Dilma não foi
vítima de um “golpe de estado”, mas deposta através de um processo
constitucional, que lhe garantiu amplo direito de defesa. Foi condenada porque
os parlamentares que atuaram como juízes entenderam houve crimes de responsabilidade. Aliás, acreditar na inocência de Dilma é coisa de militante cego ― achar
que ela não sabia de nada do aparelhamento nas estatais, da promiscuidade com
empreiteiras, dos superfaturamentos milionários, das escaramuças no Orçamento
com fins eleitorais é uma ofensa não só a inteligência do povo, mas à própria Dilma, que sempre fez questão de
centralizar todas as decisões. Golpe, torno a dizer, foi a maracutaia urdida à
sorrelfa pelo PT, que, com a
conivência dos presidentes do Senado
e do STF, fracionou a votação em
duas etapas e não inabilitou a petralha ao exercício de cargos públicos (em
flagrante desrespeito à Lei, segundo a qual a perda dos direitos políticos é
uma consequência da perda do mandato, e não uma pena acessória que pode ser
aplicada ou não).
Dilma jamais foi
política e tampouco demonstrou vocação para gerir o que quer que fosse. Prova
disso é que
quebrou duas lojinhas de badulaques
importados do Panamá em apenas 17 meses, e isso quando a paridade entre o real
e o dólar favorecia esse tipo de negócio. Para resumir sua história pregressa,
Dilma foi um arremedo de guerrilheira
que jamais disparou um tiro ― a não ser no próprio pé, ao se reeleger, devido
ao tamanho da encrenca que herdou de si mesma; um Pacheco de terninho que, sem
ter sido vereadora, virou secretária municipal; sem passar pela Assembleia
Legislativa, virou secretária de Estado, sem estagiar no Congresso, virou
ministra; sem ter inaugurado nada de relevante, posou de gerente de país; sem
saber juntar sujeito e predicado, virou estrela de palanque; sem ter tido um
único voto na vida até 2010, virou
presidente
do Brasil em outubro daquele ano e renovou o mandato quatro anos depois.
Não podia mesmo dar certo.
O fato é que, com
Dirceu e outras estrelas do alto escalão petista no xadrez, Lula, sem peito para levar adiante o golpe (via emenda constitucional) que
lhe garantiria um terceiro mandato, decidiu escolher Dilma, em detrimento de Marina
Silva, para sucedê-lo no cargo e manter aquecida sua poltrona até 2014,
quando ele estaria apto a torar a ocupá-la e lá permanecer até 2022. Do seu
ponto de vista, Dilma seria fácil de
manipular e, por “não ser política”, não se apegaria ao cargo. Ledo engano. A
cria não só tomou gosto pelo poder como “fez
o diabo” para se reeleger ― o que azedou suas relações com o criador.
Observação: Lula chegou a dizer ― em off, naturalmente ― ter
sido “a maior vítima de Dilma”, rebaixando, em seu egocentrismo
megalômano, a crise medonha que se abateu sobre o país à condição de “acidente
de percurso” ― o que não chega a surpreender, vindo de quem, mesmo sendo réu em
três inquéritos e investigado em mais dois (por enquanto, que outros mais estão
por vir), tem o desplante de se comparar a Jesus
Cristo e se autodeclarar “a alma
viva mais honesta do Brasil”.
A escolha de Lula
feriu de morte sua relação com Marina,
que abandonou o governo em 2008 e o PT
em 2009 (ao qual era filiada desde 1986). Em 2010, ela disputou a presidência
pelo PV, mas ficou em 3° lugar (com
respeitáveis 19% dos votos válidos).
Observação: É importante ter em mente que Dilma tinha o apoio de Lula e de marqueteiros de primeiríssimo
time, como João Santana e sua
mulher, Mônica Moura ― presos na 23ª
fase da Lava-Jato e soltos mediante
o pagamento de R$ 31,4 milhões, a
fiança mais alta estipulada até agora pelo juiz Sergio Moro ―, além de contar com recursos milionários (oriundos,
em grande parte, do propinoduto da Petrobras)―
o que lhe permitiu derrotar Marina
no primeiro turno e vencer o tucano José
Serra no segundo, por 46,91% a
32,61% dos votos válidos.
Marina voltaria a
concorrer em 2014, primeiro como vice na chapa do peessedebista
Eduardo Campos ― o partido
Rede Sustentabilidade, que ela fundou
em fevereiro de 2013, não conseguiu registro junto ao TSE a tempo de disputar o
pleito ― e depois como titular, já que
Campos
vira a falecer num
acidente
aéreo ocorrido 2 meses antes das eleições. Com essa reviravolta,
Marina chegou a ser cotada para
enfrentar
Aécio Neves no
segundo
turno, mas morreu na praia outra vez, a despeito de ter obtido 2
milhões de votos a mais que em 2010.
Para resumir a história, Dilma passou para o segundo turno, venceu Aécio com uma vantagem de 3.459.963 de votos (se pouco mais de
10% dos eleitores que anularam o voto, votaram em branco ou se abstiveram de
votar tivessem votado no tucano, os últimos 22 meses da nossa história teriam
sido bem diferentes) e, superando a si mesma em incompetência, pariu a maior
crise econômica da história deste país e acabou afastada da presidência às
vésperas de seu segundo mandato completar 600 dias e deposta 114 dias depois.
Para Roberto Romano,
doutor em filosofia e professor de Ética Política na Unicamp, a crise gerada e
parida por Dilma remonta ao processo
de criação de um Estado de modelo absolutista, no qual os governantes estão
acima do cidadão comum e não têm de prestar contas a ninguém, onde não há autonomia dos municípios e dos
Estados, e 70% dos impostos vão
direto para o cofre do poder central. Em sua avaliação, a crise se agrava
quando um presidente ― Dilma, no
caso ― tem dificuldade em dialogar com a sociedade e escala auxiliares tão ou
mais inábeis do que ela. Nesse contexto, o resultado não pode ser outro que não
um desastre, e para um partido que vendeu esperança com a eleição de Lula, o quadro se torna ainda mais
grave.
O presidente brasileiro é um gigante de pés de barro, pois
depende da base aliada, dos acordos com as oligarquias, do dinheiro das
empresas. Em vez de mandar no sentido absolutista, ele é mandado. Se tiver
capacidade política e diplomática, até pode se sair razoavelmente bem, mas Dilma jamais teve essas virtudes e,
para piorar, sempre escolheu muito mal os seus assessores (caso de Erenice Guerra, Gleisi Hoffmann e Aloízio
Mercadante, para ficar somente nos mais notórios).
Collor granjeou
grande impopularidade com o sequestro das poupanças, que arruinou o seu
relacionamento com todas as classes brasileiras. Seu partido, minúsculo,
dependia vitalmente de outros partidos, mas nunca teve uma base sólida como a
do PMDB. Já Dilma recebeu de FHC e
de Lula a capacidade de aliança com
grandes partidos, mas não a levou adiante graças à inabilidade de seus
negociadores. Aliás, boa parte da erosão de seu governo foi eclodida no segundo
mandato de Lula, quando a aliança
com o PMDB começou a periclitar.
O Estado brasileiro funciona à base da corrupção. A
negociação entre o Executivo e o Legislativo acontece na maioria das
democracias, mas a maneira como isso é feito no Brasil é absolutamente
delirante. Todavia, não há outra saída, porque, no plebiscito de 1993, o regime
parlamentarista foi derrotado pelo presidencialismo de coalizão, embora nossa
Constituição seja eminentemente parlamentarista. E deu no que deu: a
Presidência da República é quase irresponsável e o Parlamento não é
responsável. Inexiste o princípio da responsabilidade. O Congresso não assume a
plena responsabilidade pela governança do País, ou por outra, quando não
chantageia o Executivo, é subserviente a ele. Isso vem acontecendo desde a
morte do Getúlio.
Observação: No artigo intitulado “Lula, o senhor da razão”, de 1987, o professor Romano deixa claro que o petralha adota uma postura extremamente
conservadora e intimamente ligada à sua pessoa ― o que não combina com um País
democrático nem tampouco com um partido democrático. Desde a greve do ABC, Lula sempre foi o protegido, nunca se pode criticá-lo, mas a
verdade é que lhe falta a característica de um líder colegiado ― tanto é que o PT só tem Lula, e em seu favor foram abortadas todas as tentativas de
lideranças regionais; se Lula
faltar, o partido fica sem alternativa. Desde Getúlio que se vendem “pais do Brasil”, e Lula sempre se teve nessa conta. Um slogan muito usado em sua
campanha era “a esperança venceu o medo”. Só que o medo voltou e a esperança
chegou ao fundo do poço, como a impopularidade de Dilma demonstrou, e a derrocada do PT nas eleições municipais deixou ainda mais claro.
Para concluir esta novela, resta dizer que, juntamente com o
cargo de presidente, Dilma perdeu a
prerrogativa de foro, e por conta disso a PGR
pediu Teori Zavascki que remetesse ao juiz
Moro o inquérito que a investiga por suspeita de obstruir as investigações
da Lava-Jato. Para o ministro, no
entanto, “não se vislumbra, no presente
momento, a possibilidade de desmembramento da investigação, pois a análise dos
fatos por meio de investigação segmentada, como pretende o órgão ministerial,
dificultaria sobremaneira a colheita e análise de provas, bem como afastaria,
por ora, a coesão necessária para corroborar a tese da acusação”.
Sobre as três situações citadas no post de abertura desta
sequência, que estão conectadas entre si, disse Zavascki: “Busca-se
evidenciar que havia, dentro do governo da então presidente Dilma Rousseff, movimento destinado a
aviltar as investigações de infrações que envolviam organização criminosa, e o
fatiamento dos fatos impossibilitaria o exame coeso das condutas, supostamente
executadas por agentes interligados” (além de Dilma, são investigados no mesmo inquérito Lula, Marcelo Navarro, Delcídio do Amaral, os ex-ministros Aloizio Mercadante e José Eduardo Cardozo, além do ministro
do STJ Francisco Falcão).
Na opinião do jornalista Reinaldo Azevedo, a decisão de
Zavascki ― de não enviar ao juiz
Moro todos os inquéritos envolvendo o ex-presidente petralha ― faz sentido,
até porque alguns deles, como o que apura se Lula e outros tentaram comprar o silêncio de Nestor Cerveró, envolvem pessoas com prerrogativa de foro. E o
mesmo vale para Dilma, pois há
corréus na ação em que ela é investigada por tentativa de obstrução da Lava-Jato que contam com prerrogativa
de foro ― caso de Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, ministro do STJ,
e de Francisco Falcão, presidente
daquela Corte (outros dois ministros do STJ
também são investigados no Supremo: Benedito
Gonçalves, suspeito de ter pedido favores a Léo Pinheiro, e Sebastião
Reis, acusado de vender sentenças).