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sábado, 15 de junho de 2024

PAU QUE NASCE TORTO MORRE TORTO

  
Em política, como na vida, a melhor hora para mudar e antes de a mudança se tornar compulsória. Lula deveria ter se livrado de Juscelino Filho há tempos. Melhor seria não tê-lo trazido para a Esplanada, pois já se sabia à época que ele havia utilizado emendas orçamentárias em benefício próprio. Mas sempre que a oportunidade de corrigir o erro lhe bate à porta, o parteiro do Brasil Maravilha reclama do barulho e ignora o fato, como faz agora com seu ministro indiciado pelos crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção passiva. 

Em março de 2023, quando Juscelino já estava pendurado de ponta-cabeça nas manchetes, Lula disse que ele não poderia ficar no governo se não conseguisse provar sua inocência. Mantido no cargo, o elemento virou "padrão de inocência" do terceiro reinado do ex-tudo (ex-retirante, ex-metalúrgico, ex-sindicalista, ex-presidiário e ex-corrupto). 

Há dois meses, a CGU constatou que 80% de uma estrada pavimentada graças a uma emenda do então deputado maranhense — coisa de R$ 7,5 milhões, dinheiro da Codevasf, que foi convertido em ninho de perversões do Centrão desde Bolsonaro. Intimado pela PF a se explicar, Juscelino alegou "perseguição".  Em nova evidência de que não perde a oportunidade de perder oportunidades, Lula tornou a conceder sobrevida ao auxiliar. 

A atitude do presidente é um insulto porque o contribuinte não merece a presença de um indiciado por desviar verbas públicas nas cercanias do cofre; inútil porque o União Brasil, partido do indiciado, não entrega os votos que o governo reivindica no Congresso, e desmoralizante porque a presença do suspeito no governo vai se convertendo num processo de aviltamento da autoridade presidencial.

Na terça-feira 11, Lula autorizou a demissão de Neri Geller de uma secretaria do Ministério da Agricultura por suspeita de irregularidade no leilão para importação de arroz. Ao anunciar o afastamento, o chefe da pasta disse que "o governo não tem compromisso com o erro". Pausa para as gargalhadas. Dois dias depois, ao ser indagado sobre a ruína ética de Juscelino, o demiurgo de Garanhuns insistiu: "ele tem o direito de provar que é inocente".   

Nenhum espelho reflete melhor a imagem de um governante do que as suas contradições. Geller foi ao olho da rua 48 horas antes da abertura do inquérito para apurar a maracutaia do arroz; Juscelino permanece no cargo 24 horas depois de ser indiciado pela PF por corrupção lavagem de dinheiro e organização criminosa. Após avalizar a sensata rigidez imposta a Geller, a alma viva mais honesta do Brasil amenizou: "O fato do cara (sic) ter sido indiciado não significa que cometeu um erro". 

Num inquérito policial, todo mundo é inocente até prova em contrário. Num governo, a presunção de inocência deveria ser vista como uma garantia constitucional móvel. Lula revelou-se precário ao nomear um ministro suspeito e temerário ao manter um ministro investigado. Cada segundo de sobrevida concedido ao indiciado é ultrajante. O que dirá nas fases da denúncia e da ação penal? 

Na Justiça, a inocência é presumida até o trânsito em julgado. Na administração pública, certas biografias recomendam a presunção da culpa.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

DA TERRA A LUA A BORDO DO CORPORATIVISMO

 
operação que mira o deputado bolsonarista Carlos Jordy mostra que o ministro Alexandre de Moraes finalmente percebeu que vai ficar mal na fita se continuar fisgando "bagrinhos" em vez de pescar tubarões. Todavia, depois de um ano e fumaça, só um imbecil não teria destruído todos os indícios que porventura o incriminassem. Resta saber quais e quantas são as provas que a PF já recolheu e o que mais os agentes esperam conseguir agora. Nesse entretempo, o candidato a réu contra quem ainda não há sequer denúncia continuará usando e abusando do jus sperniandi.
 
No Exército, a corrida pelas promoções a coronel é liderada por Mauro Cid. A menos que a PGR o denuncie e o STF o converta em réu, o ex-ajudante de ordens do capetão, mesmo enrolado em traficâncias que vão da gestão de recursos espúrios da família Bolsonaro à venda de joias da República, passando pela falsificação de cartões de vacina e pela cumplicidade na armação da tentativa de golpe, subirá um degrau na carreira militar.
 
Durante quatro anos, Cid foi remunerado para subverter as funções de ajudante de ordens. Nos quatro meses em que desfrutou do encarceramento especial, recebeu pelo exercício do ócio de prisioneiro. Libertado, passou a usufruir de recompensa pecuniária para desfilar uma tornozeleira diante dos olhares de contribuintes indefesos, mantendo o contracheque de mais de R$ 26 mil mensais. Sabe-se agora que ele pode ser alçado ao setor de operações lunares do Exército.
 
Desde julho de 1969, quando a Apolo 11 alunissou, somente quatro países além dos EUA conseguiram chegar à Lua: a ex-União Soviética, a China, a Índia e, na última sexta-feira, o Japão. Mas uma reportagem da Folha revelou que o Brasil está na bica de ingressar (metaforicamente) nessa seleta confraria. E com uma vantagem: as missões espaciais mais recentes, como a japonesa, não são tripuladas, mas o Exército brasileiro vai ao mundo da Lua com Mauro Cid.
 
Alega-se que o investigado está protegido pelo princípio constitucional da presunção de inocência. Nessa versão, somente a denúncia formal o retiraria da fila de promoção e apenas uma sentença condenatória definitiva o livraria da expulsão da caserna. Mesmo assim, ele continuaria pendurado no erário, pois sua família embolsaria a pensão proporcional a seu tempo de "serviço". 
No início da investigação, Cid era um mero um suspeito. A perícia realizada em seu celular empurrou para dentro do inquérito que corre no STF um sólido conjunto de indícios de culpa. A admissão voluntária de participação nas malfeitorias bolsonaristas guindou-o à condição informal de réu confesso, e o acordo de delação o converteu num culpado à espera da definição do prêmio judicial que pode atenuar sua pena. Nesse contexto, a inocência presumida é um direito esmaecido, algo que não orna com a preservação do contracheque. Assim, se a simples cogitação de promoção já é um acinte, a efetivação no posto de coronel seria um escárnio. 
 
Fica cada vez mais nítido que a legislação que ampara militares até na delinquência precisa ser submetida a uma lufada de ar fresco. Num país menos ilógico, a ausência de condenação definitiva jamais seria obstáculo para a fixação de punições intermediárias, compatíveis com a evolução do processo. Mas numa banânia onde a Justiça sempre tarda e nunca chega, o trânsito em julgado não é senão um ponto inatingível do calendário. 
 
Na eleição presidencial de 2022, a maioria do eleitorado decidiu retirar o Brasil da rota que leva ao universo da Terra plana. Não é concebível que, sob Lula, o Exército conduza o país ao mundo da Lua.

Com Josias de Souza

segunda-feira, 6 de março de 2023

O OLIMPO DAS TOGAS (PARTE 4)

 



Diz-se garantista o magistrado que assegura a liberdade do réu até a dissipação da derradeira dúvida, mas também há garantistas de ocasião, que só o são quando o réu não é de tendência política contrária. 

A "ala garantista" da cúpula do Judiciário alega que é preciso "libertar geral" para evitar o crescimento insustentável da população carcerária, mas um estudo feito por juristas da FGV concluiu que mandar para a cadeia os réus condenados em segunda instância aumentaria cerca de 0,6% a população carcerária.

De acordo com o ministro Luís Roberto Barroso, a interpretação que interdita a prisão anterior ao trânsito em julgado representa uma proteção insatisfatória de direitos fundamentais, como a vida, a dignidade humana e a integridade física e moral das pessoas. No momento em que se dá a condenação do réu em segundo grau de jurisdição, estabelecem-se algumas certezas jurídicas: a materialidade do delito, sua autoria e a impossibilidade de rediscussão de fatos e provas. Nesse contexto, retardar infundadamente a prisão do réu condenado estaria em inerente contraste com a preservação da ordem pública. A afronta à ordem pública torna-se ainda mais patente quando consideramos o baixíssimo índice de provimento de recursos extraordinários, inferior a 1,5% (em verdade, inferior a 0,1% se levarmos em conta apenas as decisões absolutórias). Ao evitar que a punição penal possa ser retardada por anos e mesmo décadas, restaura-se o sentimento social de eficácia da lei penal. Iniciando-se a execução da pena desde a decisão condenatória em segundo grau de jurisdição, evita-se que a morosidade processual possa conduzir à prescrição dos delitos.

 

Já o ex-ministro Marco Aurélio defendia o induto de Natal  uma tradição nacional, segundo ele. Tradição ou não... bem, assista a este vídeo e tire suas conclusões. O problema da superlotação carcerária não se resolve soltando os presos, mas construindo mais presídios e gerenciando melhor os que estão em funcionamento. Alguns magistrados, porém, pensam diferente. "Tempos estranhos", dizia com irritante regularidade o primo de Collor, notadamente quando sua opinião não era acatada pelos pares).


Nas últimas oito décadas, exceto no período entre 2009 e 2016, a prisão do réu condenado (em primeira ou segunda instâncias) foi regra. No julgamento do HC 84.078, relatado pelo então ministro Eros Grau, passou-se a exigir o trânsito em julgado para execução da pena, mas o próprio Grau declarou posteriormente que: “Neste exato momento, até fico pensando se não seria necessário prender em primeira instância esses bandidos que estão aí —inclusive do Lula; se ele foi condenado depois de uma série de investigações, é porque é culpado.”

Naquele intervalo de 7 anos, políticos corruptos e outros criminosos de colarinho branco fizeram a festa, recorrendo a todos os itens do cardápio de chicanas procrastinatórias para empurrar os processos até que a prescrição os livrasse da cadeia (entenda-se por prescrição a perda da pretensão punitiva estatal em razão do decurso do lapso temporal previsto em lei).

 

Diferentemente do que alegam os "garantistas" e quem mais reza pela mesma cartilha, a presunção de inocência e a garantia da liberdade e a proibição da prisão arbitrária são coisas diferentes. Juízes devem julgar de acordo com a lei, mas não devem ficar atrelados à letra fria da lei, sob pena de distribuírem mais injustiças do que Justiça. Por outro lado, como qualquer um de nós, eles também estão sujeitos a paixões e ideologias.

 

Devido ao fiasco do governo Bolsonaro, uma parcela considerável dos brasileiros parece ter a intenção de canonizar Lula em vida, ou, no mínimo, promovê-lo a Imperador Vitalício do Brasil. E algumas decisões jurídicas sugerem que as sentenças dos amigos e amigos dos amigos só "transitarão em julgado" no Dia do Juízo Universal. A pergunta que se impõe é: quantas vezes o sujeito precisa ser condenado para começar a pagar sua dívida com a sociedade


Duas vezes, como acontece na maioria de países livres, civilizados e bem-sucedidos, são mais que suficientes. Se houver um erro na condenação em primeira instância, o juízo colegiado poderá repará-lo; se não o fizer, é porque não houve erro. Isso não significa impedir os réus de apelar aos tribunais superiores, mas impedi-los de recorrer em liberdade, sob pena de eles virem a ser presos no dia de São Nunca.


Nosso sistema penal conta com quatro instâncias, e cada uma delas oferece uma vasta gama de chicanas ― para o gáudio dos criminosos e dos criminalistas que os defendem, que cobram gordos honorários para ingressar com toda sorte de embargos, visando empurrar o processo com a barriga até o advento da prescrição. A defesa de Luis Estevão ingressou com 120 recursos até seu cliente finalmente ir para a cadeia, e a de Paulo Maluf protelou a prisão do réu por quase 40 anos, mas foi mandado para casa por Dias Toffoli, que alegou "razões humanitárias". A condenação de Lula no caso do tríplex foi objeto de mais de 400 recursos até transitar em julgado no STJ


ObservaçãoNa Suprema Corte americana, a média anual é de apenas 80 julgamentos; no Tribunal Constitucional alemão, menos de 2 mil; no STF Brasil são mais de 100 mil. Isso se deve em parte ao fato de que, para além de corte constitucional, o tribunal ter se tornado uma espécie de quarta instância. "O Supremo se tornou um tribunal de pequenas causas da política”, ensina Oscar Vilhena Vieira, diretor da Escola de Direito paulista da Fundação Getúlio Vargas. O excesso de atribuições resultou num desenho institucional ruim, e com desenho institucional ruim, é difícil funcionar bem. O deslocamento de determinadas competências para o âmbito das Turmas, partindo do pressuposto de que colegiados com menor número de integrantes decidem os feitos em menor espaço de tempo, não foi suficiente para resolver o problema. Aliás, muito se fala em "judicialização" da política, mas o fato é que o Congresso se acostumou a jogar seus conflitos no colo dos togados.

Continua... 

segunda-feira, 25 de julho de 2022

O DESEMPREGADO QUE DEU CERTO (QUINTA PARTE)

 

Antes de exibir o 5º capítulo da novela em exibição, proponho uma reflexão: No último domingo, o PL oficializou Bolsonaro como candidato à reeleição e Braga Netto, a vice. Em discurso, o sociopata conclamou apoiadores a irem às ruas "uma última vez" no 7 de Setembro: "Convoco todos vocês agora para que todo mundo, no 7 de Setembro, vá às ruas pela última vez. Vamos às ruas pela última vez", disse, aos gritos de "mito". Em seguida, voltou a atacar os supremos togados: "Esses poucos surdos de capa preta têm que entender o que é a voz do povo. Têm que entender que quem faz as leis é o Poder Executivo e o Legislativo. Todos têm que jogar dentro das quatro linhas da Constituição. Isso interessa a todos nós.

Deu pra entender ou preciso desenhar?


É desnecessário detalhar os 13 anos e fumaça de lulopetismo corrupto, mas não custa lembrar que Lula figurou como réu em duas dezenas de processos e foi condenado pelo então juiz Sergio Moro no caso do tríplex no Guarujá. A despeito dos mais de 400 recursos apresentados pela defesa, a sentença foi confirmada pelo TRF-4 e pelo STJ — onde a condenação transitou em julgado. 


Na época, a jurisprudência cristalizada no STF era de que réus condenados por um juízo colegiado recorressem presos aos tribunais superiores, já que o reexame de matéria fática se encerra na segunda instância, onde também se esgota a presunção de inocência. Da feita que o recurso sobre matéria de Direito não tem efeito suspensivo, o início do cumprimento da pena criminal pelo condenado era considerado admissível pelos togados.

 

A prisão após sentença condenatória de primeiro grau valeu no Brasil entre 1940 até 1973, quando então a regra foi mudada para favorecer o chefe da repressão e torturador Sérgio Paranhos Fleury. A Constituição de 1988 completou o desserviço ao determinar que a presunção de inocência perdurasse até o trânsito em julgado (ou seja, até que todos os recurso em todas as instâncias fossem apreciados). Como há quatro instâncias em nosso Judiciário e cada uma oferece um vastíssimo cardápio de apelações possíveis, manter essa premissa é permitir que criminosos que têm cacife para bancar chicaneiros estrelados jamais vejam o sol nascer quadrado


Lá pela virada do século, a súmula 09 do STJ cristalizou o entendimento de que a prisão em segunda instância não ofende a presunção de inocência, e que, para apelar, o sentenciado precisa iniciar o cumprimento provisório da pena. Em 2009, quando a Lava-Jato começou a mandar para a prisão criminosos de colarinho branco, o então ministro Eros Grau (que foi indicado por Lula para o STF) defendeu o retorno do status quo ante, e a maioria de seus pares seguiu seu voto. Em 2016, por 6 votos a 5, a corte restabeleceu o entendimento anterior. Dois anos depois, Graus, já aposentado, disse em entrevista que se arrependeu do que fez, e que seria melhor os criminosos irem presos após a condenação em primeira instância. 

 

Vale destacar que o princípio da presunção de inocência não tem caráter absoluto e não pode enfraquecer a legitimidade da ordem jurídica. O Brasil jamais será um país desenvolvido se não diminuir seus intoleráveis índices de corrupção, cuja não punição incentiva pactos oligárquicos contrários à maioria da população. O problema é que os ventos mudaram e os guardiães da nossa Constituição, capitaneados pelo semideus togado Gilmar Mendes, mudaram de opinião. 


Curiosamente, esse eminente magistrado (que, juntamente com a PEC da Reeleição, faz parte da verdadeira herança maldita de FHC) era um dos grandes defensores da prisão em segunda instância. Ao fundamentar seu voto em 2016, ele afirmou que mudar as regras estabelecidas em 2009 colocaria o Brasil no rol de nações civilizadas e ajudaria a combater a impunidade. "Não se conhece no mundo civilizado um país que exija o trânsito em julgado; em princípio, pode-se executar a prisão com a decisão em segundo grau", argumentou o eminente jurista mato-grossense. "Uma coisa é ter alguém como investigado, outra coisa é ter alguém como denunciado, com denúncia recebida, e outra, ainda, é ter alguém com condenação (...) o sistema estabelece uma progressiva derruição, vamos dizer assim, da ideia da presunção de inocência (...)". Sete meses depois, sua excelência virou a casaca e passou a deferir todos os pedidos de habeas corpus que lhe caíam no colo. 

 

Quantas vezes alguém precisa ser condenado para começar a pagar sua dívida com a sociedade? Duas, como acontece na maioria de países livres, civilizados e bem-sucedidos, são mais que suficientes. Caso haja um erro na condenação em primeira instância, o juízo colegiado poderá repará-lo; se não o fizer, é porque não houve erro. E ponto final. 


Observação: A defesa de Luis Estevão ingressou com nada menos que 120 recursos até seu cliente finalmente ir para a cadeia, e a de Paulo Maluf protelou a prisão do réu por quase 40 anos (mesmo assim, o turco lalau foi mandado para casa pelo ministro Dias Toffoli, que lhe concedeu de ofício um "habeas corpus humanitário". 

 

Em 2019, por 6 votos a 5, o STF sepultou a prisão em segunda instância. A jurisprudência que já vinha capengando desde 2016 voltou a ser a de que o cumprimento da pena só começa depois do trânsito em julgado da sentença condenatória. Após desempatar o placar, Dias Toffoli, então presidente da corte, disse que "não se oporia" se o Congresso alterasse o artigo 283 do CPP para definir de uma vez por todas em que momento a prisão dos condenados deve ocorrer.


Nunca é demais lembrar que Toffoli, mesmo tendo sido reprovado em dois concursos para magistratura, foi guindado ao STF em retribuição aos serviços prestados a Lula e ao PT. Sem currículo, sem conhecimento, sem luz própria e sem os laços com a rede protetora do partido nem os referenciais do padrinho, o novato foi buscar apoio em Gilmar Mendes, que é quem melhor encarna a figura do velho coronel político — e de quem o Maquiavel de Marília, já consolidado no novo habitat, absorveu a arrogância, a grosseria, a falta de limites e o uso da autoridade da forma mais arbitrária possível

 

Vários projetos de lei e de emenda constitucional com vistas ao restabelecimento da a prisão em segunda instância pipocaram na sequência da decisão do STF, mas a pandemia fez com que o ano de 2020 terminasse com tudo do jeito como começou. No começo de 2021, o Executivo enviou ao Congresso uma relação de 35 assuntos que gostaria de ver aprovados, mas o tema em questão não estava entre eles — e nem Arthur Lira nem Rodrigo Pacheco usaram-no como forma de angariar votos nas disputas que os levaram a presidir a Câmara e o Senado

 

Continua...

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS! (PARTE VII)

O ex-ministro Sepúlveda Pertence definiu o STF como um arquipélago de 11 ilhas incomunicáveis, mas talvez fosse melhor dizer um conjunto de onze estados soberanos, onde cada qual declara guerra contra nações inimigas, negocia alianças diplomáticas e estabelece uma política interna própria, sem mencionar que cada ministro parece ter “uma Constituição para chamar de sua”. 

Num colegiado, sempre houve e haverá maiorias vencedoras e minorias vencidas. O problema é o colegiado funcionar na base da “lei de murici” — ou do “defenda os seus que eu defendo os meus”.

Felipe Recondo, autor de Tanques e Togas e Os Onze, diz que o Supremo precisa de uma espécie de Paz de Vestfália. Mas seria igualmente necessário repensar a forma como seus membros são escolhidos.

Para ter os ombros recobertos pela suprema toga, segundo o artigo 101 da Constituição, o indicado pelo Presidente precisa ter entre 35 e 65 anos de idade, notável saber jurídico, reputação ilibada e a indicação aprovada pela CCJ do Senado e chancelada pelo plenário da Casa. Portanto, não é preciso ser juiz de direito, advogado inscrito na OAB ou mesmo bacharel em Ciências Jurídicas. 

Para cair nas graças do mandatário de turno é preciso tomar muita tubaína com ele (caso de Nunes Marques) ou ser terrivelmente evangélico (caso de André Mendonça). Infelizmente para Augusto Aras, ser terrivelmente puxa-saco não basta. 

Quanto à aprovação pelo Senado, nada que o périplo do “beija-mão” não resolva. A sabatina é um jogo de comadres — em 132 anos de república, as poucas rejeições ocorreram em 1894, no governo do marechal Floriano Peixoto, sendo o caso de Cândido Barata Ribeiro o mais emblemático (Floriano indicou outros onze nomes para o STF e o Senado rejeitou quatro).

Atualmente, Gilmar Mendes é o único ministro que não foi indicado por Lula ou por Dilma (noves fora os apadrinhados de Bolsonaro). Juntamente com a abjeta PEC da Reeleição, o semideus togado encarna a verdadeira herança maldita deixada pelo governo de Fernando Henrique.  

Defensor incondicional da Lava-Jato e inimigo figadal dos criminosos de colarinho branco quando os investigados eram Lula e os petralhas, Gilmar — a quem Augusto Nunes apelidou de Maritaca de Diamantino — passou a articular o sepultamento da prisão em segunda instância (que ele próprio defendia com unhas e dentes) e a conceder habeas corpus a quem fosse preso preventivamente pela força-tarefa de Curitiba. Aliás, foi ele quem botou água no chope de Lula quando Dilma nomeou o petralha ministro-chefe da Casa Civil (com o nítido propósito de lhe restituir o foro privilegiado).

Em 2016, ao fundamentar seu voto (sobre a prisão em segunda instância), Gilmar anotou: Não se conhece no mundo civilizado um país que exija o trânsito em julgado; em princípio, pode-se executar a prisão com a decisão em segundo grau [...] uma coisa é ter alguém como investigado, outra coisa é ter alguém como denunciado, com denúncia recebida, e outra, ainda, é ter alguém com condenação...”. Em 2017, porém, passou a começou a admitir publicamente que poderia mudar de posição se houvesse um novo julgamento.

Mendes mandou soltar — não uma, mas três vezes! — o chefe da máfia dos ônibus no Rio Jacó Barata Filho. Apesar de os procuradores da Lava-Jato pedirem seu impeachment, o supremo laxante não se deu por impedido de julgar o caso: “O fato de ser padrinho de casamento da filha do acusado, disse ele, “não se enquadra nas regras legais que determinam o afastamento de um magistrado para julgar uma causa em função de relação íntima com uma das partes”.

Em 2019, quando a prisão em segunda instância voltou à suprema pauta, Mendes votou contra, juntamente com Rosa WeberRicardo Lewandowski, Celso de MelloMarco Aurélio e o então presidente da corte, Dias Toffoli — que, como Gilmarera favorável ao cumprimento antecipado da pena.

No Brasil, criminosos que têm cacife para bancar os honorários astronômicos cobrados por causídicos estrelados (caso dos políticos corruptos, que pagam os chicaneiros com dinheiro desviado do Erário) têm acesso a um formidável cardápio de recursos nas 4 instâncias do Judiciário, e assim conseguem empurrar seus processos com a barriga até que a prescrição (ou sua morte, o que ocorrer primeiro) impeça a punição.

ObservaçãoA defesa de Luiz Estevão ingressou com 120 recursos até o salafrário ser encarcerado, e Paulo Maluf só foi recolhido à Papuda depois que seu processo tramitou por quase duas décadas — mas bastaram alguns meses para o turco lalau ser posto em prisão domiciliar por uma decisão tomada de ofício por Dias Toffoli.

A pergunta que se coloca é: quantas vezes o sujeito precisa ser condenado para começar a pagar sua dívida com a sociedade? Duas vezes, como acontece na maioria de países livres, civilizados e bem-sucedidos, são mais que suficientes; se houver um erro na condenação em primeira instância, o juízo colegiado poderá repará-lo; se não o fizer, é porque não houve erro, e ponto final. Obviamente, isso não significa que os réus sejam impedidos de apelar aos tribunais superiores, mas apenas que não recorram em liberdade, sob pena de vir a ser presos no dia de São Nunca.

Defender o princípio constitucional da presunção da inocência sem compactuar com a impunidade  exige uma dose cavalar de hermenêutica (interpretação que os juristas fazem da lei para além de sua letra fria). Vale destacar que: 1) A presunção de inocência exaure-se após a confirmação da sentença penal pelo tribunal de segundo grau; 2) Os recursos cabíveis da decisão de segundo grau, ao STJ ou STF, não se prestam a discutir fatos e provas, mas apenas matéria de direito. 

Não faltam argumentos abalizados contra e a favor da prisão em segunda instância, mas é preciso levar em conta o “standard de prova” — regra de decisão que indica o nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada (para informações mais detalhadas, clique aqui).

standard é preenchido quando o grau de confirmação alcança o padrão exigido entre os quatro níveis possíveis: 1) prova clara e convincente; 2) prova mais provável que sua negação; 3) preponderância da prova; 4) prova além da dúvida razoável — sendo este último o mais exigente e, portanto, utilizado na sentença penal. 

Uma vez que a exigência probatória é menor para receber uma acusação ou decretar uma medida cautelar do que para proferir uma sentença condenatória, é perfeitamente sustentável um rebaixamento do standard probatório conforme a fase procedimental. É por isso que o CPP fala em indícios razoáveis, indícios suficientes etc. para decisões interlocutórias com menor exigência probatória.

A “prisão em quarta instância” é uma jabuticaba brasileira que destoa completamente da prática de vários países desenvolvidos, onde criminosos saem algemados do tribunal onde são condenados em primeira instância, e nem por isso se considera que haja qualquer violação do direito de defesa ou do devido processo legal. Aqui, como dizia Maquiavel, "aos amigos, os favores; aos inimigos, todo o rigor da lei".

A análise da culpabilidade do réu termina na segunda instância — os tribunais superiores verificam apenas questões processuais, tanto que eles não podem inocentar ninguém; cabe-lhes, no máximo, determinar o reinício do processo quando e se encontram alguma irregularidade. 

Como bem disse o desembargador Abel Gomes, ao fundamentar seu voto pela rejeição do habeas corpus de Michel Temer"se tem rabo de jacaré, couro de jacaré e boca de jacaré, então não pode ser um coelho branco".

Meliantes que conseguem dominar o labirinto de ações e recursos adiam ao máximo o trânsito em julgado de suas sentenças. Sabedora de que o dia em que terá de ir para a cadeia está distante ou jamais virá, essa caterva se sente estimulada a seguir delinquindo em vez de cooperar com as autoridades. A leniência com o crime destrói o tecido social de um país, e constitui uma mazela que merece tanta atenção quanto problemas socioeconômicos, como o desemprego. 

Continua...

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

SÓ COM BOLA DE CRISTAL...



Em condições normais, um país normal não daria tanta atenção à sucessão presidencial como o Brasil vem dando a um ano do pleito. Mas nem o Brasil nem as condições podem ser considerados normais. Se fossem, populistas extremistas (de ambos os lados do espectro político ideológico), ególatras, corruptos, mentirosos e sociopatas não adentrariam a sede do executivo federal (assim mesmo, com letras minúsculas) nem mesmo como visitantes.

Lamentavelmente, uma récua de muares descerebrados apinhou o Congresso Nacional de parlamentares que não fariam feio nas hordas do PCC, e aboletou no Palácio do Planalto indivíduos da pior catadura. Sobre a alta cúpula do Judiciário, então, melhor nem falar. O que dizer de "guardiães da Constituição" que, quando não vestem a toga por cima da farda de militante, colocam os próprios interesses acima da Lei, da Justiça e dos interesses da nação? De um colegiado que o ex-ministro Sepúlveda Pertence definiu como “um arquipélago de 11 ilhas”, e que muda sua própria jurisprudência a seu talante, ao sabor dos ventos políticos partidários?

Ou não foi exatamente isso que fizeram 6 dos 11 togados em 2019, quando restaurarem o império da impunidade ao proibir o cumprimento antecipado da pena por condenados em segunda instância? Ou não foi isso que voltaram a fazer seis meses atrás, ao anular as condenações de Lula? Ou não foi o que fez a 2ª Turma na última sexta-feira, ao determinar o desbloqueio dos bens do "ex-corrupto" vermelho? Vermelhos deveriam ficar suas excelências diante da desfaçatez chapada dessas decisões teratológicas.

Ironicamente, o voto vencido no julgamento concluído na última sexta-feira foi justamente o do relator do caso. A ironia está no fato de ter sido o próprio Fachin quem propiciou o jogo de cartas marcadas que promoveu um ex-presidiário à bizarra condição de "ex-corrupto". Ainda que os motivos que o levaram a tomar essa atitude tenham sido louváveis, o resultado foi o pior possível. Voluntariamente ou não, o eminente magistrado abriu a Caixa de Pandora ao lavar a ficha imunda do criminoso de Curitiba e recolocá-lo no tabuleiro da sucessão presidencial.

Nunca é demais lembrar que, na justiça tupiniquim, o reexame de matéria fática (provas) se encerra na segunda instância. Que as cortes superiores (STJ e STF) só analisam questões de direito. Que a prisão após sentença condenatória de primeiro grau valeu entre 1940 até 1973, quando então a regra foi mudada para favorecer o chefe da repressão e torturador Sérgio Paranhos Fleury. Que a “Constituição Cidadã” completou o desserviço ao determinar que a presunção de inocência valesse até o trânsito em julgado da sentença (ou seja, até que todos os recurso em todas as instâncias fossem julgados). Que no Brasil, onde são quatro as instâncias do judiciário e há um sem-número de apelações possíveis, manter esse entendimento e permitir que criminosos endinheirados fiquem livres da cadeia até o "dia de São Nunca" ou o da prescrição (perda da pretensão punitiva estatal em razão do decurso do lapso temporal previsto em lei), o que ocorrer primeiro

Na virada do século, a súmula 09 do STJ cristalizou o entendimento de que a prisão do condenado em segunda instância não ofende a presunção de inocência, e que, para apelar, é preciso iniciar o cumprimento provisório da pena. Em 2009, quando as investigações do escândalo do mensalão ameaçavam mandar para a prisão bandidos de colarinho branco poderosos, o então ministro Eros Grau (indicado por Lula para o Supremo) defendeu a volta ao status quo ante, e a maioria de seus pares seguiu seu voto. 

Em 2016, com Eros Grau já aposentado, o Supremo restabeleceu (por 6 votos a 5) o entendimento anterior. Em março de 2018, em entrevista Carlos Alberto Sardenberg, o ex-togado disse que se arrependeu do que fez, e que talvez fosse melhor a escumalha ser presa tão logo fosse condenada em primeira instância.

Também em 2018, num artigo publicado na Folha, os ministros Luís Roberto Barroso, do STF, e Rogério Eschietti, do STJ, ponderaram que um estudo considerando quase 69 mil decisões proferidas pelo STJ ao longo de dois anos derrubava o argumento de que recursos mudam os vereditos da segunda instância. A soma dos percentuais de absolvição e substituição de pena foi de apenas 1,64%; portanto, seria “ilógico moldar o sistema em função da exceção, e não da regra (...) e o STF voltar atrás nessa matéria [execução provisória da pena após condenação em segunda instância] traria pouco benefício, já que a redução do risco de ser punido manteria a atratividade do crime, desestimularia a colaboração com a Justiça e, em vez de incentivar empreendedores honestos, continuaria a favorecer quem transgride as leis penais”.

Mudando de um ponto a outro, o que se tem para hoje (e quiçá para os próximos dias) é o Ômicron, sobre o qual pouco se sabe mas muito se especula. Mesmo assim, já se fala em festa de réveillon, desfile de carnaval e outras insensatezes, como a desobrigação do uso de máscaras. Isso a despeito de ser público e notório que os baixos índices de imunização (sobretudo nos países mais pobres) propicia mutações no vírus maldito, e essa nova nova cepa coleciona 50 delas — algumas inéditas e pelo menos 30 na proteína Spike

Observação: Na África do Sul, apenas 7% das pessoas estão totalmente vacinadas, em comparação com 42% da população global. Na Europa e nos EUA, os níveis de vacinação são de 67% e 58%, respectivamente. No, Brasil, são 60% com o esquema vacinal completo. No Estado de São Paulo, 75% dos habitantes tomaram as duas doses ou a dose única — na capital paulista, o percentual é de 100%.

Voltando à questão da sucessão presidencial, saiu na noite do último sábado o resultado das conturbadas prévias do PSDB. O governador João Doria obteve 53,99% dos votos e superou seu colega gaúcho Eduardo Leite, que ficou com 44,66%, e o ex-senador e ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio Neto, que (para supresa de ninguém) ficou com a lanterninha (1,35%). 

A disputa foi marcada por divergências entre os pré-candidatos. Ao longo da pré-campanha, Doria e Leite trocaram farpas e a demora para a conclusão da votação acabou agravando a crise. Após o anúncio do resultado, Virgílio afirmou que a prioridade será romper qualquer laço do PSDB com o bolsonarismo. Já Leite asseverou que a decisão do partido é soberana e que deseja a Dória "toda a sorte, a força, para lutar a luta que tem pela frente".

Em seu discurso, o governador paulista ressaltou realizações de figuras do PSDB e criticou Lula e Bolsonaro, seus prováveis adversários em 2022. Disse que os governos petistas representaram a captura do estado pelo maior esquema de corrupção do qual se tem notícia no país, que "a péssima gestão da economia com Dilma nos legou dois anos de recessão e desemprego". 

Sobre a gestão em curso, Doria afirmou que o "sociopata genocida" vendeu um sonho e entregou um pesadelo, que nosso país se transformou "no Brasil da discórdia, da desunião, do conflito, da briga entre familiares e amigos, da arrogância política, da violência contra a democracia, dos ataques à imprensa e a jornalistas", e que trabalhará para "vencer a corrupção e a incompetência".

Salta aos olhos, portanto, que a chamada "terceira via" — tábua de salvação para quem não quer a volta da quadrilha petista nem mais quatro anos caterva bolsonarista no Planalto — começa a se delinear no horizonte. A filiação do ex-juiz Sergio Moro ao Podemos e seus recentes discursos como candidato à Presidência levaram o PSD de Kassab a agilizar a candidatura do senador mineiro Rodrigo Pacheco, e o deputado emedebista paulista Baleia Rossi a publicar nas redes sociais que a candidata do seu partido será a senadora sul-mato-grossense Simone Tebet.

Depois que o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta achou por bem buscar uma vaga de vice ou liderar a coligação contra Bolsonaro, o União Brasil (fruto da fusão do PSL com o DEM) resolveu apoiar Moro. Já o senador Alessandro Vieira, que ganhou notoriedade durante a CPI do Genocídio, foi ungindo pré-candidato pelo Cidadania em meados de setembro. 

Isso sem falar no ex-governador do Ceará, Ciro Gomes (paulista de Pindamonhangaba), que pretende tentar pela quarta vez o que não conseguiu quando disputou a Presidência em 1998, 2002 e 2018. Até mesmo o caricato Cabo Daciolo desceu do monte para repetir no ano que vem o fiasco que protagonizou em 2018. Por outro lado, não custa lembrar que esse dublê de ex-bombeiro e manequim de camisa-de-força foi mais votado que Henrique Meirelles e Marina Silva (Glória a Deus!).

Segundo O Antagonista, dirigentes petistas disseram à Folha que Bolsonaro vai para o segundo turno contra Lula e que Moro não tem chance de superar o patamar de 15% dos votos. "Coxa", como a presidente de mentirinha do partido (o de verdade é, sempre foi e sempre será o rebotalho pernambucano) era identificada nas planilhas de propinas da Odebrecht, animou a torcida a favor do sociopata: "Bolsonaro tem uma base popular muito sólida (...) o Moro tem um voto de opinião, da direita, mas não vejo uma militância como Bolsonaro tem".

Pode até ser, mas as últimas pesquisas mostraram que, no segundo turno, Moro é o candidato mais competitivo contra Lula — e, consequentemente, o oponente a ser evitado pelo ex-presidiário. O Ipespe (ex-Ibope) mediu o potencial de votos de cada um. No caso do ex-juiz, 12% dos entrevistados responderam que votariam nele “com certeza”, e outros 33% que “poderiam votar”. No total, apenas 9 pontos percentuais a menos do que o "ex-corrupto", que tem 41% das intenções de voto, mas só 13% de votos possíveis, mostrando que já bateu no teto.

Até a semana passada, os petistas ainda se consolavam dizendo que Moro é muito mais rejeitado do que Lula. A pesquisa da Modal chegou a um resultado oposto. E, na do Ipespe, 50% dos entrevistados responderam que jamais votariam em Moro — apenas 5 pontos a mais do que em Lula, que é descartado por 45%. A margem, portanto, é estreita, e o PT tem razão em torcer por Bolsonaro — e contra Moro.

Continua...

quarta-feira, 28 de abril de 2021

A SUPREMA COMÉDIA


No pronunciamento à imprensa que marcou sua despedida do ministério da Saúde, o oncologista Nelson Teich ensinou que “A VIDA É FEITA DE ESCOLHAS” — e que ele “havia escolhido sair”.

O detalhe (e o diabo mora nos detalhes) é que a escolha do conspícuo doutor propiciou a ascensão do general Eduardo Pazuello ao comando da pasta que seria considerada a mais importante, em meio à maior pandemia da história mundial, por qualquer republiqueta que se desse ao respeito e fosse governada por alguém mentalmente são e minimamente competente. Mas não no Brasil: com a promoção de Pazuello, quem assumiu “de fato” o comando da Saúde foi o chefe do executivo. O general da ativa, supostamente mestre em logística, jamais passou de um mero cumpridor de ordens.

Hoje, 380 mil mortos depois (e contando), a Saúde está novamente sob o comando de um médico. Mas de nada adianta trocar a roda da carroça quando o problema é o burro. Além disso, não há como consertar, da noite para o dia, o estrago produzido pelo vassalo subserviente do suserano incompetente ao longo de sua gestão (de dez meses; os primeiros quatro como ministro interino).

Lamentavelmente, estamos anos-luz distantes do fim da pandemia. Seja porque não há vacinas em quantidade suficiente para imunizar toda a população, seja porque uma parcela considerável dos brasileiros, estimulada pelo negacionismo atávico do capitão-sem-noção, dá de ombros para a “gripezinha”, caga e anda para o uso de máscaras, desdenha o isolamento social e participa dia sim, outro também, de festas clandestinas que são verdadeiros postos de distribuição do Sars-CoV-2.

Não se sabe ao certo o que restará do Brasil (ou se restará Brasil) em outubro do ano que vem, mas não restam dúvidas de que tanto o criminoso Lula — ora com a ficha recém-lavada pela mais alta cúpula do Judiciário tupiniquim — quanto o Messias que não miracula — mas conseguiu o prodígio de superar Dilma no ranking dos piores presidentes desta banânia — estarão no páreo. A não ser que a CPI da Covid dê nomes aos bois e que o Judiciário faça seu papel — qual seja o de punir exemplarmente os responsáveis pelo genocídio em curso. Mas isso me parece tão improvável quanto o “ex-corrupto” ser novamente julgado e condenado, ainda nesta encarnação, pela Justiça Federal de Brasilha da Fantasia.

Se o pleito de 2018 foi um “plebiscito” (no qual o povo repudiou o lulopetismo corrupto), a próxima eleição presidencial será um “dilema atroz”. A menos que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos e surja alguém capaz de unir os “nem-nem” (nem Lula, nem Bolsonaro), os cidadãos de bem deste país assistirão a outro embate entre o lulopetismo corrupto e o bolsonarismo boçal — e sairão perdendo, independentemente de quem vencer a eleição.

Na última quinta-feira (22), enquanto todos os olhos estavam voltados para Biden, Macron, Trudeau e seus lindos discursos sobre como salvar o planeta, o STF, em sessão plenária remota, ratificou a decisão da 2ª Turma que, num julgamento iniciado em dezembro de 2018 e interrompido por um pedido de vistas do eminente ministro Gilmar Mendes. 

Vale lembrar que Moro condenou o petralha a nove anos e seis meses de prisão, o TRF-4 aumentou a pena para doze anos e 1 mês e o STJ a reduziu para 8 anos e 10 meses, dos quais o condenado cumpriu míseros 580 dias numa sala VIP da Superintendência da PF em Curitiba, onde gozou de diversas mordomias (entre as quais banheiro privativo com chuveiro elétrico, frigobar, esteira ergométrica, comida diferente da servida aos demais presos e banho de sol e visitas no horário que lhe fosse mais conveniente). Como se não bastasse, o eterno presidente de honra do PT transformou sua “cela” em diretório político-partidário, comitê de campanha e palco para entrevistas, tudo com a mais absoluta conivência das autoridades.

A prisão de Lula mobilizou seus correligionários supremos em prol de sua libertação. Num primeiro momento, o plenário do STF restabeleceu, por 6 votos a 5 (com o voto de desempate do eminente ministro Dias Toffoli, então presidente da corte), o entendimento de que criminosos condenados só podem começar a cumprir pena após o trânsito em julgado da sentença condenatória, restabelecendo o império da impunidade que vigeu durante 7 anos das últimas 8 décadas

Graças a essa estapafúrdia mudança na suprema jurisprudência, o bocório de Garanhuns ganhou as ruas. Ato contínuo, subiu num palanque improvisado e vituperou acusações irresponsáveis contra a Rede Globo, chamou Sérgio Moro de “canalha” e Paulo Gudes de “destruidor de empregos e de empresas públicas brasileiras”, levando ao delírio a chusma de esquerdopatas que se reuniu defronte à sede da PF em Curitiba. No dia seguinte, repetiu o discurso para a caterva que se reuniu diante do Sindicato dos Metalúrgicos de ABC; dias depois, na capital do seu estado de origem (num hotel de luxo da praia da Boa Viagem, o bairro mais chique da cidade, é claro), adicionou ao bolo fecal que serviu ao séquito de adoradores o seguinte troçulho: “(...) Nós não vendemos ódio, vendemos amor, paixão. É muito coração nessa história”. É mole?

Segundo a Constituição, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (Art. 5º, LVII). No entanto, por mais elogiável que seja o princípio da presunção de inocência, é preciso levar em conta as peculiaridades da Justiça brasileira, notadamente o fato de haver 4 instâncias e cada uma delas oferecer um vastíssimo leque de chicanas protelatórias. Isso sem mencionar a notória morosidade do Judiciário.

No Brasil, a observância literal do princípio não culpabilidade oficializa a impunidade, sobretudo se os réus têm cacife para bancar criminalistas estrelados, especializados em empurrar com a barriga a prisão de seus clientes, que permanecem em liberdade até que a prescrição (perda do direito de ação por não ter sido exercido dentro do prazo previsto em lei) impeça o Estado de puni-los. Mas voltemos à decisão da última quinta-feira.

Depois que de abrir a porta da cela do Parteiro do Brasil Maravilha, restava ao STF a incumbência de lhe restituir os direitos políticos. No dia 8 do mês passado, o ministro-relator da Lava-Jato na corte anulou os dois processos em que o ex-presidiário foi condenado pela 13ª Vara de Curitiba

Detalhe: Fachin demorou 5 anos para descobrir que o juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba era incompetente para julgar Lula. Nesse entretempo, a condenação no caso do tríplex foi confirmada, por unanimidade, por três desembargadores da 8ª Turma do TRF-4 e cinco ministros da 5ª Turma do STJ.

Na quinta-feira, 15, por 8 votos a 3, o plenário do Supremo rejeitou recurso da PGR contra decisão de Fachin que determinou a remessa dos autos dos processos do tríplex e do sítio (juntamente com os de outras duas ações que ainda pendiam de decisão) para a Justiça Federal do DF  onde o julgamento acontecerá no dia de S. Nunca. Também na quinta-feira, por 9 votos a 2, a corte formou maioria pela manutenção da decisão da 2ª Turma que decretou a suspeição do ex-juiz Sergio Moro.

Graças a essa sequência de bizarrices, Lula está elegível e já é candidato em campanha à Presidência. A fraude praticada pelo STF contra as noções mais elementares de Justiça não absolve o molusco de nada — ao contrário do que ele e seus baba-ovos vêm berrando aos quatro ventos. Sua “inocência” não foi “reconhecida”, e tampouco a corte assumiu que houve um “erro judiciário” — ou que ocorreu o que se chama de “injustiça”. 

A única coisa que aconteceu de fato, no mundo das realidades, é que os supremos togados livraram o ex-presidente dos processos que estavam travando a sua carreira política e o transformaram no seu candidato pessoal à presidência da República. Dito com outras palavras, Lula é não só o candidato supremo, mas também o candidato do Supremo.

Continua.

sábado, 22 de agosto de 2020

MÃO DE DEUS NO JULGAMENTO DO CARAMUNHÃO

Em janeiro deste ano, o ministro Celso de Mello passou por uma cirurgia no quadril. Em março, foi internado com quadro de erisipela. Depois do retorno, trabalhou inclusive nas férias de julho. No início deste mês, passou por exames clínicos para saber se terá de se submeter a nova cirurgia, e tornou a se licenciar no último dia 19. Seja qual for o motivo do afastamento, o magistrado pode não reassumir o posto, já que completa 75 anos em 1º de novembro próximo (idade em que a aposentadoria é compulsória para os ministros das cortes superiores).

O ausência decano pode interferir no julgamento de casos emblemáticos, como o da suspeição de Sérgio Moro (ação movida pela defesa do criminoso de Garanhuns por suposta parcialidade no julgamento do caso do tríplex no Guarujá), bem como colocar Gilmar Mendes numa situação semelhante à de Diego Maradona nas quartas de final da Copa de 1986. Para quem são se lembra, aos seis minutos do segundo tempo o baixinho marcou com a mão o primeiro dos dois gols que garantiram à Argentina a vitória sobre a Inglaterra — e que ficou conhecido como a “Mão de Deus”. O segundo gol não vem ao caso.

Se realmente se aproveitar ausência do colega para levar a julgamento o pedido de suspeição de Moro, Gilmar marcará um gol contra a Lava-Jato. Mas será um gol de mão. O habeas corpus no qual a defesa de Lula aponta a suspeição do ex-juiz e requer a consequente anulação dos atos de seus atos em duas ações penais foi impetrado em novembro de 2018, e começou a ser julgado pela 2ª Turma em dezembro daquele ano. 

Na ocasião, os ministros Fachin e Cármen Lúcia votaram pelo não conhecimento do HC, e como os votos de Gilmar e Lewandowski  eram favas contadas, caberia ao decano bater o pênalti decisivo. Assim, o ministro a quem José Nêumanne se refere como Maritaca de Diamantino pediu vista do processo e disse que se esforçaria para devolvê-lo ainda naquele ano. Mas já se passaram quase dois anos.

Mendes chegou a liberar os autos para a pauta em junho do ano passado, depois que o Intercept de Verdevaldo publicou transcrições de mensagens comprometedoras, supostamente trocadas entre o ex-juiz Sérgio Moro e o coordenador da Lava-Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol — material que, nunca é demais lembrar, foi obtido criminosamente por uma quadrilha que invadiu cerca de 1000 celulares de autoridades

O STF voltou a discutir o caso depois de um pedido feito pelo advogado de Lula diretamente na tribuna. Mendes propôs manter o adiamento do julgamento de mérito do HC e conceder, liminarmente, liberdade para o paciente até decisão final. A proposta foi acompanhada apenas por Lewandowski e acabou derrotada, e o picareta dos picaretas continuou preso até novembro do passado, quando foi posto na rua graças a uma vergonhosa decisão do plenário do STF (por apertada maioria 6 votos a 5), que ressuscitou a imoralidade que vigeu durante míseros 7 anos ao longo das últimas 8 décadas, mas fez a felicidade dos corruptores e corruptos de ocasião.

ObservaçãoEntre 1941 e 1973, a regra era a prisão após a condenação em primeira instância. Sob a ditadura militar, alterou-se o CPP para favorecer o chefão do DOPS, delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury, e a partir de então réus primários e com bons antecedentes passaram a ter o direito de responder ao processo em liberdade até a decisão da segunda instância. Em 2009, como consequência tardia da nossa fantasiosa “Constituição Cidadã”, os condenados passaram a ser presos somente após o trânsito em julgado da sentença — isto é, depois de se esgotarem todos os recursos possíveis e imagináveis nas quatro instâncias do Judiciário, o que equivale a dizer “no dia de S. Nunca” —, até que, em 2016, o STF restabeleceu a prisão após a condenação em segunda instância. Tudo somado e subtraído, nas últimas oito décadas menos o período de 2009 a 2016, os criminosos eram presos após a condenação na primeira ou na segunda instância, como acontece na maioria das democracias do Planeta. A exigência do trânsito em julgado vigeu por míseros 7 anos, mas favoreceu um sem-número de corruptos (e uma penca de criminalistas estrelados, que cobram honorários milionários para “empurrar com a barriga” a prisão de seus clientes até a prescrição da pretensão punitiva do Estado ou a morte da galinha dos ovos de ouro, o que ocorrer primeiro). A despeito do que alegam os pseudogarantistas, a presunção de inocência e a garantia da liberdade e proibição da prisão arbitrária são coisas distintas, conforme nós já discutimos em diversas oportunidades aqui no Blog.

Se o processo for levado à bancada sem a presença a de Celso de Mello, a disputa que opõe Lula e Moro ganhará a aparência de jogo jogado. O placar será de 2 a 2 e, em caso de empate, o réu leva a melhor. Isso significa dizer que a sentença do caso do tríplex, já confirmada em três instâncias, seria revogada, e que Lula, que já se livrou da cadeia, ficaria mais próximo do objetivo de lavar a sua ficha suja, habilitando-se para a sucessão presidencial de 2022.

Esse é um jogo sério demais para ser decidido com um gol de mão. Depois de ter empurrado a encrenca com a barriga por tanto tempo, não parece razoável que Gilmar Mendes dê uma de Maradona a essa altura do campeonato. Mas quem disse que Gilmar é razoável?