Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta eleição tancredo. Ordenar por data Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta eleição tancredo. Ordenar por data Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

COISAS QUE SÓ ACONTECEM NO BRASIL


Dizem que a jabuticaba (fruta) e a saudade (palavra) são exclusividades tupiniquins, mas não é verdade. Apesar de ser nativa da Mata Atlântica, a jabuticabeira está presente em outros países da américa latina, como México e Argentina. E o vocábulo "saudade" tem similares em espanhol (soledad), no catalão (soledat) e em várias outras línguas neolatinas.

A originalidade portuguesa foi a extensão do termo a situações que não a "solidão devida à falta do lar". Para nós, "saudade" é algo como "a dor de uma ausência que temos prazer em sentir" — ou, na definição dos dicionaristas, um "sentimento melancólico devido ao afastamento de uma pessoa, uma coisa ou um lugar, ou à ausência de experiências prazerosas já vividas". Aliás, quem tem prazer em sentir dor é masoquista.

Não restam dúvidas de que o Brasil está longe de ser um país sério. A propósito, quem proferiu a célebre frase "le Brésil n’est pas un pays serieux", frequentemente atribuída ao general francês Charles de Gaulle, foi na verdade o diplomata brasileiro Carlos Alves de Souza Filho, genro do presidente Artur Bernardes. E quem disse que "O Brasil não é para principiantes" (ou para "amadores", conforme a versão dessa história) foi mesmo o saudoso maestro Tom Jobim (brasileiro até no nome).

Saudosistas não raro idolatram um passado que nunca existiu. No Brasil, alguns vão mais além: gente que nem sequer era nascida quando a eleição de Tancredo Neves pôs termo à ditadura militar diz "sentir saudades dos anos de chumbo" e (pasmem!) apoia o desgoverno do inquilino de turno do Planalto — uma aberração que apoiamos para evitar a volta do lulopetismo corrupto, sem imaginar, àquela altura, que estávamos removendo o pino de uma granada de efeito retardado, desarrolhando a garrafa que prendia um efrite (ou ifrit) megalômano, abrindo a caixa de Pandora, enfim, deixo por conta do freguês a escolha da melhor analogia.

Desde a posse, esse mau militar e parlamentar medíocre nada fez senão articular sua reeleição. Quanto aos inúmeros problemas que o país enfrenta (em parte pela incompetência chapada de seu mandatário de fancaria), sua excelência vem fazendo o que continuará a fazer se não for impedido — ou seja, o que ele disse ter feito para a CPI do Genocídio. E assim, de cagada em cagada, o cagão vai esmerdeando o lema chauvinista e enjoadinho que associou à sua campanha: "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos".

Conhecimentos não-empíricos, de segunda-mão, obtidos através de inexatos livros de História não autorizam quem quer que seja a pleitear volta dos fardados ao poder. A ditadura militar, instituída em março de 1964 com a deposição do então presidente João Goulart e a posse do marechal Humberto de Alencar Castello Branco se estendeu por intermináveis 21 anos, ao longo dos quais ocuparam o Palácio do Planalto os generais Costa e SilvaMédici, Geisel e Figueiredo, nessa ordem. 

Em 1968, o “linha-dura” Costa e Silva decretou o AI-5, produzindo um elenco de ações arbitrárias de efeitos duradouros que prevaleceram durante o período mais repressivo do governo militar. Em 1974, Geisel deu início ao lento processo de abertura que poria fim, 11 anos depois, ao regime de exceção com a eleição (indireta) de Tancredo Neves — o primeiro presidente civil em mais de duas décadas (que baixou ao hospital 12 horas antes da cerimônia de posse e morreu 38 dias e 7 cirurgias depois).

O fim da ditadura não foi uma “consequência natural do espírito democrático” de Geisel e Figueiredo nem tampouco transcorreu sem turbulências e acidentes de percurso. Aliás, o processo de abertura só foi concluído devido a manifestações populares pró-diretas que reuniram, em 1983, cerca de 1,5 milhão de pessoas na Candelária (na Cidade Maravilhosa) e 1 milhão no vale do Anhangabaú (em Sampa). A mais emblemática delas lotou a Praça da Sé (também na capital paulista), em janeiro de 1984, com 300 mil pessoas carregando faixas e vestindo camisetas onde se lia a inscrição “EU QUERO VOTAR PARA PRESIDENTE”.

Observação: Os manifestantes apareceram espontaneamente para ouvir e aplaudir líderes como Ulysses Guimarães, Tancredo NevesLeonel Brizola, Fernando Henrique Cardoso, Lula e outros políticos, além de artistas e intelectuais que se revezavam ao microfone. Em meados dos anos 1980, a Internet ainda era uma ilustre desconhecida e as redes sociais só surgiriam e se popularizariam quase duas décadas depois.

A “Revolução de 1964” — cuja data comemorativa é 31 de março — foi um golpe de Estado desfechado na madrugada de 1º de abril, quando líderes civis e militares conservadores derrubaram Jango — a pretexto de afastar do poder um grupo político que supostamente flertava com o comunismo. Nos movimentos pró “Diretas Já”, pugnava-se pela aprovação da emenda constitucional Dante de Oliveira, que visava restaurar o direito às eleições diretas, que havia sido suspenso pelos militares. No dia da votação, exatos 20 anos depois do golpe, uma manobra de bastidores tirou da Câmara 112 deputados. A despeito do clamor das ruas, a emenda foi rejeitada — em outras palavras, o povo foi traído (mais uma vez) pela classe política, o câncer social que, infelizmente, é um mal necessário.

O desgaste do governo propiciou a eleição (indireta) de Tancredo Neves, que venceu Paulo Maluf no Colégio Eleitoral (por 480 votos a 180), depois de unir o PMDB à chamada Frente Liberal, formada por dissidentes do PDS, que dava sustentação ao governo militar. Em janeiro de 1985, o então deputado federal Ulysses Guimarães — que chegou a ser cogitado para disputar a presidência da República pelo PMDB contra o pedessista Maluf, mas acabou sendo preterido pela chapa “mista” formada com o PFL de Sarney — entregou a Tancredo o programa denominado Nova República, que previa eleições diretas em todos os níveis, educação gratuita, congelamento de preços da cesta básica e dos transportes, entre outras benesses.

Com esperança e ânimos redobrados, os brasileiros ansiavam pela chegada do dia 15 de março, data prevista para a posse do primeiro presidente civil depois de 21 anos e, consequentemente, a volta dos militares às casernas. Mas o que deveria ser a festa da democracia se transformou em luto nacional: Tancredo foi internado 12 horas antes da cerimônia de posse morreu 38 dias e 7 cirurgias depois. O sepultamento do político — em São João Del Rey (MG) — produziu um dos maiores cortejos fúnebres já vistos no país: o féretro foi seguido por mais de 2 milhões de pessoas por São Paulo, Brasília e Belo Horizonte, a caminho da cidade natal daquele que foi, sem jamais ter sido, o maior presidente do Brasil.

Após algumas discussões jurídicas sobre a possibilidade de o então presidente da Câmara dos Deputados (Ulysses Guimarães) ser guindado ao Palácio do Planalto, prevaleceu o entendimento de que o rebotalho do coronelismo nordestino José Sarney, vice na chapa de Tancredo, deveria assumir a Presidência. E foi o que aconteceu, para o bem e para o mal.

Sem embargo, há por estas bandas gente que — repito — sequer era nascida quando a eleição de Tancredo marcou o fim da ditadura, mas se diz saudosa dos "anos de chumbo". E tudo indica que essa escumalha comparecerá em peso às manifestações pró-governo marcadas para o próximo dia 7. Quem viver verá que haverá, então, mais jovens rinchando bestagens do que sessentões — que cresceram e adolesceram em meio à ditadura — defendendo o fechamento do Congresso e a prisão dos ministros do STF, entre outras sandices.

Longe de mim passar a impressão de que, em minha desvaliosa opinião, nossos parlamentares façam jus a rasgados elogios. E o mesmo se aplica a atual composição da mais alta corte de Justiça tupiniquim. Como instituições, tanto a Presidência da República quanto o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal merecem nosso mais profundo respeito. Mas daí a dizer que o atual chefe do Executivo (assim como os que o precederam desde a "redemocratização"), os 513 deputados federais, os 81 senadores e os 10 togados supremos (seriam 11 se alguém já tivesse ocupado a vaga aberta com a aposentadoria do primo de Collor) merecem o mesmo tratamento é confundir alhos com bugalhos.

Observação: Confundir alhos com bugalhos é o mesmo que trocar as bolas, ou, por extensão, meter os pés pelas mãos. O que muita gente não sabe é que bugalhos são bulbos comestíveis de textura semelhante à do alho, cujo formato de pênis inspirou um fado que os marujos lusitanos cantavam nos tempos de Cabral: “Não confundas alhos com bugalhos / Nem tampouco bugalhos com caralhos”.

Retomando o fio da meada, ou melhor, remetendo ao título desta postagem — que tomei emprestado do artigo publicado por Ricardo Rangel em Veja — e que transcrevo mais adiante —, há coisa que parecem acontecer somente no Brasil (e ainda dizem que Deus é brasileiro!).

Ao contrário do que escreveu Karl Marx, a história nem sempre se repete como tragédia ou farsa. Às vezes — para o bem ou para o mal — ela reproduz fielmente o passado.

A julgar pelo exercício de futurologia que institutos como Datafolha, Ibope, Vox Populi, Paraná Pesquisas e assemelhados chamam de pesquisas de intenções de voto, o ex-presidiário travestido de "ex-corrupto" e o maníaco que (ainda) ocupa o Palácio do Planalto abrilhantarão o segundo turno do pleito presidencial de 2022. E a menos que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, o picareta dos picaretas fará picadinho do capitão despirocado. Ao que parece, tudo depende do que acontecer no próximo dia 7 (vide postagem anterior). Enfim, quem viver verá. Enquanto isso, passo a palavra a Rangel.  

O presidente da República declarou que o Supremo não tem direito de abrir inquérito de ofício. O governo federal entrou com ação no Supremo pedindo ao Supremo que revogue o artigo do regimento interno do Supremo que permite ao Supremo que abra inquérito de ofício.

O advogado do presidente da República cantou uma mulher casada e fugiu correndo quando o marido da mulher o perseguiu com uma faca.

O presidente da República convocou para o golpe (que ele chama de “contragolpe”). Quando a convocação vazou, irritou-se.

Um cantor convocou para o golpe. Quando a convocação vazou, declarou-se magoado, triste, depressivo e chorou em entrevista. Ao sofrer busca e apreensão, declarou que não tem medo de ir para a cadeia, que não é frouxo, não é mulher. E novamente pediu desculpas em nova entrevista, desta vez na cama.

Um deputado aventou a hipótese de que o cantor tenha usado dinheiro público para comprar uma prótese peniana. O líder da associação dos produtores de soja desmentiu o cantor, que havia citado seu nome como participante do golpe, e deu como explicação a hipótese de ele ter “tomado umas pingas”. Após sofrer busca e apreensão, o líder desfilou com tratores na porta da Polícia Federal.

O presidente da República entrou com ação de impeachment contra ministro do Supremo.

Um comediante fez ameaças aos ministros do Supremo e pediu o fechamento do tribunal e do Congresso.

Vários coronéis da PM, inclusive um da ativa, comandante de cinco mil homens, convocaram para o golpe — que tem data, hora e local marcados com um mês de antecedência e conhecidas pelo público.

Os militares avisaram que não vão poder comparecer.

EM TEMPO: Na manhã do último sábado, durante o 1° Encontro Fraternal de Líderes Evangélicos de Goiás, nosso indômito capitão compartilhou com a récua de muares que vão ao Nirvana com suas bolsonarices a seguinte profecia: "Eu tenho três alternativas para o meu futuro: estar preso, estar morto ou a vitória. Pode ter certeza de que a primeira alternativa não existe. Estou fazendo a coisa certa e não devo nada a ninguém. Sempre onde o povo esteve, eu estive". Esqueceu-se sua excelência de uma quarta possibilidade, que, pelo andar da carruagem, tende a ser a mais provável: a derrota.

No âmbito judicial, Bolsonaro é investigado em cinco inquéritos. O assim chamado inquérito das fake news, que tramita no STF, investiga um esquema de disseminação sistemática e organizada de informações falsas com o objetivo de fragilizar as instituições e a democracia. Outro inquérito, no TSE, investiga o mandatário por ataques sem provas às urnas eletrônicas e tentativa de deslegitimar o sistema eleitoral brasileiro. Além disso, nos últimos dias, aliados do presidente foram alvo de operações contra atos ofensivos à democracia e às instituições do Estado.

Bolsonaro também enfrenta desgaste nos campos político e econômico, com inflação, desemprego e pobreza em alta, e o risco de apagão no fornecimento de energia elétrica, diante do baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas. Em Goiânia, ao lado de líderes evangélicos, o presidente discursou por cerca de 20 minutos. No fim, disse: "Deus me colocou aqui, e somente Deus me tira daqui", repetindo uma frase já comum em declarações do presidente. Já do lado de fora da igreja, tirou fotos com apoiadores e tomou caldo de cana. Depois de falar com o público, ele se encontrou com políticos e empresários de Goiás em um local onde foram colocadas tendas e montado um palco. 

Alea jacta est.

sexta-feira, 30 de maio de 2025

O PAÍS DA CORRUPÇÃO — 9ª PARTE

PIOR QUE O BANDIDO TRAVESTIDO DE POLÍTICO É O IDIOTA TRAVESTIDO DE ELEITOR, QUE VOTA NESSE TIPO DE GENTE.

Em momentos distintos da ditadura, Pelé e o general Figueiredo alertaram para o risco de misturar brasileiros e urnas em eleições presidenciais — e foram duramente criticados. Mas como contestá-los, se lutamos tanto pelo direito de votar para presidente e elegemos Collor, Lula, Dilma e Bolsonaro?


Nunca saberemos como estaria o Brasil se o golpe de Estado de 1889 não tivesse ocorrido. Ou se a renúncia de Jânio não tivesse levado ao golpe de 64. Ou se nosso primeiro presidente civil — eleito indiretamente após 21 anos de ditadura — não tivesse levado para o túmulo a esperança de milhões e deixado um neto que envergonharia o país e um vice que pavimentaria a vitória de um pseudo caçador de marajás sobre um desempregado que deu certo na primeira eleição direta desde 1960.

 

Muita coisa podia dar errado no capítulo final da novela da ditadura. Em 1984, o último dos cinco generais presidentes da ditadura — que, entre outros dislates, disse preferir o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo e que "daria um tiro no coco" se fosse criança e seu pai ganhasse salário-mínimo — confidenciou a Henry Kissinger, então secretário de Estado dos EUA, que uma parte das Forças Armadas apoiava a volta do governo civil, e a outra estava disposta a tudo para evitar que "os esquerdistas tomassem o país". Figueiredo considerava Tancredo uma pessoa capaz e moderada, mas cercada por muitos radicais de esquerda que talvez não conseguisse controlar.

 

No imaginário nacional, Tancredo foi o melhor de todos os presidentes — mas só porque, a exemplo da Viúva Porcina (personagem da novela Roque Santeiro), "foi sem nunca ter sido". Por uma trapaça do destino, ele baixou ao hospital horas antes da cerimônia de posse e morreu 38 dias e sete cirurgias depois — ironicamente, no feriado que homenageia o Mártir da Independência. Também não dá para saber o que aconteceria se ele tivesse governado, mas sabe-se que a posse de José Sarney ecoou como a gargalhada do diabo nos estertores da ditadura. 

 

Sarney  não tinha ideia do tamanho do "abacaxi" que seria assumir a presidência sem ter indicado seus ministros e herdando uma inflação de 220% ao ano. Cinco anos depois, entregou a Collor a faixa presidencial e uma superinflação de 1.800%, mudou seu domicílio eleitoral do Maranhão para o recém-criado estado do Amapá e conseguiu se eleger senador. Conta-se que, depois que pendurou as chuteiras, ao ser informado pela filha Roseana — então governadora do Maranhão — de que um dilúvio deixara metade do estado debaixo d’água, ele perguntou: "A sua metade ou a minha?"

 

Ao lado de Ulysses Guimarães, Mário Covas, Franco Montoro e Fernando Henrique, Tancredo liderou a campanha pelas "Diretas Já". A despeito da maior adesão popular da história, a Câmara sepultou a emenda Dante de Oliveira, que estabelecia a volta das eleições diretas para presidente. Ainda assim, a comoção social foi tamanha forçou a convocação do colégio eleitoral formado por 686 deputados, senadores e delegados estaduais. Em 15 de janeiro de 1985, Tancredo venceu Maluf — que era apoiado pelos militares — 480 a 180 votos.

 

 Ulysses chegou a cogitar disputar mas foi preterido pela chapa mista formada com o PFL de José Sarney Sr. Diretas e entregou a Tancredo o programa denominado Nova República, que previa eleições diretas em todos os níveis, educação gratuita, congelamento dos preços da cesta básica e dos transportes, entre outras benesses. Se tivesse sido ele o escolhido pelo colégio eleitoral, talvez disputasse — e vencesse — a eleição solteira de 1989. Sem Collor no Planalto e Zélia no Ministério da Fazenda, não teria havido sequestro dos ativos financeiros, congelamento da poupança e a sequência de planos econômicos fracassados que precederam o Plano Real. Assim, talvez a redução da miséria brasileira tivesse começado muito antes e hoje houvesse mais gente com salário digno e casa para morar.

 

Nada garante que teria sido assim, mas, mesmo que fosse, o Brasil — esse eterno laboratório de desilusões políticas — ainda teria muito chão para tropeçar. A eleição direta de 1989, com 22 candidatos e uma população faminta por mudanças, virou palco de um espetáculo grotesco que consolidou a crença de que o próximo salvador da pátria viria embalado em promessas vazias, frases de efeito e, claro, uma bela embalagem televisiva. E assim seguimos, entre urnas e urros, tropeçando em nossas escolhas.

 

Continua...

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

RETROSPECTIVA — TERCEIRA PARTE

Conhecimentos não-empíricos, como os obtidos através de inexatos livros de História, não autorizam ninguém a pleitear volta dos fardados ao poder. 

A ditadura instituída pela assim chamada Revolução de 1964 foi um golpe militar desfechado na madrugada de 1º de abril, quando líderes civis e militares conservadores depuseram o então presidente João Goulart e empossaram o marechal Humberto de Alencar Castello Branco, a pretexto de afastar do poder um grupo político que supostamente flertava com o comunismo. 

Em 1968, o “linha-dura” Costa e Silva decretou o AI-5, produzindo um elenco de ações arbitrárias que prevaleceram durante o período mais repressivo do regime. Em 1974, Geisel deu início ao lento processo de abertura que poria fim, dali a 11 longos anos, à malfadada ditadura — que se estendeu por intermináveis 21 anos, durante os quais, além de Castello, outros quatro generais presidiram o país, a saber: Costa e SilvaMédiciGeisel Figueiredo

O desgaste do governo militar propiciou a eleição (indireta) de Tancredo Neves, que derrotou Paulo Maluf no Colégio Eleitoral (por 480 votos a 180), em 15 de janeiro de 1985, graças à união do PMDB com a chamada Frente Liberal (formada por dissidentes do partido que dava sustentação ao militares). 

O fim da ditadura não foi uma “consequência natural do espírito democrático” dos generais Geisel e Figueiredo, e tampouco transcorreu sem turbulências e acidentes de percurso. O processo só foi concluído graças a manifestações populares pró-diretas que reuniram cerca de 1,5 milhão de pessoas na Candelária e 1 milhão no Vale do Anhangabaú. A mais emblemática delas lotou a Praça da Sé, em janeiro de 1984, com 300 mil pessoas carregando faixas e vestindo camisetas onde se lia a inscrição “EU QUERO VOTAR PARA PRESIDENTE”.

ObservaçãoOs movimentos pró “Diretas Já” pugnavam pela aprovação da emenda constitucional Dante de Oliveira, que visava restaurar o direito às eleições diretas. Os manifestantes apareceram espontaneamente para ouvir e aplaudir líderes políticos do quilate de Ulysses GuimarãesTancredo NevesLeonel BrizolaFernando Henrique Cardoso e Lula, além de artistas e intelectuais que se revezavam ao microfone. Em meados dos anos 1980, a Internet ainda era uma ilustre desconhecida, e as redes sociais só surgiriam e se popularizariam quase duas décadas depois.

O deputado Ulysses Guimarães, então presidente da Câmara, entregou a Tancredo o programa denominado Nova República, que previa eleições diretas em todos os níveis, educação gratuita, congelamento de preços da cesta básica e dos transportes, entre outras benesses.

Com esperança e ânimos redobrados, os brasileiros ansiavam pela chegada do dia 15 de março — data prevista para a posse do primeiro civil na Presidência em 21 anos. Mas o que deveria ser a festa da democracia se transformou em luto nacional: Tancredo foi internado 12 horas antes da cerimônia e morreu 38 dias e 7 cirurgias depois, levando para o túmulo a esperança de milhões de brasileiros.

O sepultamento do político em São João Del Rey (MG) produziu um dos maiores cortejos fúnebres já vistos no país: o féretro foi seguido por mais de 2 milhões de pessoas por São Paulo, Brasília e Belo Horizonte, a caminho da cidade natal daquele que foi, sem jamais ter sido, o maior presidente do Brasil.

Após algumas discussões jurídicas sobre a possibilidade de o então presidente da Câmara ser guindado ao Palácio do Planalto, prevaleceu o entendimento de que o rebotalho do coronelismo nordestino José Sarney, vice na chapa vencedora, deveria assumir a Presidência. E foi o que aconteceu, para o bem e para o mal.

É no mínimo curioso o fato de que muita gente que nem era nascida quando a eleição de Tancredo marcou o fim da ditadura se diz saudosa dos "anos de chumbo". Essa caterva compareceu em peso nas manifestações de 7 de Setembro último, para beber as palavras golpistas de seu despirocado “mito”.

Enquanto os brasileiros não se conscientizarem de que voto é coisa séria — e não perceberam a força que têm —, continuaremos amargando agentes públicos fisiologistas, vendilhões e ladrões. E, guardadas as devidas proporções, o mesmo raciocínio vale para o Poder Judiciário.

Como instituição, tanto a Presidência da República quanto o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal merecem nosso mais profundo respeito. Mas daí a dizer que o atual chefe do Executivo (bem como os que o precederam desde a "redemocratização"), os 513 deputados federais, os 81 senadores e os 11 togados supremos merecem o mesmo tratamento é confundir alhos com bugalhos.

ObservaçãoConfundir alhos com bugalhos é o mesmo que trocar as bolas, ou, por extensão, meter os pés pelas mãos. O que muita gente não sabe é que bugalhos são bulbos comestíveis de textura semelhante à do alho, cujo formato de pênis inspirou um fado que os marujos lusitanos cantavam nos tempos de Cabral: “Não confundas alhos com bugalhos / Nem tampouco bugalhos com caralhos”.

Continua...

sábado, 7 de janeiro de 2017

SAUDOSISMO - CUIDADO COM O QUE VOCÊ DESEJA

Para alguns, a palavra “saudade” existe somente no português; para outros, isso não passa de um mito. Verdade ou não, o termo ficou em 7º lugar no ranking das palavras mais difíceis de traduzir da empresa britânica Today Translations.

Saudade deriva do latim solitas, solitatis, que, em latim, significa “solidão”, “desamparo”, “abandono”. Daí o significado de “desejo de um bem do qual se está privado”; “lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhada do desejo de tornar a vê-las ou possuí-las”.

Segundo a professora Luísa Galvão Lessa, Doutora em Língua Portuguesa pela UFRJ e membro da Academia Brasileira de Filologia, os demais idiomas têm dificuldade em traduzir ou atribuir um significado preciso a “saudade”, mas o fato de uma língua não ter palavra que, por si mesma, possa traduzir-se por “saudade” não significa que o povo que a fala não conheça tal sentimento. Tal conceito pode ser, nessa língua ou em outras, expresso por mais de uma palavra. No inglês, por exemplo, têm-se várias tentativas: homesickness (equivalente a saudade de casa ou do país), longing e to miss (sentir falta de uma pessoa); no castelhano, te extraño; no francês, j’ai regret, e no alemão, Ich vermisse dish.

Talvez essas expressões não definam com exatidão o sentimento luso-brasileiro de saudade, mas aí já é outra história; para os propósitos deste preâmbulo, interessa dizer que a lembrança é o elo que liga o passado ao presente, e que é fundamental separar a saudade do saudosismo de achar que tudo era melhor, mais bonito e mais feliz.

Saudosistas, não raro, idolatram um passado que nunca existiu. Um exemplo disso é que, diante do calamitoso cenário político atual, algumas pessoas dizem ter saudades dos tempos da ditadura, mas, quando se vai se ver, nem se conheciam por gente nos assim chamados “anos de chumbo”. E conhecimentos não-empíricos, de segunda-mão, obtidos através de inexatos livros de História, não autorizam, salvo melhor juízo, pleitear volta dos militares.

A ditadura militar foi instituída em março de 1964, com a deposição do então presidente João Goulart e a posse do marechal Humberto de Alencar Castello Branco, e se estendeu ao longo de 21 anos, sob o comando dos generais Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo, nessa ordem. 

Em 1968, o “linha-dura” Costa e Silva decretou o AI-5, produzindo um elenco de ações arbitrárias de efeitos duradouros que prevaleceram durante os “anos de chumbo”, o período mais repressivo do governo militar. Em 1974, Geisel deu início ao lento processo de abertura que, 11 anos depois, poria fim no regime de exceção com a eleição (indireta) de Tancredo Neves ― o primeiro presidente civil em mais de duas décadas ―, embora quem assumiu o posto foi seu vice, José Sarney.

O fim da ditadura não foi uma “consequência natural do espírito democrático” de Geisel e Figueiredo, e tampouco transcorreu sem turbulências e acidentes de percurso. Aliás, o processo de abertura só foi concluído devido às manifestações populares pró-diretas, que em 1983, reuniram 1,5 milhão de pessoas na Candelária (RJ) e 1 milhão no vale do Anhangabaú (SP). A mais emblemática delas lotou a Praça da Sé (também em São Paulo), em janeiro de 1984, com 300 mil pessoas carregando faixas e vestindo camisetas onde se lia a inscrição “EU QUERO VOTAR PARA PRESIDENTE” ― note que os manifestantes apareceram espontaneamente para ouvir e aplaudir líderes como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Leonel Brizola, Fernando Henrique Cardoso, Lula e outros políticos, artistas e intelectuais que se revezavam ao microfone, pois a internet era então uma ilustre desconhecida e as redes sociais só surgiriam e se popularizariam quase duas décadas depois.

Observação: Em rápidas pinceladas, a “Revolução de 1964” ― cuja data “comemorativa” é 31 de março ― foi um golpe de Estado desfechado na madrugada de 1º de abril daquele ano, quando líderes civis e militares conservadores derrubaram o presidente João Goulart, a pretexto de afastar do poder um grupo político que supostamente flertava com o comunismo.

Nos movimentos pró “Diretas Já”, pugnava-se pela aprovação da emenda constitucional Dante de Oliveira, que visava restaurar o direito às eleições diretas suspenso pelos militares. No dia da votação, exatos 20 anos depois do golpe, uma manobra de bastidores tirou da Câmara 112 deputados, e a emenda foi rejeitada, a despeito do clamor das ruas. Em outras palavras, o povo foi traído pelos políticos, para variar. Mas o desgaste do governo propiciou a eleição (indireta) de Tancredo Neves, que venceu Paulo Maluf no Colégio Eleitoral (por 480 votos a 180), depois de unir o PMDB à chamada Frente Liberal, formada por dissidentes do PDS, que dava sustentação ao governo militar.

Em janeiro de 1985, o então deputado federal Ulysses Guimarães ― que chegou a ser cogitado para disputar a presidência da República pelo PMDB contra o pedessista Paulo Maluf, mas acabou sendo preterido pela chapa “mista” formada com o PFL de Sarney ― entregou a Tancredo o programa denominado Nova República, que previa eleições diretas em todos os níveis, educação gratuita, congelamento de preços da cesta básica e dos transportes, entre outras benesses. Com esperança e ânimos redobrados, os brasileiros ansiavam pela chegada do dia 15 de março, data prevista para a posse do primeiro presidente civil depois de 21 anos e a volta dos militares às casernas. Mas o que deveria ser a festa da democracia se transformou em luto nacional: Tancredo foi internado na véspera da posse e faleceu em 21 de abril (num dos maiores cortejos fúnebres já vistos no país, seu esquife foi acompanhado por mais de 2 milhões de pessoas por São Paulo, Brasília e Belo Horizonte, a caminho de São João Del Rey, onde o corpo do político foi sepultado).

Depois de algumas discussões jurídicas sobre a possibilidade de o então presidente da Câmara dos Deputados (Ulysses Guimarães) assumir a presidência, prevaleceu o entendimento de que José Sarney, vice na chapa de Tancredo, deveria ser empossado. E foi o que aconteceu, para o bem e para o mal, como veremos no próximo capítulo desta retrospectiva. Abraços a todos e até lá.

Confira minhas atualizações diárias sobre política em www.cenario-politico-tupiniquim.link.blog.br/

domingo, 19 de setembro de 2021

COISAS DO BRASIL



O habito não faz o monge nem a faixa, o presidente. Há que haver conteúdo sob ou por detrás desses adereços indumentários. Notadamente o enfeite tiracolar transferido pelo ex-presidente a seu sucessor na cerimônia de posse — que, desde os idos de 1972, acontece sempre no dia 1º de janeiro do ano subsequente ao da eleição e tem início na Catedral de Brasília, a despeito do inciso VI do artigo 5º da Constituição. Coisas do Brasil.

Depois de desfilar no Rolls Royce Presidencial até o prédio do Congresso Nacional, Bolsonaro assinou o termo de posse, jurou "manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil" e recebeu de Michel Temer a faixa presidencial.

Bolsonaro jamais leu a Constituição que jurou defender e, como o escorpião da fábula, é incapaz de contrariar a própria natureza. Apesar de reconhecer que não nasceu para ser presidente, mas para ser militar, foi expelido da Escola de Oficiais do Exército por indisciplina e insubordinação (mas acabou sendo absolvido das acusações pelo STM). No ano seguinte, elegeu-se vereador e depois deputado federal por sete mandatos consecutivos, ao longo dos quais aprovou dois míseros projetos e colecionou mais de trinta ações criminais. Em 2018, foi alçado à Presidência por uma esdrúxula conjunção de fatores, entre os quais um mal explicado atentado que sofreu durante um ato de campanha em Juiz de Fora (MG). 

Bolsonaro disputa com Dilma — o poste com que Lula empalou os brasileiros em 2010 — o título de pior mandatário desde a redemocratização (e não por falta de concorrentes de peso). Com a autoridade de quem sabe das coisas, o general Ernesto Beckmann Geisel — penúltimo presidente da ditadura e mentor intelectual da reabertura política lenta, gradual e segura — definiu o então capitão da ativa comoum caso completamente fora do normal, inclusive mau militar”.

O último general-presidente, João Baptista de Oliveira Figueiredo que preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo (povo que, segundo ele, "não sabe nem escovar os dentes, quanto mais votar para presidente"), negou-se a passar a faixa presidencial a José Sarney (faixa a gente transfere para presidente, não para vice, e esse é um impostor). Coisas do Brasil.

A título de contextualização, vale lembrar que a Revolução de 1964 — cuja data “comemorativa” é 31 de março — foi um golpe de Estado desfechado na madrugada de 1º de abril, por líderes civis e militares conservadores, a pretexto de afastar do poder um grupo político que supostamente flertava com o comunismo.

Nos movimentos pró “Diretas Já”, pugnava-se pela aprovação da emenda constitucional Dante de Oliveira, que visava restaurar o direito às eleições diretas suspenso pelos militares. No dia da votação, exatos 20 anos depois do golpe, uma manobra de bastidores tirou da Câmara 112 deputados. A despeito do clamor das ruas, a emenda foi rejeitada — em outras palavras, o povo foi traído (mais uma vez) pela classe política, o câncer social que, infelizmente, é um mal necessário. Coisas do Brasil.

O desgaste do governo propiciou a vitória de Tancredo Neves em um colégio eleitoral — por 480 votos contra 180, a raposa mineira derrotou Paulo Maluf (que era apoiado pelos militares) depois de unir o PMDB à chamada Frente Liberal — formada por dissidentes do PDS, que dava sustentação ao governo militar. 

Em janeiro de 1985, o deputado federal Ulysses Guimarães — que chegou a ser cogitado para disputar a presidência da República pelo PMDB contra Maluf, mas acabou sendo preterido pela chapa “mista” formada com o PFL de Sarney — entregou a Tancredo o programa denominado Nova República, que previa eleições diretas em todos os níveis, educação gratuita, congelamento de preços da cesta básica e dos transportes, entre outras benesses.

Com esperança e ânimos redobrados, os brasileiros ansiavam pela chegada do dia 15 de março, data prevista para a posse do primeiro presidente civil após 21 anos de ditadura militar. Mas Tancredo foi hospitalizado 12 horas antes da cerimônia e teve o óbito declarado 38 dias e sete cirurgias depois — ironicamente, no feriado de 21 de abril, data em que o Brasil homenageia Tiradentes, o mártir da independência. Coisas do destino.

Tancredo levou para o túmulo a esperança de milhões de brasileiros, mas deixou de herança um neto que  envergonharia o país e um mix de oligarca maranhense, escritor, poeta e acadêmico chamado José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, mais conhecido como “Zé do Sarney”. A possibilidade de Ulysses Guimarães, então presidente da Câmara, ser guindado ao Palácio do Planalto chegou a ser cogitada, mas prevaleceu o entendimento de que caberia a José Sarney, vice na chapa de Tancredo e rebotalho do coronelismo nordestino, assumir a Presidência. E foi o que aconteceu, para o bem e para o mal.

Observação: A origem da alcunha — que o político maranhense usava para fins eleitorais desde 1958 e acabou incorporando oficialmente em 1964 — é atribuída ao fato de seu pai ter sido batizado Sarney de Araújo Costa em homenagem a um inglês de conhecido como Sir Ney, em cuja fazenda José Ribamar nasceu. Coisas do Maranhão.

Fisiologista como poucos e puxa-saco de carteirinha dos poderosos de plantão, Sarney (o filho) sobreviveu à ditadura, mas sua infausta gestão à frente da Presidência foi marcada pela hiperinflação. Tanto o Plano Cruzado quanto os "pacotes econômicos" que se lhe sucederam foram baseados no congelamento de preços e salários, e da feita que repetir o mesmo erro várias vezes esperando produzir um acerto é a melhor definição de idiotice que eu conheço, não causou estranheza o fato de todos fazerem água em questão de meses. 

Em 20 de fevereiro de 1987, pressionado pela queda nas reservas cambiais, Sarney fez um pronunciamento em rede nacional anunciando a suspensão, por tempo indeterminado, do pagamento dos juros da dívida externa — evitando usar a palavra "moratória", como se isso produzisse algum resultado positivo (ou menos negativo) na medida adotada. Coisas do Brasil.

Sarney deixou a Presidência com a popularidade em patamares abissais, tanto que transferiu seu domicílio eleitoral para o recém-criado Estado do Amapá, pelo qual teria chances de conseguir uma vaga no Senado. Como era esperado, seus adversários impugnaram se insurgiram contra o cambalacho, mas o STF o avalizou. Conta-se que o ministro Celso de Mello, que teve os ombros recobertos pela suprema toga graças ao oligarca maranhense, votou pela impugnação da candidatura do benfeitor. 

O ex-ministro da Justiça Saulo Ramos quis saber por quê. Mello respondeu que a Folha havia publicado que Sarney tinha os votos certos de vários ministros e citara seu nome como um deles. "E você votou contra porque a Folha noticiou que votaria a favor?", perguntou Saulo. "Exatamente", respondeu Mello. E Saulo: "Então você é um juiz de merda!"

Sarney deixou a vida pública em 2014, aos 83 anos, a pretexto de se dedicar à literatura em tempo integral. Conta-se que, após um dilúvio assolar o Maranhão, a então governadora Roseana Sarney — filha do macróbio — telefonou ao pai para informar que metade do Estado estava debaixo d’água. Sarney perguntou-lhe candidamente: "A sua metade ou a minha?

Nas eleições gerais de 2018, os pimpolhos do velho cacique maranhense foram penalizados na urnas: nem Zequinha se reelegeu deputado, nem Roseana — que governou o Maranhão por quatro legislaturas desde 1995 — conseguiu desbancar o pecedebista Flavio Dino — que se reelegeu governador com 59,29% dos votos válidos.

Como dito parágrafos acima, Figueiredo se recusou a transferir a faixa presidencial a Sarney. Não foi o primeiro nem o único caso na história republicana do Brasil. Coisa de país de terceiro mundo? Não necessariamente. Nos EUA, o ex-presidente Donald Trump, ídolo e muso inspirador do capitão-cloroquina, não só deu trabalho para ser desencalacrado do cargo como não compareceu à cerimônia de posse de Joe Biden, o que representa uma quebra de protocolo na tradição democrática americana, mas, como dito, encontra apoio na ala conservadora da política brasileira.

Na história do Brasil, o exemplo mais recente de um chefe do Executivo que se recusou a comparecer à posse de seu sucessor foi Figueiredo, conforme já foi dito nesta postagem. Sobre Sarney, o general disse à revista IstoÉ, pouco antes de sua morte, em 1999: "Sempre foi um fraco, um carreirista. De puxa-saco passou a traidor. Por isso não passei a faixa presidencial para aquele pulha. Não cabia a ele assumir a Presidência".

A quebra de protocolo em Brasília foi relembrada pelo neto do general, minutos depois de o presidente americano anunciar que não compareceria à posse do sucessor. "Meu avô também não compareceu à posse de seu sucessor, que chegava ao poder de forma ilegítima. Agiu conforme suas convicções. Assim devem fazer os homens de caráter!", postou no Twitter o empresário Paulo Figueiredo Filho. Coisas do Brasil.

Figueiredo não foi o único a se recusar a cumprir os ritos de transição no Brasil. A República ainda engatinhava quando Floriano Peixoto, que governou de 1891 a 1894, decidiu não comparecer à posse de Prudente de Morais porque não via com bons olhos a chegada de um civil ao poder. Afonso Pena também não passou a faixa a seu sucessor, Nilo Peçanha (e nem poderia, porque Nilo era vice de Pena, a quem substituir em virtude de sua morte, em 1909). Em 1954, Café Filho viu-se presidente do dia para a noite e começou a governar o país sem a bênção de seu antecessor, Getúlio Vargas, que "foi suicidado" com um tiro no peito em 24 de agosto de 1954.

Após o impasse entre Figueiredo e Sarney, somente dois presidentes eleitos diretamente (FHC e Lulareceberam e passaram a faixa a seus sucessores. O primeiro presidente eleito diretamente após a ditadura militar — o pseudo caçador de marajás Fernando Collor de Mello — recebeu a faixa de Sarney em março de 1990, mas renunciou ao mandato em dezembro de 1992 (e foi impichado mesmo assim, de modo que não passou a faixa a Itamar Franco).

Itamar, por sua vez, tomou posse em uma cerimônia breve e só usou a faixa presidencial no último de seus dois anos e três dias de governo, quando a colocou sobre os ombros de FHC. O tucano, presidente por dois mandatos, cumpriu o mesmo protocolo na posse de Lula, em 2003. Oito anos depois, foi a vez de Dilma ser destituída em um processo de impeachment — e não comparecer à posse de Michel Temer. Em janeiro de 2019, o vampiro do Jaburú repassou a faixa ao mandatário de fancaria que, por mal de nossos pecados, diz que "só Deus o tira da cadeira presidencial". Coisas do Brasil.

Bolsonaro na presidência era tudo de que o os brasileiros não precisavam, mas tornou-se a única alternativa válida depois que o ilustríssimo eleitorado tupiniquim o escalou para enfrentar o bonifrate do presidiário de Curitiba no segundo turno do pleito de 2018. Voltando à paráfrase de Bolsonaro a uma fala de Figueiredo, “plagiar é, implicitamente, admirar”, como bem disse o intelectual lusitano Júlio Dantas. Mas a pergunta que não quer calar é: se não nasceu para ser presidente, por que Bolsonaro fez da reeleição seu projeto de governo?

"Prometo que, se eleito, vou trabalhar noite e dia, durante os quatro anos do meu mandato… para ser reeleito”. Eis a promessa mais sincera e verdadeira feita pelo então candidato, como salientou o ex-delegado federal Jorge Pontes num artigo publicado em Veja. "Teremos um lapso de quatro anos praticamente jogados fora, destinados apenas à pavimentação de mais um — improvável — mandato presidencial", profetizou o policial, em agosto do ano passado.

Assim, graças à verdadeira herança maldita deixada pelo grão-duque do Tucanistão, assistimos a um mandatário eleito com juras de grandes mudanças e discursos anti-establishment emular Dilma, a inesquecível, e fazer o diabo para se reeleger.

A vitória de Bolsonaro foi um caso clássico de emenda pior que o soneto. Embora seja preferível acender a vela a amaldiçoar a escuridão, unir forças com os sectários do bolsonarismo boçal para evitar a volta da cleptocracia lulopetista foi como libertar da garrafa um gênio malfazejo e não saber como prendê-lo de volta. E urge fazê-lo, pois o Brasil dificilmente sobreviverá a mais cinco anos sob o descomando desse mafarrico.  

Segundo a revista eletrônica Crusoé, o presidente de fato desta banânia (falo do centrista Ciro Nogueira) disse a um empresário que Bolsonaro está "cada vez mais mercurial e incontrolável". O diagnóstico perturbador do ministro recém-empossado com promessas de carta branca jamais cumpridas reflete o estado de ânimo atual de setores do Centrão e de boa parte do Congresso. Embora estejam bem servidos em postos estratégicos e se lambuzando no poder desde que que o chefe do Executivo de festim lhes entregou a chave do cofre, a centralhada já entendeu que a aliança tem prazo de validade, e que esse prazo não é longo. Para as marafonas do parlamento, Bolsonaro é um político fadado ao infortúnio, seja pelo impeachment, pela cassação no TST ou derrota nas urnas. E convenhamos que não é preciso ser nenhum "Nostradamus" para fazer tal previsão.

Ainda segundo a reportagem, depois que o desembarque do governo passou a ser debatido a sério entre os partidos que compõem o Centrão, o presidente pato-manco enviou pelo líder do governo na Câmara — o ilibadíssimo Ricardo Barros, a quem o senador Omar Aziz, relator da CPI do Genocídio, se refere como responsável por um balcão de negócios com o Congresso que está a todo vapor — o recado de que continua em pé o esforço para conter possíveis defecções em sua base de apoio.

Entrementes, a despeito da carestia, a inflação oficial segue acima do esperado. O IPCA, medido pelo IBGE, acelerou para 9,68% no acumulado em 12 meses, levando a uma onda de revisões entre os economistas. Na segunda-feira, 13, o Boletim Focus, do Banco Central, registrou a 23ª alta consecutiva da mediana das projeções para o IPCA no fim de 2021, que agora está em 8%. Mas isso é assunto para uma próxima postagem.

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

NÃO PODE DAR CERTO — SEXTA PARTE


O fim da ditadura militar não foi uma “consequência natural do espírito democrático” dos generais Ernesto Geisel e João Figueiredo, nem tampouco transcorreu sem turbulências e acidentes de percurso. Aliás, o processo de abertura só foi concluído devido a manifestações populares pró-diretas que, em 1983, reuniram cerca de 1,5 milhão de pessoas na Candelária (na Cidade Maravilhosa) e 1 milhão no vale do Anhangabaú (em Sampa). A mais emblemática delas lotou a Praça da Sé (também na capital paulista), em janeiro de 1984, com 300 mil pessoas carregando faixas e vestindo camisetas onde se lia a inscrição “EU QUERO VOTAR PARA PRESIDENTE”.

ObservaçãoOs manifestantes apareceram espontaneamente para ouvir e aplaudir líderes como Ulysses Guimarães, Tancredo NevesLeonel Brizola, Fernando Henrique Cardoso, Lula e outros políticos, além de artistas e intelectuais que se revezavam ao microfone. Em meados dos anos 1980, a Internet ainda era uma ilustre desconhecida e as redes sociais só surgiriam e se popularizariam quase duas décadas depois.

Os movimentos pelas “Diretas Já” pugnavam pela aprovação da Emenda Constitucional Dante de Oliveira, que visava restabelecer as eleições diretas suspensas pelos militares desde 1964. No dia da votação, exatos 20 anos após o golpe, uma manobra de bastidores tirou da Câmara 112 deputados. A despeito do clamor das ruas, a emenda foi rejeitada, ou por outra, o povo foi traído (mais uma vez) pela classe política, o câncer social que consideramos um mal necessário.

O desgaste dos militares propiciou a vitória de Tancredo Neves sobre Paulo Maluf  em 15 de janeiro de 1985. A raposa mineira derrotou o turco lalau por 480 votos a 180 num colégio eleitoral formado por deputados federais, senadores e delegados das Assembleias Legislativas dos Estados. O então presidente da Câmara, Ulysses Guimarães, que chegou a ser cogitado para disputar a presidência da República pelo PMDB, mas acabou preterido pela chapa “mista” formada com o PFL de Sarney, entregou a Tancredo o programa "Nova República", que previa eleições diretas em todos os níveis, educação gratuita, congelamento de preços da cesta básica e dos transportes, entre outras benesses.

Com esperança e ânimos redobrados, os brasileiros aguardavam ansiosamente o dia 15 de março, data prevista para a posse do primeiro presidente civil depois de 21 anos, mas o que deveria ser a festa da democracia transformou-se em luto nacional: Tancredo foi hospitalizado horas antes da cerimônia e dado como morto 38 dias e 7 cirurgias depois. Seu sepultamento em São João Del Rey (MG) produziu um dos maiores cortejos fúnebres já vistos no país: o féretro foi seguido por mais de 2 milhões de pessoas por São Paulo, Brasília e Belo Horizonte, a caminho da cidade natal daquele que foi, sem jamais ter sido, o maior presidente de toda a história republicana do Brasil.

Após embates jurídicos acerca da possibilidade de Ulysses ser guindado ao Palácio do Planalto, prevaleceu o entendimento de que o José Sarney, vice na chapa de Tancredo e expoente do coronelismo nordestino de cabresto, deveria assumir a Presidência, e foi o que aconteceu, para o bem e para o mal.

Oficialmente, o verdugo do Planalto é o 38º presidente desta desditosa banânia, que, também oficialmente (segundo dados da plataforma de monitoramento do ministério da Saúde) está prestes a superar 600 mil vítimas fatais da Covid — segundo diversos infectologistas, imunologistas e outros "istas", cerca de ¾ dessas mortes poderiam ter sido evitadas se o luminar do negacionismo que ainda ocupa a Presidência tivesse agido com um mínimo de competência no gerenciamento da pandemia, em vez de dar ouvidos a um bando de lunáticos desvairados, membros eméritos de um desprezível "gabinete paralelo", segundo o qual o mandatário de fancaria deveria apostar na imunidade de rebanho, cagar e andar para máscaras, isolamento e vacinas, como isso bastasse para a economia voltar a crescer e o projeto "reeleitoreiro" do rascunho do mapa do inferno se concretizar.

Antes de focar esse despresidente bizarro e sua desprezível caterva de apoiadores despirocados, há que dedicar alguns parágrafos à súcia de imprestáveis que presidiram esta banânia desde a redemocratização. Antes, porém, destaco algumas curiosidades:

A cidade de Salvador (BA) foi a capital deste arremedo de banânia entre 1549 e 1763. No Rio, o Palácio do Itamaraty sediou o Executivo Federal até 1897, quando Prudente de Moraes e seu staff passaram a ocupar o Palácio do Catete. A ideia de transferir o DF para o interior era antiga; em 1761, o Marques de Pombal fez essa sugestão, que José Bonifácio ressuscitou em 1823. Mas foi no final dos anos 1950, durante o governo de Juscelino Kubitschek, que Brasília foi construída do nada, no meio do nada, para ser o novo Distrito Federal, e o Palácio do Planalto, inaugurado em 21 de abril de 1960, a nova sede do governo federal.

O que pouca gente sabe é que Curitiba foi capital da República por três dias — de 24 e 27 de março de 1969 — e que, desde e o golpe militar que substituiu a monarquia parlamentarista pela república presidencialista, em 1899, o Brasil teve nove presidentes eleitos de forma direta dos quais apenas quatro completaram seus mandatos: Eurico Gaspar Dutra, vencedor daquela que é considerada a primeira eleição verdadeiramente democrática do Brasil, em 1945; Juscelino Kubitschek, eleito em 1955; Fernando Henrique Cardoso, eleito no primeiro turno dos pleitos de 1994 e 1998; e o "ex-corrupto" Lula, que se elegeu no segundo turno em 2002 e 2006. Dos outros cinco, Getúlio Vargas “foi suicidado” com um tiro no peito, digo, foi encontrado morto com um tiro no peito em 24 de agosto de 1954, após ser acusado de tramar um atentado contra o jornalista Carlos Lacerda e de 27 generais (sempre eles!) exigirem publicamente sua renúncia (sua "carta-testamento" se notabilizou pelas palavras finais: "saio da vida para entrar na História").

Em outubro de 1955, quando JK foi eleito, a ala conservadora, os militares, Café Filho — que passou de vice a titular com o “suicídio” de Vargas — e o presidente da Câmara Carlos Luz — que assumiu interinamente a Presidência com o afastamento de Café — urdiram um golpe de Estado para impedir a posse do presidente eleito. Assim que subiu de posto, Luz substituiu o general Henrique Lott pelo também general Álvaro Fiúza de Castro no comando do Ministério da Guerra. Sentindo o cheiro do golpe, Lott depôs Luz (que foi impichado em 11 de novembro, 4 dias após a posse) e alçou ao cargo o então presidente do Senado, Nereu Ramos. Assim, pela primeira vez na história, o Brasil teve três presidentes da República numa única semana.

 Continua...

domingo, 31 de janeiro de 2021

NEM O HUMOR EXISTE MAIS

 


Na avaliação de Dora Kramer, nunca, ao menos na História recente, uma eleição para as presidências da Câmara e do Senado determinou ou sequer influiu no resultado da escolha do presidente da República que pelo cronograma político ocorre quase dois anos depois. E não será desta vez que essa determinante estará presente.

No máximo, a disputa parlamentar serve de indicativo sobre a força e a influência do Executivo no Congresso. Ainda assim, isso só ocorre de maneira acentuada quando há oponentes de identificação governo/oposição marcadamente diferentes. Quando o deputado Arlindo Chinaglia perdeu para Eduardo Cunha, em 2015, o resultado sinalizou a situação precária da então presidente Dilma, que insistiu num candidato do PT e no ano seguinte sofreria impeachment. Nada parecido ocorre agora, quando não há diferenças radicais entre os principais adversários que, aliás, fazem discursos relativamente amenos entre si.

Ricardo Noblat relembra que, na eleição para a presidência da Câmara em 2019, a vitória de Rodrigo Maia eram favas contadas, mas na do Senado houve de tudo. Davi Alcolumbre sentou-se na cadeira de presidente e conduziu a própria eleição. Ao final, 82 votos foram depositados nas urnas — vale lembrar que o Senado é composto por 81 parlamentares. Este ano, um grupo expressivo de deputados que votarão em Arthur Lira, o candidato de Bolsonaro e do Centrão, cogitam de fotografar o próprio voto para. Estão sendo incentivados a isso pelo governo, em parte para desmoralizar de vez o voto secreto, mas também porque o governo teme traições e não quer pagar o que prometeu a quem o traiu. Portanto, voltamos aos tempos da Velha República, onde as eleições eram fraudadas.

O cenário pré-eleitoral pode até servir como arma na batalha de comunicação com a opinião pública, mas não reflete o quadro real da cena de 2022”, diz Dora, para quem “o desenho será definido ao longo dos próximos meses e depende mais do desempenho de Bolsonaro que dos presidentes da Câmara e do Senado, independentemente de quem sejam”. Tomara que ela esteja certa.

Dora pondera ainda que governar requer prática, discernimento, experiência e habilidade, e que escolher um governante com boa chance de acertar tampouco é tarefa fácil, donde o ideal seria que o eleitorado exigisse de si o mesmo e mais um pouco, tendo o preparo da pessoa escolhida como fator determinante numa eleição.

Observação: É exatamente isso que venho dizendo desde sempre, ao atribuir a culpa por nossas mazelas às péssimas escolhas feitas pelo “esclarecidíssimo eleitorado tupiniquim nas últimas três décadas e meia de “redemocratização”. Com exceção de FHC, eleito duas vezes no primeiro turno com base na questão objetiva de gestão, tudo o mais foram escolhas referidas em presunções não raro enganosas que, no confronto com a realidade, mais adiante geraram decepções.

Em 1989 havia 22 opções, alguma boas, outras certamente bem melhores que o aludido caçador de marajás. Em 2002 deixou-se de lado a continuidade de FH representada por homem (José Serra) de inequívoco preparo em nome da ideia de que o desculturado exótico com nome de molusco seria, afinal, a redenção dos pobres e a salvação do país.

Seguimos na mesma toada nas outras eleições, levando à Presidência a “mulher do Lula”, de novo em detrimento de José Serra, que já havia dado inúmeras demonstrações de competência no ramo de governo, mas era “muito antipático” para nossos padrões de camaradagem. Até que chegamos a Bolsonaro, cujas credenciais serviam no máximo para lhe assegurar lugar no panteão das figuras folclóricas, mas sem atuação consistente em 27 anos de vida no Congresso com destaque meramente caricato.

Diante de tal jornada de escolhas guiadas pelo impressionismo de ocasião, não é de estranhar que o Brasil tenha destronado pela via constitucional dois presidentes e já esteja pensando em impedir um terceiro, no espaço de menos de trinta anos. Isso fala dos mandatários, mas fala, sobretudo, dos respectivos eleitorados.

Na avaliação do ex-senador, ex-ministro e ex-governador Cristóvão Buarque, precisamos mais que nunca de um presidente capaz de inspirar coesão no presente e rumo para o futuro. Nossa tarefa imediata é impedir a continuação do atual quadro de divisão sectária, negação da realidade, incompetência gerencial e falta de foco no longo prazo.

Em 1985, consciente da responsabilidade de impedir a continuação do regime militar, os democratas se uniram, desde os mais progressistas aos mais conservadores, com exceção do PT, que preferiu não votar em Tancredo Neves. A união permitiu cinco anos de democracia, com sucessivas eleições para escolher rumos conforme a proposta de cada candidato. Por nossos erros, nossas divisões, por prioridades e comportamentos equivocados, deixamos que forças autoritárias e retrógradas voltassem ao poder com o voto dos eleitores. Corremos o risco desta interrupção de nossa marcha ao futuro continuar, reeleita pelo eleitor. Para eleger um presidente que nos conduza ao futuro é preciso primeiro impedir um presidente que só vê o passado e destrói o presente construído nos últimos 35 anos de democracia.

Os candidatos naturais em 1985, grandes líderes, entenderam do que a história precisava e adiaram suas candidaturas para 1989, dentro do marco democrático. Fizeram unidade e garantiram transição. Nossa tarefa imediata, portanto, é impedir a continuação do retrocesso elegendo um presidente que permita retomar o debate democrático com bom senso, respeito à verdade e ao contraditório. Para enfrentar o atual, é preciso haver união em torno um candidato único, com baixa rejeição entre os eleitores, que deixe seus projetos, metas e interesses pessoais para a eleição seguinte. Alguém que seja capaz de manter os acertos da democracia, que atraia o eleitorado e que se comprometa a disputar um único mandato. Se os demais postulantes não adiarem suas disputas para 2026, assumirão o risco de ver 2022 repetir 2018.

A glória parlamentar vive de discurso. Churchill é mais citado pelos seus grandes discursos e pelos rápidos e irônicos apartes. Como ao concitar aresistência: “Não tenho nada a oferecer senão sangue, suor e lágrimas.” E Kennedy, pelo seu chamamento: “Não perguntem o que seu país pode fazer por você, perguntem-se o que vocês podem fazer pelo seu país.” Ou a resposta de Churchill a Lady Braddock, que disse: “O senhor está bêbado.” E ele: “E a senhora é muito feia. A diferença é que amanhã eu estarei sóbrio.”

Carlos Lacerda também era um raio e destruía num aparte. Certa vez, uma deputada aparteou-o:O senhor é um purgante.” Ele respondeu: “E a senhora, o efeito.” O plenário do Tiradentes quase vai abaixo de tanto riso… Hoje, infelizmente, nem humor existe mais.