Segundo um velho axioma do jornalismo, notícia
boa é notícia ruim. E quando a notícia não é ruim o bastante, sempre se
pode enfatizar seu lado mais sombrio, como fizeram os telejornais na noite de
terça-feira.
Só faltou a marcha fúnebre de Chopin como fundo musical quando noticiaram que a
farmacêutica AstraZeneca suspendera os testes da vacina contra o Coronavírus
devido à reação adversa apresentada por um voluntário.
Foi relatado que o paciente sofria de sintomas neurológicos associados a um raro distúrbio inflamatório da coluna, a mielite transversa, mas ainda não se sabe se ele havia tomado a vacina ou o placebo nem se a tal reação adversa foi causada ou potencializada pela droga.
Devido à maneira sensacionalista como a notícia foi
veiculada, as ações da AstraZeneca abriram em queda na quarta-feira, mas
zeraram as perdas quando se noticiou que o evento é comum durante a fase de
testes e que o experimento deve ser retomado na próxima semana (para
mais detalhes, clique aqui).
Salta aos olhos que esse “mal estar” poderia ter sido evitado se a mídia salientasse
que a suspensão de testes de medicamentos não é incomum, que a
paralisação não é necessariamente um retrocesso, que essa não foi a
primeira vez que algo semelhante aconteceu e que o laboratório está trabalhando
para revisar os resultados do teste o mais rápido possível, visando minimizar
qualquer impacto no cronograma do ensaio.
A Unifesp, parceira da AstraZeneca no Brasil e
provável fabricante da vacina no médio prazo, informou que a fase três também foi
suspensa localmente, mas que nenhum dos 5 mil voluntários que se submeteram
aos testes apresentara até o momento qualquer reação adversa. E emendou: “Trata-se
de uma prática comum em estudos clínicos envolvendo fármacos. O comitê de
monitoramento de segurança do estudo analisa se o caso tem ou não relação com a
vacina e assim que a análise for concluída, a fase 3 deve ser retomada.
Mudando de pato pra ganso, quando a récua de murares (também
conhecida como “eleitorado”) escalou Bolsonaro e Luladdad para o
mata-mata em 2018, o capetão tornou-se automaticamente nossa única alternativa (noves
fora anular o voto, votar em branco ou simplesmente não comparecer às urnas,
como fizeram 42 milhões de eleitores).
Conhecendo o comportamento da esquerda
atávica, eu antecipei que, ao vestir a faixa presidencial, o dublê de mau
militar e parlamentar medíocre seria mais malhado que boneco de pano em Sábado
de Aleluia e relembrei a velha fábula do
velho, o menino e o burro e a máxima atribuída a JFK sobre a fórmula
do sucesso.
Num país sério, Bolsonaro não se elegeria sequer para
síndico de condomínio de periferia (a não ser, talvez, os que são controlados
pela milícia fluminense). Mas vivemos no Brasil do Deus me livre, onde um presidiário
transforma sua cela em comitê de campanha e palanque, e nem a PF, nem o TSE,
nem o STF dizem um “a”. Esperar o quê?
Jamais acreditei que Bolsonaro faria um bom
governo, mas nunca imaginei que ele superaria minhas piores expectativas. E
como nada é tão ruim que não possa piorar, se ninguém tomar uma atitude (Hello,
Rodrigo Maia!), não só teremos de aturá-lo por mais 2 anos, 3 meses e 20
dias, como podemos assistir a um reprise, em 2022, da comédia de humor negro de 2018,
pois a récua de muares é bem capaz de repetir a dose.
Circunstâncias adversas nos levaram a soltar o gênio da
garrafa, e agora não sabemos como prendê-lo de volta, já que não contamos com o
apoio do Congresso ou do Supremo.
A perspectiva de um parlamento
mais afinado com os desejos e necessidades da nação se nos apresentou nas eleições passadas, quando três
em cada quatro senadores que tentaram um novo mandato não se reelegeram,
a exemplo de 157
dos 400 deputados que concorreram à reeleição. Infelizmente, mudaram as
moscas, mas a merda continua a mesma.
Para piorar, Rodrigo
Maia e Davi Alcolumbre parecem estar mais preocupados com os próprios
interesses. O Senado vai analisar uma PEC que permite a
reeleição, dentro da mesma legislatura, dos presidentes das duas Casas de Leis. A proposta foi apresentada pela senadora Rose
de Freitas, para quem a legislação está “descompensada” desde 1997 — quando
a Constituição passou a admitir a reeleição para o Poder Executivo —, e conta
com o apoio de 29 outros senadores, três a mais que o necessário para a
apresentação de uma PEC.
O Supremo admite uma exceção à atual regra, que é
quando as eleições para as Mesas ocorrem em legislaturas diferentes — graças a
essa interpretação, o Senado já teve quatro presidentes reeleitos desde a
promulgação da Constituição: Renan Calheiros, por duas vezes (em 2007 e
2015); Antônio Carlos Magalhães (em 1999) e José Sarney (em 2011);
na Câmara, houve dois casos: Michel Temer, em 1999, e o atual presidente
da Casa, no ano passado — que é também o único dos presidentes do Legislativo
que se manteve no cargo por dois mandatos dentro da mesma legislatura, numa
situação excepcional: em 2016 ele foi eleito em substituição a Eduardo Cunha,
que fora afastado pela Justiça; em 2017, STF permitiu que Maia
buscasse a reeleição em 2017, por entender que seu período na presidência não
havia constituído um mandato próprio, mas apenas um “tampão”.
No STF, perdemos Celso de Mello no pior
momento. Ainda que ele retorne da licença média nesta sexta-feira, só
permanecerá no cargo até 31 de outubro, quando então será aposentado (nos
nossos tribunais superiores, a aposentadoria torna-se compulsória quando o
magistrado completa 75 anos).
Anteontem, o ministro Marco Aurélio, que
substitui o colega na relatoria do inquérito que investiga a suposta intervenção de Bolsonaro
na PF, encaminhou à PGR o pedido de prorrogação feito pelo MP,
mas Augusto Aras ainda não se manifestou (o regimento interno do STF estabelece que, em caso de licença do relator, ele é substituído pelo ministro mais antigo do colegiado). Vale lembrar que a principal
pendência nesse inquérito é o depoimento de Bolsonaro sobre as acusações
feitas pelo ex-ministro Sergio Moro.
Aproveitando-se da ausência do decano na 2.ª
Turma, Gilmar Mendes tem feito picadinho das decisões da Lava-Jato
e submetido a reputação do ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro a um
processo de esquartejamento. O laxante de toga conta com o apoio de Lewandowski,
e já articula o grand finale, que deve ser a anulação da condenação de Lula
no caso do tríplex.
No mês passado, a dupla extirpou a delação de Palocci do processo em que Lula é acusado de receber propina da Odebrecht
na forma de um terreno, em São Paulo, para a construção da nova sede de seu Instituto.
Devido à ausência da ministra Cármen Lúcia, o ministro Fachin,
relator da Lava-Jato no STF, foi o único voto dissonante. Mendes
e Lewandowski “entenderam” que Moro foi “parcial” ao usar o
depoimento de Palocci no processo de Lula “para criar um fato
político às vésperas das eleições presidenciais de 2018”.
Ainda em agosto, a 2.ª
Turma anulou a sentença de Moro no caso Banestado. Embora Cármen
Lúcia e Fachin tenham votado pela manutenção da decisão do ex-juiz, a ausência
de Celso de Mello garantiu o empate e validou o entendimento de
teria havido juntada de documentos aos autos após o encerramento da instrução processual,
o que culminou com a anulação da condenação o doleiro Paulo Roberto Krug (a
despeito de a decisão do ex-juiz da Lava-Jato ter sido confirmada tanto
pelo TRF-4 quanto pelo STJ).
Tudo leva a crer que Gilmar aproveitará a ausência do
decano para pautar o pedido de suspeição de Moro no caso do tríplex. O
julgamento do recurso foi interrompido por um pedido de vista feito pelo próprio
Gilmar no final de 2018, quando Cármen Lúcia e Fachin já haviam votado contra a tese da defesa — baseada no fato de o ex-juiz ter condenado o
ex-presidente ladrão visando favorecer a vitória de Bolsonaro em troca de
um cargo em seu governo.
Talvez Moro tenha feito uma péssima escolha ao trocar 22 anos
de magistratura por um ano e quatro meses como ministro de um presidente “chinfrim”,
mas isso não anula os achados que levaram Lula à cadeia. Sem mencionar
que a condenação do tríplex já não diz respeito ao ex-juiz, na medida em que,
como a do doleiro Krug, foi confirmada pelo TRF-4 e ratificada no
STJ. Mas se Celso de Mello não participar desse julgamento, o
empate favorecerá Lula.
De acordo com Josias de Souza, Sérgio Moro perdeu uma mão no expurgo da delação de Palocci e um
pé no cancelamento do veredicto do doleiro do Banestado. Se confirmada,
a anulação do veredicto do tríplex apartar-lhe-á a cabeça do pescoço. Seus
algozes ainda não se deram conta, mas o estão presenteando com o papel de
vítima. Até aqui, Moro dedicou-se a atirar contra o próprio pé. Aos
pouquinhos, vai ganhando um alvo: os adversários do combate à corrupção.
Para
lavar a ficha suja que o separa dos palanques, Lula terá de guerrear
pela anulação de outra sentença já referendada em segunda instância: a do sítio
de Atibaia. Já Bolsonaro chegará a 2022 carregando a bola de
ferro dos negócios familiares e cavalgando o centrão, um aglomerado partidário
100% feito de suspeitos, culpados e cúmplices.
Num cenário assim, um ex-juiz ensanguentado e sem cabeça
pode ser um candidato inusitado na sucessão. Na pior hipótese, Moro
aproveitará a campanha para recompor sua biografia. Na melhor, entrará na briga
pela simpatia dos admiradores da Lava-Jato.
No final do ano passado, o Datafolha
constatou que 81% dos brasileiros consideravam que a operação deveria
continuar. A conversão dos líderes do centrão em heróis da resistência e a
anulação de sentenças leva melado para o moinho do projeto Moro 2022.