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terça-feira, 16 de julho de 2019

O NEPOTISMO E O EMBAIXADOR EDUARDO BOLSONARO



O termo nepotismo (do latim nepos, que significa sobrinho, neto ou descendentes) designava originalmente às relações do papa com seus parentes, mas logo passou a ser usado no âmbito corporativo e na esfera da política — onde abundam “cargos de confiança” — para referenciar a nomeação parentes, amigos e outros protegidos em detrimento de pessoas mais qualificadas para o exercício das funções. Essa prática, digamos, imoral aportou no Brasil com a esquadra de Cabral: em sua famosa carta a D. Manuel, “O Venturoso”, o escriba Pero Vaz de Caminha pediu ao rei português um emprego para o genro.

Jair Bolsonaro não vê como nepotismo a indicação do filho Eduardo para o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos. O fato de o diplomata Sergio Amaral ter sido ejetado da poltrona há três meses e o assento ter ficado vago desde então, aguardando o pimpolho presidencial completar 35 anos (idade mínima estabelecida por lei para que alguém assuma a chefia de uma missão diplomática permanente) não quer dizer nada. Sem mencionar suas credenciais, nas palavras do próprio presidente:  “O garoto fala inglês, fala espanhol, tem uma vivência no mundo todo, é amigo da família do presidente Donald Trump”. Ou nas do próprio Eduardo, que saiu em defesa de sua indicação: “Não sou um filho de deputado que está do nada vindo a ser alçado a essa condição, tem muito trabalho sendo feito, sou presidente da Comissão de Relações Exteriores, tenho uma vivência pelo mundo, já fiz intercâmbio, já fritei hambúrguer lá nos Estados Unidos, no frio do Maine, estado que faz divisa com o Canadá, no frio do Colorado, em uma montanha lá, aprimorei o meu inglês, vi como é o trato receptivo do norte-americano com os brasileiros”.

É possível que o presidente não conheça o significado de nepotismo. Como não conhece a dimensão da obra de João Gilberto. Só por insistência de repórteres que acabou dizendo algo a respeito da morte do pai da Bossa Nova, embora tenha lamentado no Twitter a morte de um certo MC Reaça, portador de “um grande talento”, e afirmado que seria sempre lembrado “por seu amor pelo Brasil”. Sobre João Gilberto, diante dos pedidos, limitou-se a um sumário: “Era uma pessoa conhecida. Nossos sentimentos à família, tá o.k.?”.

Bolsonaro foi contemplado com atributos de bom tamanho, como a sorte que o levou de improvável candidato a vencedor da eleição, mas a alma é pequena. O nome “João Gilberto” pode lhe ter disparado repetidos sinais de alarme: “arte”, “cultura”, talvez até mesmo “esquerda”, e ainda por cima, dado o alcance internacional do falecido, “cosmopolitismo” e “globalismo” — um coquetel de explodir-lhe a cabeça. Ou talvez Bolsonaro nem conhecesse o cantor. A Garota de Ipanema, no cânone presidencial, não vale os versos de MC Reaça: “As mina de direita são as top mais bela / Enquanto as de esquerda tem mais pelo que cadela”.

Voltando a zero três e a embaixada nos EUA, a coisa pegou tão mal que o general Luiz Eduardo Ramos, que ainda nem esquentou a cadeira de ministro da Secretaria de Governo, censurou o presidente durante café da manhã com jornalistas. Ele disse que Bolsonaro “se apressou” ao anunciar a indicação e que a divulgação da notícia em meio à votação da reforma da Previdência reforçou as críticas da oposição. Palavras do general: “Deu polêmica, reconheço, saiu na imprensa. Agora vamos aguardar. Poderia ter anunciado na semana que vem? Talvez, durante o recesso parlamentar. Vários deputados citaram essa nomeação, podia ter evitado”. 

O general relativizou o anúncio, como se Bolsonaro estivesse sob pressão para recuar da ideia, e citou outros recuos do presidente após uma enxurrada de críticas. Lembrou que a ideia de transferir de Telavive para Jerusalém a embaixada do Brasil em Israel perdeu força depois que os países árabes ameaçaram suspender a compra de produtos brasileiros se isso acontecesse. “Meu amigo Bolsonaro tem esses momentos”, concedeu o general que mais se empenhou dentro do Alto Comando do Exército para que seus colegas de farda apoiassem a candidatura do capitão. Seja como for, Ramos achou por bem elogiar zero dois, chamando-o de “um jovem preparado” — só não disse no quê — e afirmando que sua eventual nomeação para embaixador “não contraria a lei”. Há controvérsias, como veremos a seguir.

Dado o ineditismo do caso — nenhum outro presidente brasileiro indicou o próprio filho para ser embaixador em outro país — as opiniões divergem. Até porque não existe lei que explicite o que é nepotismo. No STF, a Súmula 13 estabelece que: “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o 3º grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.”

Segundo José Nêumanne, não é preciso consultar as leis, ir ao STF ou recorrer ao Senado. À falta de um dicionário, que, ao que parece, o presidente nunca se deu ao trabalho de consultar, Carlos Bolsonaro, o zero dois, pode lhe prestar uma informação lendo o significado da palavra, que significa “favoritismo de parente principalmente em cargo público”. Como o candidato relacionou em sua experiência ter feito intercâmbio e fritado hambúrgueres no Maine, é o caso de perguntar se é uma piada ou um achincalhe.

Para que zero três assuma o cargo, sua indicação deve ser aprovada pela Comissão de Assuntos Internacionais do Senado e, depois, pelo plenário da Casa. Em tese, isso afasta a pecha de nepotismo, já que ao presidente cabe apenas indicar; a aprovação fica a cargo do Legislativo, que é um poder independente. Mas isso não muda o fato de que o Chefe da Missão diplomática é a principal autoridade do Brasil no Estado onde reside e representa diretamente o Presidente da República em uma competência que lhe é privativa, qual seja a de manter relações com Estados estrangeiros. Assim, indicar uma pessoa que não tem especialização na área tende a ser vista como violação ao princípio Constitucional da eficiência. 

Em vídeo divulgado no último sábado, Eduardo voltou a defender a indicação: "Eu tenho um certo gabarito, e é isso que me dá respaldo para essa possibilidade de nomeação", declarou, esforçando-se para adensar as credenciais que exibira na entrevista concedida na véspera. Comparado ao processo de seleção do Instituto Rio Branco, que forma os diplomatas, o concurso para escrivão da Polícia Federal (que zero três prestou e no qual foi aprovado) é um asterisco. A embaixada em Washington costuma ser chefiada por diplomatas que têm de carreira mais tempo do que o caçula do presidente tem de vida. Sérgio Amaral, que foi afastado em abril, atuou como diplomata em Paris, Bonn, Genebra e na própria capital americana antes de comandar a embaixada do Brasil nos EUA.

A despeito de todas as circunstâncias que o rodeiam, o deputado não se dá por achado: "Se parar para reparar, se somar isso tudo [Direito na UFRJ, concurso para escrivão, pós em economia, o inglês, o espanhol], viagens internacionais que fiz com o presidente Bolsonaro, como presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, eu tenho um certo gabarito, e é isso que me dá respaldo para essa possibilidade de nomeação". Ele afirma ainda que, depois da eleição do seu pai, fez o que chamou de "rodada" de encontros com investidores americanos — mas não cita nenhum. Lembra no vídeo episódio ocorrido na visita do seu pai à Casa Branca, quando seu "trabalho internacional" foi elogiado por Donald Trump, e diz ter “certo gabarito” para ser embaixador, mas, perguntado, não foi capaz de citar nominalmente um único embaixadores que atuou em Washington desde 2003.

Zero três foi enviado à Câmara pelos votos de mais de 1,8 milhão de eleitores de São Paulo. "O que pensam os quase dois milhões de eleitores do deputado?", indagou Janaína Paschoal no Twitter. E acrescentou: "Quem fez Eduardo Bolsonaro deputado federal foi o povo. Isso precisa ser respeitado. Crescer, muitas vezes, implica dizer não ao pai". Na opinião de Olavo de Carvalho, a ida para Washington levaria à "destruição da carreira" do filho do presidente.

Segundo Josias de Souza, essa é imprópria porque a acomodação de um filho em posto público de tal relevância é coisa de autocrata nepotista, insultuosa porque o presidente preterirá inúmeros embaixadores à disposição nos quadros do Itamaraty, e desrespeitosa porque o deputado jogará no lixo os votos de 1,8 milhão de eleitores paulistas, renunciando ao mandato.

Mudando de pato pra ganso:

sexta-feira, 31 de julho de 2020

A CULPA É DO CABRAL — FINAL


Sem Sergio Moro na Esplanada dos Ministérios, forçado a engolir o discurso em que condenava o toma-lá-dá-cá e vendo-se sem alternativa senão vender a alma ao Centrão para salvar o próprio rabo, Bolsonaro alinhou-se a parlamentares com culpa no cartório e magistrados garantistas de ocasião em prol da ressurreição da pouca vergonha que vigeu até 2014, quando político corrupto não era incomodado pela Justiça.

Alvo de investigações (a exemplo de seus três filhos com mandatos eletivos), o Messias que não faz milagres arquivou sob a letra "L" de lixo a cruzada contra a corrupção, juntamente com outras promessas feitas pelo candidato Bolsonaro que o presidente Bolsonaro resolveu não cumprir. Interessa-lhe mais é escudar-se de um possível (ainda que improvável) impeachment ou de uma (igualmente incerta, mas não descartada) denúncia no STF, donde a importância de cooptar os líderes do Centrão e manter o PGR motivado, usando como a cenoura que faz andar o muar a indicação do chefe do Ministério Público para a vaga de Celso de Mello no Supremo (mais uma promessa que só o tempo dirá se será cumprida).

Alguém deveria alertar o mandatário de que base programática não é base pragmática, articulação não é artimanha, coalizão não é conchavo, negociação não é negociata e, por último, mas não menos importante, promessa feita durante a campanha e não cumprida ao longo do mandato é estelionato eleitoral.

Quanto ao pedido de Caminha ao rei D. Manuel (assunto mencionado de passagem no post anterior), o exemplo do escriba e seu genro condenado vem à tona para comprovar que a corrupção, travestida de nepotismo, aportou na costa tupiniquim em abril de 1500. A semente da praga, jogada na terra onde em se plantando tudo dá, estaria no final da carta:

E desta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta terra vi. E se a um pouco me alonguei, Ela me perdoe. Porque o desejo que tinha de Vos tudo dizer, mo fez proceder assim pelo miúdo. E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro, o que Dela receberei em muita mercê.”

Segundo os historiadores, o escriba estava preocupado com sua filha única, Isabel de Caminha, cujo marido, um certo Jorge de Osório, preso por roubo, fora degredado para a ilha de São Tomé, na África.

Observação: À época, vigiam em Portugal as Ordenações Afonsinas, de 1446, que haviam separado o direito canônico do direito temporal. Os delitos sujeitos ao degredo variavam da sedução de moça virgem ou viúva honesta até a adulteração de moeda. Roubo, lesões corporais, má-fé em transações comerciais também podiam levar o acusado a uma estadia forçada no ultramar (dependendo da gravidade do crime, o degredo era perpétuo ou por prazo determinado). Só a condenação às galés ou a pena capital eram penas mais pesadas que o banimento para a África e, mais tarde, para o Brasil, já sob as Ordenações Manuelinas (1521) e Ordenações Filipinas (1603).

Não se conhece a duração do castigo imposto a Jorge de Osório, nem quanto tempo cumpriu na ilha de São Tomé, ou mesmo se D. Manuel atendeu o pedido de Caminha (uma vez transitada em julgado, a sentença só podia ser comutada pelo monarca, que tinha poderes previstos em lei para conceder indulto aos apenados). Supondo que sim, o rei não precisou recorrer aos atos secretos atualmente em voga, já que as normas vigentes o autorizavam a fazê-lo abertamente. Bons tempos, aqueles.

O economista Rubem Novaes, que se demitiu da presidência do Banco do Brasil dias atrás, resume com a seguinte frase o ambiente político de Brasília: “Muita gente com rabo preso trocando proteção”. Segundo ele, a regra é "criar dificuldades para vender facilidades", e privilégios e compadrios campeiam soltos. 

O economista cita o presidente do PTB, Roberto Jefferson, como sendo hoje “o melhor cronista dos bastidores planaltinos”, e lembra que “não há nada mais permanente que um programa temporário de governo”. “Não podemos deixar que o esforço fiscal atual contamine o futuro; se o mercado perde a confiança na higidez das contas públicas, estamos fritos”, conclui.

Pois é.

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

NUNCA ANTES NA HISTÓRIA DESTE PAÍS...

 

Na cerimônia de posse de certo governador de São Paulo (não me lembro se Quércia ou Fleury), o fundador da construtora Camargo Corrêa foi saudado por um ex-governador: "Dr. Camargo, o senhor por aqui?" Sebastião Camargo respondeu: "Eu estou sempre por aqui, governador. Vocês é que mudam".

Governo probo, nunca houve no Brasil. Se o nepotismo é uma das muitas facetas da corrupção, então "essa senhora" desembarcou na Terra de Vera Cruz com Cabral (falo do Pedro Álvares, não do ex-governador do Rio). No epílogo da epístola em que deu conta do "descobrimento" a D. Manuel, o escriba Pero Vaz de Caminha anotou:

E desta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta terra vi. E se a um pouco me alonguei, Ela me perdoe. Porque o desejo que tinha de Vos tudo dizer, mo fez proceder assim pelo miúdo. E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro, o que Dela receberei em muita mercê.”

Observação: o escriba estava preocupado com sua filha única, Isabel de Caminha, cujo marido, um certo Jorge de Osório, preso por roubo, fora degredado para a ilha de São Tomé, na África.

Como reza a sabedoria popular, o que começa mal tende a ficar pior. 

No início do século XIX, a iminente invasão de Portugal pelas tropas napoleônicas forçou a família real lusitana a vir de mala e cuia para o Rio de Janeiro. Com isso, o Brasil, que até 1815 foi mera colônia portuguesa, passou à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves. E assim permaneceu até o célebre “Grito da Independência” — o tal brado heroico retumbante ouvido pelas margens plácidas do Ipiranga, que Osório Duque Estrada poetizou na letra do Hino Nacional Brasileiro, o pintor Pedro Américo imortalizou em seu tão célebre quanto fantasioso quadro, e os livros didáticos transformaram numa obra de ficção.

Proclamação da República, também cantada em verso e prosa com pompa e circunstância, foi o primeiro dos muitos golpes de Estado que estavam por vir. Entre o apagar das luzes imperiais, em 1889, e a posse de Prudente de Morais, em 1894, somente militares ocuparam o assento mais cobiçado do palácio presidencial — daí esse período ser chamado de República da Espada

O Marechal Deodoro da Fonseca — a quem coube desfechar o golpe de misericórdia no regime monárquico e entrar para a história como o primeiro presidente do Brasil — governou interinamente por cerca de dois anos. Promulgada a Constituição de 1891 e realizada uma eleição indireta, o fardado derrotou o candidato civil Prudente de Morais por 129 votos a 97. Mas sua gestão, marcada pelo autoritarismo, foi encerrada prematuramente por um levante da Marinha que ficou conhecido como Revolta da Armada

Tão logo passou de vice a titular, o também marechal Floriano Peixoto demitiu todos os governadores que apoiaram seu antecessor (e que defendiam a realização de nova eleição, à luz do previsto no art. 42 da Carta Magna). Graças a sua postura ditatorial — que se tornaria moda entre os mandatários tupiniquins — o "Marechal de Ferro" teve de debelar sucessivas rebeliões — como a Revolução Federalista e a Segunda Revolta da Armada — para se manter no poder. 

Observação: Em abril de 1892, diante de protestos de opositores e divulgação de manifestos na capital federal, Peixoto decretou estado de sítio, prendeu e desterrou desafetos para a Amazônia. Quando Rui Barbosa ingressou com habeas corpus no Supremo Tribunal Federal em favor dos detidos, Peixoto ameaçou os magistrados: "Se os juízes concederem habeas corpus aos políticos, eu não sei quem amanhã lhes dará o habeas corpus de que, por sua vez, necessitarão". O Supremo negou o habeas corpus por dez votos a um. 

Em novembro de 1894, muito a contragosto, o marechal passou o bastão para o paulista Prudente de Morais — que obteve 90% dos votos na primeira eleição direta da nossa história. A exemplo do que faria o General Figueiredo quase um século depois, Peixoto se recusou a transmitir pessoalmente o cargo a seu sucessor.   

Ao longo de 131 anos de história republicana (completados em novembro do ano passado), 38 presidentes chegaram ao poder pela via do voto popular, eleição indireta, linha sucessória ou golpe de Estado (como até o passado é incerto neste país, esse número varia de 35 a 44). Destes, oito foram de alguma forma apeados antes do fim do mandato. Dos cinco eleitos pelo voto direto desde o fim da ditadura, Collor e Dilma foram expulsos de campo antes do final do jogo.

O caçador de marajás de festim — que inaugurou a lista dos chefes do Executivo Federal depostos por crime de responsabilidade — colecionou 29 pedidos de impeachment, mas nunca foi chamado de genocida. 

ItamarFHCLula e Temer foram agraciados, respectivamente, com 4, 27, 37 e 33 pedidos de impeachment, mas concluíram seus mandatos sem jamais serem chamados de genocidas. 

A gerentona de araque, que foi expelida da Presidência porque estava quebrando o país, foi alvo de 68 pedidos de impeachment, mas ninguém jamais a acusou de genocídio.

Falando em genocídio, o relatório final da CPI já está sendo escrito e deverá ser concluído no mês que vem. O texto-base já possui mais de mil páginas — e pode crescer, a depender dos fatos e dados a serem obtidos pela Comissão. O grosso do material está nos anexos, que incluem documentos e os principais pontos de destaque dos depoimentos.

O relator deve sugerir a continuidade da investigação pelo Ministério Público por meio de inquéritos específicos para cada assunto trazido em destaque. Vários dos capítulos já elaborados dizem respeito ao chamado "gabinete paralelo da saúde" e incluem a transcrição e links de vídeos, áudios, declarações e documentos que, segundo Renan Calheiros, comprovam a atuação do órgão extraoficial. Um dos tópicos do relatório trará a afirmação de que quem se opôs ao gabinete paralelo — como Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich — acabou deixando o Ministério.

Já o general e ex-ministro Eduardo Pazuello será apontado por não se opor à atuação de médicos do suposto gabinete na elaboração de políticas públicas e por "colocar em prática" as orientações extraoficiais. Segundo o senador Randolfe Rodrigues, o documento deve imputar o estrelado crimes como "charlatanismo, prevaricação, advocacia administrativa e por atuar contra a ordem sanitária". Os parlamentares ainda discutem se incluem na lista corrupção passiva.

Haverá um destaque no relatório também com relação ao aplicativo "TrateCov", que, segundo Pazuello teria sofrido um ataque hacker — fato desmentido por uma auditoria técnica do TCU. Na redação, o aplicativo está sendo tratado como uma das políticas falhas do Ministério da Saúde que teriam utilizado a capital do Amazonas como "experimento" para as teorias do gabinete paralelo. Nesse contexto, a minuta de um decreto presidencial que pretendia alterar a bula da cloroquina sem o aval da Anvisa também deverá ser anexada ao texto. Todos esses fatos, envolvendo principalmente o general Pazuello, aparecerão como aspectos que prejudicaram o país na aquisição de vacinas contra a doença.

Com encerramento programado para setembro, a CPI convive com um paradoxo. Tomada pelo relatório final, a investigação parlamentar terá a aparência de uma iniciativa de sucesso. Considerando-se as consequências a serem produzidas pelas conclusões do documento, resultará em frustração. As pessoas que acompanharam os depoimentos pela televisão terão a impressão de que desperdiçaram seu tempo quando as conclusões da Comissão morrerem no arquivo de Augusto Aras — que, como Procurador-Geral da República, é responsável pela análise dos crimes comuns atribuídos a Bolsonaro — e no gavetão do deputado Arthur Lira — a quem, como presidente da Câmara, cabe lidar com a acusação da prática de crimes de responsabilidade, que, em tese, levariam ao impeachment.

Dois espetáculos não cabem ao mesmo tempo num só palco. Ou numa única conjuntura política. Dividido entre um e outro, o público tende a se dispersar. Antes do recesso parlamentar de julho, estava em cartaz a novela da CPI do Genocídio. Ao farejar o cheiro de queimado, Bolsonaro aproveitou o retiro dos senadores para intensificar as críticas às urnas eletrônicas e os insultos a ministros do STF, impondo a mudança do cartaz neste mês de agosto. Ao voltar do recesso, o G7, como ficou conhecido o grupo majoritário que controla os rumos da CPI, percebeu que a pior coisa do sucesso é ter que continuar fazendo sucesso.

Às voltas com um déficit de atenção da plateia, os senadores começaram a planejar o fechamento das cortinas. Enxugam a pauta de depoimentos. Esperam encerrar as oitivas em três semanas. Para evitar marolas, cancelaram a acareação que seria feita nesta semana entre o ministro Onyx Lorenzoni e o deputado Luís Miranda e relutam em aprovar novas convocações. No papel, a Comissão poderia funcionar até o início de novembro, mas tudo indica que o relatório final será entregue em meados de setembro.

Pretende-se indiciar Bolsonaro e outros investigados por transformar em política pública o tratamento da Covid com remédios ineficazes, apostar na imunização coletiva pelo contágio, negligenciar o colapso hospitalar de Manaus, retardar a compra de vacinas da Pfizer e do Butantan, firmar contrato irregular para a compra da vacina indiana Covaxin, abrir as portas do Ministério da Saúde para picaretas que ofereciam vacinas inexistentes (ou seja, a Comissão pretende acusá-lo de crimes comuns e crimes de responsabilidade).

O presidente continua cagando e andando para a CPI. Considera-se invulnerável. Para os crimes comuns, conta com a blindagem do procurador-geral. Para os crimes de responsabilidade, tem a proteção do deputado-réu que preside a Câmara e já mandou para o gavetão 133 pedidos de impeachment. Mantida a blindagem, Bolsonaro poderá repetir que não teve nada a ver com o caos sanitário.

Não há nada que a cúpula da CPI possa fazer para dissolver a cumplicidade de Lira com Bolsonaro. Mas, com honrosas exceções, é espantosa a inércia dos senadores em relação ao procurador-geral. A recondução de Aras ao cargo está pendente de votação no Senado. Em vez de articular a reprovação do dito-cujo, parte dos integrantes da Comissão se reuniram, na última terça-feira, com o procurador que Bolsonaro escolheu para lavar a sua louça por mais dois anos.

Renan Calheiros tornou-se a personificação do paradoxo vivido pela CPI. Há dois anos, quando o Senado aprovou a nomeação de Aras para comandar a PGR, o ora relator da Comissão não conseguiu conter o entusiasmo. Naquela época, o senador alagoano estava ao lado do primogênito do capitão, outro entusiasta da escolha de Aras. Freguês de caderneta da Lava-Jato, o Cangaceiro das Alagoas queria acertar as contas com a força-tarefa de Curitiba; denunciado pelo MP-RJ por peculato e lavagem de dinheiro, Flávio "Rachadinha" Bolsonaro estava à procura de blindagem.

A PGR — e, por extensão, o Ministério Público Federal — vive um apagão mental. Já se sabia que Aras trata Bolsonaro como um ser inviolável e imune (eufemismos para intocável e impune). Descobre-se agora que, para livrar o presidente-suserano de incômodos judiciais, o procurador-vassalo e sua equipe decidiram enquadrá-lo na categoria dos seres inimputáveis.

Bolsonaro obteve da PGR um salvo-conduto para delinquir. Pode tudo, inclusive arrancar máscara da cara de criancinha. PT e PSOL pediram no STF a abertura de inquéritos para apurar o desrespeito a leis estaduais e federal em aglomerações promovidas pelo mandatário durante passeios de moto com seus devotos no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Norte. A subprocuradora-geral Lindôra Araújo (braço direito de Aras), a quem coube formular a manifestação da PGR, sustentou que Bolsonaro não infringiu medidas sanitárias nem colocou a vida de ninguém em risco.

Numa evidência de que a PGR opera em "modo Talibã", a subprocuradora aderiu ao negacionismo científico para dispensar Bolsonaro do mais comezinho cuidado sanitário. Anotou que, "em relação ao uso de máscara de proteção, inexistem trabalhos científicos com alto grau de confiabilidade em torno do nível de efetividade da medida de prevenção". 

No Rio Grande do Norte, Bolsonaro pediu a uma menina para retirar a máscara e arrancou o apetrecho da face de um menino. Para Lindôra, o presidente não teve a intenção de "constranger aquelas crianças". Segundo ela, "os infantes também não demonstraram, com atitudes ou gestos, terem ficado constrangidos, humilhados ou envergonhados na presença do presidente". Na avaliação da doutora, o presidente apenas interagiu com as crianças "de forma descontraída."

Como se sabe, Bolsonaro fez uma opção preferencial por exercer o cargo de presidente à margem da lei. Transgride até leis que sancionou. Como há males que vêm para pior, Aras e sua equipe promovem uma junção da ilegalidade com a impunidade.

Em seus deslocamentos eleitorais, Bolsonaro promove aglomerações proibidas por Estados e municípios. Ignora os poderes conferidos a governadores e prefeitos pela Constituição e reafirmados pelo STF. Por onde passa, discursa contra medidas sanitárias restritivas. Finge ignorar o fato de que sancionou em fevereiro do ano passado a "lei da pandemia", que prevê a adoção de providências excepcionais, como o isolamento e a quarentena. Em julho de 2020, Bolsonaro assinou a lei 14.019, que torna obrigatório o uso de máscaras de proteção individual em espaços públicos e privados. Em suma: além de cagar e andar para sua própria decisão, o capitão constrange o ministro Marcelo Queiroga com a cobrança de estudos para flexibilizar o uso da máscara. Agora, recebe salvo-conduto da Procuradoria para descumprir até a lei que avalizou.

Nos passeios de moto, Bolsonaro não percorre apenas o asfalto, mas o Código Penal, cujo artigo 268 estabelece pena de detenção de um mês a um ano para quem "infringir determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa". No artigo 132, o diploma legal retrocitado sujeita a uma pena de detenção de três meses a um ano as pessoas que expõem a vida ou a saúde de terceiros a perigo direto e iminente.

Nesse contexto, não parece razoável que um país inteiro tenha que passar vergonha para que um procurador-geral e sua equipe ofereçam blindagem a um presidente da República que se converteu num infrator serial. Não resta aos relatores dos dois processos no STFRosa Weber e Ricardo Lewandowski — senão ignorar a manifestação de Lindôra e ordenar a abertura dos inquéritos.

Vivo, Darwin diria que a atuação da PGR não é apenas uma prova de que o ser humano parou de evoluir. Trata-se de uma evidência de que ele já faz o caminho de volta. No momento, o melhor lugar para se proteger de Bolsonaro é uma caverna nas montanhas do Afeganistão. Aliás, se o homem de Neandertal desconfiasse que o resultado da evolução seria bolsonaros, talvez não tivesse saído da caverna. Teria optado por uma versão pré-histórica do isolamento social.

Com Josias de Souza

segunda-feira, 28 de abril de 2025

O BRASIL DA CORRUPÇÃO

NÃO HÁ ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL; O BRASIL É UMA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA.

A corrupção desembarcou em Pindorama travestida de nepotismo: na epístola em que comunicou o "achamento do Brasil", Pero Vaz de Caminha rogou ao rei de Portugal que intercedesse por seu genro, preso por roubo e degredado para a ilha de São Tomé, na África.

Não se sabe a duração do castigo imposto ao contraparente do escriba nem se o pedido foi atendido, mas sabe-se que a corrupção assola a política tupiniquim desde os tempos de antanho, e que os poderosos de hoje pouco diferem da elite colonial no tocante ao tráfico de influência, nepotismo, favorecimento e abuso de autoridade. Dito em português do asfalto, mudaram as moscas, mas a merda continua rigorosamente a mesma.

 

Mem de Sá, governador-geral do Brasil entre 1558 e 1572, foi acusado de enriquecimento ilícito. Os mercadores de escravos que saíam da África rumo ao Rio da Prata e paravam no Rio de Janeiro para abastecer tinham de pagar propina ao governador da capitania. Dom Lourenço de Almeida, que governou Minas Gerais entre 1720 e 1732, fez fortuna com ouro e diamantes extraídos à revelia da Coroa Portuguesa. Seu governo era auditado a cada três anos, mas ele subornava o responsável pela devassa.

No início do século XVII, a elite local controlava a política e a economia mineira, e, em contrapartida, ganhava do rei o direito à impunidade. As autoridades envolvidas na repressão ao contrabando praticavam contrabando e lucravam muito, pois Portugal fazia vista grossa — se a política da Coroa fosse implantada de forma inflexível, o Império não teria resistido. 


Como o que menos presta é o que mais dura, os políticos de hoje continuam praticando os mesmos atos espúrios que seus antepassados do século XVI. No entanto, seja hoje, seja no passado, a corrupção só pode existir com a conivência da sociedade. 


Houve corrupção no Brasil colonial, nos tempos do Império, na República Velha, na Era Vargas, na Segunda República, na ditadura militar — a ideia de que não houve corrupção durante os anos de chumbo é falsa; a repressão à imprensa impediu que os escândalos viessem à tona e mascarou os abusos do regime — e continua havendo na "Nova República". 


Sarney foi alvo de duas denúncias, mas o dito ficou pelo não dito. Collor foi acusado pelo irmão de envolvimento no "Esquema PC" e renunciou horas antes do julgamento de seu impeachment, mas ficou inelegível por 8 anos e só voltou à política nos anos 2000. No exercício do mandato de senador (2006-2022), assaltou os cofres da Petrobras Distribuidora. Apesar de ter sido condenado pelo STF8 anos de 10 meses de reclusão em 2023, só foi preso na madrugada da última sexta-feira.


Itamar Franco Fernando Henrique não foram acusados de envolvimento com corrupção, O grão-duque tucano comprou votos para aprovar a PEC da reeleição, mas o engavetador-geral Geraldo Brindeiro blindou suas penas vistosas.


 Lula, por sua vez, foi réu em duas dúzias de ações criminais, condenado em segunda instância a 12 anos e 1 mês de reclusão em 2018 e colocado numa cela VIP da PF em Curitiba e solto 580 dias depois, quando o STF proibiu (por 6 votos a 5) que criminosos condenados começassem a cumprir suas penas antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. 


Como se não bastasse, uma curiosa epifania revelou ao ministro Edson Fachin  com mais de 5 anos de atraso — que a 13ª Vara Federal de Curitiba carecia de competência territorial para processar e julgar o petista, e tanto suas duas condenações (já transitadas em julgado no STJ) quanto os demais processos que tramitavam contra ele na JF do Paraná foram anulados. 


Em 2022, com as velas enfunadas por ventos antibolsonaristas, o ex-presidiário mais famoso da história desta banânia foi reconduzido ao Palácio do Planalto.


Em 2010, Lula escalou uma nulidade da qual ninguém ouvira falar para "manter o Brasil no rumo do desenvolvimento" até que ele pudesse voltar ao trono. A dita-cuja cuidou da economia do país como lidou com a contabilidade das duas lojinhas de quinquilharias importadas que levou à falência em 1996 — época em que a paridade entre o dólar e o real favorecia esse tipo de negócio.


Em 2016, a "presidanta" de araque foi impichada e se tornou ré por corrupção e lavagem de dinheiro. Mas como vivemos no país da impunidade, os processos contra ela foram arquivados; como vivemos no país da antimeritocracia, ela foi recompensada com a presidência do Banco dos Brics


Michel Temer passou de vice a titular com o impeachment da nefelibata da mandioca, mas seu governo capenga ruiu com a divulgação da conversa de alcova com o moedor de carne bilionário Joesley Batista. Ele cogitou de renunciar, mas mudou de ideia e, quase dois dias depois, porejando indignação, disse à nação que "a investigação pedida pelo STF seria o território onde surgiriam todas as explicações, e que não renunciaria. Ato contínuo, comprou votos para sepultar as denúncias, tornou-se refém dos deputados venais, terminou seu mandato-tampão como pato-manco e transferiu a faixa para Bolsonaro em janeiro de 2019. 


Sem o escudo do foro privilegiado, o vampiro do Jaburu se tornou réu em quatro processos e chegou a ser preso, mas foi libertado dias depois pelo então presidente da 1ª Turma do TRF-2 — que ficou afastado do cargo durante 7 anos, acusado de venda de sentenças e formação de quadrilha, mas a ação acabou trancada pelo STF. 


Observação: Segundo foi publicado na revista Exame em março de 2019, quando Temer foi preso, o único ex-mandatário da "Nova República" que não corria risco iminente de ir parar na cadeira era Fernando Henrique. Na época, Lula estava cumprindo pena em Curitiba, Sarney era alvo de duas denúncias, Collor respondia a sete inquéritos (e se tornara réu num deles em 2017), Dilma respondia por corrupção e lavagem de dinheiro e o Vampiro do Jaburu era tetra-réu (duas vezes no RJ, uma em SP e outra no DF).


Em 2021, discursando para a récua de convertidos no chiqueirinho do Alvorada, Bolsonaro destacou que não há nada tão ruim que não possa piorar. Para não deixar dúvidas, tentou dar golpe de Estado no final do ano seguinte. Se os ventos não mudarem, ele e seus asseclas serão condenados entre setembro e outubro e poderão passar o próximo Natal atrás das grades.

Os estratagemas usados pela velha elite colonial persistem até hoje nas práticas ilícitas daqueles que se dizem representantes do povo — como atestam o mensalão, o petrolão e o orçamento secreto (ou "emendas de relator"). Até 2019, apenas duas ações penais da Lava-Jato haviam sido julgadas no STF. Numa delas prevaleceu o entendimento de que os elementos eram "apenas indiciais" — e a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, e seu ex-marido foram absolvidos por 3 votos a 2.  Na outra, as togas condenaram o deputado Nelson Meurer, mas declararam a extinção de punibilidade do filho do parlamentar, alegando que a única conduta que geraria a sanção penal era de junho de 2008.

 

Em vista do número de parlamentares que arrastam pendências judiciais e transitam livremente pelos corredores do Congresso, a parcela pensante da população perdeu a confiança no Legislativo e passou a ver o Judiciário como tábua de salvação. 


Como alegria de pobre dura pouco, o STF formou maioria para exumar e ressuscitar uma jurisprudência que vigeu durante míseros 7 anos ao longo das últimas 8 décadas. Com o voto de Minerva de Dias Toffoli, então presidente da Corte, ficou decidido que condenados em segunda instância deveriam permanecer em liberdade até o trânsito em julgado de suas sentenças.

 

Com quatro instâncias e um formidável cardápio de recursos, apelos, embargos e toda sorte de chicanas criadas sob medida para impedir que condenações de poderosos transitem em em julgado, essa caterva só vai presa no Dia de São Nunca. E na improvável hipótese de um caso fugir à regra, sempre há um magistrado de bom coração que expede um alvará de soltura "por razões humanitárias" (como fez o ministro Dias Toffoli no caso de Paulo Maluf).

 

Nossas leis são criadas pelo Congresso Nacional, que é formado por 513 deputados federais e 81 senadores. Em 2017, nada menos que 238 parlamentares eram investigados ou respondiam a processos no STF. Quando se dá às raposas a chave do galinheiro, perde-se o direito de reclamar do sumiço das galinhas, mas o fato de sermos obrigados a conviver com essa dura realidade não significa que devamos aceitá-la passivamente. 


Lula não aceitava. Tanto é que fundou o PT para implementar "uma maneira diferente de fazer política". Mas faltou combinar com a quadrilha do mensalão. Quando a roubalheira da petralhada veio a público, José Dirceu, então braço direito do demiurgo de Garanhuns, disse em entrevista ao Roda-Viva: “Este é um governo que não rouba, não deixa roubar e combate a corrupção".

 

Pausa para as gargalhadas (ou para as lágrimas, a critério do freguês).

sábado, 2 de janeiro de 2021

O QUE COMEÇA MAL...


Finais de ano e retrospectivas são indissociáveis. Porém, se o réveillon é, tradicionalmente, um renovar-se de esperanças, as retrospectivas têm demonstrado que o buraco é bem mais embaixo.

O ano de 2020 é mais um dos que já se foram tarde e não deixaram saudades. Mas haja otimismo para achar que tudo será azul com bolinhas cor-de-rosa em 2021. 

Bom seria se Bolsonaro e o Sars-CoV-2 tivessem sido soterrados pelos últimos grãozinhos da ampulheta, à meia-noite de anteontem. Mas parece que ambos continuam fazendo vítimas, cada qual à sua maneira.

A maior potência do mundo livre lidera o ranking da Covid, com quase 20 milhões infectados e mais de 300 mil mortos. Mas lá eles têm Donald Trump, que até recentemente jogava no time do vírus. 

Em números absolutos, o Brasil ocupa o terceiro lugar (depois da Índia), com quase 8 milhões de casos e 190 mil mortes. E aqui temos Bolsonaro, eleito graças a uma ironia do destino e, segundo ele próprio, alguém que não nasceu para presidente, mas que jamais desceu do palanque, só tem olhos para a reeleição e continua jogando no time adversário.

Nesta republiqueta de almanaque, abençoada por Deus e bonita por natureza, o futuro é duvidoso e o passado, incerto — tanto que até a autoria dessa frase ora é atribuída ao ex-ministro Pedro Malan, ora ao ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola

O Brasil seria um grande país se não fosse o povo medonho que, sabe-se lá se por carma, sina, praga de madrinha ou obra do Criador, elege seus representantes a pior das escórias, uma gentalha que se candidata para roubar e rouba para se reeleger. 

Ao contrário do que se costuma pensar, Lula não inventou a corrupção, embora tenha sido o grande responsável por sua institucionalização. 

Observação: O picareta ainda não percebeu que seu tempo passou, sua luz apagou, seu povo sumiu. O eterno encantador de burros morreu e não sabe, e é justamente aí que mora o problema: enquanto não se der conta disso, esse egun mal despachado continuará a nos assombrar. Mas isso é outra conversa.

A corrupção aportou em terra brasilis em 1.500, travestida de nepotismo. A semente da praga, jogada no solo “onde se plantando, tudo dá”, está no final da carta de Caminha ao rei D. Manuel

Preocupado com sua única filha, cujo marido, preso por roubo, fora degredado para a ilha de São Tomé, o escriba pediu a sua majestade que comutasse a sentença. 

Não se sabe ao certo se o pedido foi atendido, mas, supondo que sim, o monarca não teve de recorrer aos atos secretos atualmente em voga, já que as normas vigentes à época autorizavam-no a fazê-lo abertamente. Bons tempos.

A rigor, a "farsa nacional" começou com o descobrimento. De acordo com os livros de história (pelo menos os da minha época de estudante), a esquadra de Cabral zarpou de Lisboa com destino a Calicute, na Índia, mas uma tormenta (ou uma calmaria, dependendo de quem conta o conto) a teria desviado da rota e voilà: foi descoberto o Brasil. 

A "Relação do Piloto Anônimo” — que, ao lado das cartas de Caminha e de Mestre João, é um dos três testemunhos diretos do descobrimento do Brasil que sobreviveram ao tempo —, relata o naufrágio da nau comandada por Vasco de Ataíde, mas epístola do escriba anota que a viagem até a (hoje) costa da Bahia decorreu na mais completa normalidade, "sem haver tempo forte ou contrário para que assim pudesse ser".

A região do suposto naufrágio era conhecida como "calmas equatoriais", porque os ventos deixavam de soprar por dias, ou semanas, e as embarcações ficavam ao sabor das correntes marinhas. Em seu admirável estudo sobre a viagem de Cabral, o contra-almirante Max Justo Guedes calculou que, durante a tal calmaria, a frota cabrália foi empurrada cerca de 90 milhas para oeste pela Corrente Equatorial Sul. No entanto, amotou o marítimo, esse deslocamento seria insignificante e não poderia ter causado o “descobrimento casual” do Brasil. 

A bem da verdade, a chegada da expedição portuguesa à "Ilha de Santa Cruz" não se deveu nem a tormentas, nem a calmarias. Portugal tinha conhecimento da existência do que viria a ser o Brasil quase uma década antes desse suposto “descobrimento” e, tecnicamente, já tinha posse das terras quando Cabral nelas desembarcou.

A Independência do Brasil, da forma como os autores dos livros didáticos a relatam, é outra obra de ficção. O famoso “Grito do Ipiranga”, dado pelo então príncipe regente Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon às margens do córrego do Ipiranga, só aconteceu porque o sua alteza, acometido de poderosa caganeira, fizera alto para esvaziar os intestinos atrás de uma moita. Enquanto o nobre executava essa gratificante tarefa, acercou-se da comitiva um mensageiro portando três cartas:

A primeira, assinada por seu pai, D. João VI, ordenava ao nobre rebento que regressasse imediatamente a Portugal e se submetesse ao Rei e às Cortes. 

A segunda, de José Bonifácio, aconselhava-o a romper com Portugal. 

A terceira, da Imperatriz Leopoldina, dileta consorte do príncipe (noves fora Domitila de Castro Canto e Mello, mais conhecida como Marquesa de Santos), transmitia ao marido o seguinte recado: “O pomo está maduro; colhe-o já, antes que apodreça”.

Impelido pelas circunstâncias, Pedrão, que já estava mesmo fazendo merda, aproveitou o embalo para romper os laços de união política com Portugal e declarar a independência do Brasil.

A Proclamação da República foi o primeiro de muitos golpes de Estado que estavam por vir. Dito com outras palavras, a Primeira República tupiniquim começou com um golpe militar, e o primeiro presidente, também militar, eleito indiretamente, foi “convidado” por seus irmãos de farda a deixar o cargo

Ao longo de 131 anos de história republicana (completados em novembro último), 38 presidentes chegaram ao poder pela via do voto popular, eleição indireta, linha sucessória ou golpe de Estado (como até o passado é duvidoso em nosso país, esse número pode variar de 35 a 44). Oito deles, a começar por Deodoro da Fonseca, foram de alguma maneira apeados do cargo. 

Como o que começa mal tende a piorar, o atual inquilino do Palácio do Planalto pode ter o mesmo destino de Dilma, a inolvidável gerentona de festim, e de Collor, o caçador de marajás de araque. E, cá entre nós, já está mais que na hora.

Continua.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

SOBRE O IMBRÓGLIO ENVOLVENDO FLÁVIO BOLSONARO E FABRÍCIO QUEIROZ


A corrupção desembarcou em terras tupiniquins antes mesmo que nossa caricatura de país ganhasse o nome que tem hoje, como comprova a carta de Pero Vaz de Caminha ao rei Dom Manuel. Na missiva, o escriba oficial da esquadra de Cabral — falo de Pedro Álvares, o suposto descobridor destas paragens, e não do ex-governador do Rio, condenado a 100 anos prisão — acrescentou às boas novas um pedido de clemência para seu genro degredado.

A exemplo do nepotismo, o pedágio também é uma forma de corrupção, mas tem presença garantida em boa parte dos gabinetes de parlamentares tupiniquins. Só na Assembleia Legislativa fluminense, ao menos 28 servidores tiveram movimentações atípicas em suas contas bancárias com o mesmo padrão das supostamente realizadas por Fabrício Queiroz entre 2016 e 2017.

Observaçãopedágio é uma prática mediante a qual os políticos engordam os próprios salários garfando parte da remuneração dos assessores. Ainda que o catecismo político o tenha na conta dos pecados veniais, isso não faz dele menos lícito nem moralmente aceitável.

Não há relatos de pedágio na esquadra de Cabral, mas não faltam suspeitas dessa ilicitude no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro. O imbróglio veio à tona em dezembro, depois que o Estado revelou que um relatório do Coaf havia identificado diversas movimentações atípicas de R$ 1,2 milhão, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, na conta do ex-assessor, motorista e policial aposentado Fabrício Queiroz, que é amigo de velha data do clã Bolsonaro (e que foi exonerado no dia 15 de outubro do ano passado). Entre as “movimentações suspeitas”, havia também um depósito de R$ 24 mil em favor Michelle Bolsonaro.

Bolsonaro pai disse tratar-se do pagamento de parte de um empréstimo de R$ 40 mil que ele havia feito a Queiroz, e que, "se algo estiver errado, seja comigo, com meu filho, com o Queiroz, que paguemos a conta desse erro". Bolsonaro filho afirmou que caberia ao ex-assessor prestar os esclarecimentos, e que já tinha ouvido dele “uma explicação plausível”, que poderia ter encerrado o assunto se tivesse sido apresentada logo de início. Mas não foi. E quando há justificativa, os fatos falam; quando não há, as versões sussurram e as suspeitas prosperam. 

Cerca de uma semana depois da primeira reportagem sobre o caso, o MPRJ abriu 22 procedimentos de investigação criminal com base no relatório do Coaf, com Queiroz entre os investigados, e com isso, foram marcados os primeiros depoimentos. Em vez compartilhar com o MPRJ a tal explicação plausível, Queiroz, primeiro, afirmou nada saber sobre o assunto; depois, alegou motivos de saúde e falta de tempo para analisar as acusações, e faltou aos depoimentos marcados para 19 e 21 de dezembro. Entre uma coisa e outra, em entrevista ao SBT, explicou que estava tratando um câncer no intestino, que nunca foi laranja e que a movimentação em sua conta foi produto da compra e venda de carros. No final de dezembro, foi internado para a retirada do tumor. Três dias depois, um vídeo no qual ele aparece dançando no hospital viralizou nas redes sociais, e ele se mostrou revoltado com a circulação do vídeo. Foi operado e recebeu alta no último dia 8. No dia seguinte, disse que pagou a conta com recursos próprios, mas não revelou o valor. Disse também que esclareceria em breve as movimentações atípicas, mas não especificou quando isso ocorreria. E não compareceu ao depoimento marcado para o dia 10 de janeiro. 

Flávio Bolsonaro também faltou ao depoimento. Em nota, disse que não é investigado e que não teve acesso aos autos do procedimento aberto pelo MPRJ, mas prometeu marcar uma nova data para depor. Mais adiante, alegando que o MPRJ pediu informações ao Coaf que não têm relação com Queiroz — o que configuraria uma apuração sobre sua conduta —, o senador questionou a competência do MP e reivindicou foro privilegiado no STF. Em entrevista à Record, disse que não poderia ser investigado sem autorização do Supremo em razão da prerrogativa de foro a que tem direito como senador diplomado, que é o maior interessado em esclarecer tudo e que não quer privilégio nenhum, apenas ser “tratado dentro da lei e da Constituição”.

Na visão de diversos analistas — e até de alguns ministros do Supremo —, a Reclamação de Flávio foi “um tiro no pé”, pois poderá resultar na ampliação do escopo da investigação e envolver o próprio Presidente, o que não aconteceria se o imbróglio ficasse restrito à primeira instância. Na avaliação da ala militar do governo, o caso ganhou uma dimensão maior e mais preocupante depois que o Jornal Nacional revelou o relatório sobre os depósitos em dinheiro realizados na conta bancária do filho do Presidente. Antes, quem devia explicações era Queiroz; agora, seu ex-chefe também está em palpos de aranha. No Planalto, a estratégia é afastar Bolsonaro pai do caso e fritar Bolsonaro filho, lembrando que o pai não é investigado e que explicou satisfatoriamente os depósitos feitos na conta da primeira-dama.

Observação: Segundo o CoafFlávio Bolsonaro recebeu em sua conta bancária 48 depósitos em dinheiro considerados suspeitos. No total, foram R$ 96 mil, depositados em cinco dias. Em 9 de junho de 2017 foram 10 depósitos no intervalo de 5 minutos, entre 11h02 e 11h07. No dia 15 de junho, mais 5 depósitos, feitos em 2 minutos, das 16h58 às 17h. Em 27 de junho outros 10 depósitos, em 3 minutos, das 12h21 às 12h24. No seguinte mais 8 depósitos, em 4 minutos, entre 10h52 e 10h56. E no dia 13 de julho 15 depósitos, em 6 minutos.

O ministro Luiz Fux, responsável pelo plantão durante o recesso do Supremo, determinou em caráter liminar a suspensão do procedimento investigatório criminal até que o ministro Marco Aurélio, relator da Reclamação, decida em qual instância ela deverá tramitar. Mello já sinalizou que seguirá aplicando o entendimento de que o foro privilegiado para senadores e deputados vale apenas para fatos ocorridos durante o mandato e em decorrência dele: “Já na sexta-feira, pela manhã, assinarei a decisão — sexta, dia primeiro de fevereiro […]. O Supremo não pode variar, dando um no cravo outro na ferradura. Processo não tem capa, tem conteúdo. Tenho negado seguimento a reclamações assim, remetendo ao lixo.”

MPRJ nega ter havido quebra do sigilo, afirma que as investigações decorrentes de movimentações financeiras atípicas de agentes políticos e servidores podem se desdobrar em procedimentos cíveis pra apurar a prática de atos de improbidade administrativa e procedimentos criminais e reitera que Flávio Bolsonaro não é investigado. Mas acatou a decisão de Fux e suspendeu o procedimento, provocando uma avalanche de críticas nas redes sociais, tanto de detratores de Bolsonaro, como o PT, quanto de apoiadores, como o MBL.

Gleisi Hoffmann, presidente nacional da ORCRIM, afirmou que a suspensão é grave e que mostra “pesos e medidas” diferentes: “Para Lula, basta convicção, para os Bolsonaros, nem documento público é considerado”, postou a lunática no Twitter. Fernando Holiday, vereador em São Paulo pelo DEM e coordenador do MBL, afirmou que “quem não deve, não teme, ainda mais uma simples investigação”. O coordenador da Lava-Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, também criticou a decisão de Fux:  "Com todo o respeito ao ministro, não há como concordar com a decisão, que contraria o precedente do próprio STF. Tratando-se de fato prévio ao mandato, não há foro privilegiado perante o Supremo. É de se esperar que o ministro Marco Aurélio reverta a liminar", postou Deltan em seu perfil no Twitter.

Resumo da ópera:

Esse imbróglio deveria ter sido esclarecido assim que o relatório do Coaf veio a público, mas para isso seria preciso que Queiroz tivesse realmente uma explicação plausível — ou que seu chefe assumisse o pedágio, desse a cara a tapa e arcasse com as consequências. Há entendimento generalizado — que poderia ou não ser confirmado nessa investigação — de que parlamentares, seja em que nível for, com raras e honrosas exceções, financiam suas campanhas e suas vidas pessoais garfando uma parte do salário de seus funcionários ou nomeando funcionários-fantasmas. Dizer que fez o que todo mundo faz não é desculpa, mas tratar fratura exposta com band-aid é ainda pior. O Presidente Jair Bolsonaro se elegeu com o bordão do combate à corrupção, e essa merdeira é tudo que a oposição precisava para cair de pau.

É louvável que até os bolsomínions critiquem a postura de Bolsonaro filho e a decisão do ministro Fux. Isso demonstra que apoiam as apurações porque querem saber a verdade. Fosse o PT, o discurso de vitimização já estaria a todo vapor. Aliás, os militontos já estão postando nas redes que, se o investigado fosse um político de esquerda, ele e seus assessores já teriam sido presos preventivamente o levados coercitivamente para depor. Particularmente, acho ridículo essa caterva usar Queiroz como “prova de corrupção” do atual governo e "não enxergar" provas contra Lula e os demais petralhas presos, classificar de golpe o impeachment que depôs Dilma, e por aí afora. O que me causa espécie, no entanto, é Flávio Bolsonaro insistir que é apenas testemunha no caso e mesmo assim pedir a suspensão da investigação contra si.

Além de afrontar a coerência, o pedido de Flávio desmente a alegação de que seria ele o maior interessado em esclarecer o episódio, desenha um alvo em sua própria testa e abre um flanco na atuação do clã — tanto é que nem o pai presidente, nem os irmãos políticos saíram em sua defesa. E tem mais: ao levar o caso para o STF, sua defesa propicia a inclusão do Planalto na investigação, ainda que a soma depositada na conta da primeira-dama tenha uma explicação plausível. E mesmo que assim não fosse, os fatos aconteceram antes de Jair Bolsonaro ser eleito e, portanto, não pode resultar em processo enquanto ele for Presidente. Mas investigações podem ser feitas.

Para encerrar, a cereja do bolo: De repente, toda a imprensa achou de tratar o pedágio no gabinete de um parlamentar como se fosse o maior escândalo desde Cabral (com o petrolão, sempre relativizado pela mídia, fresquinho na memória). E viva o povo brasileiro!

ATUALIZAÇÃO: 

Ontem à noite, em entrevista à TV Record, Flávio atribuiu o pagamento no valor de pouco mais de R$ 1 milhão à quitação, feita pela Caixa, de um apartamento que ele havia comprado na planta. A posterior venda do imóvel explicaria outras movimentações consideradas “suspeitas” pelo Coaf, mas os depósitos fracionados continuam sendo questionados pela mídia. Disse ainda que tinha a documentação comprobatória e que a entregaria à instância da Justiça que fosse determinada pelo STF. Logo depois, em entrevista à Rede TV, afirmou que ele e o pai estão sendo vítimas de perseguição, que estão tentando criminalizar o dinheiro que ganhava como empresário (segundo ele, mais que seu salário de deputado), que não lhe deram oportunidade de se explicar e que quebraram seu sigilo de forma ilegal. Sobre o pedágio (que ele chamou de “rachadinha”) em seu gabinete na Alerj, afirmou que, se tivesse conhecimento dessa prática, teria sido o primeiro a denunciar.