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quinta-feira, 21 de julho de 2022

O DESEMPREGADO QUE DEU CERTO


 

O desempregado que deu certo (tão certo que se tornou presidente do Brasil) nasceu em 27 de outubro de 1945. Sétimo filho (noves fora outros quatro que "não vingaram") de um casal de lavradores pobres e analfabetos, o ungido veio ao mundo num casebre depauperado do sítio Várzea Comprida, em Caetés (então município de Garanhuns - PE). A mãe, Eurídice Ferreira de Melo, não foi assistida por uma parteira — a comadre era corpulenta e caiu do jegue a caminho do sítio — nem pelo marido — que havia "retirado" para São Paulo dois meses antes, levando a reboque uma prima adolescente da mulher, que ele havia engravidado.

Aristides Inácio da Silva só conheceu Luiz Inácio em 1950, quando voltou ao agreste para rever a família. Só então dona Lindú soube que o marido vivia com Mocinha e que tinha dois filhos com ela. Dias depois, ao voltar para Santos (SP), onde trabalhava como estivador, o pica-doce deixou a mulher grávida de Tiana (que mais adiante seria registraria como Ruth, porque o cartorário achou que Sebastiana era um nome muito feio) e levou embora o filho Jaime, futuro autor da carta que mudaria o destino da família. 
 
Aristides ditava para o filho alfabetizado as cartas em que dizia à mulher que a vida no litoral paulista estava difícil e que ela devia permanecer em Pernambuco. Numa dessas cartas, Jaime escreveu que era para a mãe e os irmãos virem para São Paulo. Castigada pela seca de 1952 e edulcorada pelas palavras do filhos, dona Lindú vendeu o barraco e os poucos teréns, deixou o cachorro com um parente, juntou a prole e tomou um "pau-de-arara" rumo à capital paulista. 

Após 13 dias espremidos no caminhão com outros retirantes, dona Lindú e os sete filhos chegaram ao bairro do Brás, de onde seguiram de trem para o litoral e foram bater à porta da casa onde Aristides morava com JaimeMocinha e dois filhos do casal. O reencontro se deu na antevéspera do Natal, mas não foi nada caloroso. 
 
Observação: Aristides era um homem rude e ignorante, que bebia muito e tratava melhor seus cachorros (ele tinha mais de 20) do que a mulher e os filhos. Segundo Lula, a primeira coisa que o pai fez ao se deparar com a família foi perguntar por Lobo (o tal cão que havia ficado no nordeste). Embora exercesse as funções de ensacador e ganhasse mais que a maioria dos estivadores, o "homem das sete mulheres" tinha amantes e uma penca de filhos para sustentar. Não espanta, portanto, que nenhuma mulher ou ex-mulher que soube de sua morte em 1978 — aos 65 anos, por cirrose hepática — e nenhum dos mais de 25 filhos espalhados país afora se interessou em tirá-lo da vala comum do cemitério da Consolação, no distrito de Vicente de Carvalho, e lhe dar um túmulo e um epitáfio.
 
Aristides ficava dois dias com uma família e dois dias com a outra, mas tratava dona Lindú e os filhos nas patas do coice. Depois de levar uma surra de mangueira do marido, a mão do predestinado subiu a serra (literalmente) e passou a morar nos fundos de um boteco na Vila Carioca (zona sul da capital paulista). Lula continuou com o pai por mais algum tempo e vendeu muita laranja e amendoim e engraxou muito sapato até finalmente ir morar com a mãe. 

Em São Paulo, o futuro presidente trabalhou como auxiliar de tinturaria, engraxate e office-boy antes de se tornar aprendiz de torneiro mecânico na Fábrica de Parafusos Marte. Em 1964, diplomado pelo Senai, empregou-se na Metalúrgica Independência, onde perdeu o dedinho da mão esquerda num acidente pra lá de esquisito — mas que lhe rendeu uma indenização Cz$ 350 mil. Na sua versão, um companheiro teria cochilado e largado o braço da prensa que lhe esmagou o dedinho. 
 
Observação: Acidentes do trabalho eram comuns naqueles tempos. Vavá (o irmão cuja morte o explorador de cadáveres não pode usar politicamente) quase perdeu uma das mãos numa algodoeira. JaimeZé Cuia também se acidentaram — um teve parte dos dedos decepados numa serralheria e o outro, que era mecânico de caminhão, teve a mão esmagada por uma máquina. Mas as probabilidades de alguém perder o dedo mínimo operando um torno mecânico, que já são remotas, caem para quase zero quando o operador é destro e o dedo em questão é da mão esquerda. 
 
Lula deixou a Independência logo depois do acidente. "Tive uma briga com um chefe. Pedi a conta", disse ele ao site ABC de Luta. Na sequência, ele se empregou como meio-oficial-torneiro na Fris-Moldu-Car, que "se apropriou" da narrativa do acidente para reivindicar relevância histórica e escapar da falência através da recuperação judicial

Observação: A empresa guarda o torno onde jura que o ex-funcionário famoso perdeu o dedo, e exibe sua ficha de empregado na recepção da fábrica. Para justificar a afirmação de que o acidente teria ocorrido em suas dependências, alega que a antiga Independência se transformou na Fris. Mas não há registros dessa aquisição nem coincidência entre as datas de funcionamento das duas empresas (mais detalhes no livro O Brasilianista Natural e o Petismo Era Lula - Volume I, escrito pelo ex-engenheiro sênior de metalurgia da CSN Lewton Verri, que conheceu Lula na década de 70). 

A versão da Fris não orna sequer com a boa recordação que supõe que o ex-empregado tenha dela. Lula foi demitido porque pegou o dinheiro das horas extras que deveria fazer no fim de semana e foi para praia: "Quando cheguei segunda-feira, queimadinho que nem um camarão — porque pobre não se bronzeia, se queima que nem camarão —, o cara: 'Por que não veio trabalhar?' 'Ah, fui pra Santos'. 'Então vai ser mandado embora'". 

Depois de seis meses desempregado, ele foi contratado pela Villares e, estimulado pelo irmão Frei Chico (que não era frei nem se chamava Francisco), iniciou sua trajetória sindicalista. 

Continua...

segunda-feira, 1 de agosto de 2022

O DESEMPREGADO QUE DEU CERTO (NONA PARTE)

A crise gerada por Dilma remonta ao processo de criação de um Estado de modelo absolutista, no qual o chefe do Executivo sobrepõe seus interesses aos interesses dos cidadãos, escala auxiliares tão inábeis quanto ele próprio e não presta contas a ninguém. 


Governos assim são bombas-relógio, desastres anunciados, cataclismas à espera o momento de acontecer. No "presidencialismo de coalizão" (ou de cooptação, como queira o leitor), o mandatário é um "gigante de pés de barro", pois depende da base aliada, de acordos com as oligarquias e do dinheiro das empresas para "governar". Em outras palavras, ao invés vez de mandar no sentido absolutista, presidente é mandado. Se tiver capacidade política e diplomática, ele até pode se sair razoavelmente bem, mas nem Dilma nem Bolsonaro jamais tiveram essas virtudes e sempre escolheram mal seus assessores.

 

Collor granjeou grande impopularidade com o sequestro das poupanças — que arruinou seu relacionamento com todas as classes brasileiras. Seu minúsculo partido (PRN) dependia vitalmente das demais legendas e jamais teve uma base sólida como a do MDB (que então atendia por PMDB; a sigla só perderia o "P" em 2017), e por isso foi impichado (não que não houvesse motivos de sobra para penabundar o caçador de marajás de festim, mas isso é outra conversa).


Dilma recebeu de FHC e de Lula a capacidade de aliança com grandes partidos, mas a inabilidade de seus negociadores não permitiu que ela a levasse adiante. Na verdade, a erosão do governo da presidanta teve início no segundo mandato de seu antecessor e mentor, quando a aliança com o PMDB começou a fazer água. Ao fim e ao cabo, a arrogância e a falta de jogo de cintura no trato com o Parlamento (e não as tais pedaladas fiscais, que não passaram de um simples pretexto) desencadearam seu impeachment.

 

O Estado brasileiro funciona desde sempre à base de corrupção. A negociação entre o Executivo e o Legislativo acontece na maioria das democracias, mas no Brasil isso ocorre de uma maneira absolutamente delirante. Não se nega que a Constituição de 1988 seja eminentemente parlamentarista, e que o parlamentarismo foi descartado no plebiscito de 1993 pelo esclarecidíssimo eleitorado tupiniquim, que preferiu o presidencialismo de coalizão. E deu no que deu. Nosso Executivo é quase irresponsável, e nosso Parlamento não é responsável. O princípio da responsabilidade não existe no Brasil. O Congresso não assume a plena responsabilidade pela governança e, quando não chantageia o mandatário de turno, é subserviente a ele. 

 

No artigo intitulado "Lula, o senhor da razão", de 1987, o doutor em filosofia e professor de Ética Política na Unicamp Roberto Romano salientou que Lula sempre adotou uma postura extremamente conservadora e intimamente ligada à sua pessoa, que não orna com um país democrático. Desde a greve do ABC, o sapo barbudo sempre foi protegido, e sempre lhe faltou a característica de um líder colegiado ― tanto é que o PT só tem Lula, e em seu favor foram abortadas todas as tentativas de lideranças regionais; quando ele for chamado a despachar com o capiroto, o partido do qual ele é o eterno presidente de honra ficará sem alternativa. 

 

Um slogan muito usado na campanha petista era "a esperança venceu o medo". Mas o medo voltou e a esperança chegou ao fundo do poço, como demonstrou a impopularidade da "papisa da subversão" (detalhes mais adiante) e a derrocada do PT nas eleições municipais. O diabo é que o desgoverno de Bolsonaro reavivou a chama (então bruxuleante) do lulopetismo, fazendo com que o desempregado que deu certo renascesse, tal e qual a mitológica Fênix. 


Para quem tem ao menos dois neurônios funcionais, escolher entre Nhô-Ruim e Nhô-Pior será uma missão ingrata. Mas os sucessivos boicotes à tão sonhada "terceira via" — que obrigaram Doria a desistir e impediram Moro de seguir adiante —, somados ao fato de Simone Tebet ter dormido no ponto e de Ciro Gomes estar fadado a amargar sua quarta derrota, colocaram-nos numa extraordinária sinuca de bico. 

 

Os motivos pelos quais eu repudio o lulopetismo atávico são basicamente os mesmos que me levam a rejeitar o bolsonarismo boçal. Só que o fato de o ex-capitão ser o pior mandatário desde Tomé de Souza não justifica apoiar a volta de Lula. Lamentavelmente, as pesquisas indicam que o eleitorado age como o sujeito que vai almoçar, vê que as únicas opções do cardápio são merda à parmegiana e bosta à moda da casa e fica em dúvida sobre o que pedir, quando deveria ir comer em outro lugar. 

 

Desde que deixou a prisão e recuperou seus direitos políticos, o petralha vem defendendo o "restabelecimento" da democracia no Brasil. Resta saber com que autoridade, considerando que escândalos de corrupção marcaram suas gestões, sem falar em sua notória simpatia por regimes e líderes autoritários mundo afora e suas tentativas de “regulamentar” os meios de comunicação — incluindo, agora, as mídias sociais. 


E não me venham com a falácia de que a anulação dos processos e o "reconhecimento" da parcialidade do ex-juiz Sergio Moro significam que Lula foi perseguido, condenado e preso injustamente. Ao longo dos últimos anos, ele respondeu a mais 20 ações criminais e foi absolvido em apenas três. As demais tiveram a tramitação interrompida por tecnicidades ou reviravoltas resultaram em seu arquivamento. 


No caso do tríplex, que rendeu 580 dias de férias compulsórias em Curitiba, a pena de 9 anos e meio de reclusão aplicada por Moro foi aumentada para 12 anos, 1 mês e 10 dias pelos desembargadores da 8ª Turma do TRF-4 e reduzida para 8 anos, 10 meses e 20 dias pelos ministros da 5ª Turma do STJ — instância na qual a condenação transitou em julgado depois de pouco mais de 2 anos de tramitação e cerca de 400 recursos apresentados pela defesa. No caso do sítio, a pena de 12 anos e 11 meses de reclusão foi determinada pela juíza substituta Gabriela Hardt e aumentada para 17 anos, 1 mês e 10 dias pelo TRF-4. Mas o ventos mudaram, e uma curiosa "epifania" revelou ao ministro-relator dos processos da Lava-Jato no STF que a 13ª Vara Federal de Curitiba não tinha competência territorial para processar e julgar o petralha. 


Comenta-se que Fachin tomou sua teratológica decisão para evitar que Moro fosse declarado suspeito. Verdade ou não, o resultado foi que os quatro processos que tramitavam contra Lula em Curitiba voltaram à estaca zero e Moro passou de herói nacional a juiz parcial. Isso levou o PT a lançar uma peça publicitária — intitulada “Memorial da Verdade” —  que elenca os processos nos quais Lula foi "inocentado" ou "absolvido". Mas é importante não confundir discurso político com discurso jurídico. 


Dos 19 casos em que os petistas dizem que seu amado líder foi inocentado, dois são trancamentos de investigações, quatro são denúncias rejeitadas, quatro são decisões anuladas — em virtude da "suspeição" de Moro —, dois são arquivamentos, um prescreveu e em outro as palestras do palanque ambulante foram consideradas "legais". Tecnicamente, pelo menos dois desses processos poderiam ser retomados, uma vez que o próprio STF não apontou ausência de provas, mas sim erros processuais. O problema é que o prazo prescricional é reduzido pela metade quando o réu é septuagenário. Considerando a celeridade da Justiça tupiniquim, Lula precisaria reencarnar meia dúzia de vezes para ser julgado, condenado e preso novamente, e o dito popular que atribui sete vidas aos gatos não contempla gatunos. 


Em face do exposto, Lula posa de inocente sem ter sido inocentado. Mal comparando, sua conversão a “ex-corrupto” é tão esdrúxula quanto a soltura de um criminoso preso em flagrante pela Guarda Civil Metropolitana porque a prisão deveria ter sido feita pela Polícia Militar. Triste Brasil!

 

Continua...

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

A MALDIÇÃO DA REELEIÇÃO



Acusado de protecionismo ao criar o Mundo, por ter favorecido a porção de terra que mais adiante seria o Brasil, o Senhor do Universo assim se justificou: "esperem para ver o povinho de merda que eu vou botar lá." 

Segundo Jobim, o Brasil não é para amadores. Churchill dizia que a "democracia é a pior forma de governo, à exceção de todas as outras" —, mas também que "o melhor argumento contra a democracia é cinco minutos de conversa com um eleitor mediano". Figueiredo (que era um sábio e não sabia) nos ensinou que "um povo que não sabe sequer escovar os dentes não está preparado para votar". Deu para entender ou quer que eu soletre?

Dos 13 postulantes à presidência em 2018, quatro — Cabo Daciolo, Guilherme Boulos, Jango Filho e Vera Lucia — formavam um elenco de filme de terror de quinta classe; outros quatro — Ciro Gomes, Geraldo Alckmin, Marina Silva e José Maria Eymael — eram "arrozes de festa" em eleições presidenciais; e três — João AmoedoHenrique Meirelles e Álvaro Dias — eram alternativas mais interessantes que a marionete do presidiário e o dublê de mau militar e parlamentar medíocre. Mas aí entrou em cena o esclarecidíssimo eleitorado tupiniquim, e deu no que deu.

Em vez chorar o leite derramado, melhor seria aprender com os erros do passado para não os cometer novamente no futuro. Mas seria querer demais da escumalha descerebrada a que se convencionou chamar de "eleitorado". Triste Brasil!

Ciro já foi candidato à Presidência três vezes. A despeito de sua invejável oratória), o cearense de Pindamonhangaba é um populista incorrigível. A ver se terá melhor sorte em 2022 do que em 1998, 2002 e 2018. 

Alckmin era vice de Mário Covas em 2001, e assumiu o governo paulista com a morte do titular. Foi reconduzido ao Palácio dos Bandeirantes em 2002, 2010 e 2014 e concorreu ao Planalto em 2006 e 2018, mas foi derrotado ambas as vezes. Aos 69 anos recém-completados, o picolé de chuchu quer bater asas do ninho tucano e se filiar ao PSB para ser vice na chapa de Lula — ou concorrer (mais uma vez) ao governo do Estado.

Comenta-se que exigências feitas por Kassab têm provocado mal-estar antes mesmo do casamento de papel passado, de modo que o ex-governador não descarta a possibilidade de migrar para o Solidariedade. Qualquer que seja sua decisão, será um fim de carreira melancólico para um político egresso do PMDB, que ajudou a fundar o PSDB e presidiu o tucanato de 2017 a 2019.

Boulos disputou a Presidência em 2018 e perdeu. Disputou prefeitura de Sampa em 2020 e chegou ao segundo turno, mas foi derrotado por Bruno Covas. Jango e Vera não passaram de acidentes de percurso e Daciolo, Marina e Eymael são... Daciolo, Marina e Eymael

O ex-bombeiro desceu do monte para disputar o Planalto em 2018 e (pasmem!) obteve mais votos que a ex-seringueira que sonhava ser freira, mas se elegeu vereadora (1988), deputada (1990), senadora (em 1994 e 2002) e foi ministra do Meio Ambiente no governo Lula, chegando mesmo a ser cogitada para "poste" em 2010 (mas o desempregado que deu certo achou que a nefelibata da mandioca seria mais fácil de controlar, e cometeu o que muitos consideram seu maior erro de estratégia política). 

Daciolo desceu de novo do monte para disputar o Planalto no ano que vem. Até onde a vista alcança, ele deve subir novamente a montanha em outubro do ano que vem. Glória a Deus e adeus! Marina participou participou das três últimas eleições presidenciais, mas deve ficar fora da próxima, embora não descarte a possiblidade de concorrer ao Senado ou à Câmara Federal (para ajudar seu partido a vencer a cláusula de barreira). 

Eymael — o "democrata cristão" que foi deputado federal de 1986 a 1995 e disputou todas as eleições presidenciais desde 2018 (noves fora a de 2002) não só é pré-candidatíssimo como (pasmem!) diz que "Lula vence todos os pré-candidatos nas pesquisas porque seu nome não está inserido nos levantamentos". Talvez seja coisa da idade (82 anos). Parafraseando a caricata Copélia — protagonizada pela impagável Arlete Salles —, "eu prefiro não comentar".

Para encurtar a conversa, havia em 2018 pelo menos três candidatos que poderíamos ter testado se a dicotomia disseminada pelo demiurgo de Garanhuns e seus jegues amestrados não produzisse a imbecilidade coletiva que escalou os dois extremistas mais extremados do espectro político-ideológico para disputar o segundo turno, colocando numa sinuca de bico a parcela do eleitorado que não geme de dor quando raciocina. 

Claro que havia também a alternativa de anular o voto, votar em branco ou se abster de votar, como fizeram 42 milhões de eleitores que se recusaram a apoiar o "mico" dos bolsomínions — e teriam votado no capeta em pessoa para evitar a volta da roubalheira lulopetista. De novo, deu no que deu.

Com a irreverência que lhe é peculiar, Diogo Mainardi diz que, entre votar em Lula ou Bolsonaro, prefere se atirar do Campanário de São Marcos (para quem não sabe, ele mora na Itália). Para João Amoedo, do Novo, esse cenário equivale a escolher entre morrer afogado ou com um tiro. O deputado Vinicius Poit, também do Novo, vai mais além: "Precisamos de uma outra opção que não seja nem esses dois nem o Ciro, que é outro populista. Eu votaria nulo porque populismo, seja de direita ou de esquerda, não faz bem ao país”. 

E eu assino embaixo.

Continua... 

sábado, 30 de setembro de 2023

O JACARÉ E O COELHINHO BRANCO

O Brasil jamais se notabilizou pela qualidade de seus governantes, e o motivo foi cantado em prosa e verso por Pelé e por João Figueiredo durante a ditadura militar. Em 1984, pressionada pelos militares, a Câmara Federal sepultou a Emenda Dante de Oliveira, mas a mobilização popular seguiu firme e forte e, em janeiro do ano seguinte, Tancredo Neves foi eleito presidente por um colégio eleitoral, mas baixou ao hospital horas antes da posse e morreu 38 dias e 7 cirurgias depois, levando para a tumba as esperanças do povo brasileiros.


Com a morte de Tancredo, o oligarca maranhense José Sarney desgovernou o país até 15 de março de 1990, quando entregou o cetro e a coroa a Fernando Collor (o caçador de marajás de araque que derrotou o desempregado que deu certo na primeira eleição direta desde 1960). Com a condenação do "Rei-Sol" no primeiro impeachment da "Nova República" (em dezembro de 1992), o vice Itamar Franco foi promovido a titular e nomeou Fernando Henrique Cardoso Ministro da Fazenda.


FHC e sua equipe de notáveis gestaram e pariram o Plano Real, cujo sucesso ensejou a vitória do tucano no primeiro turno do pleito presidencial de 1994. Três anos depois, picado pela mosca azul, sua excelência comprou a PEC da Reeleição e tornou a derrotar Lula em 1998. A maré mudou em 2022: na quarta tentativa seguida, o demiurgo de Garanhuns conseguiu se eleger presidente, dando início ao jugo petista que seria interrompido 13 anos, 4 meses e 11 dias depois, com afastamento de Dilma


Com a deposição da gerentona de festim, o país voltou a ter na presidência alguém que falava português sem exterminar o plural nem descambar para o "dilmês". Mas nuvens negras surgiram surgiram no horizonte quando o ministério de notáveis prometido por Temer revelou-se uma notável confraria de corruptos, e tempestade desabou quando o jornalista Lauro Jardim revelou uma conversa mui suspeita entre o vampiro do Jaburu e certo moedor de carne com vocação para delator e estúpido a ponto de delatar a si mesmo.


Despido do manto da moralidade, o nosferatu tupiniquim cogitou renunciar, mas, dissuadido por sua entourage, anunciou num pronunciamento à nação que não renunciaria, e que a investigação no STF seria "o terreno onde surgiriam as provas de sua inocência". Ato contínuo, lançou mão de toda sorte de artimanhas para escapar da cassação. 


Como o Diabo sempre cobra sua parte no pacto, Temer se tornou refém do Congresso e claudicou pela conjuntura como pato manco até janeiro de 2019, quando transferiu o cargo para aquele que seria o pior mandatário que o Brasil já teve desde a chegada de Cabral. 

 
Vinte e um anos se passaram do golpe de 64 à volta dos militares à Caserna, mas poucos meses bastaram para Bolsonaro trazê-los de volta e transformar o Estado em quartel. O pedaço que viu nele a chance de "salvar a sociedade do comunismo" conferiu péssima fama à ala das Forças Aramadas que manteve os pés na democracia, e a reversão de uma urucubaca tão disseminada exige mandinga mais forte do que o lero-lero de "separar o joio do trigo".  A intentona de 8 de Janeiro só não deu certo porque porque o aspirante a tiranete não conseguiu o apoio de "seu Exército" e de "suas Forças Armadas"

Observação: Depois que a PF descobriu que fardados de alto coturno (como o almirante Almir Garnier) foram coniventes com o projeto autoritário do "mito", o Datafolha apurou que 6 em cada dez brasileiros acham que as Forças Armadas se meteram em irregularidades por se deixarem cavalgar pelo ex-capitão que o general Ernesto Geisel bem definiu como "mau militar". 


É inegável que mãos fardadas apalparam todas as cumbucas, da trama golpista ao comércio de joias; da "pazuellização" da Saúde à falsificação de cartões de vacina; do ataque sistemático ao sistema eleitoral às visitas do picareta de Araraquara à pasta da Defesa. E que, ao testemunhar em silêncio as extravagâncias do capetão, a banda muda do Alto-Comando das FFAA como que se aliou às multidões que acamparam na porta dos quartéis para pedir intervenção militar.

 

Segundo a PF, o tenente-coronel Mauro Cid revelou em sua delação que: 1) após a derrota nas urnas, Bolsonaro se reuniu com integrantes da Marinha para discutir uma proposta de golpe; 2) além de militares, participaram do encontro integrantes do chamado "Gabinete do Ódio"; 3que a minuta discutida na reunião tratava de uma série de ilegalidades, mas não é possível afirmar que fosse a mesma encontrada na casa do ex-ministro Anderson Torres; 4) que a proposta de golpe foi recebida com entusiasmo pelo representante da Marinha, mas o Exército ficou mais reticente; 5) que o plano não foi adiante por causa da falta de adesão.

 

Como disse alguém, "se tem boca de jacaré, dentes de jacaré, couro de jacaré e rabo de jacaré, não deve ser um coelhinho branco". 

sexta-feira, 22 de julho de 2022

O DESEMPREGADO QUE DEU CERTO (CONTINUAÇÃO)

 


Antes de desposar Marisa Letícia Rocco Casa, o desempregado que deu certo foi casado com Maria de Lourdes da Silva — uma mineira cuja família fugiu da seca no início dos anos 1950. Se tivesse seguido pela rota de Montes Claros ao invés de descer em direção a Governador Valadares, o pau-de-arara que trazia dona Lindú e os filhos poderia ter cruzado com a caminhoneta que levava a futura esposa do futuro petista à gare da Central do Brasil, onde ela (então com 3 anos) e seus familiares tomaram o "trem baiano" para São Paulo. 


Os dois se conheceram num bairro pobre da periferia paulistana, onde moravam em casas contíguas, e se casaram em maio de l969 — a festa de foi na casa da irmã Ruth (ex-Tiana), e teve sanduíche, bolo e guaraná. Um ano depois, o casal comprou uma casinha com 2 quartos, sala e cozinha, que reformou para receber o primeiro filho. A gravidez transcorreu sem problemas até o oitavo mês, quando então Lourdes contraiu hepatite e foi submetida a uma cesárea de emergência. Nem ela nem a criança sobreviveram. 


Em algum momento de sua viuvez, Lula conheceu a enfermeira Miriam Cordeiro, com quem teve a filha Lurian. e que foi protagonista de um vídeo exibido por Fernando Collor, no horário eleitoral do segundo turno de 1989, no qual a mulher dizia que Lula lhe ofereceu dinheiro para que abortasse. O episódio teve grande repercussão e o petista perdeu a eleição (não só por causa do vídeo, mas, certamente, também devido a ele). Soube-se mais adiante que ela havia recebido dinheiro da campanha de Collor para fazer a "denúncia", mas então o estrago já estava feito.

 

Lula se filiou ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema em 1967, incentivado pelo irmão José Ferreira da Silva (o tal Frei Chico), que era ateu e militante do Partido Comunista Brasileiro. Na época, o futuro fundador do PT dizia ter ojeriza à política e a quem gosta de política, mas se elegeu  2º suplente da diretoria da entidade em 1969, 1º secretário em 1972 e presidente em 1975. Foi sob sua liderança que o ciclo de greves em prol da recomposição salarial da categoria teve início. 


Em 1974, Lula se casou com Marisa Letícia, que havia conhecido sete meses antes, no Sindicato. Paulista de São Bernardo do Campo, ela nasceu em 7 de abril de 1950 e começou a trabalhar aos 9 anos de idade  primeiro como babá, depois na fábrica de doces Dulcora  e foi casada com o taxista Marcos Cláudio da Silva, que morreu assassinado seis meses depois do enlace. Além de Marcos, fruto do primeiro casamento, ela teve com Lula os filhos Fábio Luiz (vulgo Lulinha), Sandro Luiz e Luiz Cláudio. 

 

Como principal dirigente do movimento sindical brasileiro, Lula participou de assembleias e reuniões em todo o país (chegando mesmo a ir ao Japão a convite da Toyota). Foi cassado em 1979, mas recuperou o cargo ao final da greve. No ano seguinte, acusado de promover greve e incitar publicamente à "subversão da ordem político-social", ele ficou 31 dias detido nas dependências do DOPS, mas jamais foi torturado. O delegado Romeu Tuma, então diretor-geral do DOPS, permitia que ele lesse jornais, recebesse visitas importantes e até visitasse a mãe, que estava com câncer terminal (ele ia deitado no banco traseiro de uma viatura, escoltado por agentes vestidos como operários). Quando dona Lindú morreu, Tuma o autorizou a acompanhar o enterro. 


Marisa Letícia confeccionou  a primeira bandeira do PT, mas pouco apareceu nas campanhas de Lula anteriores à de 2002. Em dezembro de 2016, virou ré na Lava-Jato, acusada de crime de lavagem de dinheiro ao lado marido no caso do tríplex, mas não chegou a ser condenada: um aneurisma a matou em fevereiro de 2017, cinco meses antes de Sergio Moro proferir a sentença condenatória.


Golbery do Couto e Silva ("O Bruxo") disse a Emílio Odebrecht que Lula posava de esquerdista, mas não passava de um bon vivant. Com efeito. O molusco deixou de ser operário quando fundou o PT, mas, na condição de líder sindical, não dava expediente em chão de fábrica desde 1972. Bastou encontrar quem pagasse a conta para ele trocar a pinga vagabunda e os cigarros baratos por vinhos premiados, uísques caríssimos e charutos de US$ 100. Numa conta de padaria, mais da metade de seus "gloriosos dias" foi dedicada à "arte da política", não ao batente diário que consome o tempo de milhões de brasileiros. 

 

Lula começou a trabalhar aos 7 anos, mas sempre foi avesso à labuta, preferindo viver de privilégios e mordomias conquistados através de contatos proveitosos. O embusteiro que emergiu das delações da Odebrecht desnudado da roupagem de salvador da pátria prestava serviços a corporações corruptas, de todos os matizes e origens, em troca dos prazeres da boa vida. Como camelô de empreiteiro, ele desfrutou do poder de maneira indecorosa, mas sem jamais deixar de cultuar a imagem de político habilidoso, honesto e provido de um senso de justiça social sem paradigma na história deste país.

 

Continua...

sábado, 27 de junho de 2020

AS ESCOLHAS DE QUEM NÃO TEM OPÇÃO



A vida é feita de escolhas”, ensinou-nos o oncologista Nelson Teich na manhã de 15 de maio, ao comunicar que havia escolhido deixar o Ministério da Saúde. E com efeito. Mas há escolhas e escolhas, ou, dito de outra maneira, nem sempre escolha é sinônimo de opção.

Teich assumiu a Saúde depois que Bolsonaro enfarinhou, fritou, cozinhou, assou e finalmente defenestrou o então ministro Mandetta — não porque o desempenho do médico fosse insatisfatório, antes pelo contrário: a popularidade que lhe rendeu seu protagonismo no combate à Covid-19 incomodou o chefe, que não admite que alguém sob seu comando seja mais popular do que ele (atualmente, até o jardineiro do Palácio consegue esse prodígio, mas isso é outra conversa).

Também contribuíram para a saída do oncologista sua irredutibilidade quanto ao uso da cloroquina e "teimosia" em seguir as recomendações da OMS — do ponto de vista da Ciência, Bolsonaro parece ter nascido numa caverna e estar caçando brontossauros.

Quando Teich foi empossado — dizendo-se alinhado com o general da banda —, teve-se inicialmente a impressão de que o capitão da caverna sem luz havia nomeado um lambe-botas disposto a obedecê-lo cegamente, ainda que para isso tivesse de limpar o rabo com o diploma de médico.

Teich foi criticado por tornar menos frequentes as coletivas de imprensa (que o antecessor realizava todo fim de tarde), por sua aparente inércia, pelas respostas evasivas e até por ter trocado o colete do SUS pelo paletó e gravata nos raros pronunciamentos à imprensa.

Soube-se mais tarde que o médico assumiu a pasta como “ministro de direito”, subordinado ao já então “ministro de fato” (ou interventor militar, como queira o leitor) general Eduardo Pazuello e sua equipe de fadados. A gota d’água foi Teich ter tomado conhecimento pela imprensa de que o presidente havia liberado sem consultá-lo — ou mesmo comunicá-lo — da reabertura de academias de ginástica e salões de beleza. E deu no que deu: o auxiliar pediu o boné antes mesmo de completar um mês no posto.

Fiz essa (não tão) breve introdução para esclarecer o que quis dizer com situações em que opções não significam necessariamente escolhas — como quando a(s) alternativas torna(m) a emenda pior que o soneto. Considerando que o que abunda não excede, junto ao exemplo retrocitado a conhecida parábola que originou a expressão “escolha salomônica” (Livro 1 de Reis, capítulo 3, versículos 16 a 28 da Bíblia), que no caso em tela deve ser focada não na difícil decisão imposta ao rei, mas na posição da mãe da criança.

Duas prostitutas que dividiam a mesma casa deram à luz com um dia de diferença. Um dos bebês faleceu, e a mãe trocou-o pelo sobrevivente. A verdadeira mãe exigiu a devolução do filho, mas não foi atendida, pois a amiga afirmava ser da reclamante o bebê que havia morrido. Depois de ouvir os dois lados da história, o Rei Salomão ordenou que partissem a criança ao meio e que cada mulher ficasse com uma metade. No mesmo instante, uma delas implorou-lhe que desse o bebê para a outra, donde o rei inferiu ser ela a mãe verdadeira, eis que seu amor pelo filho era tamanho que ela preferia vê-lo vivo, mesmo que longe de seus braços.

Tudo isso para embasar minha tese de que a escolha abilolada que do esclarecidíssimo eleitorado no primeiro turno do pleito de 2018 não nos deixou alternativa ao indesejável retorno do PT ao poder que não fiar o contrato de locação do atual inquilino do Palácio do Planalto. Assim, os eleitores sensatos (e desalentados) taparam o nariz e uniram forças com os bolsomínions, já que votar no catimbau — falo do papalvo bonifrate de Lula — jamais foi uma opção válida, e fazer como os 42 milhões de brasileiros que anularam o voto, votaram em branco ou simplesmente não compareceram às urnas seria fortalecer o adversário.

O xis da questão é que escolhas, mesmo as impositivas, implicam consequências, e o problema com as consequências é que elas vêm depois.

Dois anos atrás, mesmo quem fez a lição de casa e esquadrinhou a vida pregressa do “caso completamente fora do normal, inclusive mau militar“, que teve a carreira no exército abortada por indisciplina e insubordinação e, em 28 anos como integrante do baixo clero da Câmara Federal aprovou 2 projetos e colecionou mais de 30 ações criminais, não poderia prever que votar nessa excrescência não levaria “a montanha parir um ridículo rato” (refiro-me à célebre frase “parturiunt montesnascetur ridiculus mus”, atribuída ao poeta romano Horácio (65 a.C. – 8 a.C.), mas a dar à luz um abjeto rascunho de Godzilla. Nem (muito menos) que o eleito subiria a rampa cercado por um ignóbil triunvirato prolítico seguidor da seita maldita do escalafobético “homem de Virgínia”.   

De nada adianta chorar o leite derramado, diz um velho ditado. Mas tampouco adianta esperar que o presidente mude seu comportamento e se transforme da noite para o dia num administrador competente, num político eivado de lisura (coisa que não existe neste planeta, mas enfim...), bem intencionado, que ponha os interesses da nação (e não os próprios e os da filharada) à frente de suas ambições eleitoreiras — até porque o melhor cabo eleitoral de um político que visa à reeleição é um primeiro mandato produtivo e honrado.

Para não esticar este texto com repetições desnecessárias, relembro apenas o que escrevi nesta postagem, sobre o remédio constitucional a ser usado quando um candidato que se elege calcado em propostas de campanha que passa a não cumprir — por incompetência, inadequação às exigências do cargo ou simples má-fé —, flerta com o autoritarismo e ameaça empurrar para o abismo a nação que foi eleito para comandar. E sobre a importância de administrar o fármaco na dose correta e em tempo hábil, sob pena de matar o paciente.

Para concluir:

No dia 23 de maio de 1999, o hoje presidente da República concedeu uma entrevista antológica à Band. Aos 24 minutos da conversa (que durou exatos 43), ele disse hipoteticamente que se fosse eleito presidente “daria golpe no mesmo dia! Não funciona… o Congresso de hoje em dia não funciona”. Antes, aos nove minutos, ele havia dito que “… o Congresso só existe para dizermos que temos uma democracia”.

Assistir a essa entrevista é um exercício esclarecedor. Duas décadas atrás, Jair Messias Bolsonaro, então deputado federal pelo PPB (um dos oito partidos pelos quais passou em seus 30 anos de vida pública), pesava exatamente como continua pensando atualmente. Olhando a coisa pelo lado do copo meio cheio, temos de reconhecer que, quando mais não seja, o trevoso é coerente. Ao menos quando isso lhe interessa.

Há que ter estômago para enfrentar os 43 minutos da entrevista. A afinidade que o capitão demonstra ter com a morte, por exemplo — e que vem demonstrando durante a pandemia quando relativiza “a morte de alguns” —, fica evidente em outra de suas falas famosas: a afirmação de que a ditadura “deveria ter matado mais uns 30 mil, começando pelo FHC”.

Aos 16 minutos da entrevista, o Messias que não faz milagre afirma que “sonega tudo que pode”; aos 17, que “votaria no Lula porque ele é honesto”; aos 26, que “o Planalto seria um ótimo lugar para fazer o teste de uma bomba nuclear”.

Abro um parêntese para salientar que, em 1999, Lula ainda era o desempregado que deu certo, o retirante nordestino pobre e analfabeto que passou de engraxate a torneiro mecânico; de baderneiro eneadáctilo a líder sindical; de fundador do partido dos trabalhadores que não trabalham, estudantes que não estudam e intelectuais que não pensam a candidato derrotado à prefeitura de Sampa (1982); de deputado federal (1986) e postulante contumaz à presidência da República (1989, 1994, 1998). Só em 2002 que o fiduma passaria à condição de presidente eleito, e em 2006, a despeito do Mensalão, não só se reelegeria. como se faria suceder, em 2010, pelo rascunho do mapa do inferno, colecionaria mais de 10 processos criminais, seria preso em 2018 e solto “provisoriamente” 580 dias depois (novembro de 2019), à bordo de uma namorada que conheceria na cadeia (Canja, Franja, Janja ou coisa parecida) e, sabedor de que o diabo detesta concorrência e, portanto, o protegeria do Sars-CoV-2, iria ao Vaticano constranger o Papa. Fecho o parêntese.  

Está tudo lá. Há mais de 20 anos. Tantos são os absurdos que, em qualquer outro país, Bolsonaro teria sua carreira política encerrada ao terminar a entrevista. Aqui, não. Aqui, ao que tudo indica, a postura beligerante até ajudou a elegê-lo.

Recuso-me a crer que boa parte dos brasileiros pensa como ele; prefiro imaginar que a forma com que ele se expressa é que cativa o eleitor “menos questionador” — com o conteúdo, a eleitorado apedeuta sequer se importa, até porque, ainda que quisesse se importar, não teria capacidade cognitiva para tanto.

Bolsonaro foi eleito num momento em que boa parte do país estava indignada com o PT, com a corrupção, com os escândalos que se sucediam, e conquistou admiradores com um discurso de político calejado, que fala gritando e gesticulando, o que, a olhos e ouvidos menos atentos, pode parecer indignação.

Enfim, moldamos nossa democracia ao jeitinho brasileiro. Nossa forma de governo é o Presidencialismo de Impeachment — por aqui, o impeachment não é o último recurso, mas simplesmente uma das etapas de um mandato presidencial.

Não temos treino, nem cultura, nem vontade para perder tempo escolhendo um presidente. Então, elegemos aquele que grita mais alto e depois a se vê no que dá. Collor, por exemplo, era conhecido apenas no Nordeste. Aterrissou no Planalto, e deu no que deu. Dilma idem. Uma microcéfala exótica alçada ao cargo máximo do país por um encantador de burros semianalfabeto. Deu no que deu. De novo. Mas Bolsonaro estava longe de ser um desconhecido. Sua performance nas eleições para deputado (foram oito!) lhe garantiram enorme notoriedade.

Para quem pesquisou ou assistiu apenas a entrevista de 1999, nada do que o capitão diz surpreende. Mesmo assim, a nação está surpresa com seu comportamento. E, como mandam as regras do Presidencialismo de Impeachment, trinta e tantos pedidos estão nas mãos — ou na gaveta — de Rodrigo Maia, para que nossa democracia tupiniquim siga seu curso.

Dizem que esse nosso comportamento são as dores de crescimento de uma jovem democracia. O problema é que antigamente doía. Hoje, mata.

Tantos foram os absurdos ditos por Bolsonaro naquela entrevista que, em qualquer outro país, sua carreira política estaria encerrada antes mesmo de o programa terminar. Aqui não.

Com Mentor Neto

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

LULA E O COELHINHO DA PÁSCOA


Não se sabe ao certo o que é o tempo ou se ele realmente existe. Mas o poeta disse que não há nada como o tempo para passar. Com o passar do tempo,
 a abjeta polarização dividiu a população brasileira ao meio  noves fora uma pequena parcela que não tem bandido de estimação, se envergonha da política fisiologista e tem nojo de políticos corruptos. Mas o que seria de esperar dessa escória que o Criador escalou para povoar o país do futuro que nunca chega, cuja descoberta foi uma fraude, a Independência, comprada, e a Proclamação da República, o primeiro de uma sequência de golpes de Estado que pensamos ter terminado com o tão sonhado fim da ditadura?
 
Em abril de 1984, uma maracutaia urdida pela alta cúpula militar sepultou a emenda Dante de Oliveira, mas a semente estava plantada e a campanha pelas Diretas Já culminou na eleição indireta de Tancredo Neves. Mas quis o destino
 (e depois dizem que Deus é brasileiro!) que o presidente eleito, tido e havido como "salvador da pátria", baixasse ao hospital horas antes da cerimônia de posse e à cova 5 semanas depois, levando consigo a esperança de milhões de brasileiros e deixando de herança um neto que envergonharia o país e um combo de oligarca maranhense, escritor, poeta e acadêmico a quem o último presidente-general se recusou a transferir a faixa presidencial (faixa a gente transfere para presidente, não para vice, e esse é um impostor).
 
Após 5 longos anos de desgoverno Sarney, nosso esclarecidíssimo eleitorado — que não votava para presidente desde a eleição de Jânio Quadros, em 1960 — reafirmou sua estranha predileção pelo "quanto pior, melhor". Embora a lista de postulantes ao Planalto incluísse Ulysses Guimarães, Mário Covas e outros próceres da nossa política (quando nosso política ainda tinha próceres), a récua de muares preferiu Collor e Lula no segundo turno e liquidou a fatura elegendo o pseudocaçador de marajás.
 
Concluído o impeachment do Rei-Sol, o baianeiro namorador Itamar Franco foi promovido a titular e o sucesso do Plano Real garantiu a vitória do 
grão-duque tucano Fernando Henrique, que se reelegeu em 1998, mas não conseguir fazer seu sucessor e deu presidência de bandeja para o desempregado que deu certo e seu espúrio partido.
 
Lula renovou seu mandato em 2006 e, para provar que era "capaz de eleger até poste", emplacou a mulher sapiens em 2010. A dita-cuja fez o diabo para se reeleger em 2014, mas foi penabundada em 2016, sendo sucedida pelo vampiro que tem medo de fantasmas, que claudicou até o final do mandato-tampão e passou a faixa para um combo de mau militar e parlamentar medíocre com vocação para tiranete. E deu no que deu.
 
Com as velas enfunadas por ventos supremos, o ex-presidiário mais famoso 
da história desta banânia zarpou da carceragem da PF e aportou no Planalto pela terceira vez .Vale destacar que a coalizão que se formou em torno do dito-cujo tinha por objetivo impedir a reeleição do "mito" dos anencéfalos e consertar os estragos feitos durante sua execrável gestão. Mas pau que nasce torto nunca se endireita, e o Sun Tzu de Atibaia logo enveredou pelo perigoso terreno das afinidades ideológicas aliadas ao excesso de pretensão sobre seu real tamanho na cena externa.
 
Entre os episódios burlescos protagonizados por D. Lula III  destaca-se a postura de admirador confesso do tiranete venezuelano Nicolás Maduro. Sua majestade disse inicialmente que ouviu do amigo a promessa de um pleito "limpo e democrático" e respeito à vontade do povo, consubstanciada pelo resultado das urnas. De acordo com o Conselho Nacional Eleitoral (que é controlado pelo Partido Socialista da Venezuela), o autocrata abjeto foi reeleito com 51,21% dos votos, mas a líder da oposição Maria Corina Machado diz ter provas de que Edmundo González Urrutia venceu por uma ampla vantagem. 
 
Para os observadores internacionais e a maioria dos governos — com exceção de Cuba Rússia, China, Nicarágua, Irã e outros regimes igualmente autoritários —, os dados oficiais são fraudulentos; segundo a Associated PressMaduro perdeu por uma diferença de quase meio milhão de votos. Para surpresa de ninguém, o paradeiro das atas eleitorais que o autoproclamado vencedor prometeu exibir continua incerto e não sabido, até porque seu conteúdo comprovaria o autogolpe. 
 
Num primeiro momento, Lula compactuou com a postura abjeta de seu partido, que reconheceu prontamente a vitória do caudilho venezuelano, mas mudou de ideia depois que Centro Carter afirmou que as atas eleitorais coletadas pela oposição eram "consistentes", e que González venceu de maneira clara e "por uma margem intransponível". Todavia, ao
 insistir que democracia é um conceito relativo, que a Venezuela não é uma ditadura, mas vive um 'regime desagradável", o petista escancara sua incapacidade de encaixar as palavras "Maduro" e "podre" numa mesma frase e deixa claro que sua abjeta ideológica o impede de se render à realidade, o que é inadmissível para um líder regional. 

Ecoando o ex-chanceler Celso Amorim, seu aspone especial para assuntos internacionais, Lula propôs a realização de um inexequível segundo turno das eleições no país vizinho (proposta essa que foi prontamente rechaçada por Corina, Urrutia e seus apoiadores). Aplicando-se os mesmos conceitos à conjuntura tupiniquim, Bolsonaro seria ligeiramente antidemocrático, o golpe falhado seria aceitável e o petismo aceitaria graciosamente o VAR de uma segunda eleição. 

Lula recebeu Maduro numa cúpula de países sul-americanos e tratou-o com deferência especial. Como anfitrião, foi criticado por seus pares, mas deu de ombros e seguiu na toada de condescendências em série, culminando na situação atual em que o Brasil, de líder, passou a voz praticamente isolada ao se recusar a reconhecer com clareza a fraude eleitoral deflagrada no final do mês passado. Além de desrespeitar o eleitor que votou nele acorrentado ao fator democrático, o pseudo grande estadista desrespeita a si mesmo.
 
Maduro já exibiu sua boca de jacaré, seus dentes de jacaré, seu couro de jacaré e seu rabo de jacaré, mas Lula continua achando que ele é o coelhinho da Páscoa. Num instante em que metade dos brasileiros ainda respira aliviada por ter conseguido se livrar de um candidato a déspota, Lula deveria parar de disputar a liderança da oposição com o "o coisa", sob pena de consolidar a crise venezuelana num processo de erosão da sua própria popularidade.