O título desta postagem advém do fato de que a indesejável mistura de política com religião trouxe matizes de conclave a uma sucessão presidencial que a imbecilidade chapada do eleitorado tupiniquim já havia convertido em pleito plebiscitário. Dito isso, segue o texto que escrevi no início da tarde de ontem — antes de conhecer o resultado das urnas, portanto —, convicto de que, parafraseando um inusitado rompante de coerência do ainda presidente, o candidato que tivesse mais votos venceria a disputa.
Uma vez que a polarização infeccionou mais de 80% da récua de muares travestidos de eleitores, é possível (e até provável) que seu candidato a presidente, caríssimo leitor, tenha vencido a disputa. Em sendo o caso, meus parabéns. Ao Brasil, minhas condolências.
A menos que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, o país do futuro que nunca chega amargará mais quatro anos de desgoverno abjeto e ímprobo (nunca é demais lembrar que maus governantes não brotam nos gabinetes por geração espontânea; se estão lá, é porque foram votados, e se você votou nessa caterva, não pode reclamar de não estar devidamente representado).
Mudando de um ponto a outro, depois de ser nomeado bispo por João XXIII e cardeal pelo Papa Paulo VI, Albino Luciani foi eleito papa na terceira votação do conclave que se seguiu à morte de Paulo VI, superando Giuseppe Siri por 99 votos a 11, e entrando para a História como o primeiro pontífice desde Clemente V a recusar uma coroação formal e o pioneiro na adoção de um nome papal duplo — que ele escolheu para homenagear seus dois antecessores, Paulo VI e João XXIII.
João Paulo I morreu 33 dias depois de ter sido guindado ao Trono de Pedro e um dia após ter confidenciado ao bispo John Magee, seu secretário, que: "Alguém mais forte que eu, e que merece estar neste lugar, estava sentado à minha frente durante o conclave. Ele virá, porque eu me vou". Esse alguém era o cardeal polonês Karol Wojtyla, que se tornou João Paulo II.
Essas e outras declarações inconsistentes deram azo a diversas teorias da conspiração. No livro In God's Name, o escritor britânico David Yallop afirma que o papa foi morto porque estava prestes a desvendar escândalos financeiros que envolviam o Vaticano. Passados mais de 40 anos, o mafioso Antoni Raimondi, sobrinho de Lucky Luciano, revelou em seu livro de memórias que envenenou o João Paulo I a mando de seu primo, o arcebispo norte-americano Paul Marcinkus — então presidente do Banco do Vaticano. A ideia era evitar que o pontífice de tornar públicos documentos que comprovavam uma fraude financeira bilionária (ainda segundo o mafioso, João Paulo II não revelou o escândalo do banco do Vaticano por temer pela própria vida, mas isso é outra conversa).
O plano era drogar o chá que João Paulo I tomava antes de dormir, entrar em seus aposentos e lhe administrar uma dose letal de cianeto (essa versão foi dramatizada por Mario Puzzo e Francis Ford Copolla no terceiro capítulo da imperdível trilogia "The Godfather"), e que o arcebispo Marcinkus se encarregou pessoalmente dessa tarefa. Raimondi diz só ficou na porta, pois assassinar o papa com as próprias mãos lhe garantiria um bilhete só de ida para o inferno (o curioso código de ética da Onorata Società será discutido em outra oportunidade).
Marcinkus começou sua carreira no Vaticano como secretário de Estado em Roma e chegou a ser um dos guarda-costas de Paulo VI. Em 1971, ele foi nomeado presidente do banco do Vaticano (cargo que ocupou até 1989). Quando assumiu o posto, foi interrogado pelo departamento da Justiça norte-americano sobre seu envolvimento com ações falsas avaliadas em € 13.07 milhões (de um total estimado quase € 1 bilhão), mas não houve provas suficiente para avançar com a investigação — até porque, sob o pretexto de não quebrar o sigilo que envolvia as operações conduzidas pelo banco, o arcebispo se recusou a revelar detalhes sobre o esquema de corrupção.
Observação: Em 1982, Marcinkus foi implicado no escândalo do colapso do Banco Ambrosiano e, mais adiante, nos assassinatos de Roberto Calvi e do jornalista Mino Pecorelli, que vinha escarafunchando a podridão que cercava o banco do Vaticano. Mas sua participação na emissão das ações falsas e nos assassinatos e raptos relacionados com o escândalo não restaram provadas, e ele morreu aos 84 anos, no Arizona, sem ter sido formalmente acusado por crime algum.
Voltando ao aviltante cenário político tupiniquim, o desafio, para os pesquisadores, será explicar como este país alcançou um nível de deterioração das instituições democráticas que seria inimaginável em 2018, quando vinha de um traumático processo de impeachment e de um momento marcado por sucessivas acusações de corrupção.
As manifestações em prol da deposição de Dilma começaram em 2013, mas a ascensão de Temer ao Planalto, em 2016, não produziu um sentimento de esperança como o de 1992, quando Fernando Collor foi apeado e Itamar Franco assumiu a Presidência. As forças democráticas, desorganizadas, sem lideranças de expressão nacional nem programa político e tendo o PT na oposição, produziram um enorme vazio político, nenhuma renovação frente à dualidade eleitoral, que vinha desde 1994 (entre PT e PSDB), nem quaisquer soluções programática para os problemas nacionais que surgiram após a trágica crise de 2015 e 2016.
Segundo o historiador, youtuber e suplente de deputado federal Marco Antonio Villa, o Brasil virou uma enorme delegacia de polícia, com um entra-e-sai constante de acusados. As propostas de ação político-econômica foram deixadas de lado. Mas não chegamos aonde chegamos por acaso. O desafio, agora, é encontrar o caminho da superação desse descalabro — que, aliás, pode estar numa insuspeita xícara de chá.
Que Deus nos ajude.