Insistir no mesmo erro esperando produzir um acerto é um dos
melhores exemplos de idiotice conhecidos. Como se sabe, o primeiro passo para
alguém sair de um buraco é saber que está nele. E o segundo é parar de cavar. Mas
Sarney e seu ministro da Fazenda, Dilson
Funaro, pareciam acreditar que um simples decreto poria fim a uma
inflação galopante e recolocaria nos trilhos a economia tupiniquim. Como também é sabido, premissas
erradas raramente levam a bons resultados.
No dia 28 de fevereiro de 1986 os brasileiros conheceram o
funéreo Plano Cruzado.
A moeda nacional, que até então era o Cruzeiro, sofreu um corte de três
zeros e foi rebatizada como Cruzado. Preços, tarifas públicas e
salários foram congelados, levando à queda de produção, que levou
ao desabastecimento, que levou ao ágio, que levou à volta da inflação. Greves
eclodiam por todo o país. Pecuaristas escondiam os rebanhos, fazendo com que a
carne desaparecesse dos açougues (picanha, só no câmbio negro e
a peso de ouro), enquanto empresários cobravam ágio e políticos raspavam o
tacho do erário para emplacar apaniguados na assembleia
nacional constituinte.
Observação: Essa não foi a primeira vez que esse expediente foi utilizado para resgatar a credibilidade do dinheiro
brasileiro: ao real, herdado do padrão monetário português e que
era mais usado no plural (“réis”, “mirréis”, “contos de réis”),
sucedeu o cruzeiro (em 1942), que perdeu os centavos em 1964.
O cruzeiro novo foi implementado em 1967 (depois de novo corte
de 3 zeros). A moeda perdeu o "novo" em 1970, os centavos em
1984 e de 3 zeros em 1886, quando, como dito, passou a se chamar cruzado.
Novo corte de zeros ocorreria em 1989, dando origem ao cruzado novo,
que voltou a se chamar cruzeiro em 1990, foi promovido a cruzeiro
real em 1993 e, após ter o valor nominal dividido por 2.750, voltou às
origens — ou seja, tornou a se chamar real — em 1º de julho de
1994, durante o governo de Itamar Franco (veja a
tabela de conversão na imagem que ilustra esta matéria).
Seis dias depois das eleições de 1986 a dupla dinâmica Sarney & Funaro lançou o Plano Cruzado II, que reeditou os erros
anteriores e adicionou mais alguns, como o aumento de impostos, tarifas e
preços de produtos e a mudança na forma de cálculo do índice da inflação. Em
meio a esse descalabro, CUT e CGT
promoveram o maior protesto já visto em Brasília, com direito a saques e
depredações. Em fevereiro de 1987, o Brasil anunciou a suspensão
unilateral, por prazo indeterminado, do pagamento dos juros da dívida externa.
Ao comunicar o calote, Sarney exigiu apoio da população: “Nada de traição ao país, sob o
pretexto de criticar o governo". A inflação, que já rondava os 15% ao
mês, voltou subir — devido, sobretudo, à volta da indexação generalizada, que
causava a assim chamada inflação inercial.
Funaro pediu o boné e...
avisou o PMDB que era candidato
à presidência da República. Seu substituto, Luiz
Carlos Bresser Pereira, editou o Plano
Bresser, que, a exemplo dos prodígios anteriores, resultou em muito
peido e pouca bosta. Em 1988, nova troca de comando na Fazenda trouxe Maílson da Nóbrega, que trouxe o Plano
Verão, que virou "Plano Veremos" em poucos meses, mais exatamente no momento em que o governo perdeu o controle da inflação.
Nenhum dos choques econômicos do governo Sarney
trouxe bons resultados. Os produtos sumiram das prateleiras, os fornecedores
passaram a cobrar ágio e a inflação sempre voltava a subir. Entre os 22 postulantes à
Presidência na eleição solteira de 1989, nomes como os de Ulysses
Guimarães (líder do PMDB), Leonel Brizola (PDT) e Mário
Covas (PSDB) foram preteridos pelo eleitorado, que alçou ao segundo turno dois populistas demagogos. Pela direta, Fernando Collor
de Mello, o caçador de marajás de araque, e pela
esquerda, Luis Inácio Lula da Silva, o desempregado que deu certo,
fundador e eterno presidente de honra do partido dos trabalhadores que não
trabalham, dos estudantes que não estudam e dos intelectuais que não pensam.
Com a hiperinflação lhe servindo de palanque, Collor
derrotou o demiurgo
de Garanhuns e tomou posse em 15 de março de 1990, quando a inflação
rondava 2.000% ao ano. Desacreditado em impopular, Sarney mudou
seu domicílio eleitoral para o recém-criado estado do Amapá — se o tivesse mantido no Maranhão, seu estado natal e reduto político, ele dificilmente teria conquistado uma cadeira no Senado.
Na véspera da posse, Collor
pediu a Sarney que decretasse 3 dias de feriado bancário para dar ao
mercado financeiro tempo de se adequar às novas medidas econômicas — que tiveram
efeitos imediatos sobre a inflação, mas não tardaram a fazer água, a exemplo dos
"planos caracu" (o governo entra com a cara e o povo...) da
gestão anterior. O Plano Brasil Novo (ou Plano
Collor, para os íntimos), decretado via medida provisória, foi gestado
pela ministra Zélia
Cardoso de Mello, que seria protagonista de um tórrido affair com
o ministro Bernardo Cabral — conhecido como Boto Tucuxi —
e desposaria Chico Anysio (que se tornou "o humorista
que se casou com a piada").
Para reduzir a pressão inflacionária, a
sumidade delirante "enxugou" a liquidez do mercado através de um formidável confisco
de ativos financeiros (contas-correntes, cadernetas de poupança e demais
investimentos) com bloqueio ao acesso a tudo que excedesse 50 mil
cruzados novos (cerca de R$ 5 mil em valores atuais, quantia que a
ministra admitiria, mais adiante, ter sido definida de forma aleatória). Os dinheiro
retido foi convertido em cruzeiros (como voltou a se chamar a nossa
moeda) e restituído 18 meses depois aos correntistas e investidores, em 12 parcelas mensais corrigidas e acrescidas de
juros de 6% a.a., mas isso não evitou que uma brutal recessão (o PIB encolheu
4,5% em 1990) implicasse um aumento
significativo no número de falências, infartos e suicídios.
Entre os aspectos positivos do governo Collor, cito o início do processo de desestatização e a abertura comercial do país,
que se deu com o fim da reserva de mercado e a redução gradual das tarifas de
importação. Mas lembro que, durante a campanha, o candidato do PRN e sua equipe de lunáticos jamais revelaram suas desairosas intenções. O caçador
de marajás de fancaria prometia acabar com a inflação e melhorar a economia,
mas dizia que o faria através do combate à corrupção e da demissão de maus
funcionários públicos.
Resumo da ópera: O Plano Collor I foi um fiasco, e sua versão 2.0 não foi muito melhor, pois aumentou tarifas
públicas, decretou o fim do overnight e criou a FAF (Fundo de
Aplicações Financeiras) e a TR (Taxa de Referência de Juros).
Alguns economistas chegaram a dizer que o Brasil havia quebrado, pois os créditos
ficaram mais caros e difíceis de obter. Isso sem mencionar que a inflação
voltou a subir, o desemprego cresceu substancialmente, estatais foram
vendidas a preço de banana e houve um desmonte das
ferrovias e cortes de investimentos federais em infraestrutura.
Depois de míseros e miseráveis 5 meses, o Plano Collor II foi substituído pelo Plano Marcílio — assim
chamado em "homenagem" ao economista Marcílio Marques Moreira,
que sucedeu a Zélia como ministro da Fazenda. Em outubro de 1992, quatro
dias antes de Collor ser afastado, Marcílio deixou o Ministério da Fazenda, que passou para o comando de Gustavo Krause.
Entre o fim do Plano Marcílio e
o início do Plano Real — lançado em julho de 1994, já na gestão de Itamar
Franco e com Fernando Henrique Cardoso como dublê de ministro
da Fazenda e primeiro-ministro informal — a inflação oscilou bastante, mas baixou dos 2.000% — patamar em que estava quando Collor assumiu — para "apenas" 1119,91% a.a. — índice registrado no final de 1229, quando o caçador de Marajás de fancaria deixou o Planalto pela porta dos fundos.
Fernando Collor foi acusado de corrupção pelo irmão, Pedro, que, segundo se comentou na época, jogou merda no
ventilador porque queria uma parte maior do butim e não foi atendido. Mas há
quem diga que o furdunço foi deflagrado porque Fernandinho arrastou a asa para a cunhada Thereza (que, convenhamos, era muito mais atraente que a insossa
primeira-dama).
Ao longo dos quatro meses que o processo de impeachment levou para ser instaurado e julgado, o autodeclarado homem macho de colhão roxo descobriu
que a mão que afaga é a mesma que apedreja. Desgostosa com a petulância e o despreparo da equipe
collorida — um bando de jagunços comandados por um mandatário investido da
aura de salvador da pátria, mas que exsudava arrogância por todos os poros —, a
opinião pública protagonizou uma verdadeira caça às bruxas.
O clima de
linchamento propiciou o afloramento dos sentimentos mais mesquinhos. Novos
escândalos surgiam diuturnamente, como se não bastasse a mera exposição de um
amplo esquema de propinas. Um dia era o Fernandinho do pó, no outro
era o sujeito que fazia macumbas no porão da Casa da Dinda, que cantou
a cunhada, que era maníaco-depressivo e que ficava em estado
catatônico e precisava receber remédio na boca.
Como diz o ditado,
cada qual colhe o que planta, e quem semeia ventos colhe tempestades.
Continua...