romana destinada a entreter a plebe ignara, insatisfeita com os excessos do Império.

Comercializar quinquilharias baratas deveria ser algo trivial para alguém que, 15 anos depois, se apresentaria aos eleitores como a “gerentona” capaz de manter o Brasil no rumo do desenvolvimento. O problema, para Dilma e seus três sócios, é que a futura presidente cuidou da contabilidade da empresa como lidaria mais adiante com as finanças do País: em julho de 1996 seu comercio já não existia mais.

Para começar, a loja foi aberta sem que os donos soubessem ao certo o que seria comercializado ali. Às favas o planejamento — primeiro passo para criação de qualquer negócio que se pretenda lucrativo. A empresa foi registrada para vender de tudo um pouco a preços módicos, entre bijuterias, confecções, eletrônicos, tapeçaria, livros, bebidas, tabaco e até flores naturais e artificiais. Mas Dilma acabou apostando no comércio de brinquedos para crianças, em especial os “Cavaleiros do Zodíaco”.

Os artigos revendidos pela Pão & Circo eram importados de um bazar localizado no Panamá, para onde a grande economista e a sócia e ex-cunhada Sirlei Araújo viajavam regularmente para comprar os produtos. Apesar de a mercadoria custar barato, o negócio era impopular — como Dilma se tornaria mais adiante. 

Ao abrir a vendinha, a mulher sapiens não levou em conta que “o olho do dono engorda o porco”, e só aparecia por lá eventualmente, preferindo dar ordens e terceirizar as tarefas do dia a dia — como fez ao delegar a economia ao ministro Joaquim Levy e a política ao vice Michel Temer — até este desistir da função dizendo-se boicotado pelo (então) ministro-chefe da Casa Civil Aloizio Mercadante.

Na sociedade da Pão & Circo, o equivalente a Mercadante era Carlos Araújo, ex-marido de Dilma, que a aconselhava sobre como turbinar as vendas, mas era tão inepto quanto a futura chefa da Casa Civil e presidenta do Conselho de Administração da Petrobrás no governo de Lula demonstrou ser na negociata de Pasadena. Mesmo assim, a empresária de festim teve uma carreira meteórica: sem saber atirar, virou modelo de guerrilheira; sem ter sido vereadora, virou secretária municipal; sem passar pela Assembleia Legislativa, virou secretária de Estado; sem estagiar no Congresso, virou ministra; sem ter inaugurado nada de relevante, virou estrela de palanque; sem jamais ter tido um único voto na vida até 2010, virou presidente de país.

Observação: Até os pedalinhos do Sítio Santa Bárbara, em Atibaia, sabiam desde sempre que Lula institucionalizou a corrupção no Brasil. E quem não sabia ficou sabendo quando o procurador Deltan Dallagnol apresentou à imprensa um PowerPoint tosco, mas elucidativo, demonstrando que o picareta dos picaretas era o comandante máximo da ORCRIM. Dilma foi o maior erro tático que o petista cometeu em sua trajetória política. Dias atrás, ele próprio disse em entrevista à CBN que não pretende incluir a nefelibata da mandioca em sua campanha à Presidência nem em um eventual futuro governo. A obviedade chapada dos motivos dispensa maiores considerações.

Arrogante, pedante, intransigente e mouca à voz da razão, Dilma montou uma arapuca para si mesma, mas levou de embrulho tanto os inconsequentes que a reconduziram ao Planalto quanto a parcela pensante dos brasileiros. Num monumental estelionato eleitoral, sua alteza irreal preços administrados, aumentou gastos com programas eminentemente eleitoreiros e “pedalou” a mais não poder. Somado à irresponsabilidade fiscal, seu apetite eleitoral aumentou o inchaço da máquina pública e resultou na falência do Estado — para se ter uma ideia, enquanto a Casa Branca contava com 468 servidores, o Palácio do Planalto contabilizava 4.487 funcionários.

Em setembro de 2015, nove meses depois do início da segunda (e ainda mais funesta) gestão da estocadora de vento, o Orçamento já acumulava um rombo de R$ 30 bilhões — algo nunca visto até então. Era o começo do fim: a despeito de as pedaladas fiscais terem sido o “motivo oficial” da deposição, a petista foi expelida do cargo pelo conjunto de sua obra e por sua absoluta falta de traquejo no trato com o Parlamento. 

Num primeiro momento, a troca de comando foi como uma lufada de ar fresco numa catacumba. O novo presidente sabia até falar! Considerando que passáramos 13 anos ouvindo os garranchos verbais de um semianalfabeto e as frases desconexas de uma destrambelhada que não era capaz de juntar sujeito e predicado numa frase que fizesse sentido, ter um mandatário que usava até mesóclises era um refrigério. 

Embora fosse impossível consertar o país da noite para o dia, Temer conseguiu debelar a inflação (que rodava pelos 10% quando ele assumiu), reduzir de maneira “responsável” a Selic e aprovar a PEC do Teto dos Gastos e a Reforma Trabalhista. Mas seu ministério de notáveis revelou-se uma notável agremiação de corruptos — que foram caindo à razão de um por mês.

O primeiro a cair foi Romero Jucá, o “Caju”, que deixou o Ministério do Planejamento uma semana após a nomeação — só que continuou no governo, ocupando uma secretaria criada especialmente para preservar seu direito ao foro privilegiado. Na sequência, demitiram-se ou foram demitidos Fabiano SilveiraHenrique Eduardo AlvesGeddel Vieira Lima e mais meia dúzia de ministros e/ou assessores de primeiro escalão. Temer moveu mundos e fundo$ para preservar Eliseu Padilha, o “Primo”, e Wellington Moreira Franco, o “Angorá”, que o ajudavam a comandar “a quadrilha mais perigosa do Brasil”, como disse Joesley em entrevista à revista Época.   

Livramo-nos de Dilma, mas herdamos Michel Temer, que jamais conquistou a simpatia dos brasileiros. E nem poderia, tendo sido vice de quem foi e presidido o PMDB por 15 anos. Após o julgamento do impeachment, a imprensa publicou vários artigos acusando o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava-Jato em Curitiba, de defender um “direito autoritário, próprio das tiranias” e a “relativização do direito de defesa”. Curiosamente, esses mesmos veículos de comunicação não manifestaram a mesma preocupação quando a petista era presidente. Coisas do Brasil.

Em fevereiro de 2017 o partido de Temer indicou Edison Lobão para presidir a CCJ do Senado, numa evidente estratégia de frear os avanços da operação anticorrupção. Lobão era defensor ferrenho da anistia ao caixa 2 e crítico figadal das delações premidas (uma das principais ferramentas da força-tarefa), e dizia que acordos de colaboração haviam virado “um inquérito universal” e poderiam levar o Brasil à “tirania”. Para surpresa de ninguém, partidos investigados se empenharam em bloquear um eventual terceiro mandato de Janot e a possível escolha de alguém próximo a ele para chefiar a PGR.

Mesmo com a podridão aflorando no seu entorno, o presidente seguia adiante, levando a Nau dos Insensatos pelas águas revoltas da crise como um timoneiro experimentado. Sob seu comando, dizia, o Brasil chegaria são e salvo às próximas eleições e seria entregue fortalecido ao próximo dirigente. 

A coisa até funcionou durante algum tempo, a despeito da pecha da ilegitimidade — uma falácia petista, pois quem votou em Dilma votou na chapa; como vice da anta, Temer não só era seu substituto eventual como encabeçava a linha sucessória presidencial. O que ele fez para ser promovido a titular e o fato de seu governo ter degringolado já é outra conversa.

Mas o nosferatu que jurou que não interferiria na Lava-Jato, que afastaria quem fosse denunciado e exoneraria quem se tornasse réu deu um salvo-conduto aos assessores citados nas delações, pois precisava deles para blindar o governo. Só que faltou combinar com os russos, ou melhor, com Joesley Batista: Em maio de 2017, Temer foi abatido em seu voo de galinha pela delação premiada do moedor de carne bilionário e de outros seis altos executivos da JBF/J&F.

Nossa história recomenda darmos mais atenção à figura do vice-presidente. Em 15 de novembro de 1889, um golpe militar capitaneado pelo marechal Deodoro da Fonseca apeou D. Pedro II do trono e substituiu a monarquia constitucionalista pela república presidencialista. Deodoro presidiu o país até 1891, quando então "foi convidado a renunciar" e substituído pelo vice — o também marechal Floriano Peixoto —, que concluiu o mandato-tampão e foi sucedido por Prudente de Moraes, que entrou para a história não só como o primeiro civil a presidir o país, mas também como o primeiro presidente eleito pelo voto direto.

Seria pedir demais aos eleitores brasileiros — que raramente se lembram em que votaram para deputado — analisarem cuidadosamente a composição das chapas que disputam a Presidência, mas o fato é que nove vices terminaram os mandatos de seus titulares: Floriano PeixotoNilo Peçanha, Delfim Moreira, Café Filho, João Goulart, José SarneyItamar Franco e Michel Temer.

Claro que, não fossem os vices, outros sucessores e outras formas de sucessão haveria, mas seria oportuno questionar a real necessidade da figura do vice nos tempos atuais. Para o reserva é ótimo: a vice-presidência rende palácio à beira do lago, diversas mordomias e, em caso de infortúnio do titular, até a Presidência. Para o país, no entanto, essa peça serve apenas para decoração, quando não para conspirar contra o titular, como fez Michel Temer.

Filho imigrantes libaneses, Michel Miguel Elias Temer Lulia nasceu em Tietê (SP), graduou-se em Direito pela USP, atuou como advogado trabalhista e lecionou na PUC-SP e na Faculdade de Direito de Itu antes de ingressar na vida pública como oficial de gabinete de Ataliba Nogueira, então secretário de Educação do governo de São Paulo. Em 1981, filiou-se ao PMDB (hoje MDB); em 1983, foi nomeado procurador-geral do Estado de São Paulo pelo então governador Franco Montoro; no ano seguinte, assumiu a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo; dois anos depois, disputou uma vaga na Câmara Federal, conseguiu uma suplência e assumiu a cadeira do deputado licenciado Tidei de Lima, tornando-se constituinte.

Ao longo de seis mandatos, Temer presidiu a Câmara em 1997, 1999 e 2009 e o PMDB de 2001 até o final de 2010, quando se licenciou do cargo para assumir a vice-presidência da República. Em maio de 2016, quando Dilma foi afastada, passou de “vice decorativo” a presidente interino e acabou efetivado no cargo em agosto, depois que a titular foi devida e definitivamente defenestrada.

Continua...

A LEI DE MOORE E A COMPUTAÇÃO QUÂNTICA (PARTE IV)

AS TRAGÉDIAS TERMINAM EM MORTE E AS COMÉDIAS, EM CASAMENTO.

Desde o início da história da computação que a premissa básica tem sido sempre a mesma: zero para falso, um para verdadeiro. 

Interpretada pelas máquinas, essa dualidade lógica elementar tornou-se o fundamento de tudo que é digital: textos, imagens, músicas, vídeos, enfim, tudo pode ser traduzido em zeros e uns. Em última análise, todos os algoritmos que formam os sistemas e apps que rodam em PCs e smartphones são sequências infindáveis de bits 0 e bits 1.

Os transistores dos processadores atuais podem ser entendidos como minúsculas lâmpadas que, “apagadas”, representam o zero, e "acesas", o um. Em tese, quanto mais rapidamente o processador alternar entre esses dois “estados”, melhor será o desempenho global do computador.

Observação: Em 2018, para comemorar o 40º aniversário do lançamento do iAPX 86que equipou o primeiro IBM PC e ficou conhecido como 8086 — a Intel lançou uma versão modificada do Core i7 de 8ª geração que batizou de i7-8086K Limited Edition. Com 6 núcleos, 12 threads e frequência-base de 4 GHz, esse portento chegava a alcançar 5 GHz no modo turbo. Na mesma oportunidade, a empresa apresentou um chip de 28 núcleos que rodava a 5 GHz. Ele atingiu 7.334 pontos no teste Cinebench R15 (superando os 5.010 pontos alcançados pelo recordista desse benchmark entre as CPUs de 28 núcleos, que até então era o Xeon Platinum 8180, também da Intel, que tinha clock máximo de 3,8 GHz e custava US$ 10 mil).

Para além de outros problemas que fogem ao escopo desta abordagem, uma quantidade monstruosa de minúsculos interruptores ligando e desligando bilhões de vezes por segundo gera muito calor. Sem mencionar que a miniaturização tornou a tecnologia de transistores planares inviável para a construção de microchips, levando os fabricantes a buscar alternativas ao silício — entre as quais o grafeno e a computação quântica são as mais promissoras.

O grafeno (que é abundante no Brasil) era teorizado desde 1947, mas foi somente em 2004 que experimentos realizados com o grafite resultaram na extração acidental de um fina camada desse material, comprovando sua existência autônoma — o que rendeu aos cientistas russos Kostya Novoselov e Andre Geim, em 2010, o Prêmio Nobel de Física.

Observação: O método utilizado para isolar o grafeno foi extremamente simples: Novoselov e Geim foram colando e descolando uma fita adesiva de uma lâmina de grafite (o mesmo usado em lápis) até obter uma camada única de átomos de carbono.

Mais adiante, descobriu-se que seria possível utilizar o grafeno na construção de transístores com espessura de um átomo sem comprometer suas propriedades condutivas. A despeito de ser flexível e transparente, esse material chega a ser 200 vezes mais resistente que o aço — ou 40 vezes mais duro que o diamante — e até 100 vezes condutivo que o cobre. Como os elétrons trafegam mais depressa pelo grafeno do que por qualquer outro condutor, essa tecnologia aumenta a velocidade da transferência de dados e resulta em microchips muito mais velozes.

Vale lembrar que, quando se descobriu que o silício permitiria aposentar as jurássicas válvulas, a “nova tecnologia” levou 7 anos para ser implantada. No caso do circuitos impressos, o silício só foi utilizado duas décadas depois. Mas o grafeno promete revolucionar não os microchips como também baterias, células de combustível e... discos rígidos de altíssima densidade

Observação: Embora a tendência seja substituir o HDD pelo SSD (drive de memória sólida) como memória de massa do PC, o disco rígido continua sendo largamente utilizados, já que oferece alta capacidade de armazenamento a baixo custo. Mas isso é outra conversa.

A computação quântica permite ir muito além da dualidade dos bits que as máquinas comuns utilizam para representar o “sim” e o “não”, o “verdadeiro” e o “falso”. Na computação clássica, o bit é representado por impulsos elétricos ou ópticos, ao passo que na computação quântica o qubit (ou bit quântico) é na verdade uma partícula de nível subatômico, como um elétron ou um fóton.

Uma das diferenças básicas entre o bit e o qubit advém da superposição — dito de outra maneira, não há apenas dois "estados", mas várias combinações de zeros e uns. Como uma pequena variação é suficiente para alternar entre esses "estados", a computação quântica reduz significativamente o tempo que o computador leva para concluir uma tarefa, pois permite avaliar diferentes combinações de resultados simultaneamente.

Outra característica importante da física quântica — que se traduz em um desempenho incomparável dos computadores quânticos — é o entrelaçamento. Basicamente, ele faz com que duas partículas interligadas reajam de forma similar mesmo quando separadas por longas distâncias. Os motivos que levam a esse resultado são diversos e complexos, mas o efeito é fácil de compreender: mude o estado de uma partícula e a outra também mudará, resultando numa situação exponencial de ganho de desempenho. 

Observação: Nos computadores clássicos, ao dobrar o número de bits, dobra-se a capacidade computacional; nos computadores quânticos, o aumento no número de qubits produz ganhos em escala exponencial.

Já existem máquinas quânticas de 16 qubits. Parece pouco, mas seu desempenho vai bem além do que alcançam os supercomputadores mais poderosos da atualidade.

Continua...

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS! (PARTE IX)

 

Em abril de 2016, uma reportagem de capa da revista VEJA expôs o estreito parentesco entre o Petrolão, o Mensalão, o assassinato de Celso Daniel e a conspiração forjada para impedir o esclarecimento dessa execução. Somados, os quatro escândalos — que pertencem à mesma linhagem político-policial e foram protagonizados pelo mesmo clã — demonstraram que a transformação do PT em organização fora da lei, decidida a submeter a máquina federal a seus desígnios e eternizar-se no poder, começou a se definir em janeiro de 2002. Entre o formidável acervo de provas, destacava-se o lote de áudios que registraram conversas gravadas por investigadores da PF, dando conta das safadezas de Lula e seus devotos.

Na qualidade de prefeito de Santo André — uma das maiores cidades do país e a primeira letra do ABC, berço político de Lula e seu espúrio partido —, Celso Daniel já tinha brilho suficiente para figurar na constelação das estrelas nacionais do PT. Em janeiro de 2002, quando foi sequestrado numa esquina de São Paulo, ele havia cruzado as fronteiras da administração municipal para coordenar o programa de governo de Lula (função que Antônio Palocci assumiria e que o tornaria ministro da Fazenda).

Foi um crime político, berraram em coro os Altos Companheiros quando o corpo foi encontrado numa estrada de terra, perto da capital. A comissão de frente escalada pelo PT para o cortejo fúnebre, liderada por José Dirceu, Eduardo Mercadante e Luiz Eduardo Greenhalgh, caprichou no olhar colérico, no figurino de quem não teve tempo nem cabeça para combinar o paletó com a gravata, nos cabelos cuidadosamente desalinhados, exsudando sofrimento.

Até então, a única versão na praça se amparava no relato do empresário Sérgio Gomes da Silva, vulgo “Sombra”, ex-assessor de Celso Daniel, segundo o qual ambos voltavam do jantar num restaurante em São Paulo quando o carro foi interceptado numa esquina por bandidos que, estranhamente, levaram o prefeito e nem tocaram na testemunha. 

O depoimento pareceu tão verossímil quanto uma nevasca no Nordeste, mas a comissão de frente monitorada por Lula não tinha tempo a perder com possíveis contradições no samba-enredo cuja letra mal-ajambrada não destoava do refrão que, naquele momento, interessava ao PTo assassinato fora cometido por motivos políticos

Dirceu e Mercadante lembraram que panfletos atribuídos a uma misteriosa organização ultradireitista haviam prometido a execução de dirigentes do partido. Toninho do PT, prefeito de Campinas, já havia sido abatido a tiros em setembro de 2001. Daniel era a segunda vítima, e Greenhalgh, grávido de ira com a reprise da tragédia, acusou o então presidente FHC de ter ignorado os apelos que imploravam meia dúzia de medidas preventivas.

A polícia paulista deu o caso por encerrado após umas poucas semanas e, estranhamente, o PT endossou sem ressalvas a tese do crime comum. A família do morto discordou do desfecho conveniente, o Ministério Público achou a conclusão apressada e seguiu investigando a história, e logo surgiram evidências de que o crime tivera motivações políticas, sim, só que os bandidos eram ligados ao PT.

Ainda no início do último mandato de Daniel, empresários da área de transportes e pelo menos dois secretários municipais haviam concebido, com a concordância do prefeito, o embrião do que o Brasil contemplaria, em escala extraordinariamente ampliada, com a descoberta do Mensalão. Praticando extorsões ou desviando dinheiro público, a quadrilha infiltrada na administração de Santo André supria campanhas do PT. Em 2001, ao constatar que os quadrilheiros estavam embolsando boa parte do dinheiro, o alcaide andreense avisou que denunciaria a irregularidade ao comando do partido. E foi justamente para tratar desse assunto que Sombra, um dos pecadores, convidou Daniel para um jantar em São Paulo.

Entre o fim de janeiro e meados de março de 2002, investigadores da PF gravaram muitas horas de conversas telefônicas entre cinco protagonistas da história de horror: Sérgio Gomes da Silva, o SombraIvone Santana — namorada da vítima —, Klinger Luiz de Oliveira — secretário de Serviços Municipais —, Gilberto Carvalho — secretário de Governo de Santo André — e Luiz Eduardo Greenhalgh — advogado do PT para causas especialmente cabeludas. As 42 fitas resultantes da escuta foram encaminhadas ao juiz João Carlos da Rocha Mattos.

Em março de 2003, pouco depois do início do primeiro mandato de Lula, o magistrado alegou que as gravações haviam sido feitas sem autorização judicial e ordenou que fossem destruídas. Mas a queima de arquivo malogrou: incontáveis cópias dos áudios garantiram a eternidade dos registros telefônicos. 

Em outubro de 2005, quando cumpria pena de prisão por venda de sentenças, o eminente magistrado revelou a VEJA que os diálogos mais comprometedores envolviam Gilberto Carvalho, secretário-particular de Lula de janeiro de 2003 a dezembro de 2010 e chefe da Secretaria Geral da Presidência no primeiro mandato de Dilma. “Ele comandava todas as conversas”, disse o juiz de araque. “Dava orientações de como as pessoas deviam proceder e mostrava preocupação com as buscas da polícia no apartamento de Celso Daniel”.

Em abril de 2011, já em liberdade, o conspícuo julgador reiterou a acusação: “A apuração do caso do Celso começou no fim do governo FHCA pedido do PT, a PF entrou no caso. Mas, quando o Lula assumiu, a PF virou, obviamente. Daí ela, a PF, adulterou as fitas, eu não sei quem fez isso lá. A PF apagou as fitas, tem trechos com conversas não transcritas. O que eles fizeram foi abafar o caso, porque era muito desgastante, mais que o Mensalão. 

Ainda segundo Rocha Mattos, o que aconteceu foi que o dinheiro das companhias de ônibus, arrecadados para o PT, não estava chegando integralmente a Celso Daniel. Quando o prefeito descobriu, agentes da PF manipularam as fitas para tirar o que talvez fosse mais grave envolvendo Gilberto Carvalho

De acordo com a reportagem, as seis gravações escancararam a sórdida conjura dos grampeados dispostos a tudo para enterrar na vala dos crimes comuns um homicídio repleto de digitais do PT. A história do prefeito sequestrado, torturado e morto era um caso de polícia e uma coisa da política. As conversas também revelaram a alma repulsiva da quadrilha. Celso Daniel apareceu nas gravações como um entulho a remover. Não mereceu uma única lágrima, um mísero lamento. Os comparsas se dedicaram em tempo integral à missão de livrar Sombra da cadeia para evitar que ele afundasse atirando.

Com a queima das provas sonoras, Rocha Mattos virou sócio do clube de magistrados para quem uma irregularidade processual é muito mais grave que qualquer delito (haja vista a anulação dos processos que tramitavam contra Lula na 13ª Vara de Curitiba). Nessa escola de doutores, aprende-se que quem arromba a porta do vizinho que está matando a mãe e evita a consumação do crime deve ser preso por invasão de domicílio

Como as gravações das conversas entre Lula e seus devotos foram autorizadas pelo juiz Sergio Moro, o STF andou à caça de pretexto semelhante para declarar inexistente o palavrório que estarreceu o país. Mas milhares de cópias em circulação nas redes sociais informavam que a verdade já não poderia ser destruída. Graças à escuta promovida pela Lava-Jato, uma conspiração contra o Estado de Direito comandada por Lula e apoiada por Dilma foi abortada, e o resto é firula bacharelesca, conversa fiada. 

O fato de que há culpados a punir é inarredável — tão inarredável quanto o fato de que, como se soube mais adiante, o castigo não virá. Costuma-se dizer que até um relógio quebrado acerta a hora duas vezes por dia, e que até um burro cego consegue mordiscar a cenoura de vez em quando. Embora muito pouco se aproveite do que Bolsonaro disse nos últimos três anos, é preciso reconhecer que sua insolência acertou na mosca ao dizer no último dia 12, quando falou que eleger Lula em outubro vindouro seria o mesmo “reconduzir o criminoso à cena do crime”.

Em face do exposto, peço aos gatos-pingados que me leem a especial gentileza de pensar nisso quando forem votar, já que demover a escumalha descerebrada que se divide entre a volta ao passado pútrido das gestões petistas e a reeleição de um anormal que parece se esforçar para concluir a destruição que o impeachment impediu Dilma de consumar é uma missão inglória. 

A ignorância é um câncer em fase de metástase, e sempre há quem se aproveite disso para alcançar seus objetivos escusos. Afinal, o que seria dos “espertinhos” se os “trouxas” não existissem?

Continua...

A LEI DE MOORE E A COMPUTAÇÃO QUÂNTICA (PARTE III)

VIVER É A COISA MAIS RARA DO MUNDO. A MAIORIA DAS PESSOAS APENAS EXISTE.

Numa postagem que publiquei em 2014, relembrei um ensinamento que aprendi com Carlos Morimoto, fundador do site Guia do Hardware e criador da Distro Kurumin: todo computador — seja ele um PC, um Mac ou servidor de grande porte — é composto por cinco componentes básicos: CPU, memória RAM, drive de disco rígido, dispositivos de I/O e softwares. A CPU (ou processador principal, como já foi explicado) é o cérebro de um sistema computacional, mas tanto sua performance quanto o desempenho global da máquina dependem da contrapartida dos demais componentes. Para entender isso melhor, clique aqui aqui.

A arquitetura aberta foi a grande responsável pelo sucesso da plataforma PC, pois permitia (e continua a permitir) montar as máquinas a partir de componentes de diversos fabricantes. No alvorecer da computação pessoal, diversos fabricantes de processadores brigavam por um lugar ao sol, mas acabaram sendo pulverizados pelas gigantes Intel AMD. Depois de muitas idas e vindas, a Intel superou a arquirrival — que, diga-se, continua abastecendo o mercado com excelentes microchips a preços bem mais palatáveis.

Muita água rolou desde então, e discutir as variáveis que concorreram para formar o contexto atual não é o mote desta postagem. A família Intel Core, atualmente na 12ª geração, é o que existe de mais avançado em CPUs. Entretanto, conforme a aplicação, a AMD se mostra superior, e seus chips costumam custar menos que os da concorrente. 

As duas empresas passaram a investir em chipsets (conjunto de circuitos integrados que constituem o “sistema venoso” da placa-mãe), abandonado parceiros tradicionais (como NVIDIA e VIA, entre outros). Isso se explica, pelo menos em parte, pelo fato de chipsets e CPUs do mesmo fabricante trabalharem de maneira mais harmoniosa e proporcionarem desempenho superior. Mutatis mutandis, o mesmo se aplica ao subsistema de vídeo, ainda que aceleradoras gráficas offboard, com GPU e memória dedicada, costumem oferecer resultados superiores aos de sistemas onboard.

Tanto a Intel quanto a AMD oferecem processadores de excelente qualidade também para notebooks, mas a estratégia de marketing da Intel parece ser mais eficaz. Da feita que os fabricantes se curvam à imposição de seu público-alvo, o selinho “Intel Inside” tem presença garantida em nove de cada dez laptops (força de expressão; não sei exatamente qual é a proporção, mas sei que a liderança da Intel é indiscutível).

Observação: Alguns fabricantes de notebooks utilizam chips AMD, que proporcionam desempenho satisfatório a preços mais palatáveis. Quando a integração caseira ainda estava em voga, eu montei máquinas com CPUs de ambas as grifes (inclusive no tempo do multiprocessamento lógico e dos então incipientes chips dual core), bem como usei notebooks com processadores Intel e AMD, e não tive do que reclamar.

Em tese, a adoção de materiais condutores que oferecem resistência próxima de zero permite elevar a frequência dos chips a patamares inimagináveis — na casa do Zeta-Hertz (1 ZH corresponde a 1 trilhão de giga-hertz), levando a transferência de dados a velocidades próxima às da luz (que, a título de curiosidade, é de 300 mil m/s). Na prática, porém, a teoria costuma ser outra. Mas isso já é conversa para a próxima postagem.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS! (PARTE VIII)

 

Vimos ao longo desta sequência como as leis são feitas no Brasil e que os políticos, como as fraldas (e pelos mesmos motivos), devem ser trocados regularmente. Infelizmente, a novela da prisão em segunda instância não tem data para terminar — e nem para prosseguir, já que as PECs e as propostas de alteração no CPP empacaram no Congresso. Alegam os parlamentares que a culpa é da pandemia, mas o verdadeiro motivo é o espírito de corpo da classe política.

Em agosto do ano passado, a revista Veja revelou que pelo menos 173 pessoas (11 senadores, 38 deputados, governadores, ministros e prefeitos, 1 desembargador, conselheiros de Tribunais de Contas estaduais, 2 ex-candidatos à Presidência da República e mais uma penca de servidores públicos de alto escalão) eram investigados pela Receita Federal

Integra a confraria da probidade o senador alagoano Renan Calheiros — que começou a ser investigado em 2019 e viu seu processo fiscal ganhar fôlego no ano seguinte, após ter sido derrotado na disputa pela presidência do Senado. Alvo de mais de uma dezena de inquéritos por acusações como desvio de recursos públicos e corrupção, esse obelisco da política coronelista nordestina afirma desconhecer os motivos pelos quais é investigado. Por outro lado, considerando que Lula diz ser a alma viva mais honesta do universo e Bolsonaro, que acabou com a Lava-Jato porque não tem mais corrupção no governo, essas coisas não chegam a surpreender, embora insultem nossa inteligência. 

Conterrâneo de Renano réu que preside a Câmara e serve de cão-de-guarda dos 142 pedidos de impeachment em desfavor daquele que elegemos para evitar que uma marionete a serviço de um presidiário governasse o país também desfila no Bloco dos Sujos (embora Lira tenha sido absolvido da maioria das acusações criminais feitas pelo Ministério Público, os processos tributários contra ele continuam ativos).

Uma segunda lista mostra que foram abertos 211 procedimentos de fiscalização contra autoridades nos últimos cinco anos, entre as quais próceres da imaculada política alagoana: o atual ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, e o senador "rei-sol" Fernando Collor, além de parlamentares governistas que integraram a CPI do Genocídio, do líder do governo na Câmara, do ex-candidato à Presidência e atual secretário de Fazenda de São Paulo, e do deputado Aécio Neves (que começou a ser monitorado em 2019, quando estreou o atual mandato de deputado). Para surpresa de ninguém, todos negam irregularidades e afirmam que acreditam na Justiça.

Calcula-se que o Brasil perca por ano cerca de R$ 400 bilhões de arrecadação federal apenas por sonegação — o equivalente a 27% de tudo o que a Receita recolhe em tributos. No início do atual governo, a possibilidade de incluir no chamado pacote anticrime penas de prisão para sonegadores chegou a ser cogitada, mas a ideia foi logo abandonada pelos parlamentares.

Como dito anteriormente, dos 594 membros do Congresso Nacional238 eram investigados ou respondiam a processos no STF em 2017, e nada leva a crer que a coisa tenha melhorado desde então. Até porque são as raposas que tomam conta do galinheiro e elas próprias que investigam o sumiço das galinhas.

A corrupção é um problema endêmico, mas o fato de sermos obrigados a conviver com essa dura realidade não significa que tenhamos de aceitá-la passivamente. Lula não aceitava, tanto que fundou o PT para implementar “uma maneira diferente de fazer política”. Mas faltou combinar com a quadrilha do Mensalão

Quando a roubalheira petista veio à público, o guerrilheiro de araque José Dirceu, então braço direito do picareta dos picaretas, disse em entrevista ao Roda-Viva: “Este é um governo que não rouba, não deixa roubar e combate a corrupção“. Não sei se é para rir ou para chorar.

É irônico que a Lava-Jato tenha começado no governo Lula, avançado na gestão de Dilma e sido enterrada pelo presidente que respaldou sua campanha no combate à corrupção e à “velha política do toma-lá-dá-cá”, embora tenha passado por nove partidos nas últimas três décadas (todos de aluguel) e sido adepto das práticas da baixa política e amigo de milicianos.

Seis meses depois que Moro desembarcou do governo, Bolsonaro alardeou ter acabado com a Lava-Jato porque não tinha mais corrupção no governo; dias depois desse disparate, o vice-líder do governo no Senado foi pego com dinheiro na cueca

Bolsonaro buscou se distanciar do senador-cueca, com quem ele próprio afirmou ter uma “união quase estável”, e relativizou o episódio dizendo que seu vice-líder "não tem nada a ver com o governo". "O meu governo são ministros, estatais e bancos oficiais", ensinou nosso morubixaba.

ObservaçãoA organização Transparência Internacional divulgou no último dia 25 o novo levantamento do ranking mundial da corrupção. E a notícia não é boa para o Brasil: o país caiu duas posições e agora ocupa a 96ª colocação no Índice de Percepção da Corrupção, o terceiro pior resultado em sua série histórica. 

Se o bombardeio do PT e de dezenas de outros partidos contra a Lava-Jato tivesse produzido resultados mais consistentes, o ex-presidiário de Curitiba poderia incluir em seu rol de falácias rocambolescas a negação de toda a corrupção endêmica de seu partido, o desastre protagonizado pelo “poste” que lhe sucedeu na Presidência, e por aí vai. Talvez as acusações contra ele não tivessem seguido adiante e a Odebrecht e o OAS continuassem financiando suas campanhas via caixa 2.

Sem a Lava-Jato, o Congresso não teria tido força política para impichar Dilma, a inolvidável, que teria concluído o segundo mandato pilotando uma economia moribunda, com um índice de aprovação baixíssimo. Consequentemente, o vampiro do Jaburu continuaria vice-presidente decorativo até o mais amargo fim, e a série de eventos resultantes da gravação feita por Joesley Batista não teria existido.

Antonio Palocci, que estava afundado até o pescoço em falcatruas desde antes da Lava-Jato, seria candidato a uma vaga na Câmara, e o guerrilheiro de festim José Dirceu teria cumprido sua pena pelos crimes do mensalão e voltado a encarnar o papel de guerreiro do povo brasileiro. Eduardo Cunha, solto e com acesso a dezenas de contas milionárias no Brasil e no exterior, continuaria achacando empresas e empresários, seria o deputado federal mais votado do Rio, voltaria a presidir a Câmara e a financiar uma bancada gorda, com mais de 100 parlamentares.

Sérgio Cabral, livre, leve e solto, seria candidato a vice na chapa de Lula e agregaria ao perfil do governador pop do Rio o tempo de TV e o fundo partidário do MDB à campanha petista. Nas folgas dos compromissos de palanque, o dono da pena mais longeva decretada pela Justiça tupiniquim (mais de 400 anos, e contando...) e a serelepe Adriana Anselmo fruiriam da mansão de Mangaratiba, cercados de quadros de Romero Brito e garrafas de vinho de US$ 2 mil a unidade.

Aécio Neves, a exemplo de Temer, não teria sido flagrado chafurdando nos cofres da JBS. Talvez até fosse o presidente desta birosca — embalado pelo enorme recall de 2014, o mineirinho safo teria chances consideráveis de ir para o segundo turno em 2014 e se reeleger em 2018.

Marcelo Odebrecht, que não teria passado dois anos na cadeia sem nada para fazer senão ginástica, manteria o Departamento de Operações Estruturadas da empreiteira, que continuaria a jorrar dinheiro desviado dos cofres públicos para campanhas privadas. Todos os outros empreiteiros também iriam muito bem, obrigado. Léo Pinheiro já teria feito novas reformas e ajustes no tríplex de Lula no Guarujá; a Petrobras jamais recuperaria os R$ 2,5 bilhões — antes pelo contrário, a sangria continuaria em curso —, nem tampouco seria conhecida a medida monetária em que um [Pedro] Barusco equivale a R$ 100 milhões

Alberto Youssef, com o dólar a R$ 5 e lá vai fumaça, estaria nadando de braçada, e todos os tesoureiros e ex-tesoureiros do PT estariam felizes como pintos no lixo (nenhum teria sido preso nem devolvido parte do dinheiro roubado). Os marqueteiros João Santana e Mônica Moura estariam cuidando da campanha de Lula, e Duda Mendonça continuaria no mercado (se não tivesse morrido em agosto passado).

Bolsonaro continuaria fazendo no baixo clero da Câmara o que disse ter feito em relação à CPI, e o Palácio do Planalto teria um cagão a menos a conspurcar suas dependências. Alguns dos maiores criminalistas do Brasil teriam dezenas de milhões de reais a menos em suas contas, e Zanin... Que Zanin

Ninguém conheceria Cristiano Zanin.

Continua...

A LEI DE MOORE E A COMPUTAÇÃO QUÂNTICA (CONTINUAÇÃO)

SE A EXPERIÊNCIA FUNCIONOU NA PRIMEIRA TENTATIVA, TEM ALGUMA COISA ERRADA.

Há anos que a Lei de Moore (vide postagem anterior) vem dando sinais de exaurimento. Se o avanço frenético previsto pelo cofundador da Intel não deixou de acontecer, é indiscutível que ele já não acontece como até algum tempo atrás.

O silício — que foi adotado como matéria prima para a produção dos circuitos integrados que formavam os chips nos anos 1970 — está prestes a alcançar os limites físicos inerentes à própria estrutura do material, já que a miniaturização dos elementos dentro do chip reduz sua condutividade elétrica. Assim, o avanço das CPUs, que já foi de 10 vezes a cada cinco anos e 100 vezes a cada 10 anos, caiu para pequenos porcentuais anuais. Em outras palavras, “a Lei de Moore foi ficando mais lenta conforme as coisas ficaram menores”. 

Traçando um paralelo com a evolução tecnológica dos automóveis, a substituição do platinado e do condensador por um sistema de ignição eletrônica foi um grande passo, mas a troca do sistema de alimentação carburada pela injeção eletrônica de combustível, ocorrida tempos depois, foi muito mais além.

É fato que a evolução da nanotecnologia tem propiciado uma redução expressiva no tamanho dos transistores e, consequentemente, um aumento significativo na densidade dos chips. Por outro lado, bilhões de interruptores nanoscópicos abrindo e fechando bilhões de vezes por segundo dentro de uma pastilha de silício menor do que um selo postal geram uma quantidade monstruosa de calor. Combinado outras limitações físicas cujo detalhamento foge ao escopo desta postagem, esse problema obrigou os fabricantes de microprocessadores a buscar alternativas para aumentar o poder de processamento de seus produtos sem elevar ainda mais sua frequência de operação.

Também como foi dito no capítulo anterior, a Intel levou 30 anos para quebrar a barreira do Giga-hertz e apenas 30 meses, a partir daí, para triplicar essa velocidade. Não fossem os “probleminhas” mencionados linhas acima, a frequência de operação dos microchips atuais seria de dezenas de giga-hertz. Mas a coisa empacou em torno dos 3,5 GHz, embora testes realizados com o chip Intel Core i7-3770K, por exemplo, demonstraram que ele suportava um overclock de 100% (o que elevaria sua frequência de operação a mais de 7 GHz!). Mas isso é outra conversa.

Diversos aprimoramentos permitiram aumentar consideravelmente o desempenho modificando a maneira como as CPUs passaram a decodificar e processar as instruções. Um bom exemplo é tecnologia Hiper-Threading, desenvolvida pela Intel lá pela virada do século, mediante a qual um único processador físico opera como dois ou mais processadores lógicos, cada qual com seu controlador de interrupção programável e conjunto de registradores. Por outro lado, isso dificultou a escolha do computador, já que usuários menos versados nessas tecnicidades não sabiam se seria melhor escolher um chip de 2 núcleos rodando a 3 GHz ou um de quatro núcleos a 2,4 GHz, por exemplo.

A resposta dependia principalmente das aplicações, até porque a maioria dos programas existentes à época não havia sido desenvolvida para rodar em PCs com chips multicore — a despeito de os sistemas operacionais contornarem essa limitação distribuindo as tarefas entre os vários núcleos, os resultados nem sempre eram satisfatórios. A título de paliativo, chips das primeiras gerações da família “Intel Core i” eram capazes de manter apenas um núcleo funcionando, mas num regime de clock mais elevado, de maneira a aprimorar o desempenho na execução de programas desenvolvidos para aplicativos single-core.

Continua...

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS! (PARTE VII)

O ex-ministro Sepúlveda Pertence definiu o STF como um arquipélago de 11 ilhas incomunicáveis, mas talvez fosse melhor dizer um conjunto de onze estados soberanos, onde cada qual declara guerra contra nações inimigas, negocia alianças diplomáticas e estabelece uma política interna própria, sem mencionar que cada ministro parece ter “uma Constituição para chamar de sua”. 

Num colegiado, sempre houve e haverá maiorias vencedoras e minorias vencidas. O problema é o colegiado funcionar na base da “lei de murici” — ou do “defenda os seus que eu defendo os meus”.

Felipe Recondo, autor de Tanques e Togas e Os Onze, diz que o Supremo precisa de uma espécie de Paz de Vestfália. Mas seria igualmente necessário repensar a forma como seus membros são escolhidos.

Para ter os ombros recobertos pela suprema toga, segundo o artigo 101 da Constituição, o indicado pelo Presidente precisa ter entre 35 e 65 anos de idade, notável saber jurídico, reputação ilibada e a indicação aprovada pela CCJ do Senado e chancelada pelo plenário da Casa. Portanto, não é preciso ser juiz de direito, advogado inscrito na OAB ou mesmo bacharel em Ciências Jurídicas. 

Para cair nas graças do mandatário de turno é preciso tomar muita tubaína com ele (caso de Nunes Marques) ou ser terrivelmente evangélico (caso de André Mendonça). Infelizmente para Augusto Aras, ser terrivelmente puxa-saco não basta. 

Quanto à aprovação pelo Senado, nada que o périplo do “beija-mão” não resolva. A sabatina é um jogo de comadres — em 132 anos de república, as poucas rejeições ocorreram em 1894, no governo do marechal Floriano Peixoto, sendo o caso de Cândido Barata Ribeiro o mais emblemático (Floriano indicou outros onze nomes para o STF e o Senado rejeitou quatro).

Atualmente, Gilmar Mendes é o único ministro que não foi indicado por Lula ou por Dilma (noves fora os apadrinhados de Bolsonaro). Juntamente com a abjeta PEC da Reeleição, o semideus togado encarna a verdadeira herança maldita deixada pelo governo de Fernando Henrique.  

Defensor incondicional da Lava-Jato e inimigo figadal dos criminosos de colarinho branco quando os investigados eram Lula e os petralhas, Gilmar — a quem Augusto Nunes apelidou de Maritaca de Diamantino — passou a articular o sepultamento da prisão em segunda instância (que ele próprio defendia com unhas e dentes) e a conceder habeas corpus a quem fosse preso preventivamente pela força-tarefa de Curitiba. Aliás, foi ele quem botou água no chope de Lula quando Dilma nomeou o petralha ministro-chefe da Casa Civil (com o nítido propósito de lhe restituir o foro privilegiado).

Em 2016, ao fundamentar seu voto (sobre a prisão em segunda instância), Gilmar anotou: Não se conhece no mundo civilizado um país que exija o trânsito em julgado; em princípio, pode-se executar a prisão com a decisão em segundo grau [...] uma coisa é ter alguém como investigado, outra coisa é ter alguém como denunciado, com denúncia recebida, e outra, ainda, é ter alguém com condenação...”. Em 2017, porém, passou a começou a admitir publicamente que poderia mudar de posição se houvesse um novo julgamento.

Mendes mandou soltar — não uma, mas três vezes! — o chefe da máfia dos ônibus no Rio Jacó Barata Filho. Apesar de os procuradores da Lava-Jato pedirem seu impeachment, o supremo laxante não se deu por impedido de julgar o caso: “O fato de ser padrinho de casamento da filha do acusado, disse ele, “não se enquadra nas regras legais que determinam o afastamento de um magistrado para julgar uma causa em função de relação íntima com uma das partes”.

Em 2019, quando a prisão em segunda instância voltou à suprema pauta, Mendes votou contra, juntamente com Rosa WeberRicardo Lewandowski, Celso de MelloMarco Aurélio e o então presidente da corte, Dias Toffoli — que, como Gilmarera favorável ao cumprimento antecipado da pena.

No Brasil, criminosos que têm cacife para bancar os honorários astronômicos cobrados por causídicos estrelados (caso dos políticos corruptos, que pagam os chicaneiros com dinheiro desviado do Erário) têm acesso a um formidável cardápio de recursos nas 4 instâncias do Judiciário, e assim conseguem empurrar seus processos com a barriga até que a prescrição (ou sua morte, o que ocorrer primeiro) impeça a punição.

ObservaçãoA defesa de Luiz Estevão ingressou com 120 recursos até o salafrário ser encarcerado, e Paulo Maluf só foi recolhido à Papuda depois que seu processo tramitou por quase duas décadas — mas bastaram alguns meses para o turco lalau ser posto em prisão domiciliar por uma decisão tomada de ofício por Dias Toffoli.

A pergunta que se coloca é: quantas vezes o sujeito precisa ser condenado para começar a pagar sua dívida com a sociedade? Duas vezes, como acontece na maioria de países livres, civilizados e bem-sucedidos, são mais que suficientes; se houver um erro na condenação em primeira instância, o juízo colegiado poderá repará-lo; se não o fizer, é porque não houve erro, e ponto final. Obviamente, isso não significa que os réus sejam impedidos de apelar aos tribunais superiores, mas apenas que não recorram em liberdade, sob pena de vir a ser presos no dia de São Nunca.

Defender o princípio constitucional da presunção da inocência sem compactuar com a impunidade  exige uma dose cavalar de hermenêutica (interpretação que os juristas fazem da lei para além de sua letra fria). Vale destacar que: 1) A presunção de inocência exaure-se após a confirmação da sentença penal pelo tribunal de segundo grau; 2) Os recursos cabíveis da decisão de segundo grau, ao STJ ou STF, não se prestam a discutir fatos e provas, mas apenas matéria de direito. 

Não faltam argumentos abalizados contra e a favor da prisão em segunda instância, mas é preciso levar em conta o “standard de prova” — regra de decisão que indica o nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada (para informações mais detalhadas, clique aqui).

standard é preenchido quando o grau de confirmação alcança o padrão exigido entre os quatro níveis possíveis: 1) prova clara e convincente; 2) prova mais provável que sua negação; 3) preponderância da prova; 4) prova além da dúvida razoável — sendo este último o mais exigente e, portanto, utilizado na sentença penal. 

Uma vez que a exigência probatória é menor para receber uma acusação ou decretar uma medida cautelar do que para proferir uma sentença condenatória, é perfeitamente sustentável um rebaixamento do standard probatório conforme a fase procedimental. É por isso que o CPP fala em indícios razoáveis, indícios suficientes etc. para decisões interlocutórias com menor exigência probatória.

A “prisão em quarta instância” é uma jabuticaba brasileira que destoa completamente da prática de vários países desenvolvidos, onde criminosos saem algemados do tribunal onde são condenados em primeira instância, e nem por isso se considera que haja qualquer violação do direito de defesa ou do devido processo legal. Aqui, como dizia Maquiavel, "aos amigos, os favores; aos inimigos, todo o rigor da lei".

A análise da culpabilidade do réu termina na segunda instância — os tribunais superiores verificam apenas questões processuais, tanto que eles não podem inocentar ninguém; cabe-lhes, no máximo, determinar o reinício do processo quando e se encontram alguma irregularidade. 

Como bem disse o desembargador Abel Gomes, ao fundamentar seu voto pela rejeição do habeas corpus de Michel Temer"se tem rabo de jacaré, couro de jacaré e boca de jacaré, então não pode ser um coelho branco".

Meliantes que conseguem dominar o labirinto de ações e recursos adiam ao máximo o trânsito em julgado de suas sentenças. Sabedora de que o dia em que terá de ir para a cadeia está distante ou jamais virá, essa caterva se sente estimulada a seguir delinquindo em vez de cooperar com as autoridades. A leniência com o crime destrói o tecido social de um país, e constitui uma mazela que merece tanta atenção quanto problemas socioeconômicos, como o desemprego. 

Continua...