Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta itamar baianeiro. Ordenar por data Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta itamar baianeiro. Ordenar por data Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

NÃO PODE DAR CERTO — DÉCIMA PRIMEIRA PARTE


Oito anos são mais que suficientes para os brasileiros, conhecidos pela memória curta, esquecerem as cusparadas recebidas de políticos tão imprestáveis quanto os imprestáveis que os elegeram. Aliás, quem vota em candidato incompetente, desonesto e populista não pode reclamar de não estar bem representado. Sobretudo em um país que não hesita em ficar de cócoras para apreciar o avesso das coisas, onde a farsa se repete como farsa e a História faz de conta que é outra história. Mas Collor será sempre Collor, Lula será sempre Lula, Bolsonaro será sempre Bolsonaro e os débeis mentais que elegeram essa caterva serão sempre débeis mentais.

Após se reabilitar politicamente, Collor disputou o governo de Alagoas e foi derrotado por Reinaldo Lessa. Em 2006, elegeu-se senador (meus respeitos ao esclarecidíssimo eleitorado alagoano); em 2010, tornou a disputar e perder o governo estadual, mas logrou renovar seu mandato de senador em 2014. Em 2017, o "Rei Sol" (como Collor é chamado por seus puxa-sacos) foi denunciado por peculato e entrou para o rol dos investigados da Lava-Jato (alvo de pelo menos seis inquéritos, todos relacionados ao escândalo do Petrolão).

Vale destacar que o assassinato de PC Farias — coordenador e tesoureiro de campanha, amigo de fé, irmão e camarada do caçador de marajás de araque — ainda suscita um sem-número de teorias conspiratórias em que o motivo do crime foi a assim chamada "queima de arquivo" (a exemplo dos assassinatos não esclarecidos de Celso Daniel e do Toninho do PT, nos quais a merda era a mesma, só mudaram as moscas).

Collor é freguês de carteirinha do Supremo e representativo da demora da Justiça que processa e julga parlamentares com foro privilegiado. Em 2014, durante sessão que o absolveu dos crimes de corrupção supostamente cometidos durante a presidência desse senhor, a ministra Carmem Lúcia mencionou que ele já havia sido alvo de 14 inquéritos e quatro ações penais, e absolvido em todos "por falta de provas".

Observação: Considerando que Lula foi condenado a mais de 15 anos de cadeia por dez magistrados de três instâncias do Judiciário — isso sem mencionar os inúmeros pedidos de habeas corpus que foram rejeitados pelo próprio STF — e transformado em "ex-corrupto" por uma decisão teratológica de nossa suprema corte, que se valeu de uma tecnicidade para anular as condenações e jogar no lixo provas, depoimentos e demais atos processuais envolvendo os processos contra o petralha, só nos resta dizer que, como instituição, o STF merece nosso respeito, mas seus integrantes... bem, é melhor deixar pra lá.

Em entrevistas concedidas ao jornal O Globo e à revista Veja no ano passado, o ex-mandatário que inaugurou a lista dos presidentes impichados da Nova República acusou o mandatário de turno (que já deveria fazer parte dessa mui seleta confraria) de cometer os mesmo erros que ele próprio cometeu 30 anos antes, e previu que o atual governo terá um final tão funesto quanto o dele. Mas sua profecia de botequim só terá chances reais de se realizar quando e se o capitão-negação (que de burro não tem nada) o vassalo passador-de-pano-geral da República e o deputado-réu que preside a Câmara deixarem de ser coniventes e de lhe darem cobertura. Mas isso é conversa para outra hora.

Depois que Collor foi devidamente penabundado (em dezembro de 1992), Itamar Franco, que havia assumido interinamente a Presidência três meses antes, quando o caçador de marajás de araque foi afastado, foi promovido de vice a titular. Vale a pena conferir alguns detalhes da história do ex-presidente que o professor e historiador Marco Antonio Villa considera o melhor de toda a Nova República.

Itamar nasceu no dia 28 de junho de 1930 a bordo de um navio de cabotagem que fazia a rota Salvador/Rio de Janeiro e foi registrado na capital baiana, de onde se mudou ainda criança para Juiz de Fora (MG), terra natal do pai que ele não chegou a conhecer. Depois de se formar engenheiro civil e eletrotécnico, o baianeiro ingressou na política pelo PTB, filiou-se ao MDB, prefeitou Juiz de Fora por dois mandatos e foi senador por MG de  1975 a 1990, quando então disputou a vice-presidente da República na chapa encabeçada por Collor.

Itamar é lembrado pelo gosto por carros ultrapassados — ele convenceu a Volkswagen do Brasil a retomar a fabricação do jurássico fusca — e mulheres ousadas. Depois de se divorciar da jornalista Anna Elisa Surerus, em 1978, ele passou a ser visto sempre em companhia de mulheres mais jovens. O clímax se deu no carnaval de 1994, quando foi fotografado no Sambódromo do Rio de Janeiro ao lado da modelo Lilian Ramos, que não estava usando calcinha. Mas foi durante seu governo que FHC e sua equipe criaram o Plano Real — o único pacote de medidas econômicas que teve sucesso duradouro no combate à hiperinflação. Vale lembrar também que Itamar herdou de Collor um abacaxi difícil de descascar: quando assumiu a presidência, o Brasil vivia um período conturbado, com uma inflação de 80% ao mês. 

Observação: Quando o real passou a valer, sua paridade com o dólar era de 1 para 1, e a partir daí a abertura comercial e a manutenção do câmbio valorizado mantiveram a inflação sob controle. Como efeito colateral, as importações foram muito estimuladas e impediram que as empresas nacionais aumentassem seus preços, até porque isso tornaria a concorrência impossível. O Plano sofreu com crises posteriores, especialmente externas, mas o fato é que a inflação se manteve dentro de níveis aceitáveis. Em 1999, o Banco Central criou o regime de metas para a inflação, a Selic passou a ser a âncora monetária e o câmbio, flutuante. Em alguns momentos, temeu-se a volta da inflação, mas a estabilidade da moeda resistiu e o país nunca mais passou perto do índice hiperinflacionário de 2708%, alcançado em 1993.

Como o bom mineiro que não era, o político baianeiro buscou apoio nos partidos políticos e procurou atender aos anseios da população. Sua equipe de governo era composta majoritariamente por mineiros — daí a alcunha de "República do Pão de Queijo". Apesar das inúmeras dificuldades, o PIB cresceu 10% e a renda per capita, 6,78%. Quando Itamar assumiu a Presidência, a inflação anual era de 1191,09%; quando transferiu a faixa para seu sucessor, o índice havia recuado para 916,43%. Mas há quem diga que ele só escapou da degola porque nomeou FHC ministro da Fazenda (e primeiro-ministro informal), transformando a si mesmo numa patética figura decorativa.

Após deixar a Presidência, Itamar foi embaixador em Portugal e em Washington (na OEA). Retornou ao Brasil em 1988 para disputar o governo de Minas Gerais. Eleito, governou o Estado até 2002. No ano seguinte, ganhou o posto de embaixador na Itália, onde permaneceu até 2005. De volta ao Brasil, presidiu o Conselho de Administração do BDMG de 2007 a 2010. No ano seguinte, assumiu seu terceiro mandato de Senador, mas se afastou do cargo em maio, devido a uma leucemia, e morreu menos de dois meses depois, vítima de um AVC. Seu corpo foi velado na Câmara Municipal de Juiz de Fora e no Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte. Após a cremação, as cinzas foram depositadas no jazido da família no Cemitério Municipal de Juiz de Fora.

Continua...

domingo, 12 de dezembro de 2021

A MALDIÇÃO DA VICE-PRESIDÊNCIA



Na coluna desta semana, Dora Kramer pondera que as "excelências envolvidas no mais longo processo eleitoral da história recente" não atentam para um evidência basilar ao mergulharem desde já na discussão sobre a escolha dos companheiros de chapa de titulares que, a rigor, ainda não existem. Segundo a colunista, seria o mesmo que tentar tirar as meias sem descalçar os sapatos — um caso em que a ordem dos fatores compromete o resultado.

Com efeito. Ao não se darem conta do ato essencial sem o qual não se chega às meias — que, na metáfora de Dora, corresponde à formação das chapas e o arco de alianças a ser postas à disposição do eleitorado —, suas altezas deixam de lado o exame das demandas da vida real dos brasileiros e concentram suas atenções nos arranjos ornamentais internos que supostamente as levariam a conquistar votos nesse ou naquele grupo social, em determinadas correntes ideológicas, nessa ou naquela região do Brasil.

Tal inversão diz muito sobre o distanciamento entre representantes e representados, mas fala mais alto sobre como políticos, quando perdidos, meio sem saber como atingir o alvo, agarram com avidez uma chance de mudar de assunto, arquivar o principal e se dedicar com afinco ao acessório. Essa oportunidade surgiu com o balão de ensaio lançado pelo candidato ex-presidiário ao cogitar de uma composição com Geraldo Alckmin — cá entre nós, uma vergonha para o eterno picolé de chuchu, e que é algo fácil de falar, mas difícil de fazer. A empreitada pode até ter êxito, mas para tal será preciso Alckmin acreditar que não está sendo usado como objeto de ostentação para acenos ao centro.

O PT teria muito a ganhar, mas tucano já quase sem plumas estaria trocando uma oportunidade de voltar (mais uma vez) ao Palácio dos Bandeirantes pela vice-presidência numa hipotética eleição de Lula. Isso sem falar que ele muito provavelmente se sentiria um estranho no ninho, isolado e sem partido que lhe dê sustentação — já que estaria trocando o poleiro tucano pelo sabe-se lá o que do PSB, onde seria cristão-novo. Nem todo mundo é como Bolsonaro, que se sentiu "em casa" no antro do ex-presidiário e mensaleiro Valdemar Costa Neto (também cá entre nós, o capetão ornaria melhor com o ambiente de um manicômio judiciário, sobretudo se estivesse vestindo uma camisa-de-força, mas cada dia sua agonia e cada coisa a seu tempo).

Difícil discordar quando Dora foca a extemporaneidade dos debates sobre quem será vice de quem. É discutível que a companhia na chapa renda votos ao titular, mas indiscutível, em alguns casos, a influência no fator posicionamento de imagem. Em 2002, quando o sapo barbudo disputou a Presidência pela quarta vez (e finalmente conseguiu se eleger), a figura de José Alencar acalmou o mercado, mas a tranquilidade precisou do reforço da Carta ao Povo Brasileiro, que foi gestada e parida por Antonio Palocci, e só se consolidou quando o molusco se manteve no caminho traçado pelo antecessor.

Aqui cabe abrir um parêntese para relembrar que Palocci foi co-fundador do PT e assumiu a coordenação da campanha de Lula em 2002, após o assassinato de Celso Daniel. Foi dele a ideia de lançar a famosa "Carta ao povo brasileiro", e foi ele quem coordenou a equipe de transição e angariou o respeito do empresariado ao longo da campanha. Palocci deixou o governo em 2006, após ser envolvido em denúncias que culminaram na quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa

Mais adiante, convocado por Lula para ajudar a eleger Dilma, o médico ribeirão-pretano operou para angariar fundos junto às empresas que se beneficiaram dos governos petistas. A pedido do mentor a pupila nomeou Palocci ministro-chefe da Casa Civil em janeiro de 2011, mas ele deixou o cargo seis meses depois — quando vieram a público informações de que seu patrimônio havia aumentado 20 vezes entre 2006 e 2010 — e foi preso preventivamente em setembro de 2016, durante a 35ª fase da Lava-Jato.

No último dia primeiro, seguindo o lastimável exemplo do STF, o ministro Jesuíno Rissato, do STJ, anulou as condenações impostas pelo ex-juiz Sergio Moro a Palocci, Vaccari e outros 11 réus. Na elevada avaliação do eminente togado, as acusações diziam a respeito a crimes eleitorais, de sorte que a Justiça Federal de Curitiba (leia-se Sergio Moro) não tinha competência para... enfim, foi um lamentável repeteco da deplorável teratologia gestada pelo ministro Fachin e parida pelo plenário do Supremo com a nítida intenção de restaurar o império da impunidade na política desta republiqueta bananeira. E com isso eu fecho o parêntese.

Marco Maciel — maldosamente, mas nem por isso menos apropriadamente, apelidado de "Mapa do Chile" e "Espanador da Lua" — acoplou o centro e a direita à candidatura de FHC, o parteiro da abjeta reeleição, mas seria um gesto ao vento sem o Plano Real. O baianeiro Itamar Franco não fez marola na onda do caçador de marajás de araque, e tampouco o vampiro do Jaburu levou eleitores a inesquecível (mas de nada saudosa memória) nefelibata da mandioca. Mourão não levou os militares ao capetão (até porque eles estariam lá de qualquer jeito), cuja lamentável eleição se deveu a uma conjunção de desgraças que pode ser resumida como "desacerto geral entre a política e a sociedade".

Pode-se argumentar que no Brasil a escolha do vice seja importante pelo fato de oito deles — Floriano Peixoto, Nilo Peçanha, Delfim Moreira, Café Filho, João Goulart, José Sarney, Itamar Franco e Michel Temer — terem assumido a Presidência. Mas e daí? Não fossem os vices, outros sucessores e outras formas de sucessão haveria. E aqui chegamos a um ponto de relevância para um debate sobre a real necessidade dessa figura nos tempos atuais. Para o reserva é ótimo: rende palácio à beira do lago, mordomias e, em caso de infortúnio do titular, até a Presidência. Mas para o país inexiste demonstração de que essa peça não se presta a mera decoração. 

Quando não, à conspiração.

Continua na próxima postagem. 

terça-feira, 23 de março de 2021

NÃO QUE SIRVA DE CONSOLO, MAS ENFIM...

 

Não vejo como a desgraça alheia pode servir de consolo, mas o fato é que em nossos mais verdes anos ouvíamos dos “mais velhos”, das mestras, do vigário da paróquia et caterva que havia pessoas com problemas muito piores que os nossos, que deveríamos nos resignar com os desígnios do Senhor, e blá, blá, blá. 

Dito isso, peço licença para mandar essa matula de pseudossábios para a puta que a pariu. Até porque dificilmente seria obra do Altíssimo o desgoverno ora em curso, capitaneado por um psicótico que se autodeclara “cumpridor de missão divina”. 

Alguém que, no último domingo, ao comemorar seu 66º aniversário diante de uma seleta confraria de apoiadores de raiz, colheu o ensejo para criticar (mais uma vez) as medidas de restrição impostas pelos governos estaduais. 

Se alguém tem culpa nesse cartório, esse alguém é o eleitorado apedeuta, que não sabe, nunca soube e, pelo visto, jamais aprenderá a votar.

Em meio à efeméride de domingo, also sprach Bolsonaro

Minha força vem de Deus e de vocês. Se alguém acha que abriremos mão de nossa liberdade, está enganado. Alguns tiranos tolhem a liberdade de vocês, mas podem contar com as forças armadas para proteger e democracia e a liberdade. Estão esticando a corda. Faço qualquer coisa pelo meu povo e esse qualquer coisa é o que está em nossa Constituição Federal. Podem confiar na gente, vocês me deram esse voto de confiança. Enquanto eu for presidente só Deus me tira daqui. Eu estarei com vocês. O que o povo mais me pede é: eu quero trabalhar. O trabalho dignifica o homem e a mulher, ninguém quer viver de favor do Estado. Quem vive de favor do estado, abre mão de sua liberdade. Nós vamos vencer essa batalha. Estamos do lado certo e do lado do bem. Não queremos que o Brasil mergulhe no socialismo, onde o povo vai à miséria, fome e ao tudo ou nada. Não trilharemos esse caminho. Acreditando em Deus e em vocês, em breve, o país estará no lugar de destaque que merece”.

Diante de falastrices desse quilate, o silencio é mais eloquente que palavras. Mas há coisas que, se não são ditas, ficam entaladas na garganta como a maçã que a Bruxa Má ofertou a Branca de Neve

A diferença é que nos contos de fada sempre há um príncipe — como aquele cujo beijo despertou ressuscitou a Gata Borralheira (ou Cinderela, ou Bela Adormecida), quebrando o encanto conjurado pela invejosa madrasta da donzela — ao passo que na vida real não há salvadores da pátria, apenas populistas sem caráter que ludibriam os apedeutas para obter êxito em seus espúrios projetos de poder.

Em 1960, um dublê de advogado, professor de português e pé-de-cana inveterado conseguiu se eleger Presidente do Brasil. No dia 31 de janeiro do ano seguinte, o dito-cujo foi empossado, e em 25 de agosto, depois de desgovernar o país por 206 dias, apresentou sua carta-renúncia, pavimentando o caminho que levaria (como de fato levou) ao golpe militar de 1964, e resultaria (como de fato resultou) em 21 anos de ditadura militar. 

Em março de 1985, Tancredo de Almeida Neves tornou-se o primeiro presidente civil da “nova república”. Quis o destino, porém, que ele baixasse ao hospital 12 horas antes da cerimônia de posse e viesse a falecer (ou a ser dado como morto, melhor dizendo) 38 dias e 7 cirurgias depois. Sua morte privou esta Nau dos Insensatos de ter um estadista na cabine de comando e pôs em seu lugar um obelisco da política de cabresto coronelista nordestina. 

Quatro anos depois, um caçador de marajás de araque derrotou o demiurgo de renunciadouns na primeira eleição presidencial direta desde 1960, mas acabou renunciando às vésperas do julgamento de seu processo de impeachment e sendo substituído pelo baianeiro Itamar Franco, que se notabilizou por articular a ressureição do Fusca e posar para fotos ao lado de uma modelo avessa ao uso de calcinhas. Mas foi durante seu mandato-tampão que o dublê de ministro da Fazenda e primeiro-ministro informal Fernando Henrique Cardozo implementou o bem-sucedido Plano Real, que lhe garantiu a vitória em primeiro turno no pleito presidencial de 1994.

Após uma série de articulações iniciadas em 1995, o rolo compressor governista comprovou sua força. Uma Proposta de Emenda Constitucional aprovada na Câmara por 369 votos a 11 estendeu a reeleição — apenas uma vez para um mandato subsequente e sem restrição para pleitos não consecutivos — aos chefes dos Executivos Federal, Estaduais e Municipais e respectivos vices. Em 13 de maio de 1997 a PEC foi chancelada pelo Senado, e como quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é burro ou não tem arte, o grão duque tucano foi o primeiro a se beneficiar dessa “conquista”, reelegendo-se no primeiro turno do pleito de 1998. 

Na sequência, vieram Lula (eleito em 2002 e reeleito em 2006, a despeito do escândalo do Mensalão), seguido de seu poste (eleita em 2010 e reeleita em 2014). A roubalheira desbragada havida durante o governo do parteiro do Brasil Maravilha e a incompetência chapada da nefelibata da mandioca transformaram a mais alta cúpula do Poder Judiciário no último bastião das esperanças dos cidadãos de bem deste país. 

Mas essa dupla dinâmica nomeou 8 dos 11 togados supremos, e estes, somados a Alexandre de Moraes (que ganhou a suprema toga do vampiro do Jaburu) e, mais recentemente, ao desembargador bolsonarista Kássio Nunes Marques (indicado para a vaga do decano Celso de Mello por ter “tomado muita tubaína” com Jair Bolsonaro), constituem a pior composição de toda a história do Supremo Tribunal Federal.

Como desgraça pouca é bobagem, o lulopetismo corrupto deu azo ao bolsonarismo boçal. Para impedir que o então presidiário de Curitiba voltasse de mala e cuia para o Palácio do Planalto — ainda que travestido num patético bonifrate —, a parcela pensante do eleitorado se juntou à capela de miquinhos amestrados do capitão da caverna sem luz, que foi eleito presidente em 28 de outubro de 2018. O que não se imaginava (ou a maioria dos brasileiros não imaginava) é quão nefasta seria a gestão do dublê de mau militar e parlamentar medíocre que não nasceu para ser presidente (embora venha movendo mundos e fundos para continuar presidente até sabe Deus quando).

No primeiro ano de seu desditoso mandato, a despeito de seus esforços e graças ao empenho do então presidente da Câmara, o Congresso aprovou a PEC da Previdência. As demais reformas estruturais — com destaque para a Tributária e a Administrativa —, que jamais empolgaram o chefe do Executivo, foram empurradas para as calendas pela maior tragédia sanitária da história deste país. Assim, Bolsonaro passou de mandatário inepto à personificação de uma catástrofe anunciada, com potencial para desbancar o descalabro administrativo gestado e parido pela gerentona de araque. A magnitude da imprestabilidade de seu governo surpreendeu até seus desafetos mais pessimistas. 

E o que era ruim ficou ainda pior com o coronavírus. Em pouco mais de um ano contado a partir do início da pandemia e às vésperas da nomeação do quarto ministro da Saúde, a Covid produziu quase 300 mil cadáveres e continua matando em escala industrial. Na última semana, o país registrou 2.255 mortes, em média, a cada 24 horas, e contabilizou um total de 12 milhões de infectados (dos quais 10,5 milhões se recuperaram).

A dança das cadeiras na Saúde — a pasta mais importante durante uma pandemia viral — produziu efeitos tão esperados quanto indesejáveis. Depois de demitir Mandetta e extrair a fórceps o pedido de demissão de seu sucessor (que não chegou a completar um mês no cargo) por não cumprirem suas ordens contra o isolamento social e a defesa do uso da cloroquina no tratamento dos pacientes, Bolsonaro nomeou ministro interino um general da ativa cujo currículo não exibe sequer um mísero certificado de conclusão de curso por correspondência de balconista de farmácia. Mas o capitão foi buscá-lo no “banco de talentos” do Exército, ao qual recorre sempre que precisa de um “solucionador de problemas” e “gestor” — termos que na linguagem da caserna também significam “cumpridor de ordens”.

A “missão” de acatar determinações que vão contra autoridades internacionais da saúde guindaram o propalado “gênio da logística” à condição de investigado no STF. Assim que deixar o ministério, Pazuello perde o direito ao foro especial por prerrogativa de função, e o inquérito que o investiga deve ser remetido à 1ª Instância da Justiça Federal de Brasília, a menos que seu suserano encontre uma maneira de blindá-lo. 

Cogitou-se elevar a Secretaria de Assuntos Estratégicos ao status de ministério, mas quem a comanda atualmente é o almirante Rocha, que resiste à ideia, apoiado por militares do governo. Pensou-se em criar o Ministério Extraordinário da Amazônia — o que esvaziaria também os poderes do general Mourão, que comanda o Conselho Nacional da Amazônia e com quem o capitão das trevas tem uma péssima relação. 

O impasse ainda não tem solução, e o duplo comando da pasta — com Pazuello, que ainda não foi exonerado, e Queiroga, indicado há mais de uma semana, mas que ainda não foi empossado — tem sido criticado poe governadores, ministros do STF e secretários de saúde dos Estados. O motivo dessa situação inusitada é o desgaste do general junto aos militares da ativa, que veem sua atuação à frente da Saúde como um desastre para a imagem da força.

Paralelamente, Queiroga — para quem “Ministro da Saúde executa a política do Presidente” —, que sequer foi empossado, também vem sendo alvo de críticas, inclusive no âmbito do Planalto. Segundo interlocutores, ele “tem falado muito e mostrado pouco”. 

Mas não é só: uma matéria publicada pela revista eletrônica Crusoé dá conta de futuro ministro foi réu por apropriação indébita previdenciária referente ao período em que administrou o Hospital Prontocor — cuja dívida com a União, em valores atualizados, ultrapassa R$ 25 milhões. A ação foi julgada improcedente em primeira instância, mas o MPF recorreu ao TRF da 5ª Região

A julgar pelos critérios que balizam Bolsonaro na escolha de ministros de Estado e indicações para o STF, o fato de o futuro de Queiroga ter (ou não) contas a acertar com a Justiça é de somenos. Vejam que, ainda candidato, o hoje (ainda) presidente prometeu travar uma cruzada contra a corrupção, mas bastou ver a merda bater nos beiços de Zero “Rachadinha” Um para enfiar a bandeira de campanha em local incerto e não sabido e cometer atos nada republicanos (mas e daí?) para blindar o primogênito. 

O próprio Bolsonaro — que disse ter acabado com a Lava-Jato porque não existe mais corrupção no governo — é investigado por “suposta” interferência indevida na PF e suspeito da prática de rachadinha quando deputado federal. De acordo com reportagem do UOL, assessores que trabalharam em seu gabinete na Câmara receberam R$ 764 mil, entre salários e benefícios, e retiraram R$ 551 mil em dinheiro — valor semelhante ao sacado pelos funcionários de Flávio. 

À colunista Juliana Dal Piva, do UOL, o ex-PGR Cláudio Fonteles afirmou que, se Augusto Aras quisesse, Bolosnaro poderia ser investigado pelo esquema de rachadinhas. “A meu juízo pode ser aberto um procedimento de investigação que pode ser concluído. Se o procurador achar que não há crime, ele pode se manifestar pelo arquivamento. Agora, se ele entender que há fatos para acusar, ele precisa aguardar que o presidente saia do cargo”, disse o ex-procurador.

Na semana passada, o deputado federal Marcelo Freixo pediu à PGR que investigue as revelações feitas sobre ex-assessores do Presidente. De acordo com o parlamentar, os fatos apontados pela reportagem indicam que o esquema ilegal implantado no gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj, investigado pelo MP-RJ, pode ter sido usado também pelo então deputado Jair na Câmara Federal.

Vale lembrar que o caso de Flávio (que envolve Fabricio Queiroz e Márcia Aguiar) não é o único que preocupa o clã. Os outros três rebentos — inclusive o mais novo, que não tem sequer mandato eletivo — estão mais enrolados que fumo de corda em balcão de armazém. Como se costuma dizer, o fruto não cai muito longe do pé.

Para arrematar o raciocínio que comecei a alinhavar no parágrafo de abertura, relembro que em 2008 o Brasil passou ao largo da crise que arrastou os EUA e a Europa para o fundo do poço. No ano seguinte, a revista The Economist publicou uma capa histórica, em que o Cristo Redentor decolava do topo do Corcovado. Mas não há mal que sempre dure nem bem que nunca termine. Em edição posterior, The Economist retratou o Cristo caindo como foguete pifado. E não sem razão.

Hoje, devido à disparada do dólar (entre outros fatores), nosso país ocupa a 12ª posição no ranking das economias globais — abaixo, inclusive, da que ocupava em 2005. O ex-Posto Ipiranga Paulo Guedes tem sido um contraponto valioso ao desvario negacionista que infecta o governo, mas um de seus adversários é o próprio Bolsonaro, que, com sua visão corporativista, atrasada e eleitoreira, desfigurou a PEC Emergencial para eliminar pontos que desagradavam seus apoiadores de raiz, mas que seriam positivos para o controle das contas públicas. 

Num cenário em que o presidente joga contra o próprio governo, resta apenas torcer para que, independentemente dele, seja implementada uma vacinação em massa a todos os brasileiros e que o Congresso, por sua própria iniciativa, abrace a acertada pauta do ministro da Economia. Só assim o Brasil terá chance de reencontrar o caminho do crescimento.

Pontofinalizando — aí volto a dizer que não serve de consolo —, reproduzo a seguir um texto publicado na edição desta semana da revista Veja, sob o título “LUZ EM MEIO À DESESPERANÇA”:

Poucas vitórias vêm carregadas de tanto horror e devastação quanto a que mantém Bashar al-Assad na Presidência e no controle da Síria após dez anos de guerra civil, completados na segunda-feira 15. Partindo de manifestações pacíficas por democracia na cidade de Deraa, reprimidas com extrema violência, opositores de Assad desencadearam uma revolta nacional que viria a envolver Rússia, Irã, Turquia, Estados Unidos e, a certa altura, faria o país ser retalhado em pedaços controlados por diversas facções rivais — sendo a pior delas o “califado” instalado pelo Estado Islâmico (outro pesadelo). Assad desmantelou um por um, sistematicamente, recorrendo a todo tipo de brutalidade, inclusive massacres chocantes à base de armas químicas. Com focos de resistência ainda presentes em alguns bolsões, o presidente retomou o domínio de boa parte da Síria, hoje uma nação em ruínas, onde a população faz fila por pão e gasolina e a moeda perdeu 99% de seu valor. Mais cruel, porém, é a catástrofe humanitária. Mais de 10 milhões de sírios deixaram suas casas e boa parte vive espremida em campos de refugiados, onde soltar balões ajuda a esquecer o frio e as más acomodações. Segundo a ONG Observatório Sírio dos Direitos Humanos, 400000 pessoas morreram no conflito, conta que não inclui 200000 desaparecidos e 90000 presos em centros de detenção. Segundo o Unicef, 12000 crianças perderam a vida e uma geração inteira está sendo dizimada. Aferrado ao palácio, Assad prepara a reeleição, em votação prevista para abril ou maio

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

UMA PIADA CHAMADA BRASIL

 

O Brasil, também conhecido como "o país do futuro que tem um longo passado pela frente', é uma piada desde os tempos de Cabral. Despida do glamour fantasioso atribuído pelos historiadores, a Proclamação da República foi o primeiro de dezenas de golpes de Estado político-militares — como a revolução de 1930, a implantação do Estado Novo, a deposição de Getúlio e o golpe de 1964, entre outros. 

Dos trinta e tantos brasileiros que ascenderam à Presidência via voto popular, eleição indireta, linha sucessória ou golpe de Estado nos últimos 134 anos, oito foram apeados do cargo, começando pelo protagonista do golpe que substituiu a monarquia constitucional parlamentarista do Império pelo presidencialismo republicano e se tornou o primeiro presidente do Brasil. Temeroso de ser deposto pelos adversários, Deodoro da Fonseca vetou a Lei do Impeachment. Quando o veto foi derrubado, simplesmente dissolveu o Congresso, como se o país ainda estivesse no Império e ele, Deodoro, fosse o imperador.
 
Da redemocratização até os dias atuais já tivemos um presidente eleito indiretamente que morreu sem receber a faixa
, um literato meia-boca, um pseudo caçador de marajás, um baianeiro namorador, um tucano de plumas vistosas (por dois mandatos) um desempregado que deu certo (por dois mandatos) um poste fantasiado de "gerentona" (por um mandato e meio) um vampiro escalafobético (por meio mandato) um mix de militar ruim e parlamentar pior (por intermináveis 4 anos) e — ói nóis aqui traveiz —  o ex-presidiário mais famoso de Pindorama desde o genro de Caminha, que foi conduzido por togas supremas da carceragem da PF para o gabinete presidencial no DF. 
 
Incapaz de aprender com os próprios erros, o inigualável eleitorado tupiniquim tende a repeti-los eleição após eleição. Ao que tudo indica, teremos neste ano mais um pleito plebiscitário, com postulantes à prefeitura de quase 5.600 municípios apadrinhados por Bolsonaro ou por Lula — parece até coisa de Superman x Lex Luthor ou de Coringa x Batman. E ainda dizem que Deus é brasileiro!
 
Nossos políticos se elegem para roubar e roubam para se reeleger. A fé no Executivo se perdeu antes mesmo de renúncia de Jânio pavimentar o caminho para o golpe de 1964 e os subsequentes anos de chumbo. A chama da esperança foi avivada pelos movimentos pró-diretas, bruxuleou com a rejeição da emenda Dante de Oliveira, voltou a brilhar com eleição indireta de 1985 e foi sepultada com o corpo do primeiro presidente civil da "Nova República" 
 que, a exemplo da Viúva Porcina no folhetim global Roque Santeiro, foi sem nunca ter sidoEm 1989, a vitória de Collor sobre Lula pareceu ser uma luz no fim do túnel. Mas logo se percebeu que o Rei-Sol era tão demagogo e populista quanto adversário derrotado. E o resto é história recente. 

Promovido de vice a titular graças ao impeachment do primeiro presidente eleito pelo voto direto desde 1960, Itamar Franco — que conquistou seus 15 minutos de fama ao ser fotografado com a modelo sem calcinha Lilian Ramos — nomeou Fernando Henrique ministro da Fazenda. Nas pegadas do sucesso do Plano Real, o autoproclamado primeiro-ministro informal derrotou Lula em 1994. Picado pela mosca azul, FHC comprou a PEC da Reeleição e tornou a derrotar Lula em 1998 (também no primeiro turno). Mas já não lhe restavam coelhos na cartola.

Em 2002, Lula foi eleito presidenteA reboque de sua vitória, vieram o Mensalão, o Petrolão e a indicação de oito ministros para o STF. As decisões teratológicas dos togados fulminaram a confiança que os brasileiros haviam depositado no Judiciário quando perceberam que nada de bom viria do Executivo e do Legislativo. Em 2012, o país assistiu estarrecido — mas esperançoso — à condenação da alta cúpula do Mensalão; em 2016, comemorou o impeachment da "gerentona de festim". Na sequência, os avanços da Lava-Jato refrearam em alguma medida e por algum tempo o apetite pantagruélico da politicalha corrupta pelo dinheiro dos contribuintes. Mas não há nada como o tempo para passar.
 
A morte é anterior a si mesma. Ela começa antes da abertura da cova e percorre um lento processo. A Lava-Jato morreu sem colher os devidos louros. Foi graças a ela que, pela primeira vez desde a chegada das caravelas, poderosos da oligarquia política e econômica do Brasil foram investigados, processados e condenados. Seu
 velório reuniu gente importante. Seguravam a alça do caixão Jair Bolsonaro, o Centrão e o PT. O STF enviou uma sequência de coroas de flores enquanto preparava a última pá de cal. Que não demorou a chegar. Ironicamente, o sepultamento se deu sob a égide do presidente que, quando candidato, prometeu pegar em lanças contra a corrupção e os corruptos. Mas vamos por partes.
 
Em 2018, era imperativo impedir
 a volta do lulopetismo corrupto — que se estendeu por 13 anos 4 meses e 12 dias e "terminou" com o afastamento da gerentona de araque. Dada a possibilidade de o país vir a ser governado pelo bonifrate do então presidiário mais famoso do Brasil, a minoria pensante do eleitorado teria votado no próprio Capiroto. Com essa opção não estava disponível nas urnas, o jeito foi apoiar o "mito" da direita radical. Como se costuma dizer, situações desesperadoras requerem medidas desesperadas. 

Somada a uma inusitada conjunção de fatores, o antipetismo ensejou a vitória uma combinação mal ajambrada de ex-militar tosco, truculento e de viés terrorista e parlamentar medíocre (em quase três décadas no baixo-clero da Camara, o dito cujo aprovou míseros dois projetos e obteve míseros 4 votos quando disputou a presidência da Casa, em 2017. E deu no que deu: Bolsonaro se revelou o pior mandatário desde Tomé de Souza, e só não foi expelido do cargo porque contava com a subserviência de um antiprocurador-geral — comprada com a promessa jamais cumprida de uma cadeira no STF) e de um presidente da Câmara conivente  graças ao abjeto orçamento secreto.
 
Observação: O lulopetismo corrupto foi o agente catalizador que levou ao poder o patriarca do clã das rachadinhas e das mansões milionárias, mas foi sua abominável gestão que libertou da catacumba o xamã da petralhada. Se o verdugo do Planalto não conspirasse diuturnamente contra a democracia, não se associasse ao coronavírus, não investisse contra a imprensa, o Congresso e o STF e não andasse de mãos dadas com QueirozZambelli, milicianos, Collor et caterva, talvez o 
pontifex maximus da seita do inferno ainda estivesse gozando férias compulsórias na carceragem da PF em Curitiba.  
 
Com ensinou o Conselheiro Acácio (personagem do romance O Primo Basílio, do escritor português Eça de Queiroz), as consequências vêm sempre depois. E não há nada como o tempo para passar. Em 2022, o fiasco da folclórica "terceira via" levou a mesma minoria pensante que ajudou a eleger o "imbrochável imorrível incomível" em 2018 a apoiar o demiurgo de Garanhuns (alguns até levaram fé na falaciosa frente ampla pró-democracia, mas isso é outra conversa). E deu no que está dando.
 
Reconduzido ao trono com a menor diferença de votos entre candidatos à Presidência no segundo turno desde a redemocratização, o morubixaba petista age como se tivesse sido eleito para o cargo de Deus. Sem se dar conta de que já não esbanja carisma como em 2010, quando se ufanava de ser capaz de eleger até poste, parece confundir o Planalto com o Olimpo da mitologia grega. Livrarmo-nos de Bolsonaro era imperativo, mas a volta de Lula et caterva foi um preço alto a pagar.
 
Não era de esperar que o ex-presidiário multirréu descondenado por togas camaradas cumprisse suas promessas de campanha. Noves fora a de "não descansar enquanto não foder Sergio Moro", naturalmente. E agora a oportunidade lhe bate à porta: o TRE-PR adiou o julgamento do pedido de cassação do ainda senador sob o pretexto de que, para o caso ser analisado, é preciso que o quórum esteja completo. Detalhe: cabe a Lula escolher um dos três nomes homologados pelo Tribunal para a vaga aberta no último dia 27 com a saída de Thiago Paiva dos Santos, representante da classe dos juristas. Mas isso também é outra conversa.
 
No debate promovido pela Band em outubro de 2022, por exemplo, Lula trombeteou que "nomear amigo e companheiro para o Supremo é retrocesso" (referindo-se a Nunes Marques e André Mendonça, indicados por Bolsonaro para as vagas de Celso de Mello e Marco Aurélio). Eleito, indicou o amigo e advogado particular Cristiano Zanin para o lugar de Rosa Weber e Flávio Dino para o de Ricardo Lewandowski, convocou o ex-togado para substituir Dino no comando do ministério da Justiça, e ainda teve o desplante de negar sua relação de amizade com Zanin — que esteve em seu casamento com Janja e a quem chamou de "amigo" em entrevista à BandNews FM.
 
O indicador de corrupção da Transparência Internacional apontou que o Brasil perdeu pontos na luta contra a corrupção sob Bolsonaro e continua descendo a ladeira sob Lula. Com 36 pontos numa escala de 0 a 100, o país despencou da 94ª para a 104ª posição entre os 180 avaliados, ficando atrás da Argentina, da Guiana e da Colômbia, abaixo da média global (43 pontos) e muito abaixo da média entre os membros da OCDE (66 pontos). 
 
A ONG registra que marcos legais e institucionais anticorrupção que demoraram décadas para ser construídos ruíram em poucos anos. Que a indicação de Zanin para o STF foi "contrária à autonomia do Judiciário", e que a de Dino teve "perfil político" para um tribunal já excessivamente politizado. Que a não observância da lista tríplice do MPF na indicação de Paulo Gonet para a PGR evidencia que Lula optou por adotar o mesmo método de escolha política usado por Bolsonaro, cujos efeitos desastrosos ainda são sentidos no país. Que o afrouxamento da Lei das Estatais contou com a cumplicidade do Judiciário — foi uma liminar de Lewandowski que suspendeu os efeitos da lei —, e que houve pressões do governo federal e do Congresso para viabilizar indicações políticas (vale lembrar que o foco das investigações da Lava-Jato foi justamente a corrupção na Petrobras). 

O relatório aponta ainda que Lula herdou de Bolsonaro um Centrão mais poderoso e famélico por recursos do Erário (via "fundão eleitoral", emendas parlamentares etc.), e que, quando o STF ter decretou a inconstitucionalidade do "orçamento secreto", Executivo e Legislativo se uniram para preservar o mecanismo espúrio de barganha e os velhos vícios do esquema da gestão anterior. Que o CNJ rejeitou uma resolução para regulamentar a participação de juízes em eventos privados, palestras e atividades acadêmicas, e o Supremo considerou inconstitucional a regra que ampliava as restrições à atuação de juízes em processos de clientes de escritórios de advocacia onde seus familiares trabalham. 
 
Como desgraça pouca é bobagem, o ministro Edson Fachin driblou o regimento da Corte para entregar o "caso Vaza-Jato" diretamente ao colega Dias Toffoli, que não só anulou todas as provas obtidas com o acordo de leniência da Odebrecht (em todas as esferas e para todas as ações) e suspendeu o pagamento de R$ 3,8 bilhões (valor que chegaria a R$ 8,5 bilhões ao final dos 23 anos previstos para o parcelamento). Em sua decisão, o magistrado anotou que, diante das informações obtidas até o momento no âmbito da Operação Spoofing, teria havido conluio entre o então juiz Sergio Moro e procuradores da Lava-Jato em Curitiba para a "elaboração de cenário jurídico-processual-investigativo que conduzisse os investigados à adoção de medidas que melhor conviesse a tais órgãos, e não à defesa em si". 
 
Observação: A alegação de que o processo foi maculado pela falta de acordos de colaboração internacional não se sustenta, quando mais não seja porque as planilhas de propina, extratos bancários, e-mails e registros de retirada de dinheiro foram fornecidos voluntariamente pela Odebrecht. A empresa alegou que fechou o acordo sob coerção, mas não pediu sua anulação — para não perder benefícios como a permissão para voltar a disputar obras públicas e receber empréstimos de bancos estatais, além da garantia de que não seriam mais processadas pelos crimes já confessados. 
 
A liminar do Maquiavel de Marília colocou a Odebrecht no melhor dos mundos, pois ela não terá de pagar mais nada e não perderá os benefícios recebidos. Quem deixa de ser compensado por anos de corrupção bilionária — que nem a empreiteira nem o nobre ministro negaram ter existido — são o Estado e o contribuinte brasileiro. Para piorar, a fila de empresas que querem se livrar de multas bilionárias vem crescendo, já que podem contar com Toffoli e sua noção sui generis de proteção do Estado de Direito.
 
Triste Brasil. 

EM TEMPO: Toffoli determinou que a Transparência Internacional seja investigada por supostamente se apropriar indevidamente de recursos públicos na época da Lava-Jato. A decisão se deu no âmbito de uma notícia-crime apresentada pelo deputado federal petista Rui Falcão, que questiona a cooperação firmada entre o MPF e a organização nos anos da força-tarefa. O ministro diz tratar-se de uma instituição privada, "alienígena" e "com sede em Berlim" que teria recebido valores que, na verdade, deveriam ter sido destinados ao Tesouro Nacional, como previsto pelas normas legais do país. Para surpresa de ninguém, procuradores envolvidos nas tratativas também devem ser alvo dos procedimentos. Em nota pública, a ONG classificou como falsas as informações e afirmou que o memorando que estabeleceu a cooperação expirou em 2019, e que "tais alegações já foram desmentidas diversas vezes pela própria Transparência Internacional e por autoridades brasileiras, inclusive pelo MPF, mas, apesar disso, tais fake news vêm sendo utilizadas há quase cinco anos em graves e crescentes campanhas de difamação e assédio à organização". Fica nítida em mais essa decisão a intenção do Maquiavel de Marília de se reaproximar de Lula. Quousque tandem, Cunha, abutere patientia nostra?

quinta-feira, 1 de abril de 2021

O ROQUE DO LEOPARDO DE FESTIM


Dizem que com a idade vem a sabedoria, mas não há sabedoria nas ações do pior líder mundial no combate ao coronavírus, que disputa localmente com Dilma Vana Rousseff, supostamente imbatível em incompetência, o título de pior presidente o Brasil amargou desde a redemocratização. E não foi por falta de concorrentes de peso.

No domingo retrasado (21), após comemorar seu 66º aniversário (mais um “6” e seria o número da besta) com um punhado de devotos, Jair Messias Bolsonaro colheu o ensejo para reiterar seus reptos à democracia, chamar os governadores de “tiranetes”, dizer que “estão esticando a corda”, e que fará “qualquer coisa pelo seu povo”. Dias depois, convocou uma reunião na Palácio da Alvorada com governadores, ministros e chefes de poderes e anunciou a criação de um comitê para definir medidas de combate à Covid. Ato contínuo, voltou a contestar a eficácia de vacinas, fazer campanha contra o uso de máscaras, desdenhar de doentes e colocar em dúvida o número de mortos e de ocupação de UTIs, além de entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no para questionar junto ao STF as medidas restritivas adotadas pelos governadores do Rio Grande do Sul, Bahia e Distrito Federal, notadamente o toque de recolher e o fechamento de atividades não essenciais.

Naquilo que lhe cabe, Bolsonaro é um retumbante fracasso: tardou a comprar vacinas, tardou mais ainda a liberar o urgente auxílio emergencial e pouco faz para abastecer hospitais de insumos necessários para o atendimento de doentes de Covid. Agora, pressionado pela queda acentuada de sua popularidade, tenta desesperadamente transferir a responsabilidade pela crise para os governadores — a quem acusou de estarem “matando a população de fome”.

Em seu palavrório, Bolsonaro suscitou medidas de exceção e seu poder de determiná-las. Disse que “seu Exército não vai para rua para cumprir decreto de governadores se povo começar a sair, entrar na desobediência civil” (como se falasse de uma milícia privada), levando ao delírio a camarilha de apoiadores aluados que aplaudem tudo que ele diz.  O que o povo quer a gente faz” disse o presidente, que ainda não percebeu que com o sistema de saúde em colapso, péssimas perspectivas econômicas e cansado de tanta confusão, o povo quer apenas ele pare de prejudicar o país.

Há tempos que o presidente vinha pressionando o agora ex-ministro da defesa a substituir o comandante do Exército, general Edson Pujol, que não escondia seu desconforto com suas insistentes tentativas de misturar a corporação com o governo, e por isso acabou demitido. Aliás, na esteira da demissão do chanceler de fancaria Ernesto Araújo, o Messias que não miracula promoveu uma dança das cadeiras em seu ministério, sendo a substituição do general Fernando Azevedo e Silva pelo também general Walter Braga Netto no comando da pasta da Defesa apenas uma delas.

Observação: Bolsonaro demitiu o ministro da Defesa porque ele não acatou sua ordem de incorporar as Forças Armadas a seu projeto político pessoal. Eliane Cantanhede escreveu o artigo “Basta!”, em que afirmou: “Demorou, mas Azevedo e Silva cansou e ele não está sozinho ao negar ao presidente um alinhamento automático que engula os brios e os princípios das Forças Armadas para participar de qualquer tipo de ameaça ao País. Além de agir em acordo com o comandante Edson Pujol e o Alto Comando do Exército, o general teve apoio durante todo esse tempo também das duas outras Forças.” Mesmo sem ter ideia de quem seja o príncipe di Salina, protagonista do romance Il Gattopardo (O Leopardo), de Giuseppe di Lampedusa, o presidente aprendeu mudar um pouco para não ter que mudar tudo.

As mudanças envolveram José Levi, que foi substituído na AGU por André Mendonça, e Anderson Torres, que passou de secretário da Segurança Pública do DF a ministro da Justiça. As coisas ainda estão confusas, mas, aparentemente, Bolsonaro quis mostrar a sua militância desvairada que continua firme e forte após a fragorosa derrota representada pela demissão do agora ex-chanceler Ernesto Araújo. Buscou também o presidente cercar-se de pessoas de sua absoluta confiança (não é esse o caso de Azevedo nem de Levi), bem fazer uma ameaça velada de que pode dar um autogolpe.

Colocando (mais) esse furdunço em perspectiva, fica evidente que o presidente está acuado, donde a necessidade de se cercar de pessoas que lhes prestem obediência cega. Mas sua suposta demonstração de força traduziu-se num movimento arriscado, que o fragiliza. A demissão repentina e imotivada de Fernando Azevedo não desgostou os militares, que, até onde se sabe, já se articulavam para apoiar outra candidatura em 2022. A demissão de Levi, que tem bom relacionamento com o STF, queima uma ponte importante com os supremos togados. Em suma, o pandemônio armado pelo capitão evidencia (ainda mais) que ele não tem condições de tocar o barco. Ao cercar-se de esbirros que lhe prestem vassalagem incondicional, priva-se de assessores que poderiam chamar sua atenção para os eventuais (e inevitáveis) erros que vier a cometer.

Bolsonaro nunca se destacou pela sensatez ou pelo tirocínio. Sempre comeu na mão dos filhos, que também estão pintados para a guerra e querem resistir. Afinal, Araújo e Filipe Martins representam a essência do bolsonarismo raiz, e entregar suas cabeças equivale a capitular diante do “sistema”, trazendo enorme desgaste junto ao “núcleo duro” bolsonarista, com o qual o presidente conta para se reeleger. Não é fácil prever o que o presidente, que é volúvel e incontrolável, vai fazer. Mas sairá mais fraco da crise, faça ele o que fizer.

Dos seis presidentes eleitos pelo voto direto desde a redemocratização desta banânia, dois foram impichados: Collor, em 1992, e Dilma, em 2016. No primeiro caso, o substituto constitucional e, portanto, maior interessado na queda do titular era o baianeiro Itamar Franco — que deixou a articulação no Legislativo com FHC, no Senado, e Roseane Sarney, na Câmara. Collor buscou apoio junto ao PTB de Roberto Jefferson, mas não conseguiu varrer para debaixo do tapete os indícios de envolvimento o esquema de corrupção capitaneado por seu dublê de tesoureiro de campanha e factótum, PC Farias. O relatório final da CPI (instaurada a pedido do PT) apontou que US$ 6,5 milhões haviam sido desviados para bancar gastos pessoais do mandatário — o que é dinheiro de pinga diante dos bilhões que o PT e seus acólitos roubaram no Mensalão e no Petrolão. E as famosas manifestações dos “caras-pintadas”, em apoio ao pedido de impeachment assinado pelos presidentes da ABI e da OAB selaram sua sorte. Ciente de que seria apeado do cargo, Collor renunciou às vésperas do julgamento (que ocorreu em 29 de dezembro de 1992), mas foi condenado por 441 dos 480 deputados presentes e, como manda a Lei, tornou-se inelegível por oito anos.

PC Farias foi indiciado em 41 inquéritos criminais e teve a prisão decretada, mas fugiu no lendário Morcego Negro, pilotado por Jorge Bandeira de Mello, desapareceu em Buenos Aires, ressurgiu em Londres quatro meses depois, 11 quilos mais magro e sem seus famosos bifocais. Enquanto se discutia sua extradição, PC tornou a fugir, mas foi capturado na Tailândia, depois que um turista brasileiro o viu andando pelas ruas de Bangcoc. Extraditado, julgado e condenado a 4 anos de prisão por sonegação fiscal e 7 por falsidade ideológica, o careca cumpriu um terço da pena e obteve liberdade condicional. Seis meses depois, foi assassinado, juntamente com a namorada Suzana Marcolino, em circunstâncias jamais esclarecidas, mas que sugerem claramente “queima de arquivo”. Os homicídios ocorreram na mansão de PC, numa praia de Maceió. Os corpos foram encontrados no dia 23 de junho de 1996 (com um tiro no peito de cada um). Ainda que a casa fosse guardada por 4 seguranças, ninguém ouviu os tiros “porque era época de festas juninas”.

Observação: A tese de homicídio seguido de suicídio foi endossada pelo legista Badan Palhares, mas desmontada por uma série de reportagens da Folha. Segundo o jornal, Suzana era mais baixa que PC, e a diferença de altura, associada à trajetória do tiro, inviabilizava a versão oficial (o próprio Palhares escrevera num artigo que, se a altura estivesse errada, seu laudo também estaria). Na avaliação do professor de medicina legal e coronel reformado da PM George Sanguinetti, um dos primeiros a contestar o suicídio, “passional não foi o crime, mas sim o inquérito”.

No caso de Dilma, que era ainda mais desastrada que Collor, tudo ficou nas mãos de Eduardo Cunha — o Caranguejo do propinoduto da Odebrecht no Mensalão. Toda a complicada conspiração que culminou com a deposição de Collor foi substituída por uma trama que o “quadrilhão” do MDB seria alçado ao poder na pessoa do vice escolhido por Lula para as chapas vencedoras de madame. A sólida aliança que havia evitado o impeachment de Lula e garantido sua reeleição em plena efervescência do mensalão derreteu no fogo ateado pelo então presidente do Senado Renan Calheiros, o cangaceiro das Alagoas,  e seu lugar-tenente preferido, o também senador Romero Jucá.

Observação: A aliança, que levou Temer ao cargo máximo da República e o manteve lá, a despeito dos esforços de Rodrigo Janot — um adversário institucionalmente poderoso, mas politicamente inofensivo —, que não alcançou a maioria de três quintos dos deputados federais para depor o vampiro do Jaburu. Anos depois o ex-PGR confessou que chegou a ir armado ao STF para matar o semideus togado Gilmar Mendes, mas uma “intervenção divina” o impediu de puxar o gatilho.

Dilma começou a complicar sua defesa ao comprar uma briga desnecessária com o Centrão, que aplicou na “presidenta” e no PT uma espetacular surra na disputa pela presidência da Câmara. Os processos investigados pela hoje finada Lava-Jato colocaram Cunha na cadeia, mas os piedosos desembargadores e ministros mandaram-no  para casa com um adorno no tornozelo. Seu lugar-tenente de todas as horas — Arthur Lira, que é réu no STF e atual presidente da Câmara — ascendeu à  presidência da Casa que tem a prerrogativa constitucional de dar início a um processo de impeachment do presidente de plantão (há pelo menos 70 pedidos criando pó sobre a mesa da presidência da Casa do Povo). Se Rodrigo Maia, que o antecedeu no cargo, não autorizou a abertura do processo contra Bolsonaro por medo de perder na hora da disputa do voto, não será o deputado alagoano, eleito ao lado do mineiro Rodrigo Pacheco com a ajuda de R$ 3 bilhões em emendas parlamentares, que se aventurará a tal ousadia. Ainda mais depois que foi aprovada uma manobra nas despesas obrigatórias para acomodar R$ 26 bilhões de quantias substanciais pelo relator-geral da Lei das Diretrizes Orçamentárias, o senador Márcio Bittar, que elevou o valor total do disponível para R$ 51,6 bilhões (o maior nível histórico), conforme levantamento recente do texto aprovado com muito atraso.

Na semana passada houve um frisson em Brasília depois que Lira deu a entender que poderia fazer com  os processos engavetados o que Maia nunca ousou. E o alarme subiu de tom com a publicação, em manchete no Estadão de domingo, 28, de reportagem de Felipe Frazão e André Shalders dando conta de que o aparente puxão de orelhas do presidente da Câmara fora articulado em oito reuniões com pesos pesados do PIB brasileiro. A notícia acendeu o sinal amarelo para os rompantes ditatoriais do ex-capitão terrorista no principal gabinete do Palácio do Planalto. Algo do gênero “cria juízo ou a casa cai”.

O roque de xadrez no Planalto na tarde de segunda, 29, confirma que Bolsonaro, como o retrocitado príncipe Don Fabrizio Salina, muda o time para ele mesmo não ter que mudar. Os ministros da Saúde e das Relações Exteriores continuam sendo Jair Bolsonaro. Ele é quem continua mandando, e mesmo quem obedece não tem o lugar assegurado, como se comprovou com o general Pesadelo, intendente incompetente, fiel vassalo confesso e ainda assim demitido. E o novo chanceler não terá como desafiar os caprichos negacionistas e a sólida ignorância presidencial sobre qualquer assunto que mereça um raciocínio mais complicado do que contar os dedos de uma das mãos.

Com José Nêumanne Pinto