UM PAÍS SEM JUSTIÇA SE TRANSFORMA FACILMENTE NUM COVIL DE LADRÕES.
Há 20 anos, uma entrevista revelava ao Brasil a existência de um esquema de compra de apoio político envolvendo integrantes do Congresso Nacional, do governo federal e da cúpula de diversos partidos políticos. Era o início do "Escândalo do Mensalão", que abalou o primeiro mandato de Lula, conquistado após três derrotas consecutivas (1989 para Fernando Collor e 1994 e 1998 para Fernando Henrique).
O termo "mensalão", citado pela primeira vez numa entrevista de Roberto Jefferson — então deputado e presidente do antigo PTB — à jornalista Renata Lo Prete — então editora do Painel no jornal Folha de S.Paulo — aludia às "mesadas" que os parlamentares recebiam em troca apoio a projetos de interesse do Executivo. No relato, o parlamentar acusou o então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, de ser o responsável pelos repasses para compra do apoio dos congressistas. Mas a sombra de uma crise de grandes proporções, associada a desvio de dinheiro público dentro da máquina federal, já pairava sobre o governo petista.
Em maio de 2005, a revista Veja — cujas reportagens bombásticas já haviam desencadeado o fim da carreira militar de Bolsonaro (1987) e a implosão do governo Collor (1992) — revelou a existência de um vídeo em que um diretor dos Correios chamado Rogério Marinho negociava propina em nome de Jefferson, dando origem à "CPMI dos Correios", que se tornou palco das principais revelações e investigações, em tempo real, do esquema do mensalão.
Na época, o PT enfrentava dificuldades de consolidar uma base governista na Câmara dos Deputados. Jefferson acusou José Dirceu de envolvimento no esquema, e o então ministro-chefe da Casa Civil pediu demissão e retomou seu mandato de deputado. Em julho, Veja revelou que Marcos Valério, Delúbio Soares e José Genoino deram aval a um empréstimo milionário em nome do PT, levando o Delúbio e o secretário-geral do partido, Silvio Pereira, a deixarem seus cargos. Dias depois, José Adalberto Vieira da Silva, secretário do PT do Ceará e assessor do irmão de José Genoino, foi preso ao tentar embarcar em um voo com R$ 200 mil na mala e US$ 100 mil escondidos na cueca. Genoino deixou a presidência do PT no dia seguinte, e o partido mergulhou de vez em uma espécie de inferno astral e crise reputacional.
Aos poucos, outras siglas da base do governo (como PP e PL) que haviam formado a chapa presidencial vitoriosa em 2002 tiveram deputados e dirigentes envolvidos no escândalo, entre os quais Valdemar Costa Neto, que renunciou ao mandato para não ser cassado, foi condenado no "Processo do Mensalão" e posteriormente perdoado por se enquadrar nas regras de um decreto editado pela presidente Dilma no final de 2015. A despeito da capivara invejável, esse sujeito preside o partido que tem Jair Bolsonaro como presidente de honra e Michelle Bolsonaro no comando do PL Mulher.
Ao se defender a cassação, Jefferson disse em seu discurso: "Este é o governo mais corrupto que vi em meus 23 anos como deputado. O Zé Dirceu tratou a Câmara como um prostíbulo (...) E a turma que forneceu o dinheiro vai ficar de fora? Tem ministro que recebeu mensalão (...) Foi de lá do Planalto que partiu a corrupção". Acusou Lula de ser "preguiçoso", "malandro" e "omisso". "Tirei a roupa do rei. Mostrei ao Brasil o que é o governo Lula. Mostrei ao Brasil quem são esses fariseus", discursou. No dia 1º de dezembro de 2005, o mandato de Dirceu também foi cassado.
Em seu primeiro pronunciamento sobre Mensalão, Lula se disse "indignado com a crise política" e pediu desculpas à nação. Meses depois, em entrevista ao Fantástico, afirmou que não tinha conhecimento do esquema e classificou as denúncias de "facada nas costas". Em março de 2006, a partir das conclusões da CPMI dos Correios, o então PGR apresentou denúncia ao STF contra 40 pessoas — entre as quais Dirceu, acusado de ser o "chefe da organização criminosa" — por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, evasão ilegal de divisas, corrupção ativa e passiva, peculato, falsidade ideológica e gestão fraudulenta. Em agosto do ano seguinte, o Supremo aceitou a denúncia e, após 53 sessões, condenou 24 dos acusados, com destaque para Marcos Valério — o "operador" do mensalão —, que foi condenado a 40 anos, dois meses e dez dias de prisão, além de uma multa milionária.
Vinicius de Moraes ensinou que não há nada como o tempo para passar; Ivan Lessa, que o brasileiro esquece a cada 15 anos o que aconteceu nos últimos 15 anos; e um velho ditado, que quando um porco entra num palácio, ele não se torna rei, mas o palácio se torna um chiqueiro. Em 2018, o antipetismo levou Bolsonaro do obscuro baixo-clero da Câmara ao gabinete mais cobiçado do Palácio do Planalto; em 2022, o antibolsonarismo levou Lula de volta ao mesmo gabinete por uma vantagem de 1,8% dos votos válidos.
Como se vê, mesmo que o cardápio inclua pão amanhecido e biscoito esfarelado, o eleitor brasileiro prefere escolher entre um prato de merda e um suco de bosta.