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terça-feira, 13 de fevereiro de 2024
O CAÇADOR DE MARAJÁS E O MAQUIAVEL DE MARÍLIA
domingo, 19 de setembro de 2021
COISAS DO BRASIL
Depois de desfilar no Rolls Royce Presidencial até o
prédio do Congresso Nacional, Bolsonaro assinou o termo de posse, jurou "manter,
defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do
povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil"
e recebeu de Michel Temer a faixa presidencial.
Bolsonaro jamais
leu a Constituição que jurou defender e, como o escorpião da fábula,
é incapaz de contrariar a própria natureza. Apesar de reconhecer que não
nasceu para ser presidente, mas para ser militar, foi expelido da Escola de Oficiais do Exército por indisciplina e insubordinação (mas acabou
sendo absolvido
das acusações pelo STM). No ano seguinte, elegeu-se vereador e depois deputado federal por
sete mandatos consecutivos, ao longo dos quais aprovou
dois míseros projetos e colecionou mais de trinta
ações criminais. Em 2018, foi alçado
à Presidência por uma esdrúxula conjunção de fatores, entre os
quais um
mal explicado atentado que sofreu durante um ato de campanha em Juiz de
Fora (MG).
Bolsonaro disputa com Dilma — o poste com que Lula empalou os brasileiros em 2010 — o título de pior mandatário desde a redemocratização (e não por falta de concorrentes de peso). Com a autoridade de quem sabe das coisas, o general Ernesto Beckmann Geisel — penúltimo presidente da ditadura e mentor intelectual da reabertura política lenta, gradual e segura — definiu o então capitão da ativa como “um caso completamente fora do normal, inclusive mau militar”.
O último general-presidente, João Baptista de Oliveira Figueiredo — que preferia
o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo (povo que, segundo ele, "não
sabe nem escovar os dentes, quanto mais votar para presidente"),
negou-se a passar a faixa presidencial a José Sarney (faixa
a gente transfere para presidente, não para vice, e esse é um impostor).
Coisas do Brasil.
A título de contextualização,
vale lembrar que a Revolução de 1964 — cuja
data “comemorativa” é 31 de março — foi um golpe de Estado
desfechado na madrugada de 1º de abril, por líderes civis e militares
conservadores, a pretexto de afastar do poder um grupo político que
supostamente flertava com o comunismo.
Nos movimentos pró “Diretas
Já”, pugnava-se pela aprovação da emenda
constitucional Dante de Oliveira, que visava restaurar o direito às
eleições diretas suspenso pelos militares. No dia da votação, exatos 20 anos
depois do golpe, uma manobra de bastidores tirou da Câmara 112 deputados. A
despeito do clamor das ruas, a emenda foi rejeitada — em outras palavras, o
povo foi traído (mais uma vez) pela classe política, o câncer social que,
infelizmente, é um mal necessário. Coisas do Brasil.
O desgaste do governo propiciou a vitória de Tancredo Neves em um colégio eleitoral — por 480 votos contra 180, a raposa mineira derrotou Paulo Maluf (que era apoiado pelos militares) depois de unir o PMDB à chamada Frente Liberal — formada por dissidentes do PDS, que dava sustentação ao governo militar.
Em janeiro de 1985, o deputado federal Ulysses Guimarães —
que chegou a ser cogitado para disputar a presidência da República pelo PMDB contra Maluf,
mas acabou sendo preterido pela chapa “mista” formada com o PFL de Sarney —
entregou a Tancredo o programa denominado Nova
República, que previa eleições diretas em todos os níveis, educação
gratuita, congelamento de preços da cesta básica e dos transportes, entre
outras benesses.
Com esperança e
ânimos redobrados, os brasileiros ansiavam pela chegada do dia 15 de março, data
prevista para a posse do primeiro presidente civil após 21 anos de ditadura
militar. Mas Tancredo
foi hospitalizado 12 horas antes da cerimônia e teve o óbito
declarado 38
dias e sete cirurgias depois — ironicamente, no feriado de 21 de abril,
data em que o Brasil homenageia Tiradentes, o mártir da independência. Coisas
do destino.
Tancredo levou para o túmulo a esperança de milhões
de brasileiros, mas deixou de herança um neto que envergonharia o país e um mix de
oligarca maranhense, escritor, poeta e acadêmico chamado José Ribamar Ferreira
de Araújo Costa, mais conhecido como “Zé do Sarney”. A possibilidade de Ulysses Guimarães, então presidente da Câmara, ser guindado ao
Palácio do Planalto chegou a ser cogitada, mas prevaleceu o entendimento de que
caberia a José
Sarney, vice na chapa de Tancredo e rebotalho do
coronelismo nordestino, assumir a Presidência. E foi o que aconteceu, para o
bem e para o mal.
Fisiologista como poucos e puxa-saco de carteirinha dos poderosos de plantão, Sarney (o filho) sobreviveu à ditadura, mas sua infausta gestão à frente da Presidência foi marcada pela hiperinflação. Tanto o Plano Cruzado quanto os "pacotes econômicos" que se lhe sucederam foram baseados no congelamento de preços e salários, e da feita que repetir o mesmo erro várias vezes esperando produzir um acerto é a melhor definição de idiotice que eu conheço, não causou estranheza o fato de todos fazerem água em questão de meses.
Em 20 de fevereiro de 1987, pressionado pela queda nas reservas
cambiais, Sarney fez um pronunciamento em rede nacional anunciando a
suspensão, por tempo indeterminado, do pagamento dos juros da dívida externa —
evitando usar a palavra "moratória", como se isso produzisse
algum resultado positivo (ou menos negativo) na medida adotada. Coisas do
Brasil.
Sarney deixou a Presidência com a popularidade em patamares abissais, tanto que transferiu seu domicílio eleitoral para o recém-criado Estado do Amapá, pelo qual teria chances de conseguir uma vaga no Senado. Como era esperado, seus adversários impugnaram se insurgiram contra o cambalacho, mas o STF o avalizou. Conta-se que o ministro Celso de Mello, que teve os ombros recobertos pela suprema toga graças ao oligarca maranhense, votou pela impugnação da candidatura do benfeitor.
O ex-ministro da Justiça Saulo
Ramos quis saber por quê. Mello respondeu que a Folha havia
publicado que Sarney tinha os votos certos de vários ministros e citara
seu nome como um deles. "E você votou contra porque a Folha noticiou
que votaria a favor?", perguntou Saulo. "Exatamente",
respondeu Mello. E Saulo: "Então você é um juiz de merda!"
Sarney
deixou a vida pública em 2014, aos 83 anos, a pretexto de se dedicar à
literatura em tempo integral. Conta-se que, após um dilúvio assolar o Maranhão,
a então governadora Roseana Sarney — filha do macróbio — telefonou
ao pai para informar que metade do Estado estava debaixo d’água. Sarney
perguntou-lhe candidamente: "A sua metade ou a minha?"
Nas eleições gerais de 2018, os pimpolhos do velho cacique
maranhense foram penalizados na urnas: nem Zequinha se
reelegeu deputado, nem Roseana — que governou o Maranhão por
quatro legislaturas desde 1995 — conseguiu desbancar o pecedebista Flavio
Dino — que se reelegeu governador com 59,29% dos votos válidos.
Como dito parágrafos acima, Figueiredo se recusou a
transferir a faixa presidencial a Sarney. Não foi o primeiro nem o único
caso na história republicana do Brasil. Coisa de país de terceiro mundo? Não
necessariamente. Nos EUA, o ex-presidente Donald Trump, ídolo e muso
inspirador do capitão-cloroquina, não só deu trabalho para ser desencalacrado
do cargo como não
compareceu à cerimônia de posse de Joe Biden, o que representa uma
quebra de protocolo na tradição democrática americana, mas, como dito, encontra
apoio na ala conservadora da política brasileira.
Na história do Brasil, o exemplo mais recente de um chefe do
Executivo que se recusou a comparecer à posse de seu sucessor foi Figueiredo,
conforme já foi dito nesta postagem. Sobre Sarney, o general disse à
revista IstoÉ, pouco antes de sua morte, em 1999: "Sempre foi
um fraco, um carreirista. De puxa-saco passou a traidor. Por isso não passei a
faixa presidencial para aquele pulha. Não cabia a ele assumir a Presidência".
A quebra de protocolo em Brasília foi relembrada pelo neto
do general, minutos depois de o presidente americano anunciar que não
compareceria à posse do sucessor. "Meu avô também não compareceu à
posse de seu sucessor, que chegava ao poder de forma ilegítima. Agiu conforme
suas convicções. Assim devem fazer os homens de caráter!", postou
no Twitter o empresário Paulo
Figueiredo Filho. Coisas do Brasil.
Figueiredo não foi o único a se recusar a cumprir os
ritos de transição no Brasil. A República ainda engatinhava quando Floriano
Peixoto, que governou de 1891 a 1894, decidiu não comparecer à posse de Prudente
de Morais porque não via com bons olhos a chegada de um civil ao poder. Afonso
Pena também não passou a faixa a seu sucessor, Nilo Peçanha (e nem
poderia, porque Nilo era vice de Pena, a quem substituir em virtude
de sua morte, em 1909). Em 1954, Café Filho viu-se presidente do dia para
a noite e começou a governar o país sem a bênção de seu antecessor, Getúlio
Vargas, que
"foi suicidado" com um tiro no peito em 24 de agosto de 1954.
Após o impasse entre Figueiredo e Sarney, somente dois presidentes eleitos diretamente (FHC e Lula) receberam e passaram a faixa a seus sucessores. O primeiro presidente eleito diretamente após a ditadura militar — o pseudo caçador de marajás Fernando Collor de Mello — recebeu a faixa de Sarney em março de 1990, mas renunciou ao mandato em dezembro de 1992 (e foi impichado mesmo assim, de modo que não passou a faixa a Itamar Franco).
Itamar, por sua vez, tomou posse em uma cerimônia breve e só usou a faixa presidencial no último de seus dois anos e três dias de governo, quando a colocou sobre os ombros de FHC. O tucano, presidente por dois mandatos, cumpriu o mesmo protocolo na posse de Lula, em 2003. Oito anos depois, foi a vez de Dilma ser destituída em um processo de impeachment — e não comparecer à posse de Michel Temer. Em janeiro de 2019, o vampiro do Jaburú repassou a faixa ao mandatário de fancaria que, por mal de nossos pecados, diz que "só Deus o tira da cadeira presidencial". Coisas do Brasil.
Bolsonaro na presidência era tudo de que o os brasileiros não
precisavam, mas tornou-se a única alternativa válida depois que o
ilustríssimo eleitorado tupiniquim o escalou para enfrentar o bonifrate do
presidiário de Curitiba no segundo turno do pleito de 2018. Voltando à paráfrase
de Bolsonaro a uma fala de Figueiredo, “plagiar é, implicitamente,
admirar”, como bem disse o intelectual lusitano Júlio Dantas.
Mas a pergunta que não quer calar é: se não nasceu para ser presidente, por
que Bolsonaro fez da reeleição seu projeto de governo?
"Prometo que, se eleito, vou trabalhar noite e dia,
durante os quatro anos do meu mandato… para ser reeleito”. Eis a promessa
mais sincera e verdadeira feita pelo então candidato, como salientou o
ex-delegado federal Jorge Pontes num artigo publicado em Veja. "Teremos
um lapso de quatro anos praticamente jogados fora, destinados apenas à
pavimentação de mais um — improvável — mandato presidencial",
profetizou o policial, em agosto
do ano passado.
Assim, graças à verdadeira
herança maldita deixada pelo grão-duque do Tucanistão, assistimos a um
mandatário eleito com juras de grandes mudanças e discursos anti-establishment
emular Dilma, a inesquecível, e fazer o diabo para se
reeleger.
A vitória de Bolsonaro foi um caso clássico de emenda
pior que o soneto. Embora seja preferível acender a vela a amaldiçoar a
escuridão, unir forças com os sectários do bolsonarismo boçal para evitar a
volta da cleptocracia lulopetista foi como libertar da garrafa um gênio
malfazejo e não saber como prendê-lo de volta. E urge fazê-lo, pois o Brasil dificilmente
sobreviverá a mais cinco anos sob o descomando desse mafarrico.
Segundo a revista eletrônica Crusoé,
o presidente de fato desta banânia (falo do centrista Ciro Nogueira)
disse a um empresário que Bolsonaro está "cada vez mais
mercurial e incontrolável". O diagnóstico perturbador do ministro
recém-empossado com promessas de carta branca jamais cumpridas reflete o estado
de ânimo atual de setores do Centrão e de boa parte do Congresso. Embora
estejam bem servidos em postos estratégicos e se lambuzando no poder desde que
que o chefe do Executivo de festim lhes entregou a chave do cofre, a
centralhada já entendeu que a aliança tem prazo de validade, e que esse prazo
não é longo. Para as marafonas
do parlamento, Bolsonaro é um político fadado ao infortúnio,
seja pelo impeachment, pela cassação no TST ou derrota nas urnas. E
convenhamos que não é preciso ser nenhum "Nostradamus" para
fazer tal previsão.
Ainda segundo a reportagem, depois que o desembarque do
governo passou a ser debatido a sério entre os partidos que compõem o Centrão,
o presidente pato-manco enviou pelo líder do governo na Câmara — o ilibadíssimo
Ricardo Barros, a quem o senador Omar Aziz, relator da CPI do
Genocídio, se refere como responsável por um balcão de negócios com o
Congresso que está a todo vapor — o recado de que continua em pé o esforço para
conter possíveis defecções em sua base de apoio.
Entrementes, a despeito da carestia, a inflação oficial segue
acima do esperado. O IPCA, medido pelo IBGE, acelerou para 9,68%
no acumulado em 12 meses, levando a uma onda de revisões entre os economistas. Na
segunda-feira, 13, o Boletim Focus, do Banco Central, registrou a
23ª alta consecutiva da mediana das projeções para o IPCA no fim de
2021, que agora está em 8%. Mas isso é assunto para uma próxima postagem.
sexta-feira, 14 de agosto de 2020
DA PRAGA DA CASERNA AO CAPITÃO CAVERNA — DUODÉCIMA PARTE
João Fernandes Café Filho — que era vice de Getúlio Vargas e figura em nossa lista de ex-presidentes que não concluíram seus mandatos (os anteriores foram abordados nos posts dos dias 21 e 22) — ascendeu ao cargo em agosto de 1954, quando o titular ”saiu da vida para entrar na história”, mas se afastou em novembro do ano seguinte, a pretexto de tratar um mal cardíaco, e jamais reassumiu o posto. Mas vamos por partes.
Em 3 de outubro de 1955, quando Juscelino Kubitschek se elegeu presidente, a ala conservadora (sobretudo ligada à UDN) e os militares, inconformados com o resultado das urnas, urdiram um golpe de Estado para impedir a posse de JK. Eles contavam com o apoio tanto de Café Filho quanto do presidente da Câmara, Carlos Luz, que assumiu interinamente quando do afastamento de Café — vale lembrar que, com o "suicídio" de Vargas e a promoção de Café a titular, os próximos na linha sucessória, segundo a Carta Magna de 1946, art.79, § 1º, eram os presidentes da Câmara Federal, do Senado e do STF (da mesma forma que acontece atualmente, à luz da CF de 1988).
Assim que subiu de posto, Luz substituiu o general Henrique Lott pelo também general Álvaro Fiúza de Castro no comando do Ministério da Guerra. Sentindo o cheiro do golpe, Lott depôs Luz (que ficou apenas 4 dias no cargo e foi impichado em 11 de novembro) e empossou Nereu Ramos, então presidente do Senado. E assim, pela primeira vez na história, o Brasil teve três presidentes numa única semana.
Visando evitar que Café Filho, àquela altura "miraculosamente restabelecido", reclamasse o posto e somasse forças com a ala que queria impedir a posse de JK, Lott mandou tanques de guerra cercarem a casa do desafeto, em Copacabana, e agilizou junto aos parlamentares o julgamento de seu impeachment, que foi aprovado em 22 de novembro. E para impedir novas tentativas de golpe, Nereu governou sob estado de sítio pelos dois meses seguintes, até entregar a faixa presidencial a JK, em 31 de janeiro de 1956.
Observação: Para que dois presidentes fossem impichados
a toque de caixa no final de 1955, a Constituição precisou ser “rasgada”
algumas vezes (a pretexto de salvar a democracia). Não fosse isso, JK
não teria assumido a Presidência. Aliás, talvez fosse o caso de Maia e Alcolumbre
relembrarem o que aprenderam (ou deveriam ter aprendido) nas aulas de história.
Antes que o mal cresça, corta-se a cabeça.
Ao final de sua gestão — em que prometeu realizar “cinquenta
anos de progresso em cinco de governo” — JK, mui mineiramente, mudou
a capital federal do Rio de Janeiro para o meio do nada, digo, para o centro do
país, e transferiu a faixa para o presidente eleito Jânio Quadros, que
tomou posse em 31 de janeiro de 1961 e renunciou 6 meses e 25 dias depois.
Como as consequências da renúncia de Jânio já foram esmiuçadas (e voltarão a sê-lo em momento oportuno), resta dizer apenas que depois de João Goulart — que foi vice de JK e de Jânio, acabou cassado pelo golpe de ’64, exilou-se no Uruguai e morreu na Argentina em 1976 —, o Brasil só voltou a ter um presidente civil em 1985, após um colégio eleitoral formado por deputados, senadores e governadores eleger Tancredo Neves, no apagar das luzes do governo Figueiredo.
Quis o
destino que a raposa mineira fosse
internada 12 horas antes da posse e viesse a falecer 38 dias e
sete cirurgias depois — ironicamente, no dia 21 de abril, feriado que
homenageia Tiradentes, o Mártir da Independência, levando para o túmulo
Coube a Sarney pilotar a Nau dos Insensatos até 1989, quando, na primeira eleição direta para presidente da República em 29 anos, diante de um cardápio composto por 22 candidatos — teriam sido 23 se Jânio não desistisse de participar por motivos de saúde —, o eleitorado tupiniquim descartou Ulisses Guimarães, Mario Covas, Ronaldo Caiado (e mais 17 postulantes que, juntos, não valiam dois mirreis de mel coado) e escalou para o segundo turno um caçador de marajás de araque e um sindicalista picareta.
No dia 17 de dezembro, o engomado almofadinha populista de
direita derrotou o mal-ajambrado e semianalfabeto populista de esquerda (dono de um carisma que
lhe rendeu o honroso apelido de “encantador de burros”),
e assim Fernando Affonso Collor de Mello entrou para a História não
só como o primeiro presidente da Nova República eleito pelo voto direto,
mas também como o primeiro
presidente da Nova República condenado num processo de impeachment.
Observação: Obviamente, nenhum dos cinco generais
que presidiram o Brasil durante os anos de chumbo (Castello Branco,
Costa e Silva,
Médici,
Geisel
e Figueiredo)
foi deposto, renunciou ou morreu no exercício do cargo, mas isso é assunto para
outra sequência.
Em 1992, Collor (clique
aqui para acessar um breve resumo de seu atabalhoado governo), em meio
a grandes manifestações populares pedindo sua cabeça, foi afastado do cargo e
renunciou dois meses depois, às vésperas do julgamento de seu impeachment no Senado. Com a renúncia, a ação perderia o objeto (como cassar o
mandato de alguém que já renunciou a ele?), mas o julgamento prosseguiu mesmo assim
e o réu foi considerado culpado e condenado a oito anos de inelegibilidade (Collor
recorreu, mas perdeu).
O segundo impeachment desde a redemocratização foi o de Dilma — a tragédia
anunciada com que Lula empalou a brava gente brasileira em
2010 — que, mesmo sendo a pior presidente desde que Cabral aportou na
costa da Bahia, conseguiu se reeleger em 2014, ser afastada em maio de 2016 e
penabundada em 31 de agosto.
Discorrer sobre a trajetória política da gerentona de festim (que levou à falência duas lojinhas de badulaques importados) de seu tempo de guerrilheira de arque até o definitivo “tchau, querida”, passando pelo monumental estelionato eleitoral que resultou em sua reeleição (ela própria havia dito com todas as letras que “em ano eleitoral a gente faz o Diabo”) seria abusar da paciência do leitor. Mas basta retornar pelo blog até o ano de 2016 para encontrar posts sobre os detalhes sórdidos que abrilhantaram os 5 anos 4 meses e 12 dias em que essa senhora, verdadeiro rascunho do mapa do inferno em forma de gente, demoliu tijolo a tijolo a economia do país. Mesmo assim, não descarto a possibilidade de retomar esse assunto numa próxima oportunidade. De momento, limito-me a relembrar uma síntese inspirada, da lavra do jornalista Augusto Nunes:
“Dilma, sem saber atirar virou modelo de guerrilheira; sem ter sido vereadora virou secretária municipal; sem passar pela Assembleia Legislativa virou secretária de Estado sem estagiar no Congresso virou ministra; sem ter inaugurado nada de relevante fez posse de administradora pública; sem saber juntar sujeito e predicado virou estrela de palanque e sem ter tido um único voto na vida, virou candidata à Presidência, foi eleita em 2010 e reeleita em 2014 e só não destruiu totalmente a economia tupiniquim porque foi providencialmente apeada do cargo em 2016.
Observação: O artigo 52 da Constituição de 1988 reza que “Nos casos previstos nos incisos I (processo contra presidente da República) e II (processo contra STF), funcionará como Presidente o do STF, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis” (o grifo é meu). Em outras palavras, a Lei não separa a inabilitação da perda do cargo.
Coube ao eleitorado mineiro terminar nas urnas o que o Congresso
começou (isso comprova a teoria de que até um burro cego consegue eventualmente
encontrar a cenoura). A despeito das expectativas da mídia “cumpanhêra” e dos
institutos de pesquisa, que tinham como líquida e certa a
vitória do egun mal despachado na disputa por uma vaga no Senado, a petista amargou um vergonhoso quarto lugar.
terça-feira, 19 de outubro de 2021
NÃO PODE DAR CERTO — NONA PARTE
A revista Isto É que chegou às bancas na
última sexta-feira traz
na capa uma imagem do sumo pontífice do bolsonarismo boçal com um
bigode igual ao do líder nazista Adolf Hitler, feito com a palavra
“genocida”. Sectários e apoiadores do "mito" reagiram à imagem na
manhã de sábado com a hashtag #istoelixo. O deputado estadual mineiro Bruno
Engler postou vídeo cobrando a ação no Ministério Público por discurso de
ódio: "Jornalista não é Deus. Vocês não podem fazer a merda que
bem entenderem, isso aqui é crime e vocês devem responder por isso”, afirmou
o parlamentar.
Outro perfil relembra várias frases do mandatário para
comentar a reclamação dos seus aliados cm relação à capa da revista, entre as
quais: “O GADO reclamando sobre uma capa, mas na verdade #istoelixo:
O erro da ditadura foi torturar e não matar", "Pela memória do
coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff… o meu voto é
sim"; "Ele merecia isso: pau-de-arara. Eu sou favorável
à tortura". E por aí vai.
A matéria de capa da revista trata da entrega do
relatório final da CPI do Genocídio, que, de acordo com a publicação,
faz o país ajustar contas com sua história. “Bolsonaro e 40 seguidores,
incluindo ministros e auxiliares próximos, serão indiciados por delitos
analisados e compilados por juristas. Para a efetiva punição, é necessário
superar a blindagem institucional que ele conseguiu construir”, diz a
reportagem.
Em sua coluna na revista, Ricardo Kertzman, que é judeu, diz
que amigos seus, também judeus, indignados pela comparação, lhe perguntaram: "Como
você pode aceitar isso calado". Segundo ele, nenhum desses amigos leu a
matéria ilustrada pela capa — que é polêmica, sim! —, apenas se deixaram levar
pelo que viram e pelo que lhes foi soprado aos ouvidos em grupos de WhatsApp
(bolsonaristas, claro).
O (des)governo Bolsonaro não é nazista e o ‘mito’ não
é Hitler, diz o articulista. Mas, segundo ele, as práticas e posturas bolsonaristas
são semelhantes ao nazismo "Eu mesmo já escrevi a respeito e nenhum
judeu, à época, me encheu o saco. Por quê?", pergunta Kertzman.
Tamanha suposta indignação não tem a ver mais com preferências políticas do que
com religião? O evento pregresso — a matéria em questão — não seria a
verdadeira razão de tanto barulho? Como refutar o que publica a IstoÉ,
se amparada em fatos reais e provas documentais? Especificamente a questão dos
‘experimentos científicos’, algo espetacularmente assombroso, que é
simplesmente inquestionável?
Trazer à lembrança a imagem do demônio nazista é
sempre ruim e, dentro do possível, pode e deve ser evitado. Mas quando isso não
ocorre, não há motivo para revolta meramente baseada em uma inexistente
equiparação. Relativizar Hitler e o nazismo é algo asqueroso.
Aliás, a depender da maneira, é até crime. Inclusive no Brasil. Mas, repito:
onde foi que a revista fez isso? E mais: alguém aí se lembrou das vítimas (de
carne e osso) do bolsonarismo?
Kertzman conclui dizendo que, se considerasse
inadequadas — sob a ótica de uma equiparação indevida e reducionista do nazismo
— a capa e a matéria da IstoÉ, ele seria o primeiro a criticar a
abordagem. Mas ressalta que não só não considera a reportagem e a ilustração
inadequadas, como aplaude o conteúdo e felicito os autores e editores pela
coragem e ousadia de chamar aquilo que lembra o nazismo pelo nome de… nazismo!
Muito do que aí está se deve à leniência e ao descaso com que Bolsonaro
e suas ideias e ideais foram tratados durante os quase 30 anos em que ele foi
um reles deputado. Hoje, no Poder maior do País, o "mito" continua a
ser quem foi.
Que cada qual tire as próprias conclusões. Dito isso, passo
à matéria do dia.
Empunhando lanças contra os "marajás" e a corrupção endêmica na política, Collor derrotou Lula na eleição solteira de 1989. Sabemos agora que dava-se início, então, a uma interminável batalha entre o bem e o mal, na qual o mal é o mal e bem, ainda pior.
Três meses após a posse de Collor, suspeitas de corrupção pairavam sobre o segundo escalão do governo, e dali para o Palácio do Planalto foi um pulo. O caçador de marajás de fancaria tinha como comparsa o folclórico Paulo César Cavalcante Farias, mais conhecido como PC, que atuou como tesoureiro na campanha collorida e passou a desempenhar com desenvoltura o papel de lobista e elemento de ligação entre o empresariado e o governo federal. Anos mais tarde, ele se transformou num arquivo vivo e foi despachado para a terra-dos-pés-juntos num assassinato seguido de suicídio que jamais seria devidamente esclarecido (detalhes mais adiante).
Collor foi engolfado pelas denúncias de corrupção em
maio de 1992, depois que o irmão Pedro Collor apresentou
à Revista Veja diversos documentos que indicavam corrupção no
governo. Especula-se que Pedrão pleiteou uma parte do butim e não foi atendido, mas há quem diga que ele botou a boca no
trombone porque descobriu que o irmão garanhão vinha arrastando a asa para sua
esposa, Thereza
Collor.
Ironicamente, tudo começou com um prosaico Fiat Elba
pago com um "cheque-fantasma", segundo a revelação do motorista Eriberto
França. Em suma, Pedro detalhou o esquema PC e
o motorista revelou que dinheiro sujo fora usado não só na compra do Elba,
mas também para pagar contas do presidente. Estimava-se na época que US$
6,5 milhões teriam sido desviados para bancar gastos pessoais de Collor — dinheiro
de pinga em comparação com o que o PT e cia. roubaram no Mensalão e no Petrolão, que virou dinheiro
de pinga diante da malversação de recursos públicos registrada durante a
pandemia de Covid no atual governo. Mas isso é outra conversa.
A população assistiu indignada à escalada de acusações contra Collor e seu factótum, enquanto entidades civis como OAB, CNBB, UNE, UBES e centrais sindicais deflagraram o "Movimento pela Ética na Política". Em agosto de 1992, o relatório final de uma CPI instaurada a pedido do PT apontou ligações de Collor com o Esquema PC.
Collor foi alvo de 29 pedidos de impeachment — o que é uma mixaria diante dos 150 pedidos que dormitam na gaveta do deputado-réu Arthur Lira. Emparedado pelas manifestações dos caras-pintadas, o PGR de turno, Aristides Junqueira, abriu um inquérito para investigar os crimes atribuídos ao presidente, Zélia, PC Farias e Jorge Bandeira de Melo.
Zélia era uma versão melhorada de Dilma — até porque nada nem ninguém foi capaz de ombrear com a gerentona de araque até Bolsonaro entrar na disputa. Mas a deslumbrada, travestida de bambambã da Economia, atuou como mentora intelectual do confisco da poupança dos brasileiros (detalhes no capítulo anterior) e se notabilizou pelo tórrido affair que manteve com o também ministro Bernardo Cabral, conhecido como Boto Tucuxi — segundo o folclore paraense, o boto em questão surge à noite, travestido de homem galante e sedutor, para "cortejar" caboclas ribeirinhas — e, mais adiante, por ter ingressado no rol de ex-esposas de Chico Anysio, o "comediante que se casou com a piada”.
O pedido abertura do impeachment de Collor
foi assinado pelos presidentes da ABI e da OAB e
autorizado pela Câmara Federal, por 441 votos a favor, 38 contrários, 23
ausências e uma abstenção, em 29 de setembro de 1992, e o processo foi instaurado
no Senado no dia 1º de outubro. Collor foi afastado do cargo no
dia seguinte e penabundado em 30 de dezembro. O julgamento
começou na véspera, depois que o réu apresentou sua renúncia. Seu objetivo
não era escapar da cassação, que eram favas contadas, mas evitar oito anos de inelegibilidade. Por alguma razão — afinal, não há como cassar o
mandato de quem a ele já renunciou, e a inabilitação ao exercício de cargos
públicos é uma pena assessória, inerente à cassação — Collor
foi condenado por 76 votos a 2.
Observação: Como nem todos são iguais perante
a lei — ou nem sempre a lei é igual para todos —, a estocadora de vento seria
impichada em 31 de agosto de 2016, mas preservaria seus direitos políticos
graças a uma vergonhosa maracutaia urdida pelos então presidentes do Senado e
do STF, respectivamente Renan Calheiros e Ricardo Lewandowski.
Palmas para a Justiça brasileira!
Em junho de 1993, já indiciado em 41 inquéritos criminais, PC teve a prisão decretada, mas embarcou no Morcego Negro — pilotado por Jorge Bandeira de Mello — e se escafedeu. Após 152 dias foragido, despistando seguidamente a PF e a Interpol, e quatro meses depois de desaparecer em Buenos Aires, PC ressurgiu em Londres, 11 kg mais magro, sem seus famosos bifocais e disfarçado de príncipe árabe... e tornou a fugir enquanto se discutia sua extradição. O carequinha só seria capturado dali a três meses, depois que um turista brasileiro o viu caminhando lépido e fagueiro pelas ruas de Bangkok, na Tailândia.
PC foi extraditado, julgado e
condenado a 4 anos de prisão por sonegação fiscal e 7 por falsidade ideológica. Collor cumpriu
sua quarentena, disputou o governo de Alagoas, perdeu, elegeu-se
senador e renovou o mandato até 2022. Em dezembro de 1995, depois de
cumprir dois anos da pena, PC foi posto em liberdade condicional. Na
cadeia, ele havia conhecido Suzana Marcolino, que lhe fora apresentada por
uma antiga funcionária de uma de suas muitas empresas. A partir de então, a
moça (24 anos mais nova do que ele) passou a ganhar joias, roupas caras, carro
de luxo e uma generosa conta bancária.
Suzana montou uma butique de grife em Maceió e era vista com frequência, ao lado do namorado recém-libertado, a bordo de uma luxuosa BMW branca conversível. Apesar da resistência geral da família, o idílio entre os pombinhos foi tórrido. Mas durou pouco: apenas seis meses transcorreram entre a saída de PC da prisão e a fatídica manhã de 26 de junho de 1966, quando ele e Suzana foram encontrados mortos na casa de veraneio na praia de Guaxuma, em Maceió, com um tiro no peito de cada um.
Um grupo de 11 peritos — liderado pelo legista Badan Palhares, da Universidade Estadual de Campinas — concluiu que Suzana matou o namorado enquanto ele dormia se suicidou em seguida. Em depoimento à polícia, os quatro seguranças que guardavam a propriedade disseram ter ouvido o casal discutindo no quarto logo após o jantar, quando os convidados — o irmão Augusto Farias e a namorada — já tinham ido embora, mas que não ouviram os tiros porque era época de festas juninas.
Descobriu-se que o revólver encontrado junto aos corpos havia sido comprado por Suzana uma semana antes do crime, e pago com um cheque da conta pessoal da moça. Pessoas próximas ao casal afirmaram que PC — que era chamado de “Morsa do Amor” por ser mulherengo e galanteador — andava traindo Suzana com Claudia Dantas, filha de um cacique político alagoano.
Quem é fã de séries policiais conhece a teoria do
“triângulo do crime”, baseada em três pressupostos: motivo,
técnica e oportunidade. Suzana satisfazia todos ele: o ciúme,
o revólver e a alegada embriaguez de PC naquela noite. Mas
muita gente não acreditou que o poderoso chefão do Esquema PC tivesse sido assassinado pela namorada às vésperas de depor ao STF numa
investigação sobre suposto pagamento de suborno a membros do governo.
Como Gustavo Bebianno, articulador da campanha de Bolsonaro à
Presidência e ex-ministro da secretaria-geral da Presidência nos primeiros
meses deste funesto governo, PC sabia
demais, e a exemplo de Bebianno, havia anunciado que escreveria um
livro detalhando todo o esquema.
Contrariando o laudo de Palhares e sua
equipe, George Sanguinetti, coronel da PM e professor de Medicina Legal da Universidade Federal
de Alagoas, ponderou que, pela localização do
ferimento, posição do corpo de PC, estatura de Suzana e ângulo do disparo, “ela só poderia ter apertado o gatilho se estivesse
levitando”, e que “passional não foi o crime, e sim o inquérito”.
Outras dúvidas começaram a pipocar quase simultaneamente na imprensa. O corpos dos pombinhos foram exumados e uma nova perícia confirmou a presença de pólvora nas mãos da suposta assassina, mas em pequena quantidade. Não foram encontrados resíduos de chumbo, bário e antimônio, elementos metálicos que integram as substâncias químicas iniciadoras da espoleta.
O detalhe que mais chamou a atenção na “guerra dos laudos”
foi a discussão sobre a altura real de Suzana. De acordo com Badan
Palhares, Palhares, ela media 1,67 m; segundo
o novo laudo, ela tinha 10 cm a menos. Os legistas da segunda equipe
recalcularam a trajetória da bala a partir da marca deixada na parede depois de o projétil transpassar o corpo de Suzana e concluíram que, se ela
estivesse sentada na cama, como indicava a primeira reconstituição, o tiro deveria
ter passado à altura de sua cabeça, e não atingido o pulmão esquerdo, como
aconteceu. Ainda assim, o caso seguiu arquivado.
Em 1999, uma série de matérias publicadas pela FOLHA estampou
oito fotos de Suzana ao lado de PC e de
pessoas próximas ao casal. Mesmo de salto, a moça era mais baixa que o namorado, que media 1,63 m. O caso foi reaberto e o irmão de PC, Augusto
Farias, e os quatro seguranças que guardavam a casa onde o crime aconteceu
foram indiciados. Da feita que Augusto exercia mandato parlamentar,
seu processo foi remetido à PGR, que recomendou o arquivamento.
O STF acatou a recomendação e o caso foi dado por encerrado.
Os seguranças foram a júri popular, mas o advogado
contratado por Augusto para defendê-los alegou falta de
provas. Em maio de 2013, todos foram absolvidos. Detalhe: o júri descartou a
possibilidade de homicídio seguido de suicídio, mesmo considerando que “não há crime
passional com único disparo, que o tiro deflagrado foi de profissional, e que
Suzana jamais teria condições de ser a autora do disparo”.
Segundo o laudo de Sanguinetti, a
hemorragia interna com 1 litro de sangue no pulmão esquerdo e meio litro no
pulmão direito da moça levava à conclusão de que a motivação do crime foi
realmente “queima de arquivo” e que Suzana morreu porque estava no lugar errado na hora errada. Seu telefone celular jamais foi encontrado e o autor dos disparos permanece desconhecido até hoje.
Mais detalhes em Collor presidente: trinta meses de turbulências, reformas, intrigas e corrupção, do historiador Marco Antonio Villa; Relato para a história, do próprio Fernando Collor; Trapaça: Saga política no universo paralelo brasileiro, de Luís Costa Pinto; e O pêndulo da democracia, de Leonardo Avritzer.
domingo, 17 de outubro de 2021
NÃO PODE DAR CERTO — OITAVA PARTE
Insistir no mesmo erro esperando produzir um acerto é um dos melhores exemplos de idiotice conhecidos. Como se sabe, o primeiro passo para alguém sair de um buraco é saber que está nele. E o segundo é parar de cavar. Mas Sarney e seu ministro da Fazenda, Dilson Funaro, pareciam acreditar que um simples decreto poria fim a uma inflação galopante e recolocaria nos trilhos a economia tupiniquim. Como também é sabido, premissas erradas raramente levam a bons resultados.
No dia 28 de fevereiro de 1986 os brasileiros conheceram o funéreo Plano Cruzado. A moeda nacional, que até então era o Cruzeiro, sofreu um corte de três zeros e foi rebatizada como Cruzado. Preços, tarifas públicas e salários foram congelados, levando à queda de produção, que levou ao desabastecimento, que levou ao ágio, que levou à volta da inflação. Greves eclodiam por todo o país. Pecuaristas escondiam os rebanhos, fazendo com que a carne desaparecesse dos açougues (picanha, só no câmbio negro e a peso de ouro), enquanto empresários cobravam ágio e políticos raspavam o tacho do erário para emplacar apaniguados na assembleia nacional constituinte.
Observação: Essa não foi a primeira vez que esse expediente foi utilizado para resgatar a credibilidade do dinheiro brasileiro: ao real, herdado do padrão monetário português e que era mais usado no plural (“réis”, “mirréis”, “contos de réis”), sucedeu o cruzeiro (em 1942), que perdeu os centavos em 1964. O cruzeiro novo foi implementado em 1967 (depois de novo corte de 3 zeros). A moeda perdeu o "novo" em 1970, os centavos em 1984 e de 3 zeros em 1886, quando, como dito, passou a se chamar cruzado. Novo corte de zeros ocorreria em 1989, dando origem ao cruzado novo, que voltou a se chamar cruzeiro em 1990, foi promovido a cruzeiro real em 1993 e, após ter o valor nominal dividido por 2.750, voltou às origens — ou seja, tornou a se chamar real — em 1º de julho de 1994, durante o governo de Itamar Franco (veja a tabela de conversão na imagem que ilustra esta matéria).
Seis dias depois das eleições de 1986 a dupla dinâmica Sarney & Funaro lançou o Plano Cruzado II, que reeditou os erros anteriores e adicionou mais alguns, como o aumento de impostos, tarifas e preços de produtos e a mudança na forma de cálculo do índice da inflação. Em meio a esse descalabro, CUT e CGT promoveram o maior protesto já visto em Brasília, com direito a saques e depredações. Em fevereiro de 1987, o Brasil anunciou a suspensão unilateral, por prazo indeterminado, do pagamento dos juros da dívida externa. Ao comunicar o calote, Sarney exigiu apoio da população: “Nada de traição ao país, sob o pretexto de criticar o governo". A inflação, que já rondava os 15% ao mês, voltou subir — devido, sobretudo, à volta da indexação generalizada, que causava a assim chamada inflação inercial.
Funaro pediu o boné e... avisou o PMDB que era candidato à presidência da República. Seu substituto, Luiz Carlos Bresser Pereira, editou o Plano Bresser, que, a exemplo dos prodígios anteriores, resultou em muito peido e pouca bosta. Em 1988, nova troca de comando na Fazenda trouxe Maílson da Nóbrega, que trouxe o Plano Verão, que virou "Plano Veremos" em poucos meses, mais exatamente no momento em que o governo perdeu o controle da inflação.
Nenhum dos choques econômicos do governo Sarney
trouxe bons resultados. Os produtos sumiram das prateleiras, os fornecedores
passaram a cobrar ágio e a inflação sempre voltava a subir. Entre os 22 postulantes à
Presidência na eleição solteira de 1989, nomes como os de Ulysses
Guimarães (líder do PMDB), Leonel Brizola (PDT) e Mário
Covas (PSDB) foram preteridos pelo eleitorado, que alçou ao segundo turno dois populistas demagogos. Pela direta, Fernando Collor
de Mello, o caçador de marajás de araque, e pela
esquerda, Luis Inácio Lula da Silva, o desempregado que deu certo,
fundador e eterno presidente de honra do partido dos trabalhadores que não
trabalham, dos estudantes que não estudam e dos intelectuais que não pensam.
Com a hiperinflação lhe servindo de palanque, Collor derrotou o demiurgo de Garanhuns e tomou posse em 15 de março de 1990, quando a inflação rondava 2.000% ao ano. Desacreditado em impopular, Sarney mudou seu domicílio eleitoral para o recém-criado estado do Amapá — se o tivesse mantido no Maranhão, seu estado natal e reduto político, ele dificilmente teria conquistado uma cadeira no Senado.
Na véspera da posse, Collor pediu a Sarney que decretasse 3 dias de feriado bancário para dar ao mercado financeiro tempo de se adequar às novas medidas econômicas — que tiveram efeitos imediatos sobre a inflação, mas não tardaram a fazer água, a exemplo dos "planos caracu" (o governo entra com a cara e o povo...) da gestão anterior. O Plano Brasil Novo (ou Plano Collor, para os íntimos), decretado via medida provisória, foi gestado pela ministra Zélia Cardoso de Mello, que seria protagonista de um tórrido affair com o ministro Bernardo Cabral — conhecido como Boto Tucuxi — e desposaria Chico Anysio (que se tornou "o humorista que se casou com a piada").
Para reduzir a pressão inflacionária, a sumidade delirante "enxugou" a liquidez do mercado através de um formidável confisco de ativos financeiros (contas-correntes, cadernetas de poupança e demais investimentos) com bloqueio ao acesso a tudo que excedesse 50 mil cruzados novos (cerca de R$ 5 mil em valores atuais, quantia que a ministra admitiria, mais adiante, ter sido definida de forma aleatória). Os dinheiro retido foi convertido em cruzeiros (como voltou a se chamar a nossa moeda) e restituído 18 meses depois aos correntistas e investidores, em 12 parcelas mensais corrigidas e acrescidas de juros de 6% a.a., mas isso não evitou que uma brutal recessão (o PIB encolheu 4,5% em 1990) implicasse um aumento significativo no número de falências, infartos e suicídios.
Entre os aspectos positivos do governo Collor, cito o início do processo de desestatização e a abertura comercial do país,
que se deu com o fim da reserva de mercado e a redução gradual das tarifas de
importação. Mas lembro que, durante a campanha, o candidato do PRN e sua equipe de lunáticos jamais revelaram suas desairosas intenções. O caçador
de marajás de fancaria prometia acabar com a inflação e melhorar a economia,
mas dizia que o faria através do combate à corrupção e da demissão de maus
funcionários públicos.
Resumo da ópera: O Plano Collor I foi um fiasco, e sua versão 2.0 não foi muito melhor, pois aumentou tarifas
públicas, decretou o fim do overnight e criou a FAF (Fundo de
Aplicações Financeiras) e a TR (Taxa de Referência de Juros).
Alguns economistas chegaram a dizer que o Brasil havia quebrado, pois os créditos
ficaram mais caros e difíceis de obter. Isso sem mencionar que a inflação
voltou a subir, o desemprego cresceu substancialmente, estatais foram
vendidas a preço de banana e houve um desmonte das
ferrovias e cortes de investimentos federais em infraestrutura.
Depois de míseros e miseráveis 5 meses, o Plano Collor II foi substituído pelo Plano Marcílio — assim chamado em "homenagem" ao economista Marcílio Marques Moreira, que sucedeu a Zélia como ministro da Fazenda. Em outubro de 1992, quatro dias antes de Collor ser afastado, Marcílio deixou o Ministério da Fazenda, que passou para o comando de Gustavo Krause.
Entre o fim do Plano Marcílio e o início do Plano Real — lançado em julho de 1994, já na gestão de Itamar Franco e com Fernando Henrique Cardoso como dublê de ministro da Fazenda e primeiro-ministro informal — a inflação oscilou bastante, mas baixou dos 2.000% — patamar em que estava quando Collor assumiu — para "apenas" 1119,91% a.a. — índice registrado no final de 1229, quando o caçador de Marajás de fancaria deixou o Planalto pela porta dos fundos.
Fernando Collor foi acusado de corrupção pelo irmão, Pedro, que, segundo se comentou na época, jogou merda no ventilador porque queria uma parte maior do butim e não foi atendido. Mas há quem diga que o furdunço foi deflagrado porque Fernandinho arrastou a asa para a cunhada Thereza (que, convenhamos, era muito mais atraente que a insossa primeira-dama).
Ao longo dos quatro meses que o processo de impeachment levou para ser instaurado e julgado, o autodeclarado homem macho de colhão roxo descobriu que a mão que afaga é a mesma que apedreja. Desgostosa com a petulância e o despreparo da equipe collorida — um bando de jagunços comandados por um mandatário investido da aura de salvador da pátria, mas que exsudava arrogância por todos os poros —, a opinião pública protagonizou uma verdadeira caça às bruxas.
O clima de linchamento propiciou o afloramento dos sentimentos mais mesquinhos. Novos escândalos surgiam diuturnamente, como se não bastasse a mera exposição de um amplo esquema de propinas. Um dia era o Fernandinho do pó, no outro era o sujeito que fazia macumbas no porão da Casa da Dinda, que cantou a cunhada, que era maníaco-depressivo e que ficava em estado catatônico e precisava receber remédio na boca.
Como diz o ditado, cada qual colhe o que planta, e quem semeia ventos colhe tempestades.
domingo, 9 de junho de 2024
AINDA SOBRE AZEITE E ÓLEOS VEGETAIS
Com a garrafinha de 500ml do azeite extravirgem custando entre R$ 40 e R$ 80 (conforme a marca e o estabelecimento), talvez seja o caso de considerar algumas alternativas que não têm o mesmo sabor, mas, em alguns casos, oferecem benefícios adicionais.
Gilmar dispõe de 90 dias para expor seu judicioso ponto de vista sobre uma encrenca que começou em 2010, sob Lula 1, virou escândalo em 2014, sob Dilma, e resultou no desvio de R$ 20 milhões dos cofres da BR Distribuidora — antiga subsidiária da Petrobras onde Collor acomodou seus prepostos. Enquanto suas excelências retardam a execução de sua pena, o condenado perambula pelos salões de Brasília com a maior naturalidade. Em fevereiro, ele não só esteve no Palácio do Planalto — na cerimônia de posse de Ricardo Lewandowski no cargo de ministro da Justiça — como no próprio STF — abrilhantando a posse de Flávio Dino.
Quem observa de longe fica com a sensação de que a Justiça tarda, mas não chega para conduzir Collor à cadeia.
Escolha óleos "prensados a frio" (ou "extraídos a frio"), pois esse método tende a preservar melhor os nutrientes e os sabores do produto, atente para a data de validade e compre somente a quantidade que você vai usar durante o mês, de modo a evitar rancidez. A exemplo do que ocorre com a azeite, a vida útil desses óleos se abrevia se eles não forem mantidos em locais frescos e abrigados da luz, preferencialmente em embalagens escuras (que preservam o sabor e as qualidades nutritivas do alimento).
Como vimos nos capítulos anteriores, cada óleo tem um ponto de fumaça específico — o óleo de coco suporta temperaturas mais altas sem queimar, o que o torna ideal para frituras, enquanto o de gergelim é mais indicado para agregar sabor aos pratos já preparados. Todos vão bem em marinadas e molhos para saladas, onde suas propriedades são apreciadas sem aquecimento, mas, como nada é perfeito nesta vida, nenhum deles tem sabor tão marcante quanto o azeite extravirgem.