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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

AINDA SOBRE TRAGÉDIAS E FARSAS...

 

Visando manter aquecida a poltrona presidencial até poder voltar a ocupá-la, Lula criou um "poste" e o vendeu como "gerentona eficiente". Mas a cria se revelou um conto do vigário no qual próprio criador caiuEntre 2013 e 2016, a economia brasileira encolheu 6,8% e o desemprego saltou de 6,4% para 11,2%. Foram ao olho da rua algo como 12 milhões de pessoas. Se Lula passou à história como presidente que fez a sucessora, Dilma se imortalizou como a criatura que desfez a obra do criador.

 

Dilma foi um arremedo de guerrilheira que jamais disparou um tiro — a não ser no próprio pé, ao se reeleger, devido ao tamanho da encrenca que herdou de si mesma. Jamais foi política e tampouco demonstrou vocação para gerir o que quer que fosse. Não obstante, com Dirceu e outras estrelas do alto escalão petista no xadrez e sem peito para levar adiante o "golpe via emenda constitucional" que lhe garantiria um terceiro mandato, Lula achou que ela seria mais fácil de manipular do que Marina Silva e, por “não ser política”, não se apegaria ao cargo. Só que a cria tomou gosto pelo poder e "fez o diabo" para se reeleger, azedando suas relações com o criador.

 

Dilma foi um Pacheco de terninho que, sem ter sido vereadora, virou secretária municipal; sem passar pela Assembleia Legislativa, virou secretária de Estado, sem estagiar no Congresso, virou ministra; sem ter inaugurado nada de relevante, posou de gerente de país; sem saber juntar sujeito e predicado, virou estrela de palanque; sem ter tido um único voto na vida até 2010, virou presidente do Brasil em outubro daquele ano e renovou o mandato quatro anos depois. Lula chegou a dizer — em off, naturalmente — que ele próprio foi a maior vítima de Dilma. Sua escolha feriu de morte a relação com Marina, que abandonou o governo em 2008 e o PT em 2009, e disputou a presidência pelo PV em 2010 — quando ficou em 3° lugar, com 19% dos votos válidos.

 

Dilma tinha o apoio de Lula e de marqueteiros de primeiríssimo time, como João Santana e sua mulher, Mônica Moura — ambos foram presos na 23ª fase da Lava-Jato e soltos mediante o pagamento de fiança no valor de R$ 31,4 milhões. Com as velas enfunadas por recursos milionários (oriundos, em grande parte, do propinoduto da Petrobras), o "poste" derrotou Marina no primeiro turno e venceu José Serra no segundo (por 46,91% a 32,61% dos votos válidos). Marina votou a disputar o Planalto em 2014 — primeiro como vice na chapa de Eduardo Campos, e depois como titular, já que o cabeça da chapa morreu num acidente aéreo a dois meses do primeiro turno. 

 

Mesmo tendo obtido 2 milhões de votos a mais que em 2010, Marina não conseguiu superar Aécio, que perdeu para Dilma no segundo turno por uma diferença de 3.459.963 votos válidos. Assim, superando a si mesma em incompetência, a cria de Lula pariu a maior crise econômica da história deste país e acabou penabundada do Planalto presidência em 31 de agosto de 2016. Graças a uma vergonhosa maracutaia urdida pelos então presidentes do Congresso e do STF, a gerentona de festim não teve os direitos políticos cassados por 8 anos, ao arrepio da Constituição e da Lei do Impeachment. 

 

Menos de 24 horas após ser notificada de sua deposição, a eterna estocadora de vento conseguiu se aposentar com o estipêndio mensal de R$ 5.189,82 ("teto" pago pelo INSS naquela época), embora o tempo de espera para conseguir atendimento na agência do INSS onde ela fez o pedido fosse de 115 dias. Uma sindicância aberta pelo Ministério do Desenvolvimento Social concluiu que a ex-chefa não só se valeu da influência de servidores de carreira do INSS para agilizar sua aposentaria como conseguiu o benefício sem apresentar toda a documentação necessária. 

 

Segundo a revista VEJA, no dia seguinte ao julgamento do impeachment o então ministro da Previdência Carlos Gagas e uma secretária pessoal de Dilma entraram pela porta dos fundos do posto do INSS, foram atendidos pelo chefe do local e em menos de 10 minutos o processo foi aberto no sistema e concluído de forma sigilosa. De acordo com a sindicância, Gabas usou sua influência no INSS para agilizar a concessão do benefício, e a servidora Fernanda Doerl calculou o tempo de serviço com base em informações fornecidas verbalmente, sem comprovação documental.

 

Resumo da ópera: Num país onde o desemprego é preocupante (para dizer o mínimo) e o salário-mínimo é de R$ 1.212,00 — quando deveria ser de R$ 6.641,58 segundo o DIEESE — o salário que a pior presidente da história desta bodega (noves fora o assassino de emas) dever receber é mais uma cusparada na cara do contribuinte brasileiro.

 

Triste Brasil. 

domingo, 22 de outubro de 2023

O IMPEACHMENT E UM POUCO DE HISTÓRIA


Velhos vícios são inimigos acastelados que só a morte pode expurgar. O Partido dos Trabalhadores — fundado em 1980 com o fito de fazer política sem roubar nem deixar roubar — começou a chamar o impeachment de Dilma de "golpe" antes mesmo de o deputado Eduardo Cunha, então presidente da Câmara Federal, dar seguimento ao pedido. Passados sete anos, Lula e seus acólitos voltaram à carga

No final de agosto, o ex-tudo (ex-retirante, ex-metalúrgico, ex-sindicalista, ex-presidiário e ex-condenado) trombeteou que é preciso buscar uma forma de reparar a injustiça sofrida por sua pupila em 2016. A ideia — que ganhou coro com a presidente da sigla, Gleisi Hoffmann — é fazer uma devolução simbólica do mandato a Dilma, a inigualável, como o Congresso fez em 2013 com João Goulart (que foi destituído pelo golpe de 64). 

A patuleia diz que a gerentona de araque foi inocentada pelo TRF-1 das "pedaladas fiscais", mas o que o tribunal fez foi manter (por 3 votos a 0) o arquivamento da ação de improbidade administrativa sem resolução de mérito. A despeito as alegações de Lula et caterva de que a "companheira" foi julgada por "uma coisa que não aconteceu", sua deposição foi bem fundamentada juridicamente e chancelada pelo STF. Golpe foi a maracutaia urdida pelo PT e apoiada por Renan Calheiros e Ricardo Lewandowski  que então presidiam, respectivamente, o Senado e d Supremo  para evitar a cassação dos direitos políticos da ré. 

O processo de responsabilização e destituição de um Presidente da República por crime de responsabilidade é previsto na Constituição Cidadã, que, em seu artigo 52, dispõe que "cabe ao Senado Federal processar e julgar o presidente e o vice-presidente da República por crimes de responsabilidade", e que a condenação resulta na "perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública". 

Mesmo assim, Dilma não perdeu os direitos políticos — ao contrário de Collor, impichado em 1992. que ficou inelegível por 8 anos a despeito de ter apresentado sua carta-renúncia horas antes do julgamento, como se fosse possível condenar alguém à perda do cargo depois de esse alguém ter renunciado.

ObservaçãoO sequestro das poupanças e o envolvimento no esquema PC minaram o relacionamento de Collor com todas as classes braseiras. Eleito pelo minúsculo PRN, o "Rei Sol" dependia vitalmente do apoio de outros partidos para governar, e nunca conquistou uma base sólida. Já o vampiro do Jaburu, que foi às cordas quando veio à tona suas conversas nada republicanas com Joesley Batista, comprou no atacado os votos das marafonas doa Câmara e chegou ao final de seu mandato, ainda que como um patético pato manco.
 
Dilma negou os desvios ocorridos na Petrobras, mesmo tendo presidido o Conselho de Administração da estatal e atuado como ministra-chefe da Casa Civil e ministra de Minas e Energia antes de ser alçada ao Planalto. E ainda manteve Graça Foster no comando da petrolífera de fevereiro de 2012 a fevereiro de 2015. “Foi sob a gestão de Graça que parte do 'saque' à Petrobras foi realizado", ressaltou o jurista Ives Gandra da Silva Martins. 
Os juristas que protocolaram o pedido de impedimento em desfavor da petista argumentaram que ela agiu como se não soubesse das irregularidades na Petrobras. 

Dilma foi penabundada mediante um processo constitucional e teve amplo direito de defesa. Foi condenada porque os parlamentares entenderam houve crimes de responsabilidade. Afirmar que ela não tinha ciência do aparelhamento nas estatais, da promiscuidade com empreiteiras, dos superfaturamentos milionários e das escaramuças no Orçamento com fins eleitorais é fazer pouco caso da inteligência de quem tem ao menos dois neurônios funcionais.
 
Dilma nunca foi política nem demonstrou vocação para gerir o que quer que fosse. Prova disso é que quebrou duas lojinhas de badulaques importados do Panamá em apenas 17 meses — e isso quando a paridade entre o real e o dólar favorecia esse tipo de negócio. Só foi escolhida por Lula para manter aquecida a poltrona presidencial até ele poder voltar a ocupá-la porque José Dirceu e outras estrelas do alto escalão do PT estavam no xadrez — e porque o palanque ambulante convertido em camelô de empreiteiro não teve peito para levar adiante o "golpe via emenda constitucional" que lhe garantiria um terceiro mandato. 

Mas a criatura tomou gosto pelo poder e "fez o diabo" para se reeleger, destruindo o pouco que se aproveitava da obra do criador. Ela contou com os serviços de marqueteiros de primeiríssimo time, como João Santana e sua mulher, Mônica Moura — presos na 23ª fase da Lava-Jato e soltos mediante o pagamento da fiança de R$ 31,4 milhões — e dispôs de recursos milionários oriundos do propinoduto da Petrobras, que lhe permitiram tirar Marina Silva do páreo no primeiro turno e derrotar o José Serra no segundo. 

Observação: Marina voltou a disputar a Presidência em 2014, primeiro como vice de Eduardo Campos (o partido que ela havia fundado no ano anterior não conseguiu registro junto à Justiça Eleitoral a tempo de disputar o pleito) e depois como titular, devido à morte de Campos num acidente que continua alimentando teorias conspiratórias. Com essa reviravolta, a ex-doméstica, ex-seringueira e ex-ministra chegou a ser cotada para disputar o segundo turno contra Aécio Neves, mas foi tirada do páreo por Dilma, embora tenha obtido 2 milhões de votos a mais que em 2010.
 
Após derrotar Aécio por uma vantagem de 3.46 milhões de votos válidos, o "poste" de Lula pariu a maior crise econômica da história deste país. Em sua fase mais delirante, desfilava com bolsas das grifes Hermès e Vuitton e degustava pratos sofisticadas, vinhos caríssimos, bombons ChocopologieUS$ 250 a unidade de 42 g — e chocolates Delafee recobertos de fios de ouro 24K. Quando estava de dieta, ela mordia um pedacinho do chocolate e descartava o resto na lixeira

Em viagens ao exterior, a versão tupiniquim da Rainha Má se hospedava nos melhores hotéis e frequentava os mais finos restaurantes. Durante uma visita à Califórnia, torrou US$ 100 mil só com aluguel de carros — foram contratados 25 motoristas para levar a comitiva brasileira de lá para cá a bordo de limusines, vans, ônibus e até um caminhão. A visita durou apenas único dia, mas o contribuinte brasileiro arcou com o custo da circulação da frota inteira durante duas semanas. Para completar a comédia, o governo só pagou a locadora porque depois de ser ameaçado de cobrança judicial nos EUA.
 
No Brasil, o presidente da República é um gigante de pés de barro, já que depende da base aliada, dos acordos com as oligarquias e do dinheiro das empresas para governar. Em vez de mandar no sentido absolutista, nosso mandatário é mandado. Os que tiveram capacidade política e diplomática terminaram seus mandatos, mas Dilma nunca teve essas qualidades e, pior, sempre se cercou de assessores tão ou mais mal preparados do que ela própria (caso de Erenice GuerraGleisi Hoffmann e Aloízio Mercadante, para ficar somente nos mais notórios). 

Tanto Fernando Henrique quanto o proprio Lula semearam alianças com grandes legendas, mas Dilma e seus ineptos negociadores as deixaram morrer  não à toa, a debacle da gestão da gerentona de araque ganhou força quando a aliança com o PMDB definhou.

O Estado brasileiro funciona à base da corrupção. Negociações entre Executivo e Legislativo acontecem na maioria das democracias, mas a maneira como são feitas no Brasil é absolutamente delirante. Nossa Constituição é claramente parlamentarista, mas a adoção do parlamentarismo foi rejeitada pelo esclarecidíssimo eleitorado tupiniquim no plebiscito de 1993, o que enfunou as velas do presidencialismo de cooptação. E deu no que está dando. 

Inexiste nesta republiqueta de bananas o princípio da responsabilidade. Quando não chantageia o Executivo, o Congresso Nacional é subserviente a ele. E isso vem acontecendo desde o "suicídio" de Getúlio Vargas.

sábado, 15 de outubro de 2016

SOBRE PRESIDENTES E EX-PRESIDENTES ― A VEZ E A HORA DE DILMA

Dilma não foi vítima de um “golpe de estado”, mas deposta através de um processo constitucional, que lhe garantiu amplo direito de defesa. Foi condenada porque os parlamentares que atuaram como juízes entenderam houve crimes de responsabilidade. Aliás, acreditar na inocência de Dilma é coisa de militante cego ― achar que ela não sabia de nada do aparelhamento nas estatais, da promiscuidade com empreiteiras, dos superfaturamentos milionários, das escaramuças no Orçamento com fins eleitorais é uma ofensa não só a inteligência do povo, mas à própria Dilma, que sempre fez questão de centralizar todas as decisões. Golpe, torno a dizer, foi a maracutaia urdida à sorrelfa pelo PT, que, com a conivência dos presidentes do Senado e do STF, fracionou a votação em duas etapas e não inabilitou a petralha ao exercício de cargos públicos (em flagrante desrespeito à Lei, segundo a qual a perda dos direitos políticos é uma consequência da perda do mandato, e não uma pena acessória que pode ser aplicada ou não).

Dilma jamais foi política e tampouco demonstrou vocação para gerir o que quer que fosse. Prova disso é que quebrou duas lojinhas de badulaques importados do Panamá em apenas 17 meses, e isso quando a paridade entre o real e o dólar favorecia esse tipo de negócio. Para resumir sua história pregressa, Dilma foi um arremedo de guerrilheira que jamais disparou um tiro ― a não ser no próprio pé, ao se reeleger, devido ao tamanho da encrenca que herdou de si mesma; um Pacheco de terninho que, sem ter sido vereadora, virou secretária municipal; sem passar pela Assembleia Legislativa, virou secretária de Estado, sem estagiar no Congresso, virou ministra; sem ter inaugurado nada de relevante, posou de gerente de país; sem saber juntar sujeito e predicado, virou estrela de palanque; sem ter tido um único voto na vida até 2010, virou presidente do Brasil em outubro daquele ano e renovou o mandato quatro anos depois. Não podia mesmo dar certo.

O fato é que, com Dirceu e outras estrelas do alto escalão petista no xadrez, Lula, sem peito para levar adiante o golpe (via emenda constitucional) que lhe garantiria um terceiro mandato, decidiu escolher Dilma, em detrimento de Marina Silva, para sucedê-lo no cargo e manter aquecida sua poltrona até 2014, quando ele estaria apto a torar a ocupá-la e lá permanecer até 2022. Do seu ponto de vista, Dilma seria fácil de manipular e, por “não ser política”, não se apegaria ao cargo. Ledo engano. A cria não só tomou gosto pelo poder como “fez o diabo” para se reeleger ― o que azedou suas relações com o criador.

Observação: Lula chegou a dizer ― em off, naturalmente ― ter sido “a maior vítima de Dilma”, rebaixando, em seu egocentrismo megalômano, a crise medonha que se abateu sobre o país à condição de “acidente de percurso” ― o que não chega a surpreender, vindo de quem, mesmo sendo réu em três inquéritos e investigado em mais dois (por enquanto, que outros mais estão por vir), tem o desplante de se comparar a Jesus Cristo e se autodeclarar “a alma viva mais honesta do Brasil”.

A escolha de Lula feriu de morte sua relação com Marina, que abandonou o governo em 2008 e o PT em 2009 (ao qual era filiada desde 1986). Em 2010, ela disputou a presidência pelo PV, mas ficou em 3° lugar (com respeitáveis 19% dos votos válidos).

Observação: É importante ter em mente que Dilma tinha o apoio de Lula e de marqueteiros de primeiríssimo time, como João Santana e sua mulher, Mônica Moura ― presos na 23ª fase da Lava-Jato e soltos mediante o pagamento de R$ 31,4 milhões, a fiança mais alta estipulada até agora pelo juiz Sergio Moro ―, além de contar com recursos milionários (oriundos, em grande parte, do propinoduto da Petrobras)―  o que lhe permitiu derrotar Marina no primeiro turno e vencer o tucano José Serra no segundo, por 46,91% a 32,61% dos votos válidos.

Marina voltaria a concorrer em 2014, primeiro como vice na chapa do peessedebista Eduardo Campos ― o partido Rede Sustentabilidade, que ela fundou em fevereiro de 2013, não conseguiu registro junto ao TSE a tempo de disputar o pleito ― e depois como titular, já que Campos vira a falecer num acidente aéreo ocorrido 2 meses antes das eleições. Com essa reviravolta, Marina chegou a ser cotada para enfrentar Aécio Neves no segundo turno, mas morreu na praia outra vez, a despeito de ter obtido 2 milhões de votos a mais que em 2010.

Para resumir a história, Dilma passou para o segundo turno, venceu Aécio com uma vantagem de 3.459.963 de votos (se pouco mais de 10% dos eleitores que anularam o voto, votaram em branco ou se abstiveram de votar tivessem votado no tucano, os últimos 22 meses da nossa história teriam sido bem diferentes) e, superando a si mesma em incompetência, pariu a maior crise econômica da história deste país e acabou afastada da presidência às vésperas de seu segundo mandato completar 600 dias e deposta 114 dias depois.   

Para Roberto Romano, doutor em filosofia e professor de Ética Política na Unicamp, a crise gerada e parida por Dilma remonta ao processo de criação de um Estado de modelo absolutista, no qual os governantes estão acima do cidadão comum e não têm de prestar contas a ninguém, onde não há autonomia dos municípios e dos Estados, e 70% dos impostos vão direto para o cofre do poder central. Em sua avaliação, a crise se agrava quando um presidente ― Dilma, no caso ― tem dificuldade em dialogar com a sociedade e escala auxiliares tão ou mais inábeis do que ela. Nesse contexto, o resultado não pode ser outro que não um desastre, e para um partido que vendeu esperança com a eleição de Lula, o quadro se torna ainda mais grave.

O presidente brasileiro é um gigante de pés de barro, pois depende da base aliada, dos acordos com as oligarquias, do dinheiro das empresas. Em vez de mandar no sentido absolutista, ele é mandado. Se tiver capacidade política e diplomática, até pode se sair razoavelmente bem, mas Dilma jamais teve essas virtudes e, para piorar, sempre escolheu muito mal os seus assessores (caso de Erenice Guerra, Gleisi Hoffmann e Aloízio Mercadante, para ficar somente nos mais notórios).

Collor granjeou grande impopularidade com o sequestro das poupanças, que arruinou o seu relacionamento com todas as classes brasileiras. Seu partido, minúsculo, dependia vitalmente de outros partidos, mas nunca teve uma base sólida como a do PMDB. Já Dilma recebeu de FHC e de Lula a capacidade de aliança com grandes partidos, mas não a levou adiante graças à inabilidade de seus negociadores. Aliás, boa parte da erosão de seu governo foi eclodida no segundo mandato de Lula, quando a aliança com o PMDB começou a periclitar.

O Estado brasileiro funciona à base da corrupção. A negociação entre o Executivo e o Legislativo acontece na maioria das democracias, mas a maneira como isso é feito no Brasil é absolutamente delirante. Todavia, não há outra saída, porque, no plebiscito de 1993, o regime parlamentarista foi derrotado pelo presidencialismo de coalizão, embora nossa Constituição seja eminentemente parlamentarista. E deu no que deu: a Presidência da República é quase irresponsável e o Parlamento não é responsável. Inexiste o princípio da responsabilidade. O Congresso não assume a plena responsabilidade pela governança do País, ou por outra, quando não chantageia o Executivo, é subserviente a ele. Isso vem acontecendo desde a morte do Getúlio.

Observação: No artigo intitulado “Lula, o senhor da razão”, de 1987, o professor Romano deixa claro que o petralha adota uma postura extremamente conservadora e intimamente ligada à sua pessoa ― o que não combina com um País democrático nem tampouco com um partido democrático. Desde a greve do ABC, Lula sempre foi o protegido, nunca se pode criticá-lo, mas a verdade é que lhe falta a característica de um líder colegiado ― tanto é que o PT só tem Lula, e em seu favor foram abortadas todas as tentativas de lideranças regionais; se Lula faltar, o partido fica sem alternativa. Desde Getúlio que se vendem “pais do Brasil”, e Lula sempre se teve nessa conta. Um slogan muito usado em sua campanha era “a esperança venceu o medo”. Só que o medo voltou e a esperança chegou ao fundo do poço, como a impopularidade de Dilma demonstrou, e a derrocada do PT nas eleições municipais deixou ainda mais claro.

Para concluir esta novela, resta dizer que, juntamente com o cargo de presidente, Dilma perdeu a prerrogativa de foro, e por conta disso a PGR pediu Teori Zavascki que remetesse ao juiz Moro o inquérito que a investiga por suspeita de obstruir as investigações da Lava-Jato. Para o ministro, no entanto, “não se vislumbra, no presente momento, a possibilidade de desmembramento da investigação, pois a análise dos fatos por meio de investigação segmentada, como pretende o órgão ministerial, dificultaria sobremaneira a colheita e análise de provas, bem como afastaria, por ora, a coesão necessária para corroborar a tese da acusação”.

Sobre as três situações citadas no post de abertura desta sequência, que estão conectadas entre si, disse Zavascki: “Busca-se evidenciar que havia, dentro do governo da então presidente Dilma Rousseff, movimento destinado a aviltar as investigações de infrações que envolviam organização criminosa, e o fatiamento dos fatos impossibilitaria o exame coeso das condutas, supostamente executadas por agentes interligados” (além de Dilma, são investigados no mesmo inquérito Lula, Marcelo Navarro, Delcídio do Amaral, os ex-ministros Aloizio Mercadante e José Eduardo Cardozo, além do ministro do STJ Francisco Falcão).

Na opinião do jornalista Reinaldo Azevedo, a decisão de Zavascki ― de não enviar ao juiz Moro todos os inquéritos envolvendo o ex-presidente petralha ― faz sentido, até porque alguns deles, como o que apura se Lula e outros tentaram comprar o silêncio de Nestor Cerveró, envolvem pessoas com prerrogativa de foro. E o mesmo vale para Dilma, pois há corréus na ação em que ela é investigada por tentativa de obstrução da Lava-Jato que contam com prerrogativa de foro ― caso de Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, ministro do STJ, e de Francisco Falcão, presidente daquela Corte (outros dois ministros do STJ também são investigados no Supremo: Benedito Gonçalves, suspeito de ter pedido favores a Léo Pinheiro, e Sebastião Reis, acusado de vender sentenças).

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terça-feira, 26 de julho de 2022

O DESEMPREGADO QUE DEU CERTO (SEXTA PARTE)

 

Após presidir o Brasil de 2003 a 2010, Lula deixou o cargo com o ego inflado e a popularidade nas alturas. Suas gestões foram marcadas por políticas sociais (como o Bolsa Família), crescimento da economia (puxado, em grande medida, pela alta das commodities) e escândalos de corrupção (como o Mensalão). Ironicamente, a despeito de boa parte da alta cúpula petista ter acabado na cadeia, o maior interessado no esquema sequer foi indiciado na ação penal 470. E ainda conseguiu eleger um "poste" para manter aquecida a poltrona presidencial até que ele voltasse a ocupá-la, dali a quatro anos. 

 

Durante um jantar regado a Romanée-Conti — vinho da Borgonha que chega a custar US$ 25 mil a garrafa —, Lula tirou uma baforada da cigarrilha cubana (acesa pelo diligente vassalo Delúbio Soares) e disse: "Sem falsa modéstia, companheiros, eu elejo até um poste para governar o Brasil." E elegeu mesmo. Mas ele não contava com o imprevisto, que, como se sabe, pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos. 

 

Antes de empalar a nação com a gerentona de festim, o petralha-mor planejava emplacar seu ministro-chefe da Casa Civil. Mas a canoa virou quando o guerrilheiro de fancaria foi denunciado por Roberto Jefferson como operador-mor do Mensalão. O médico ribeirão-pretano Antonio Palocci, ministro da Fazenda durante a primeira gestão lulopetista, também foi cogitado. Mas o barco afundou quando veio à tona o imbróglio envolvendo o caseiro Francenildo Costa, testemunha de acusação no “Escândalo da República de Ribeirão Preto” (cujo cenário era uma mansão de Brasília onde rolavam negociatas do governo em meio a encontros com prostitutas agendados pela cafetina Jeany Mary Corner). 

 

O único "poste" fabricado pelo morubixaba da Petelândia que deu alguma luz, noves fora Fernando Haddad na disputa pela prefeitura de São Paulo  que não passou de uma "estaca", pois perdeu a reeleição para Doria em 2016 e foi derrotado por Bolsonaro no pleito presidencial de 2018 —, foi Dilma. A tragédia começou quando Dirceu e outras estrelas do alto escalão petista foram parar no xadrez. Lula, sem ter como levar adiante o golpe (via emenda constitucional) que lhe garantiria o terceiro mandato, preferiu a estocadora de vento à Marina Silva, achando que ela não se apegaria ao cargo e seria mais fácil de manipular. Ledo engano: a cria não só tomou gosto pelo poder como "fez o diabo" para se reeleger, o que azedou suas relações com o criador. 

 

Esse "erro estratégico" feriu de morte a relação de Lula com Marina, que abandonou o governo em 2008 e o PT no ano seguinte. Em 2010, filiada ao PV, Marina concorreu à Presidência, mas Dilma contava com o apoio do mentor, da máquina pública e dos marqueteiros como João Santana e Mônica Moura — que mais adiante seriam presos na 23ª fase da Lava-Jato e soltos mediante o pagamento de fiança de R$ 31,4 milhões. Isso para não falar nos milhões de reais oriundos do propinoduto da Petrobras. Assim, a ex-guerrilheira de fancaria derrotou o tucano José Serra por 46,91% a 32,61% dos votos válidos.

 

Observação: Monica Moura revelou que Lula teve um "estremecimento" com Dilma em 2014, quando ele quis ser o candidato e ela não aceitou. Em depoimento o MPF, a publicitária relatou conversas que João Santana manteve com a presidenta nos meses que antecederam a disputa eleitoral daquele ano. 

 

Marina disputou novamente a presidência em 2014, primeiro como vice na chapa do peessedebista Eduardo Campos — o partido que ela havia criado em fevereiro de 2013 não conseguiu registro junto ao TSE a tempo lançá-la candidata ―, e depois como titular — Campos morreu num acidente aéreo a dois meses do primeiro turno. Dada essa reviravolta, imaginou-se que Marina enfrentaria Aécio no segundo turno, mas ela foi escanteada por Dilma, que venceu o tucano safado por uma vantagem de 3.459.963 de votos. Se os 10% dos eleitores que anularam o voto, votaram em branco ou se abstiveram de votar naquele pleito tivessem votado no neto de Tancredo, os próximos capítulos da história desta banânia poderiam ter sido bem diferentes, ainda que não necessariamente gloriosos. 

 

Superando a si mesma em incompetência, Dilma produziu a maior crise econômica que este país amargou desde a redemocratização. A inépcia e a arrogância da "figura feminina de expressão tristemente notável" — como Dilma era descrita nos autos da ação penal 366/70 — propiciaram seu afastamento em maio de 2016 e o pé na bunda definitivo em 31 de agosto daquele ano. 

 

Continua...

sábado, 12 de janeiro de 2019

LULA LÁ — CONCLUSÃO



Continuando de onde paramos no capítulo anterior:

Lula, que sempre desdenhou o mensalão, farejou o perigo assim que a Lava-Jato começou a expor as entranhas pútridas da Petrobras. Achando que somente um “profissional” seria capaz de abafar o escândalo, ele recorreu a aliados e à imprensa chapa-branca para forçar sua sucessora a desistir da reeleição. Mas a pupila se recusou a ceder a vez ao mestre, levando-o a se queixar — em off, naturalmente — de ter sido a maior vítima de Dilma”, rebaixando à condição de acidente de percurso, em seu egocentrismo megalômano, a crise pavorosa que se abateu sobre o país.

Dilma foi reeleita através do maior estelionato eleitoral da nossa história. Em 2015, quando a economia caminhava alegremente para o abismo e a Lava-Jato bafejava no cangote de gente graúda, Lula, alegando que Moro sequestrara o país e que uma campanha para criminalizar a atividade político-partidária estava em curso, buscou unir o Planalto, o PT e o PMDB para pressionar o Congresso pôr freio na força-tarefa. Mas a estocadora de vento, convencida pelo esbirro Aloísio Mercadante de que as investigações atingiriam tão somente os parlamentares, só topou fazer parte da conspiração quando se deu conta de que ela própria acabaria sendo tragada pela tormenta. Mas aí era tarde: a Lava-Jato já chegara à rampa do Planalto.

Semanas após Lula ser conduzido coercitivamente para depor na Polícia Federal, Dilma o nomeou ministro-­chefe da Casa Civil, mas o ato foi barrado pela Justiça quando Moro divulgou a conversa telefônica que deixava claro que tudo não passava de uma estratégia para evitar que o petralha fosse preso. Diante do cenário pouco alvissareiro, partidos governistas capitaneados pelo PMDB decidiram assumir as rédeas da situação. Romero Jucá, numa frase que se tornaria emblemática, sentenciou que era preciso tirar Dilma da Presidência, “estancar a sangria e fazer um grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo”.

O medo das investigações e a formidável recessão econômica gestada e parida pela gerentona de araque levaram antigos aliados do PT, sócios no petrolão, a se alinharem à oposição para apear do Planalto a calamidade em forma de gente. Do ponto de vista legal, porém, não houve golpe algum. Dilma foi expelida através de um processo constitucional, ao longo do qual lhe foi garantido total direito de defesa. Talvez as tais pedaladas fiscais tenham pesado menos na decisão dos parlamentares do que o “conjunto da obra” da bruxa má do Castelo do Inferno, mas afirmar que ela não sabia do aparelhamento nas estatais, da promiscuidade com as empreiteiras, dos superfaturamentos milionários, das escaramuças no Orçamento com fins eleitorais é insultar a inteligência do povo e menosprezar a própria presidanta, que jamais abriu mão de centralizar todas as decisões.

É certo que a “grande chefa” jamais foi política ou demonstrou vocação para gerir o que quer que fosse. Prova disso é que levou à falência duas lojinhas de badulaques importados em apenas 17 meses, na década de 1990 — justamente quando a paridade entre o real e o dólar favorecia esse tipo de negócio. Dilma foi um arremedo de guerrilheira que jamais disparou um tiro a não ser no próprio pé, ao se reeleger, devido ao tamanho da encrenca que herdou de si mesma. Nunca passou de um Pacheco de terninho, que sem ter sido vereadora virou secretária municipal; sem passar pela Assembleia Legislativa virou secretária de Estado, sem estagiar no Congresso virou ministra; sem ter inaugurado nada de relevante posou de gerente de país; sem saber juntar sujeito e predicado virou estrela de palanque; sem ter tido um único voto na vida até 2010 virou presidente do Brasil. Não podia mesmo dar certo.

Corta para a década passada: Com Dirceu, Palocci e outros ícones do alto escalão petista no xadrez, restava a Lula levar adiante o golpe que lhe garantiria um terceiro mandato (via emenda constitucional) ou escolher alguém (que por algum motivo deveria ser mulher) para manter quente a cadeira presidencial até 2014. Sua opção natural seria a então petista Marina Silva, mas ele preferiu a ilustre desconhecida Dilma, que seria mais fácil de manipular e, por não ser política, não se apegaria ao cargo. Ledo engano: a nefelibata da mandioca — apresentada ao eleitorado como uma dublê de mãezona e gerentona competente — não só tomou gosto pelo poder como “fez o diabo” para se reeleger.

Corta de volta para 2018: Depois de ingressar com uma batelada de recursos, agravos e chicanas em todas as instâncias do Judiciário e não conseguir soltar Lula, a defesa aposta agora na revisão da jurisprudência sobre o cumprimento provisório da pena. Enquanto presidente do Supremo, a ministra Cármen Lúcia  esquivou-se de pautar as ADCs que questionam a constitucionalidade da prisão em segunda instância, entendo que discutir o assunto novamente seria apequenar a Corte. Mas Toffoli, que assumiu a presidência em setembro, rendeu-se à insistência do ministro laxante Marco Aurélio, relator das tais ações, e pautou o julgamento para 10 de abril de 2019. A ala garantista, ora capitaneada pelo vira-casaca Gilmar Mendes, quer a volta da prisão somente após o trânsito em julgado — regra que vigeu no Brasil em apenas 7 dos últimos 77 anos, mais exatamente entre 2009 e 2016 —, mas Toffoli, o conciliador, tem defendido a decisão de terceira instância como marco inicial para cumprimento da pena.

No Brasil, permitir que bandido do colarinho-branco aguarde em liberdade o trânsito em julgado da condenação é o mesmo que determinar o dia de São Nunca como início do cumprimento da pena. Com o dinheiro rapinado do Erário, essa corja pode pagar advogados estrelados para empurrar o processo com a barriga até a prescrição da pena (não é à toa que associações de advogados — aí incluída a própria OAB — são contrárias à prisão após decisão de segunda instância, não por entenderem que isso fere a presunção de inocência, mas porque o cumprimento antecipado da pena afunda o seu pesqueiro).  

A propósito da presunção de inocência, volto a frisar que o reexame de matéria fática (provas) só é possível até a segunda instância, cabendo às cortes superiores a análise de questões acerca das regras aplicáveis — a legislação federal, no caso do STJ, e a Constituição, no do STF. Portanto, o início do cumprimento da pena após a decisão de segunda instância, sem prejuízo dos recursos pendentes de apreciação pelas cortes superiores, é totalmente admissível. Segundo o art. 637 do Código de Processo Penal, os recursos especial e extraordinário não têm efeito suspensivo; uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença. Aliás, como bem assinalou o ministro Jorge Mussi, do STJ, na decisão em que rejeitou o HC impetrado pela defesa de Lula, “o estado de inocência vai se esvaindo à medida que a condenação vai se confirmando”.

Falando nisso, o STJ deve se pronunciar em breve sobre o agravo regimental interposto contra a decisão do ministro Felix Fisher, que negou monocraticamente o pedido de absolvição de Lula ou, alternativamente, de anulação do processo do tríplex. Encerradas os recurso nessa instância e mantida a decisão do TRF-4, Lula continuará preso mesmo que a condenação em terceira instância venha a ser definida como divisor de águas. Daí porque amigos, correligionários e familiares do pulha vermelho vêm tentando quebrar sua resistência em relação à prisão domiciliar. Seus advogados sabem que anulação do processo triplex é uma possibilidade remota, mas a redução da pena tem alguma chance de ser obtida.

Lula foi condenado a oito anos e quatro meses pelo crime de corrupção passiva e a três anos e nove meses por lavagem de dinheiro. Se o STJ aceitar o pedido de redução, a somatória das penas cairia para cinco anos (dois anos de corrupção passiva e três por lavagem de dinheiro), o que garantiria a prisão domiciliar. Mas o julgamento iminente das duas ações que tramitam na 13ª Vara Federal do Paraná (detalhes no capítulo anterior) deve resultar em novas condenações, inviolabilizando a redução da pena e, consequentemente, a prisão domiciliar.

Resumo da ópera: Lula é uma pálida sombra do que foi um dia, mas ainda é um incômodo. Talvez não mais como uma enxaqueca ou um dente infeccionado, mas ainda como um chiclete grudado na sola do sapato ou uma meleca que se recusa a descolar do dedo. 

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

UM PAÍS SUI GENERIS


O debate foi medíocre, como era esperado de dois candidatos medíocres que um eleitorado medíocre escalou para disputar o segundo turno. A meu ver, ambos saíram menores do que entraram.


O eleitor brasileiro parece desconhecer a máxima segundo a qual fazer sempre a mesma coisa esperando resultados diferentes é insanidade. Na primeira eleição direta para presidente da Nova República, dos 22 postulantes — entre os quais se destacavam Ulysses Guimarães, Mário Covas, Leonel Brizola e Fernando Gabeira —, foram despachados para o segundo turno um caçador de marajás demagogo e populista e um ex-metalúrgico populista e demagogo. 

O perigo de eleger políticos demagogos e populistas aumenta exponencialmente quando o povo é vocacionado a "endeusá-los", entronizando no poder quem sempre lá esteve e sempre. Pode-se atribuir parte da culpa ao Criador, mas não é Dele o dedo podre (ou o casco canhestro) que pressiona alegremente o botão verde da urna, quando vê a foto do candidato que o manterá na sarjeta pelos próximos quatro anos. 
 
Voltando à eleição solteira de 1989, Collor derrotou Lula, mas acabou impichado. Seu vice, Itamar Franco, foi considerado uma figura patética e lembrado pela ressurreição do fusca e pela foto ao lado da modelo sem calcinha Lilian Ramos, mas e foi durante sua gestão que Fernando Henrique e seus "notáveis" criaram o Plano Real, pondo fim a uma hiperinflação de 80% ao mês e propiciando a eleição do tucano de plumagem vistosa no primeiro turno do pleito de 1994. Picado pela mosca azul, FHC conseguiu que o Congresso aprovasse a PEC da Reeleição — essa, sim, a verdadeira "herança maldita" dos governos do PSDB — e tornou a se eleger em 1998, mas não conseguiu emplacar José Serra em 2002.
 
Com a vitória de Lula, o PT criou o Mensalão, que resultou na prisão de petralhas alto coturno — curiosamente, o maior beneficiário do esquema não foi incluído na ação penal 470 (que levou incríveis sete anos da instauração ao julgamento final). Lula foi reeleito e em 2006 e, em 2010, escalou um "poste" para manter aquecida a poltrona que ele pretendia voltar a ocupar dali a 4 anos. No entanto, a criatura pegou gosto pelo poder e, contrariando seu criador, fez o diabo para se reeleger. 
 
Dilma conseguiu se reeleger (mediante um monumental estelionato eleitoral), mas acabou afastada em maio em maio de 2016 e deposta em agosto, interrompendo 13 anos 4 meses e 12 dias de lulopetismo corrupto — àquela altura, o Petrolão já campeava solto, desviando uma parte dos contratos milionários da Petrobras para contas secretas controladas por integrantes de grupos políticos e econômicos que apoiavam o governo. Com o impeachment da gerentona de araque, seu vice, Michel Temer, assumiu o comando da Nau dos Insensatos, mas foi abatido em seu voo de galinha antes de cruzar a miserável pinguela que o levaria a ostentar a faixa presidencial até o final de 2018 (detalhes nesta postagem).
 
A pergunta que se coloca é: foi para isso que lutamos tanto pelas “Diretas Já”? Desde a redemocratização que o Brasil vem sendo governado como uma usina de processamento de esgoto, onde a merda entra por um lado e sai pelo outro. Entre a porta de entrada, que é aberta nas eleições, e a de saída, que se abre quando muda o governo, a merda muda de aparência, troca de nome e recebe nova embalagem, porém continua sendo merda. 

A merda reprocessada no governo Lula desaguou no governo Dilma e se reprocessou no governo Temer. O material processado pela usina continuou o mesmo nas três fases, durante a compostagem de políticos “do ramo”, empreiteiras de obras públicas, escroques de todas as especialidades, fornecedores do governo, parasitas ideológicos, empresários declarados “campeões nacionais” por Lula, por Dilma e pelos cofres do BNDES. 
 
Temer foi parte integrante da herança que Lula deixou para os brasileiros. A reboque dele, vieram Eduardo CunhaRenan CalheirosJosé Sarney (e família), Romero JucáEliseu PadilhaEunício OliveiraGeddel Vieira Lima etc. E a eles se juntaram empresários “nacionalistas” dos governos petistas, como Joesley e Wesley BatistaEmílio e Marcelo OdebrechtEike Batista e outros capitães da indústria que se tornaram inquilinos do sistema penitenciário nacional.
 
Durante algum tempo, a Lava-Jato nos deu a ilusão de que lei valia por igual para todos. Lula e seus benfeitores da Odebrecht e da OAS foram parar na cadeia, mas o STF mudou (pela enésima vez) a jurisprudência sobre prisão em segunda instância, anulou as condenações do ex-presidiário e pregou no ex-juiz Sergio Moro a pecha da parcialidade.
 
Somada ao notório brilhantismo da malta tupiniquim (falo daquela que se convencionou chamar "eleitorado"), essa formidável sequência de descalabros levou a usina de compostagem a produzir o bolsonarismo. Enquanto Lula oscilava entre a prisão e o Planalto, Bolsonaro, que até então não passava de um dublê de mau militar e parlamentar medíocre, comia pelas beiradas. À luz da Teoria das Probabilidades, um anormal ser eleito presidente da República seria improvável; dois, inacreditável; três, e em seguida, virtualmente impossível. Mas não no Brasil. 
 
Lula ocupou a Presidência de 2003 a 2010; Dilma, de 2011 a 12 de maio de 2016; e Bolsonaro, de 2019 até não se sabe quando. Se vivêssemos num país normal, essa dúvida seria dirimida no próximo dia 30. Como não é, o futuro a Deus pertence. Mas parece que o Capiroto também tem voto decisivo na assembleia dos acontecimentos.

segunda-feira, 19 de julho de 2021

'O PRESIDENTE QUE SE GABA DE NUNCA TER LIDO UM LIVRO FOI SUCEDIDO POR ALGUÉM QUE SE JACTA DE TER LIDO TODOS OS LIVROS QUE NUNCA LEU'

Bolsonaro recebeu alta na manhã de ontem, mas "continuará sendo acompanhado", segundo o boletim médico divulgado pela Secom. Na saída do hospital, ele disse que um estudo feito nos EUA dá conta de que a obesidade é a principal causa das mortes por Covid, e que vai chamar o ministro Queiroga para discutir a possibilidade de utilizar a proxalutamida no tratamento da doença. Para não perder o costume, o capitão criticou o uso de máscaras, o lockdowns e o governador João Doria. Sobre a CPI, disse que a comissão deveria se espelhar nos EUA e procurar formas de combater a pandemia e não o seu governo "Eu já disse, só Deus me tira daquela cadeira", falou. Sobre o voto impresso, afirmou que “Não existe eleições sem transparência, isso é fraude. Não queremos isso". Questionado sobre Pazuello prometer a um grupo de empresários comprar 30 milhões de doses da CoronaVac por quase o triplo do preço negociado pelo Butantan, Bolsonaro minimizou dizendo que Brasília é um "paraíso de lobistas", e que "muitas pessoas foram recebidas no ministério". Então tá.

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Um recorte de jornal me assombra desde o dia 26 de dezembro, quando saiu no caderno Poder, da Folha, matéria do competente Fernando Rodrigues com o título “Dilmoteca básica”. Seis dias antes da posse, o jornal pretendia contrapor o perfil da presidente eleita ao do padrinho, sobretudo em termos culturais.

Há textos que você começa a ler e não consegue mais parar. Outros que você não consegue deixar de largar. Este tem o dom de inverter as forças de atração: é ele que não me larga desde a primeira leitura, há mais de um mês. O recorte correspondente me acompanha, como um miasma, obrigando a releituras diárias, a cada dia mais espantosas. Deve ser guardado como prova de um contraste histórico que jamais se repetirá: o presidente que se gaba de nunca ter lido um livro foi sucedido por alguém que se jacta de ter lido todos os livros que nunca leu. Se leu, não assimilou. Se assimilou, nunca demonstrou. Naquele célebre vídeo do guru Marcelo BrancoDilma levou constrangedores segundos para lembrar o livro que estava lendo, só o fazendo, penosamente, após o sopro amigo da assessora. Por isso, a tal “Dilmoteca básica” é uma coleção extraordinária de embustes transformados em gênero literário.

A tese central da matéria da Folha — “De todas as diferenças entre a presidente eleita e seu antecessor, uma das mais marcantes é a sólida formação literária da próxima ocupante do Palácio do Planalto” — é desmentida a cada linha do texto. Mas as paixões literárias da presidente são tantas e tamanhas que, a certa altura, ela diz que chegou a pensar em comprar uma casa só para guardar seu “acervo”. José Mindlin era mais modesto: o maior bibliófilo do país morava na própria casa onde mantinha seus 30 mil livros.

Não era intenção de Fernando conversar com a “bibliófila” Dilma Rousseff, mas compor seu perfil biográfico. Primeiro falou a fã de esportes, que de pronto recordou-se de sua “primeira vez” no Maracanã, em 1969. (Teria sido um jogo do Flamengo, mas ela não lembra contra quem. Detalhe que deixa essa história muito estranha: Dilma/Stella estava na clandestinidade — que tipo de guerrilheira com a cabeça a prêmio, ainda por cima mineira, se arriscaria a ir ao Maracanã à toa, naquela época duríssima? O pessoal do MR-8 esteve na porta do estádio no dia 7 de setembro daquele mesmo ano, mas para desovar o embaixador Charles Elbrick (jogavam Fluminense e Cruzeiro). Dilma se expôs para ver a festa da torcida do Flamengo: “Eu fiquei assim abestalhada com as bandeiras. É de perder o fôlego”. De perder o fôlego é o amor de Dilma pelos livros, desde cedo.

A transição de assuntos — domingo no Maracanã para hábitos de leitura — foi meio brusca. Ela desanda a falar: “Sobre a memória, quem tem razão era o Proust. Ele falava do sabor e do odor, dois sentidos primitivos que suportam um edifício imenso da recordação”. Esse Proust da Dilma, que “falava” do sabor e do odor, parece um enófilo, não o célebre escritor homônimo. Mas para provar que leu o monumental “Em busca do tempo perdido”, ela faz referência às… às madeleines, única coisa que quem nunca leu Proust sabe sobre Proust.

Depois de revelar que, “em matéria de poesia”, gosta de João CabralCecilia Meirelles e Fernando Pessoa (de quem Dilma, numa entrevista célebre antes da eleição, surrupiou o célebre “navegar é preciso”, atribuindo-o a Ulysses Guimarães), entra mais um olhinho puxado na história: “Eu consigo além disso gostar do Bashô, sabe quem é Bashô?”, pergunta ela ao colunista, para em seguida responder e mostrar autoridade: “Um monge japonês que inventou o haicai”. Bem, Bashô não era monge e quem diz que ele “inventou” o haicai não é propriamente um leitor de haicais, escola poética que exige precisão formal absoluta.

Para demonstrar que não tem “um” gosto, Dilma vai então do Japão medieval de Bashô à Nova Inglaterra. “Gosto apaixonadamente de uma mulher chamada Emily Dickinson, a senhora de Amherst”. De novo, a leitora de fachada ou de orelha se trai com epítetos esquisitos – “senhora de Amherst”? Quem se refere assim a “uma mulher chamada” Emily Dickinson é para mostrar que sabe em que lugar dos Estados Unidos a autora nasceu, apenas isso. Gostaria de ouvir Dilma discorrendo sobre a obra de Emily. Bastaria um livro.

Espere: a coisa está ficando melhor. Ela retorna a Proust, o das madeleines. “Gostei do Proust para mais de metro”, diz a bibliófila métrica. Mas, eclética, vai logo de Paris a Ilhéus, das madeleines ao cacau: “Também adorei, aos 13 anos, quando meu pai me deu o Jorge Amado”. Como assim, “o Jorge Amado”? Ela explica: “Foi Capitães da AreiaSão Jorge dos Ilhéus, todos os outros”. Ou seja: a obra toda do autor. Imagine o cenário: Belo Horizonte, 1960 — Dilma tinha 13 anos, ainda usava laçarotes na cabeça e Jorge Amado já tinha escrito 11 títulos. Petar Roussev [pai da ex-presidanta] chega em casa equilibrando-se atrás de um pacote de livros. Dilma adorou “o Jorge Amado”.

Era uma menina de paixões literárias arrebatadoras, ecléticas. “Amei de paixão o Machado de Assis (“o” Machado significando, claro, toda a obra dele), mas também o Monteiro Lobato.” Para não deixar dúvida sobre o Lobato a que se referia, explicou: “A Emília, o Pedrinho, a Narizinho, o Visconde, a Cuca”, a turma toda.

Pois bem: a menina que se entregava a obras completas de autores seminais deu lugar à moça idealista que pegou em armas e esteve na clandestinidade ou presa por muitos anos — e a biblioteca do DOPS não era exatamente a do Congresso americano. Depois, à “economista” que logo entraria para o serviço público e não largou mais o osso, sempre absorta em relatórios enormes sobre quilowatts/hora e, mais recentemente, o Minha Casa, Minha Vida. A leitura “literária” naturalmente ficou em segundo plano, não? Errado. “Eu compro muito livro, sempre mais do que consigo ler. Tenho aquela teoria de que estou fazendo um estoque (…) Vai que aconteça alguma coisa e eu não tenha condição de ficar comprando livro? Então, eu estoco”.

O melhor do estoque foi guardado para o final. O texto relata que Dilma, em viagem à China com Lula, fez uma demanda sui generis: “Enchi a paciência do embaixador para me dizer qual era o romance chinês equivalente aos romances nossos. Qual é o Charles Dickens deles. Qual era o Balzac, o Flaubert, o Shakespeare”.

Não sei se o senhor embaixador chegou a apontar o “Shakespeare chinês”, mas deve ter indicado alguma coisa: Dilma contou a Rodrigues que trouxe para o Brasil um catatau local traduzido para o inglês. Três volumes. “Mas o diabo não era isso. Eram os nomes dos personagens”. Dilma estranhou aqueles nomes esquisitos: “Temos uma baixíssima familiaridade com nomes chineses”, surpreende-se ela, sem levar em conta que os chineses também não têm muita familiaridade com nomes como RousseffCarvalho ou Eustáquio. Mas Dilma, que leu o Balzac chinês de cabo a rabo, não se apertou, porque tinha uma estratégia: “Você anota todos os nomes num papel para não se perder totalmente”.

Esse pedaço de papel — com os nomes chineses caprichosamente anotados pela presidente Dilma — sem dúvida valeria mais no mercado de obras raras do que os originais dos Pergaminhos do Mar Morto ou dos Protocolos dos Sábios de Sião.

Com Augusto Nunes