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sábado, 30 de outubro de 2021

NÃO PODE DAR CERTO — DÉCIMA TERCEIRA PARTE

 

Aviso aos leitores que vêm acompanhando esta sequência: Troquei as bolas ao programar esta postagem e a que foi publicada na última quinta-feira, mas só me dei conta disso quando o 12º capítulo da novela já estava no ar havia mais de 6 horas. A inversão "quebra" a cronologia dos fatos, mas não a ponto de comprometer a leitura. Assim, achei preferível fazer esta ressalva a mudar a ordem do capítulos. Peço desculpas pelo ocorrido.

Itamar Franco foi sucedido por Fernando Henrique Cardoso, carioca de nascimento, paulista de formação e sociólogo com pós-graduação em Paris — onde se exilou após o golpe militar de 1964.

FHC ingressou na vida pública em 1978, quando foi eleito suplente do senador paulista André Franco Montoro, e ocupou a poltrona do titular quando ele assumiu o governo de São Paulo. Em 1985, tido como franco favorito na disputa pela prefeitura da capital paulista, o futuro grão-duque tucano se deixou fotografar na cadeira de prefeito — a foto foi publicada pela Revista Veja. Mas Jânio Quadros venceu a eleição e declarou à imprensa durante a cerimônia de posse: "Estou desinfetando a poltrona porque nádegas indevidas a usaram".

Reeleito senador em 1986, FHC atuou como constituinte, foi líder do PMDB no Senado e ajudou a fundar o PSDB. Em outubro de 1992, foi nomeado pelo presidente interino Itamar Franco para o cargo de ministro das Relações Exteriores. Em maio do ano seguinte, depois que o Rei Sol foi devidamente penabundado, o tucano passou a comandar o Ministério da Fazenda e atuar como "primeiro-ministro" informal. Itamar terminou o mandato-tampão como uma versão tropicalizada da Rainha da Inglaterra, mas era isso ou a degola.

Surfando no sucesso do Plano Real, Fernando Henrique elegeu-se presidente no primeiro turno do pleito de 1994. Além de dar continuidade às reformas estruturais que visavam impedir a volta da inflação, sua gestão privatizou diversas estatais — como a Vale, a Telebrás e o Banespa. Em 1997, quando lhe restava pouco mais de um ano no cargo, moveu mundo$ e fundo$ para aprovar a PEC da Reeleição. Como quem parte e reparte e não fica com a melhor parte é burro ou não tem arte, o próprio FHC se tornou o primeiro beneficiário da maracutaia, reelegendo-se no primeiro turno do pleito de 1998.

FHC sempre negou o esquema: “O Senado votou [a reeleição] em junho [de 1997] e 80% aprovaram. Houve compra de votos? Provavelmente. Foi feita pelo governo federal? Não foi. Pelo PSDB: não foi. Por mim, muito menos”. Fato é que, menos de quatro meses depois da aprovação da PEC na Câmara — 369 votos a 11 —, o jornal Folha de São Paulo publicou reportagem com a seguinte chamada em duas linhas na primeira página: “Deputado conta que votou pela reeleição por R$ 200 mil”.

A oposição pediu a abertura de uma CPI, mas o então presidente da Câmara (Michel Temer) e outros atores influentes no cenário político se mobilizaram para barrar a investigação, e o então “engavetador-geral” Geraldo Brindeiro não deu andamento às denúncias. Assim, em 13 de maio de 1997  a PEC foi chancelada pelo Senado, e a reeleição passou a ser permitida — apenas uma vez para um mandato subsequente e sem restrição para um pleito não consecutivo — aos chefes dos Executivos Federal, Estaduais e Municipais e respectivos vices.

Como quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é burro ou não tem arte, o grão-tucano se beneficiou dela no pleito de 1998, quando, a exemplo do que fizera quatro anos antes, derrotou o criminoso de Garanhuns já no primeiro turno. Mas seu segundo mandato não teve grandes investimentos em reformas estruturantes nem privatizações. A inflação permaneceu sob controle e a estabilidade econômica foi mantida. Estatais foram privatizadas, agências regulatórias, criadas, e a legislação que rege o funcionalismo público, alterada. Foram implementados programas de transferência de renda, como o Bolsa Escola, precursor do Bolsa-Família do PT. O PIB cresceu 19,39% (média de 2,42% ao ano) e a renda per capita, 6,99% (média de 0,87% ao ano).

Continua (na postagem de quinta-feira).

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

DE VOLTA A RENÚNCIA DE JÂNIO, SUAS CONSEQUÊNCIAS E OUTRAS CURIOSIDADES — PARTE 7

No último dia 7 de agosto, uma revelação constrangedora ganhou o noticiário: a primeira-dama Michelle Bolsonaro recebeu em sua conta bancária 27 depósitos de Fabrício Queiroz, operador da primeira-família, e da mulher dele, Márcia Aguiar. Juntos, Queiroz e a mulher brindaram Michelle com R$ 89 mil reais entre 2011 e 2016. O presidente da República reagiu à notícia com o silêncio. Vem tratando a encrenca na base do deixa pra lá.... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/colunas/josias-de-souza/2020/08/11/queiroz-leva-bolsonaro-a-criar-o-deixapralaismo.htm?cmpid=copiaecola
No último dia 7 de agosto, uma revelação constrangedora ganhou o noticiário: a primeira-dama Michelle Bolsonaro recebeu em sua conta bancária 27 depósitos de Fabrício Queiroz, operador da primeira-família, e da mulher dele, Márcia Aguiar. Juntos, Queiroz e a mulher brindaram Michelle com R$ 89 mil reais entre 2011 e 2016. O presidente da República reagiu à notícia com o silêncio. Vem tratando a encrenca na base do deixa pra lá.... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/colunas/josias-de-souza/2020/08/11/queiroz-leva-bolsonaro-a-criar-o-deixapralaismo.htm?cmpid=copiaecola
No último dia 7 de agosto, uma revelação constrangedora ganhou o noticiário: a primeira-dama Michelle Bolsonaro recebeu em sua conta bancária 27 depósitos de Fabrício Queiroz, operador da primeira-família, e da mulher dele, Márcia Aguiar. Juntos, Queiroz e a mulher brindaram Michelle com R$ 89 mil reais entre 2011 e 2016. O presidente da República reagiu à notícia com o silêncio. Vem tratando a encrenca na base do deixa pra lá.... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/colunas/josias-de-souza/2020/08/11/queiroz-leva-bolsonaro-a-criar-o-deixapralaismo.htm?cmpid=copiaecola
No último dia 7 de agosto, uma revelação constrangedora ganhou o noticiário: a primeira-dama Michelle Bolsonaro recebeu em sua conta bancária 27 depósitos de Fabrício Queiroz, operador da primeira-família, e da mulher dele, Márcia Aguiar. Juntos, Queiroz e a mulher brindaram Michelle com R$ 89 mil reais entre 2011 e 2016. O presidente da República reagiu à notícia com o silêncio. Vem tratando a encrenca na base do deixa pra lá.... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/colunas/josias-de-souza/2020/08/11/queiroz-leva-bolsonaro-a-criar-o-deixapralaismo.htm?cmpid=copiaecola
No último dia 7 de agosto, uma revelação constrangedora ganhou o noticiário: a primeira-dama Michelle Bolsonaro recebeu em sua conta bancária 27 depósitos de Fabrício Queiroz, operador da primeira-família, e da mulher dele, Márcia Aguiar. Juntos, Queiroz e a mulher brindaram Michelle com R$ 89 mil reais entre 2011 e 2016. O presidente da República reagiu à notícia com o silêncio. Vem tratando a encrenca na base do deixa pra lá.... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/colunas/josias-de-souza/2020/08/11/queiroz-leva-bolsonaro-a-criar-o-deixapralaismo.htm?cmpid=copiaecola

A aprovação da PEC da reeleição, no primeiro mandato do ex-presidente Fernando Henrique, foi o tema central da postagem anterior e serviu de gancho para eu retomar a novela sobre a renúncia de Jânio Quadros e suas consequências, cujos primeiros capítulos foram ao ar nos dias 15, 16, 17 e 24 de abril e 3 e 7 de maio, a partir de quando um sem-número de estultices do capitão-cloroquina me levaram a... enfim, passados quatro meses, o “mea culpa” de FHC forneceu-me a oportunidade de engatar pelo menos mais dois episódios do seriado. Dito isso, passemos sem mais delongas ao primeiro deles.
 
A título de contextualização, no sexto capítulo desta eu discorri brevemente sobre a gestão de Itamar Franco, que assumiu interinamente a presidência da República em virtude do afastamento de Fernando Collor, e foi efetivado no posto depois que o caçador de marajás de araque foi definitivamente expelido do Palácio do Planalto e inabilitado para o exercício de cargos públicos pelos oito anos seguintes, a despeito de ter renunciado horas antes de o Senado dar início do julgamento de seu impeachment.

O objetivo da renúncia era "dar os anéis para não perder os dedos", ou seja, o caçador de marajás Xing Ling sabia que sua condenação eram favas contadas, e que não seria possível cassar o mandato de quem dele já abrira mão. Assim, o processo perderia o objeto, mas, estranhamente, ele foi condenado por 76 votos a 3 e inabilitado para o exercício de qualquer cargo público por oito anos. 
 
Também curiosamente, 23 anos e 8 meses depois, por ocasião do segundo processo de impeachment presidencial da Nova República, o Senado expeliu Dilma do cargo, mas permitiu que ela preservasse seus direitos políticos.
 
À luz do art.52 da Constituição de 1988, "nos casos previstos nos incisos I (processo contra presidente da República) e II (processo contra STF), funcionará como Presidente o do STF, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis" (o grifo é meu). 
 
Em outras palavras, a Lei não separa a inabilitação da perda do cargo. No entanto, como dizia o velho Maquiavel, "aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei". Uma maracutaia urdida a toque de caixa pelos então presidentes do Congresso e do STF (Renan Calheiros e Ricardo Lewandowski, respectivamente) “fatiou” o julgamento da ex-presidanta, dissociando a perda do cargo da cassação dos direitos políticos. Assim, a despeito de a deposição da calamidade em forma de gente ter sido confirmada por 61 votos a 20, somente 42 dos 81 senadores votaram pela cassação de seus direitos políticos (faltaram, portanto, 7 votos para que a maioria qualificada de 3/5 fosse alcançada). 
 
Coube ao eleitorado mineiro terminar nas urnas o que o Congresso começou (isso comprova a teoria de que até um burro cego consegue eventualmente encontrar a cenoura). A despeito das expectativas da mídia “cumpanhêra” e dos institutos de pesquisa, que davam como líquida e certa a vitória do egum mal despachado na disputa por uma vaga no Senado em 2018, a petista amargou um vergonhoso quarto lugar.

Retomando o fio da meada, Itamar Franco governou o Brasil de outubro de 1992 a dezembro de 1994. Governou é modo de dizer; a certa altura, ele nomeou o pomposo grão duque tucano seu ministro da Fazenda e “primeiro-ministro informal” da República do Pão de Queijo, tornando-se ele próprio um presidente meramente decorativo. Há quem diga só assim ele escaparia da degola, mas há também quem considere Itamar o melhor dos mandatários que tivemos desde a redemocratização — como é o caso do historiador e professor Marco Antonio Villa. Como se vê, "melhor" é um conceito relativo e não significa necessariamente "bom". Sobretudo na política, onde o "melhor candidato" costuma ser o "menos pior".

Fernando Henrique Cardoso nasceu no Rio de Janeiro, mas radicou-se em São Paulo e se formou em Sociologia pela USP. Perseguido pela ditadura, exilou-se no Chile e na França, mas voltou ao Brasil em 1968 e ingressou na vida pública dez anos depois, como suplente do senador Franco Montoro. Disputou a prefeitura de São Paulo em 1985, quando perdeu para Jânio Quadros (contra todas as expectativas e pesquisas de opinião pública, que davam sua vitória como certa, tanto assim que ele se deixou fotografar aboletado na cadeira de prefeito — que Jânio desinfetou quando tomou posse do cargo). 
 
No ano seguinte, FHC se reelegeu senador e exerceu o mandato parlamentar até ser convidado por Itamar Franco para assumir o Ministério da Fazenda. Assessorado por uma equipe de notáveis, gestou e pariu o Plano Real, que garantiu lhe garantiu vitória no primeiro turno das eleições presidenciais de 1994 (com 54,24% dos votos válidos contra 27,07% de Lula). 
 
Em 1997, picado pela famigerada mosca azul (que inocula nas pessoas doses concentradas de ambição e de poder), o tucano enviou à Câmara Federal a PEC que instituiu “a reeleição de presidente e vice-presidente da República apenas uma vez para um mandato subsequente e sem restrição para um pleito não-consecutivo”. Fiel seguidor do catecismo de Geraldo Vandré — segundo o qual quem sabe faz a hora, não espera acontecer — disputou a reeleição e, como na vez anterior, derrotou Lula logo no primeiro turno.

O governo tucano se notabilizou pela manutenção da estabilidade econômica, privatização de empresas estatais, criação das agências regulatórias, mudança da legislação que rege o funcionalismo público e introdução de programas de transferência de renda como o Bolsa Escola (que mais adiante Lula rebatizaria de Bolsa-Família e venderia a sua claque de jegues amestrados como obra sua e da imprestável organização criminosa que o petralha chama de partido). Enfim, durante a gestão de FHC, o Brasil registrou crescimento de 19,39% do PIB (média de 2,42% ao ano) e 6,99% da renda per capita (média de 0,87% ao ano). Ao final, quando transferiu a faixa e o cargo para o criminoso que lhe sucedeu, a inflação era de apenas 12,53% ao ano.

Continua no próximo capítulo.

quinta-feira, 7 de maio de 2020

O DEPOIMENTO DE MORO E MAIS UM CAPÍTULO DA NOVELA SOBRE A RENÚNCIA DE JÂNIO, SUAS CONSEQUÊNCIAS E OUTRAS CURIOSIDADES — PARTE 6



Antes de retomar o assunto central desta postagem, faço algumas considerações sobre o cenário atual, tão desgostante quanto o de então, mas muito mais preocupante: enquanto aquele ficou no passado, este pavimenta o caminho para o amanhã — isso se houver um amanhã, naturalmente. 

No que concerne ao Palácio do Planalto e as atitudes tresloucadas de seu atual inquilino, estamos assistindo a um jogo no qual a prudência recomenda não arriscar um palpite sobre o resultado enquanto o arbitro não soprar o apito, pegar a bola e sair de campo. Veja o leitor que, em questão de meses, o fenômeno eleitoral que em 2018 deixou na poeira os partidos tradicionais e impediu o pesadelo que seria a volta do PT ao poder transformou-se numa versão desidratada do que era, ou parecia ser.

O “mito” dos apedeutas radicais tornou-se um governante desgovernado e destemperado, acossado por um vírus assassino que já infectou, no Brasil, quase 120 mil pessoas e matou mais de 8 mil, e por uma crise econômica de proporções épicas que desaguou numa crise política — essa, sim, preocupa o presidente, na medida em que dificulta sua cada vez mais improvável reeleição.

E o que fez a sumidade de festim? Troca o ministro da Saúde. que contava com a aprovação de 76% da população, por uma caricatura de Hugh Grant, que assumiu o cargo há quase um mês e ainda não disse a que veio, talvez por não se sentir à vontade para falar em público, ou então para não contrariar o dono da Bic que assinou sua nomeação. Seja como for, a despeito do que disse em seu breve discurso de posse (sobre estar alinhado com o presidente como a tampa e o penico), Nelson Teich dá a impressão de que não vai rasgar o diploma para apoiar incondicionalmente as estapafúrdias de seu chefe, um rematado ignorante em epidemiologia, infectologia e outras "logias" em geral.

Vale frisar que o ministro já sinalizou ser impossível tratar os mais de 5.500 municípios como se todos calçassem o mesmo número de sapato. Enquanto alguns justificam a adoção de medidas mais duras, como o lockdown, outros permitem a flexibilização do isolamento. Bolsonaro não gostou, mas até aí morreu o Neves.

O capitão é, hoje, um vulto, uma sombra daquele que se apresentou como um candidato indômito, pronto e disposto a comandar uma implacável cruzada contra a corrução e as maracutaias do que classificou da famigerada "velha política" — mais uma bandeira de campanha que se junta ao sem-número de outras enrolados e enfiadas em local incerto e não sabido depois que sua insolência subiu a rampa do Palácio.

No melhor estilo “Vampiro do Jaburu”, nosso herói vem costurando uma coalizão com os ímprobos parlamentares do Centrão — marafonas do Congresso que vendem seus favores a quem se disponha a pagar, sem se preocupar com ideologia, lisura e que tais. O motivo de sua conversão de santo em demônio? A necessidade de garantir os 170 votos necessários para barrar um improvável, mas não impossível processo de impeachment, ou um bem mais provável inquérito no STF por crime comum.

Este governo acabou no último dia 24, quando o então ministro da Justiça justificou, num pronunciamento à imprensa, seu desembarque da Esplanada, e lançou no ar suspeitas robustas de que o mandatário queria interferir politicamente na PF, nomeando um lambe-botas que lhe mantivesse informado sobre processos sigilosos, dada a nada remota possibilidade de alguns inquéritos envolverem sua subida pessoa e/ou os três rebentos que voejam no seu entorno como moscas em volta da merda.

No sábado 2, enquanto o Messias de festim discursava num posto de beira de estrada, em Cristalina (GO), estimulando a claque de apoiadores a burlar o isolamento social (e já se preparava para apoiar, no dia seguinte, mais uma manifestação subversiva pró-ditadura, com fechamento do Congresso e do STF e reedição do AI-5), seu ex-ministro — que de aliado e avalista da lisura de um governo supostamente empenhado no combate à corrupção foi promovido a Judas pelo autodeclarado traído, e a "espião" pelo filho fritador de hambúrgueres e quase embaixador — prestava longo depoimento a procuradores e delegados federais em Curitiba (PR). 

A quem interessar possa, a transcrição do depoimento de mais de 8 horas do “infame traidor” pode ser lida a partir deste link. Volto com mais detalhes oportunamente.

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Para alguns, Itamar Franco foi uma figura patética, cujo “maior feito” teria sido estimular Volkswagen a retomar a fabricação do jurássico fusca. Mas não se pode esquecer que foi durante seu governo que Fernando Henrique Cardoso e sua equipe de notáveis criaram o Plano Real — o único que teve sucesso duradouro no combate à hiperinflação. Além disso, na visão do historiador Marco Antonio Villa (por quem eu tenho respeito e admiração), Itamar foi o melhor de todos os presidentes que governaram este país depois da redemocratização.

Fato é que o Brasil vivia um período conturbado, com uma hiperinflação beirando os 80% ao mês. Itamar fez uma administração transparente, buscando apoio dos partidos políticos e procurando atender aos anseios da sociedade brasileira. Sua equipe de governo era composta majoritariamente por mineiros, e por isso seu governo ficou informalmente conhecido como "República do Pão de Queijo". Durante seu mandato tampão, o país registrou crescimento de 10% do PIB e 6,78% de renda per capita. Itamar assumiu com a inflação em 1191,09% e entregou a 916,43%. Mesmo assim, há que afirme que ele só escapou da degola porque nomeou FHC seu ministro da Fazenda oficial e primeiro-ministro informal, resignando-se a ser mera figura decorativa. Enfim, há controvérsias.

Itamar nasceu em 28 de junho de 1930 a bordo do navio em que sua mãe viajava do Rio para Salvador (cidade onde ele foi registrado). Ainda criança, mudou-se para Juiz de Fora (MG), formou-se em Engenharia Civil e Eletrotécnica e, em 1955, filiou-se ao PTB. Disputou e perdeu a eleição para vereador em 1958 e a prefeitura do município em 1962.

Com o bipartidarismo imposto pelo golpe de 1964, Itamar filiou-se MDB e dali a dois anos conquistou finalmente a prefeitura de Juiz de Fora (cargo para o qual se reelegeu em 1971). Elegeu-se senador em 1974 e se reelegeu em 1982. Disputou (e perdeu) o governo de Minas, mas ganhou notoriedade em 1988, quando atuou na comissão parlamentar de inquérito que investigou casos de corrução no governo federal. No ano seguinte, foi eleito vice-presidente na chapa de Fernando Collor de Mello.

Em outubro de 1992, Collor foi afastado por denúncias de corrupção e Itamar assumiu interinamente a presidência. Em 29 de dezembro, mesmo tendo renunciado à Presidência horas antes do julgamento, o caçador de marajás de festim foi condenado foi condenado no Senado, por 76 votos a favor e 3 contra, à perda do mandato e à inelegibilidade por oito anos.

Itamar foi efetivado no cargo. Em 1º de Janeiro de 1995, passou a faixa a seu ex-ministro da Fazenda, que, graças ao sucesso do Plano Real, derrotou Lula, Brizola, Quércia, Enéas e Espiridião Amin e outros candidatos de menor expressão política já no primeiro turno das eleições de 1994. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

Depois de chefiar a embaixada do Brasil em Portugal e junto a OEA, o ex-presidente voltou ao Brasil. Em 1988, realizou finalmente o sonho de governar Minas Gerais. Em 2007, a convite de Aécio Neves, assumiu a presidência do Conselho de Administração do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, cargo que exerceu até 2010, quando foi eleito senador na chapa de Aécio e Antônio Anastasia.

Itamar se casou em 1968 e divorciou-se em 1971. A partir de então, passou a ser visto sempre em companhia de mulheres mais jovens. O episódio mais marcante aconteceu durante o carnaval de 1994, quando foi fotografado no Sambódromo do Rio ao lado da modelo Lilian Ramos, que não estava usando calcinha. Em maio de 2011, foi internado para tratar de uma leucemia e morreu menos de dois meses depois, em decorrência de um AVC.

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

NÃO PODE DAR CERTO — DÉCIMA PRIMEIRA PARTE


Oito anos são mais que suficientes para os brasileiros, conhecidos pela memória curta, esquecerem as cusparadas recebidas de políticos tão imprestáveis quanto os imprestáveis que os elegeram. Aliás, quem vota em candidato incompetente, desonesto e populista não pode reclamar de não estar bem representado. Sobretudo em um país que não hesita em ficar de cócoras para apreciar o avesso das coisas, onde a farsa se repete como farsa e a História faz de conta que é outra história. Mas Collor será sempre Collor, Lula será sempre Lula, Bolsonaro será sempre Bolsonaro e os débeis mentais que elegeram essa caterva serão sempre débeis mentais.

Após se reabilitar politicamente, Collor disputou o governo de Alagoas e foi derrotado por Reinaldo Lessa. Em 2006, elegeu-se senador (meus respeitos ao esclarecidíssimo eleitorado alagoano); em 2010, tornou a disputar e perder o governo estadual, mas logrou renovar seu mandato de senador em 2014. Em 2017, o "Rei Sol" (como Collor é chamado por seus puxa-sacos) foi denunciado por peculato e entrou para o rol dos investigados da Lava-Jato (alvo de pelo menos seis inquéritos, todos relacionados ao escândalo do Petrolão).

Vale destacar que o assassinato de PC Farias — coordenador e tesoureiro de campanha, amigo de fé, irmão e camarada do caçador de marajás de araque — ainda suscita um sem-número de teorias conspiratórias em que o motivo do crime foi a assim chamada "queima de arquivo" (a exemplo dos assassinatos não esclarecidos de Celso Daniel e do Toninho do PT, nos quais a merda era a mesma, só mudaram as moscas).

Collor é freguês de carteirinha do Supremo e representativo da demora da Justiça que processa e julga parlamentares com foro privilegiado. Em 2014, durante sessão que o absolveu dos crimes de corrupção supostamente cometidos durante a presidência desse senhor, a ministra Carmem Lúcia mencionou que ele já havia sido alvo de 14 inquéritos e quatro ações penais, e absolvido em todos "por falta de provas".

Observação: Considerando que Lula foi condenado a mais de 15 anos de cadeia por dez magistrados de três instâncias do Judiciário — isso sem mencionar os inúmeros pedidos de habeas corpus que foram rejeitados pelo próprio STF — e transformado em "ex-corrupto" por uma decisão teratológica de nossa suprema corte, que se valeu de uma tecnicidade para anular as condenações e jogar no lixo provas, depoimentos e demais atos processuais envolvendo os processos contra o petralha, só nos resta dizer que, como instituição, o STF merece nosso respeito, mas seus integrantes... bem, é melhor deixar pra lá.

Em entrevistas concedidas ao jornal O Globo e à revista Veja no ano passado, o ex-mandatário que inaugurou a lista dos presidentes impichados da Nova República acusou o mandatário de turno (que já deveria fazer parte dessa mui seleta confraria) de cometer os mesmo erros que ele próprio cometeu 30 anos antes, e previu que o atual governo terá um final tão funesto quanto o dele. Mas sua profecia de botequim só terá chances reais de se realizar quando e se o capitão-negação (que de burro não tem nada) o vassalo passador-de-pano-geral da República e o deputado-réu que preside a Câmara deixarem de ser coniventes e de lhe darem cobertura. Mas isso é conversa para outra hora.

Depois que Collor foi devidamente penabundado (em dezembro de 1992), Itamar Franco, que havia assumido interinamente a Presidência três meses antes, quando o caçador de marajás de araque foi afastado, foi promovido de vice a titular. Vale a pena conferir alguns detalhes da história do ex-presidente que o professor e historiador Marco Antonio Villa considera o melhor de toda a Nova República.

Itamar nasceu no dia 28 de junho de 1930 a bordo de um navio de cabotagem que fazia a rota Salvador/Rio de Janeiro e foi registrado na capital baiana, de onde se mudou ainda criança para Juiz de Fora (MG), terra natal do pai que ele não chegou a conhecer. Depois de se formar engenheiro civil e eletrotécnico, o baianeiro ingressou na política pelo PTB, filiou-se ao MDB, prefeitou Juiz de Fora por dois mandatos e foi senador por MG de  1975 a 1990, quando então disputou a vice-presidente da República na chapa encabeçada por Collor.

Itamar é lembrado pelo gosto por carros ultrapassados — ele convenceu a Volkswagen do Brasil a retomar a fabricação do jurássico fusca — e mulheres ousadas. Depois de se divorciar da jornalista Anna Elisa Surerus, em 1978, ele passou a ser visto sempre em companhia de mulheres mais jovens. O clímax se deu no carnaval de 1994, quando foi fotografado no Sambódromo do Rio de Janeiro ao lado da modelo Lilian Ramos, que não estava usando calcinha. Mas foi durante seu governo que FHC e sua equipe criaram o Plano Real — o único pacote de medidas econômicas que teve sucesso duradouro no combate à hiperinflação. Vale lembrar também que Itamar herdou de Collor um abacaxi difícil de descascar: quando assumiu a presidência, o Brasil vivia um período conturbado, com uma inflação de 80% ao mês. 

Observação: Quando o real passou a valer, sua paridade com o dólar era de 1 para 1, e a partir daí a abertura comercial e a manutenção do câmbio valorizado mantiveram a inflação sob controle. Como efeito colateral, as importações foram muito estimuladas e impediram que as empresas nacionais aumentassem seus preços, até porque isso tornaria a concorrência impossível. O Plano sofreu com crises posteriores, especialmente externas, mas o fato é que a inflação se manteve dentro de níveis aceitáveis. Em 1999, o Banco Central criou o regime de metas para a inflação, a Selic passou a ser a âncora monetária e o câmbio, flutuante. Em alguns momentos, temeu-se a volta da inflação, mas a estabilidade da moeda resistiu e o país nunca mais passou perto do índice hiperinflacionário de 2708%, alcançado em 1993.

Como o bom mineiro que não era, o político baianeiro buscou apoio nos partidos políticos e procurou atender aos anseios da população. Sua equipe de governo era composta majoritariamente por mineiros — daí a alcunha de "República do Pão de Queijo". Apesar das inúmeras dificuldades, o PIB cresceu 10% e a renda per capita, 6,78%. Quando Itamar assumiu a Presidência, a inflação anual era de 1191,09%; quando transferiu a faixa para seu sucessor, o índice havia recuado para 916,43%. Mas há quem diga que ele só escapou da degola porque nomeou FHC ministro da Fazenda (e primeiro-ministro informal), transformando a si mesmo numa patética figura decorativa.

Após deixar a Presidência, Itamar foi embaixador em Portugal e em Washington (na OEA). Retornou ao Brasil em 1988 para disputar o governo de Minas Gerais. Eleito, governou o Estado até 2002. No ano seguinte, ganhou o posto de embaixador na Itália, onde permaneceu até 2005. De volta ao Brasil, presidiu o Conselho de Administração do BDMG de 2007 a 2010. No ano seguinte, assumiu seu terceiro mandato de Senador, mas se afastou do cargo em maio, devido a uma leucemia, e morreu menos de dois meses depois, vítima de um AVC. Seu corpo foi velado na Câmara Municipal de Juiz de Fora e no Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte. Após a cremação, as cinzas foram depositadas no jazido da família no Cemitério Municipal de Juiz de Fora.

Continua...

sábado, 10 de novembro de 2018

SÉRGIO MORO VERSÃO VIDRAÇA — E HAJA PEDRADA!



A enxurrada de críticas ao juiz Sérgio Moro — que teria “descumprido a promessa” de não ingressar na política ao aceitar o cargo de ministro oferecido pelo presidente eleito — me faz lembrar a fábula do velho, do menino e do burro, que publiquei na postagem do último dia 2. Em rápidas pinceladas, um sitiante queria vender seu burro e resolveu levá-lo à feira da cidade. Seguiu com o neto, ambos no lombo do burro, mas foram alvo de críticas pelo caminho, o que levou o menino a desmontar e seguir a pé; depois, o velho a trocar de lugar com o neto e, mais adiante, a seguirem ambos a pé, puxando o burro. Ao final, chegara à cidade carregando o muar nas costas, tornando-se motivo de chacota para os feirantes. Como bem disse JFK, “é impossível contentar todo mundo ao mesmo tempo”.

Prova disso é que o novo governo nem começou e já vem sendo alvo de críticas contundentes. No caso de Moro, parece óbvio que o regente dessa sinfonia é o PT, inconformado com a derrota de Haddad. O próprio Bolsonaro já disse, em tom de galhofa, que “se o PT não gostou [do convite feito a Moro], é porque a decisão foi acertada”. Fato é que o partido rachou com o resultado das urnas e não sabe se faz um “mea culpa”, como propõe Jaques Wagner, ou se segue caninamente seu eterno presidente de honra, como querem Gleisi Hoffmann, Lindbergh Farias, Paulo Pimenta, Wadih Damous e a ala do “quanto pior, melhor”. Para eles, somente o fracasso do próximo governo lhes permitiria recuperar o papel de liderança da esquerda — e mesmo assim seria preciso combinar com o clã dos Gomes (Ciro e Cid), que rompeu publicamente com o bando de Lula e ora se apresenta como sério candidato ao posto.

O pedido de anulação do processo sobre o tríplex no Guarujá, a pretexto de Moro ter condenado Lula porque ambicionava um cargo no futuro governo, é no mínimo absurdo (leia mais sobre essa falácia na postagem anterior). Mesmo assim, para evitar “controvérsias desnecessárias”, o juiz se afastou dos processos da Lava-Jato, mas vem sendo criticado por deixar para pedir sua exoneração em janeiro e usar suas férias (remuneradas) para preparar a transição de governo. A maioria dos brasileiros, no entanto, parece não pensar assim. Um levantamento feito pelo Instituto Paraná Pesquisas dá conta de que 82% dos entrevistados aplaudiram o convite feito a Moro por Bolsonaro e sua aceitação pelo juiz (somente 14% rejeitaram a mudança e 2,8% não souberam ou não quiseram opinar).

Quanto ao pedido de exoneração, há quem diga que Moro não quer queimar as caravelas antes da hora, já que, uma semana depois de lhe assegurar total liberdade para comandar o superministério da Justiça e da Segurança Pública, Bolsonaro declarou em entrevista à Band “que não tratou de todos os temas na conversa que tiveram na semana passada, e que em matéria de combate à corrupção e ao crime organizado a carta branca vale, mas em questões que suscitarem divergências os dois terão de encontrar um meio-termo.

É incontestável que o movimento antipetista contribuiu para o impeachment de Dilma, para a prisão de Lula e para a vitória de Bolsonaro. Na segunda-feira, o Jornal Nacional perguntou ao presidente eleito o que ele tem a dizer à quem o acusa de ser um risco à democracia. A resposta: “Primeiro, dizer que as eleições acabaram. Chega de mentira. Chega de fake news.” Sem dúvida, uma coisa é discurso de palanque, outra coisa é governar para quase 210 milhões de brasileiros. Aliás, a democracia é o governo da maioria que respeita as minorias. O problema é que há uma inversão de valores em curso no Brasil, a começar pelos “direitos humanos”, que privilegiam os bandidos em detrimento dos cidadãos de bem. Sem falar nesse “politicamente correto desbragado”, que chega às raias do absurdo. Mas isso é conversa para outra hora.

Salta aos olhos que existe um movimento de esquerda por trás das críticas, mas o próprio Bolsonaro contribui ao dizer tudo que lhe vem à cabeça (como fez várias vezes no Congresso, com declarações polêmicas sobre tortura e ditadura militar). Na atual conjuntura, tudo que ele faz ou diz repercute imediatamente, tanto aqui quanto no exterior. Seria bom que ele se empenhasse em demonstrar com ações que tudo isso é passado, bem como se conscientizar de que nem tudo que ele gostaria de fazer pode ser feito, seja porque carece de amparo legal, seja porque pode prejudicar o País.

Na visão de seus apoiadores, o presidente eleito não se pavoneia para macacas de auditório. Ele conhece seus limites e, modestamente, delega poderes. Seria uma espécie de Itamar Franco sem Lilian Ramos. Ele já provou esse desprendimento entregando a economia a Paulo Guedes e repetiu a dose com Sergio Moro. O primeiro promete salvar o Brasil da bancarrota, e o segundo salvou o Brasil da ORCRIM. O próximo passo é Bolsonaro fazer seu Plano Real, como fez Itamar Franco, mas contra a corrupção.

domingo, 12 de dezembro de 2021

A MALDIÇÃO DA VICE-PRESIDÊNCIA



Na coluna desta semana, Dora Kramer pondera que as "excelências envolvidas no mais longo processo eleitoral da história recente" não atentam para um evidência basilar ao mergulharem desde já na discussão sobre a escolha dos companheiros de chapa de titulares que, a rigor, ainda não existem. Segundo a colunista, seria o mesmo que tentar tirar as meias sem descalçar os sapatos — um caso em que a ordem dos fatores compromete o resultado.

Com efeito. Ao não se darem conta do ato essencial sem o qual não se chega às meias — que, na metáfora de Dora, corresponde à formação das chapas e o arco de alianças a ser postas à disposição do eleitorado —, suas altezas deixam de lado o exame das demandas da vida real dos brasileiros e concentram suas atenções nos arranjos ornamentais internos que supostamente as levariam a conquistar votos nesse ou naquele grupo social, em determinadas correntes ideológicas, nessa ou naquela região do Brasil.

Tal inversão diz muito sobre o distanciamento entre representantes e representados, mas fala mais alto sobre como políticos, quando perdidos, meio sem saber como atingir o alvo, agarram com avidez uma chance de mudar de assunto, arquivar o principal e se dedicar com afinco ao acessório. Essa oportunidade surgiu com o balão de ensaio lançado pelo candidato ex-presidiário ao cogitar de uma composição com Geraldo Alckmin — cá entre nós, uma vergonha para o eterno picolé de chuchu, e que é algo fácil de falar, mas difícil de fazer. A empreitada pode até ter êxito, mas para tal será preciso Alckmin acreditar que não está sendo usado como objeto de ostentação para acenos ao centro.

O PT teria muito a ganhar, mas tucano já quase sem plumas estaria trocando uma oportunidade de voltar (mais uma vez) ao Palácio dos Bandeirantes pela vice-presidência numa hipotética eleição de Lula. Isso sem falar que ele muito provavelmente se sentiria um estranho no ninho, isolado e sem partido que lhe dê sustentação — já que estaria trocando o poleiro tucano pelo sabe-se lá o que do PSB, onde seria cristão-novo. Nem todo mundo é como Bolsonaro, que se sentiu "em casa" no antro do ex-presidiário e mensaleiro Valdemar Costa Neto (também cá entre nós, o capetão ornaria melhor com o ambiente de um manicômio judiciário, sobretudo se estivesse vestindo uma camisa-de-força, mas cada dia sua agonia e cada coisa a seu tempo).

Difícil discordar quando Dora foca a extemporaneidade dos debates sobre quem será vice de quem. É discutível que a companhia na chapa renda votos ao titular, mas indiscutível, em alguns casos, a influência no fator posicionamento de imagem. Em 2002, quando o sapo barbudo disputou a Presidência pela quarta vez (e finalmente conseguiu se eleger), a figura de José Alencar acalmou o mercado, mas a tranquilidade precisou do reforço da Carta ao Povo Brasileiro, que foi gestada e parida por Antonio Palocci, e só se consolidou quando o molusco se manteve no caminho traçado pelo antecessor.

Aqui cabe abrir um parêntese para relembrar que Palocci foi co-fundador do PT e assumiu a coordenação da campanha de Lula em 2002, após o assassinato de Celso Daniel. Foi dele a ideia de lançar a famosa "Carta ao povo brasileiro", e foi ele quem coordenou a equipe de transição e angariou o respeito do empresariado ao longo da campanha. Palocci deixou o governo em 2006, após ser envolvido em denúncias que culminaram na quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa

Mais adiante, convocado por Lula para ajudar a eleger Dilma, o médico ribeirão-pretano operou para angariar fundos junto às empresas que se beneficiaram dos governos petistas. A pedido do mentor a pupila nomeou Palocci ministro-chefe da Casa Civil em janeiro de 2011, mas ele deixou o cargo seis meses depois — quando vieram a público informações de que seu patrimônio havia aumentado 20 vezes entre 2006 e 2010 — e foi preso preventivamente em setembro de 2016, durante a 35ª fase da Lava-Jato.

No último dia primeiro, seguindo o lastimável exemplo do STF, o ministro Jesuíno Rissato, do STJ, anulou as condenações impostas pelo ex-juiz Sergio Moro a Palocci, Vaccari e outros 11 réus. Na elevada avaliação do eminente togado, as acusações diziam a respeito a crimes eleitorais, de sorte que a Justiça Federal de Curitiba (leia-se Sergio Moro) não tinha competência para... enfim, foi um lamentável repeteco da deplorável teratologia gestada pelo ministro Fachin e parida pelo plenário do Supremo com a nítida intenção de restaurar o império da impunidade na política desta republiqueta bananeira. E com isso eu fecho o parêntese.

Marco Maciel — maldosamente, mas nem por isso menos apropriadamente, apelidado de "Mapa do Chile" e "Espanador da Lua" — acoplou o centro e a direita à candidatura de FHC, o parteiro da abjeta reeleição, mas seria um gesto ao vento sem o Plano Real. O baianeiro Itamar Franco não fez marola na onda do caçador de marajás de araque, e tampouco o vampiro do Jaburu levou eleitores a inesquecível (mas de nada saudosa memória) nefelibata da mandioca. Mourão não levou os militares ao capetão (até porque eles estariam lá de qualquer jeito), cuja lamentável eleição se deveu a uma conjunção de desgraças que pode ser resumida como "desacerto geral entre a política e a sociedade".

Pode-se argumentar que no Brasil a escolha do vice seja importante pelo fato de oito deles — Floriano Peixoto, Nilo Peçanha, Delfim Moreira, Café Filho, João Goulart, José Sarney, Itamar Franco e Michel Temer — terem assumido a Presidência. Mas e daí? Não fossem os vices, outros sucessores e outras formas de sucessão haveria. E aqui chegamos a um ponto de relevância para um debate sobre a real necessidade dessa figura nos tempos atuais. Para o reserva é ótimo: rende palácio à beira do lago, mordomias e, em caso de infortúnio do titular, até a Presidência. Mas para o país inexiste demonstração de que essa peça não se presta a mera decoração. 

Quando não, à conspiração.

Continua na próxima postagem. 

domingo, 17 de outubro de 2021

NÃO PODE DAR CERTO — OITAVA PARTE

Insistir no mesmo erro esperando produzir um acerto é um dos melhores exemplos de idiotice conhecidos. Como se sabe, o primeiro passo para alguém sair de um buraco é saber que está nele. E o segundo é parar de cavar. Mas Sarney e seu ministro da Fazenda, Dilson Funaro, pareciam acreditar que um simples decreto poria fim a uma inflação galopante e recolocaria nos trilhos a economia tupiniquim. Como também é sabido, premissas erradas raramente levam a bons resultados.

No dia 28 de fevereiro de 1986 os brasileiros conheceram o funéreo Plano Cruzado. A moeda nacional, que até então era o Cruzeiro, sofreu um corte de três zeros e foi rebatizada como Cruzado. Preços, tarifas públicas e salários foram congelados, levando à queda de produção, que levou ao desabastecimento, que levou ao ágio, que levou à volta da inflação. Greves eclodiam por todo o país. Pecuaristas escondiam os rebanhos, fazendo com que a carne desaparecesse dos açougues (picanha, só no câmbio negro e a peso de ouro), enquanto empresários cobravam ágio e políticos raspavam o tacho do erário para emplacar apaniguados na assembleia nacional constituinte.

ObservaçãoEssa não foi a primeira vez que esse expediente foi utilizado para resgatar a credibilidade do dinheiro brasileiro: ao real, herdado do padrão monetário português e que era mais usado no plural (“réis”, “mirréis”, “contos de réis”), sucedeu o cruzeiro (em 1942), que perdeu os centavos em 1964. O cruzeiro novo foi implementado em 1967 (depois de novo corte de 3 zeros). A moeda perdeu o "novo" em 1970, os centavos em 1984 e de 3 zeros em 1886, quando, como dito, passou a se chamar cruzado. Novo corte de zeros ocorreria em 1989, dando origem ao cruzado novo, que voltou a se chamar cruzeiro em 1990, foi promovido a cruzeiro real em 1993 e, após ter o valor nominal dividido por 2.750, voltou às origens — ou seja, tornou a se chamar real — em 1º de julho de 1994, durante o governo de Itamar Franco (veja a tabela de conversão na imagem que ilustra esta matéria).  

Seis dias depois das eleições de 1986 a dupla dinâmica Sarney & Funaro lançou o Plano Cruzado II, que reeditou os erros anteriores e adicionou mais alguns, como o aumento de impostos, tarifas e preços de produtos e a mudança na forma de cálculo do índice da inflação. Em meio a esse descalabro, CUT e CGT promoveram o maior protesto já visto em Brasília, com direito a saques e depredações. Em fevereiro de 1987, o Brasil anunciou a suspensão unilateral, por prazo indeterminado, do pagamento dos juros da dívida externa. Ao comunicar o calote, Sarney exigiu apoio da população: “Nada de traição ao país, sob o pretexto de criticar o governo". A inflação, que já rondava os 15% ao mês, voltou subir — devido, sobretudo, à volta da indexação generalizada, que causava a assim chamada inflação inercial

Funaro pediu o boné e... avisou o PMDB que era candidato à presidência da República. Seu substituto, Luiz Carlos Bresser Pereira, editou o Plano Bresser, que, a exemplo dos prodígios anteriores, resultou em muito peido e pouca bosta. Em 1988, nova troca de comando na Fazenda trouxe Maílson da Nóbrega, que trouxe o Plano Verão, que virou "Plano Veremos" em poucos meses, mais exatamente no momento em que o governo perdeu o controle da inflação.

Nenhum dos choques econômicos do governo Sarney trouxe bons resultados. Os produtos sumiram das prateleiras, os fornecedores passaram a cobrar ágio e a inflação sempre voltava a subir. Entre os 22 postulantes à Presidência na eleição solteira de 1989, nomes como os de Ulysses Guimarães (líder do PMDB), Leonel Brizola (PDT) e Mário Covas (PSDB) foram preteridos pelo eleitorado, que alçou ao segundo turno dois populistas demagogos. Pela direta, Fernando Collor de Mello, o caçador de marajás de araque, e pela esquerda, Luis Inácio Lula da Silva, o desempregado que deu certo, fundador e eterno presidente de honra do partido dos trabalhadores que não trabalham, dos estudantes que não estudam e dos intelectuais que não pensam.

Com a hiperinflação lhe servindo de palanque, Collor derrotou o demiurgo de Garanhuns e tomou posse em 15 de março de 1990, quando a inflação rondava 2.000% ao ano. Desacreditado em impopular, Sarney mudou seu domicílio eleitoral para o recém-criado estado do Amapá — se o tivesse mantido no Maranhão, seu estado natal e reduto político, ele dificilmente teria conquistado uma cadeira no Senado. 

Na véspera da posse, Collor pediu a Sarney que decretasse 3 dias de feriado bancário para dar ao mercado financeiro tempo de se adequar às novas medidas econômicas — que tiveram efeitos imediatos sobre a inflação, mas não tardaram a fazer água, a exemplo dos "planos caracu" (o governo entra com a cara e o povo...) da gestão anterior. O Plano Brasil Novo (ou Plano Collor, para os íntimos), decretado via medida provisória, foi gestado pela ministra Zélia Cardoso de Mello, que seria protagonista de um tórrido affair com o ministro Bernardo Cabral — conhecido como Boto Tucuxi — e desposaria Chico Anysio (que se tornou "o humorista que se casou com a piada"). 

Para reduzir a pressão inflacionária, a sumidade delirante "enxugou" a liquidez do mercado através de um formidável confisco de ativos financeiros (contas-correntes, cadernetas de poupança e demais investimentos) com bloqueio ao acesso a tudo que excedesse 50 mil cruzados novos (cerca de R$ 5 mil em valores atuais, quantia que a ministra admitiria, mais adiante, ter sido definida de forma aleatória). Os dinheiro retido foi convertido em cruzeiros (como voltou a se chamar a nossa moeda) e restituído 18 meses depois aos correntistas e investidores, em 12 parcelas mensais corrigidas e acrescidas de juros de 6% a.a., mas isso não evitou que uma brutal recessão (o PIB encolheu 4,5% em 1990) implicasse um aumento significativo no número de falências, infartos e suicídios.  

Entre os aspectos positivos do governo Collor, cito o início do processo de desestatização e a abertura comercial do país, que se deu com o fim da reserva de mercado e a redução gradual das tarifas de importação. Mas lembro que, durante a campanha, o candidato do PRN e sua equipe de lunáticos jamais revelaram suas desairosas intenções. O caçador de marajás de fancaria prometia acabar com a inflação e melhorar a economia, mas dizia que o faria através do combate à corrupção e da demissão de maus funcionários públicos.

Resumo da ópera: O Plano Collor I foi um fiasco, e sua versão 2.0 não foi muito melhor, pois aumentou tarifas públicas, decretou o fim do overnight e criou a FAF (Fundo de Aplicações Financeiras) e a TR (Taxa de Referência de Juros). Alguns economistas chegaram a dizer que o Brasil havia quebrado, pois os créditos ficaram mais caros e difíceis de obter. Isso sem mencionar que a inflação voltou a subir, o desemprego cresceu substancialmente, estatais foram vendidas a preço de banana e houve um desmonte das ferrovias e cortes de investimentos federais em infraestrutura.

Depois de míseros e miseráveis 5 meses, o Plano Collor II foi substituído pelo Plano Marcílio — assim chamado em "homenagem" ao economista Marcílio Marques Moreira, que sucedeu a Zélia como ministro da Fazenda. Em outubro de 1992, quatro dias antes de Collor ser afastado, Marcílio deixou o Ministério da Fazenda, que passou para o comando de Gustavo Krause

Entre o fim do Plano Marcílio e o início do Plano Real — lançado em julho de 1994, já na gestão de Itamar Franco e com Fernando Henrique Cardoso como dublê de ministro da Fazenda e primeiro-ministro informal — a inflação oscilou bastante, mas baixou dos 2.000% — patamar em que estava quando Collor assumiu — para "apenas" 1119,91% a.a. — índice registrado no final de 1229, quando o caçador de Marajás de fancaria deixou o Planalto pela porta dos fundos. 

Fernando Collor foi acusado de corrupção pelo irmão, Pedro, que, segundo se comentou na época, jogou merda no ventilador porque queria uma parte maior do butim e não foi atendido. Mas há quem diga que o furdunço foi deflagrado porque Fernandinho arrastou a asa para a cunhada Thereza (que, convenhamos, era muito mais atraente que a insossa primeira-dama).

Ao longo dos quatro meses que o processo de impeachment levou para ser instaurado e julgado, o autodeclarado homem macho de colhão roxo descobriu que a mão que afaga é a mesma que apedreja. Desgostosa com a petulância e o despreparo da equipe collorida — um bando de jagunços comandados por um mandatário investido da aura de salvador da pátria, mas que exsudava arrogância por todos os poros —, a opinião pública protagonizou uma verdadeira caça às bruxas. 

O clima de linchamento propiciou o afloramento dos sentimentos mais mesquinhos. Novos escândalos surgiam diuturnamente, como se não bastasse a mera exposição de um amplo esquema de propinas. Um dia era o Fernandinho do pó, no outro era o sujeito que fazia macumbas no porão da Casa da Dinda, que cantou a cunhada, que era maníaco-depressivo e que ficava em estado catatônico e precisava receber remédio na boca

Como diz o ditado, cada qual colhe o que planta, e quem semeia ventos colhe tempestades.

Continua...