Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta ponte para o futuro. Ordenar por data Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta ponte para o futuro. Ordenar por data Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

DIVIDIR PARA NÃO CONQUISTAR

 

"Dividir para conquistar" é uma estratégia (utilizada por Júlio César, Felipe da Macedônia e Napoleão Bonaparte, entre outros) que consiste em fragmentar as forças inimigas para então derrotá-las. No Brasil contemporâneo, esse precioso ensinamento vem sendo desprezado pela assim chamada "terceira via", que parece incapaz (pelo menos até o presente momento) de se unir em torno de um nome que possa despachar para o quinto dos infernos as ambições da desprezível parelha Lula/Bolsonaro.

O PSDB ficou de ir "às urnas" neste domingo (o fato de eu ter escrito esta postagem na manhã ontem explica o tempo verbal) para decidir se será João Doria, Eduardo Leite ou Arthur Virgílio o tucano que pegará em lanças para derrotar a execrável dupla retromencionada. Para piorar, nada garante que os derrotados apoiarão o vencedor, e um racha no partido dificultará ainda mais a missão do emplumado que vencer disputa interna.

Os govenadores de SP e do RS se digladiaram numa campanha acirrada e com alguns ensaios de golpes abaixo da cintura, ao passo que o ex-senador, ex-prefeito de Manaus figurou como azarão — só o ego inflado e o fato de ser um dos caciques da sigla explicam sua participação na disputa. Com orçamento estimado em quase R$ 5 milhões — financiado pelo partido com recursos do Fundo Partidário (dinheiro público, em última análise) — essas avis rara percorreram todos os Estados em busca de apoio dos eleitores (pessoas que se filiaram ao PSDB até maio deste ano e se cadastraram para a votação até o último dia 15). Doria e Leite recorreram também a disparos em massa de mensagens.

ATUALIZAÇÃO: Problemas de instabilidade no aplicativo levaram o PSDB a suspender a votação eletrônica. Ainda não foi definida uma nova data para reabertura do processo para que todos os filiados que não puderam votar no pleito de ontem possam fazê-lo oportunamente. Para o grupo de Doria, o ideal seria abandonar de vez o aplicativo e ampliar o uso das urnas eletrônicas (cedidas pela Justiça Eleitoral e instaladas em Brasília, neste domingo, para as demais capitais e cidades com, no mínimo, 200 mil habitantes. Aliados de Leite, por sua vez, pregam usar cédulas de papel. Como se vê, tomar decisões é um grave problema para o tucanato. Sempre que houver mais de um banheiro no imóvel, tucano que é tucano mija no corredor!

Segundo a revista Veja, é a primeira vez que um partido faz prévias nacionais para a escolha do candidato. Tradicionalmente, as legendas escolhem a chapa por aclamação, em uma decisão dos presidentes e demais dirigentes de cada sigla. O PSDB, sempre em cima do muro (dizem que os tucanos são tão indecisos que mijam no corredor casa haja mais de um banheiro na casa) optou por um modelo em que todos os filiados puderam se inscrever para a votação, mas com votos tendo um peso diferente na apuração final. A adesão foi baixa: dos mais de 1,3 milhão de filiadas, apenas 39 mil fizeram o cadastramento.

E inegável que a disputa interna exacerbe as divergências pré-existentes na sigla, mas espera-se que os postulantes preteridos ponham de lado suas diferenças e apoiem o vencedor em prol do objetivo em comum, que é derrotar o verdugo do Planalto ou o pontífice da seita do inferno. Comenta-se à boca pequena que Leite e Virgílio são mais maleáveis do que Doria, que não abrirá mão de disputar a Presidência.

Oficialmente, o circo eleitoral começa em 16 de agosto do ano que vem, dez dias antes do purgativo "horário político gratuito" no rádio e na tv — gratuito no nome, pois quem paga a fatura desse anacronismo somos nós. Bolsonaro e Lula estão em campanha desde sempre. O capetão-cloroquina — que prometeu acabar com o instituto da reeleição e afirmou que não nasceu para ser presidente, mas, sim, para ser militar — fez da reeleição seu projeto de governo (ou de poder, melhor dizendo; governar que é bom, néris de pitibiriba). Já o ex-presidiário de Curitiba pulou do xilindró para o palanque, na certeza de que a suprema banda podre lavaria sua ficha imunda e transformá-lo-ia em "ex-corrupto", permitindo-lhe dispensar o bonifrate em 2022.

Não se sabe ao certo quantos serão os candidatos à Presidência no ano que vem, mas sabe-se que o único sem partido é o atual inquilino do Planalto. Nossa legislação eleitoral veda candidaturas avulsas, mas não faltam siglas para todos os gostos (são 33 partidos registrados no TSE e mais de 70 em "fase de formação").

Devido a de$entendimento$ com o laranjal de Luciano Bivar, Bolsonaro deixou o PSL em novembro de 2019 e vem buscando desde então um partido para chamar de seu. Depois que o "Aliança pelo Brasil" foi para a cucuia, o capitão passou a buscar uma quadrilha, digo, uma agremiação que o aceite e lhe dê a chave do cofre. O senador Flávio Rachadinha, príncipe herdeiro do sultão do bananistão, e que já passou pelo PP (duas vezes), PFL, PSC, PSL e Republicanos, migrou para o Patriota em maio com o objetivo de organizar a mudança do papai — que acabou não acontecendo.

Bolsonaro já arrastou a asa para o PP do senador Ciro Nogueira e do deputado-réu Arthur Lira e flertou com o Republicanos, sempre com Valdemar Costa Neto, babalorixá do PL, atuando nos bastidores. Ao final, o charme do mensaleiro e ex-presidiário conquistou seu coração, mas a troca de gentilizas ocorrida durante o feriadão da proclamação da República — com direito a "vá pra puta que pariu" e "vá tomar no cu, você e seus filhos" (gente fina é outra coisa) — resultou na suspensão do enlace.

Tudo indica que o casamento ocorrerá de um jeito ou de outro. Segundo o Messias que não miracula, suas chances de ingressar no PL eram de 99,9%. Trata-se não de uma paixão avassaladora, mas de simples pragmatismo: o noivo precisa formalizar a união para "governar" até 2022 e, eventualmente, evitar a cadeia, e portanto deve engolir o xingamento e aceitar as puladas de cerca de Valdemar com Lula — desde que, para manter as aparências, seu consorte evite traí-lo em público.

O affair de Bolsonaro com o Centrão soa como uma velha canção aos nosso ouvidos. Desde que foi expelido do quartel, em 1987, o capitão insurreto perambulou por oito legendas, todas de aluguel. Meses atrás, deu a chave do reino ao senador pepista Ciro Nogueira — que foi nomeado ministro-chefe da Casa Civil — e colocou o próprio destino nas mãos do também pepista deputado Artur Lira — o réu que preside a Câmara e mantém trancados a sete chaves cerca de 140 pedidos de impeachment. Assim, a intenção de se amancebar com a agremiação do mensaleiro e ex-presidiário Costa Neto um dos expoentes do Centrão, com atuação fisiológica ao longo de vários governos — não causa estranheza; pelo contrário: sua alteza irreal deve se sentir em casa entre as marafonas do PL

Com a terceira maior bancada da Câmara, o partido do ex-desafeto (a quem Bolsonaro chamou de corrupto e presidiário durante a campanha de 2018) abocanha fatias consideráveis de fundo eleitoral e tempo de TV, bem como tem razoável capilaridade: em 2020, elegeu 345 prefeitos, ficando em 6° lugar no ranking das legendas que mais elegeram representantes nas prefeituras. Assim, tudo leva a crer que o adiamento do “casamento” não passou de mero acidente de percurso.

Na última quarta-feira, Costa Neto "recebeu carta branca" de seus cupinchas para negociar a devolução do anel de noivado ao dedo do nubente. O problema (ou um dos problemas) é que o ingresso do capetão no partido impedirá (ou pelo menos dificultará) que lideranças do PL apoiem adversários do governo nas próximas eleições, e alguns caciques da sigla são unha-e-carne com Lula e administrações petistas no nordeste.

A récua de muares descerebrados que por alguma razão ainda levam fé na lisura do "mito" podem achar constrangedor ver seu amado líder dividindo espaço na legenda com notórios investigados e suspeitos de envolvimento em escândalos — como o próprio cacique da tribo, que foi condenado e preso no mensalão. Mas Bolsonaro sempre foi adepto das práticas da baixa política e amigo de milicianos. E ainda que assim não fosse, o que é um peido para quem está cagado? Noves fora os inquéritos a que o mandatário de fancaria responde (e que já o teriam apeado do cargo se esta banânia fosse um país sério), quatro de seus cinco filhos (a exceção é a caçula, que tem apenas 11 anos) são alvo de investigações.

A filiação ao PL não será um seguro contra traições, já que o partido sempre se notabilizou pela atuação fisiológica no Congresso e por gravitar no entorno de quem tem mais chances de vencer eleições. Suas carpideiras acompanham o caixão até a beira da cova, mas não pulam dentro dela junto com o defunto. Se Costa Netto resolver não lançar candidato próprio à Presidência no ano que vem, e essa decisão for tomada a partir de abril, quando o prazo de filiação partidária já tiver expirado, o verdugo do Planalto estará fora do pleito.

Receber Bolsonaro interessa ao mensaleiro porque anaboliza as chances do partido de aumentar a bancada no Congresso — que conta atualmente com 43 deputados e 4 senadores. O tamanho da bancada na Câmara é determinante na distribuição dos recursos dos fundos eleitoral e partidário, e se a escumalha que segue o capetão acompanhá-lo na mudança de sigla, Costa Neto será o morubixaba de uma das maiores tribos da nação tupiniquim. Mas é bom lembrar que, se Bolsonaro for derrotado nas urnas — possibilidade que se torna mais provável a cada dia —, o poder de negociação do partido com o futuro inquilino do Planalto ficará fragilizado.

Eleições presidenciais no Brasil costumam guardar semelhanças com os pleitos anteriores, mas, paradoxalmente, são as diferenças que acabam pautando os resultados. Para além disso, o imprevisto sempre pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos. Cito como exemplo a facada que o então candidato do PSL à Presidência levou em Juiz de Fora, a um mês do primeiro turno do pleito de 2018. Não fosse esse lamentável incidente, Bolsonaro não teria escapado de ser feito picadinho pela grandiloquência de Ciro Gomes nos debates televisivos (pode-se simpatizar ou não com o cearense de Pindamonhangaba, mas jamais menosprezar sua oratória.

Segundo o cientista político Murillo de Aragão, desde a volta das eleições diretas que algum grande tema vem prevalecendo, ora vindo do establishment político, ora como uma surpresa. Collor e Bolsonaro, ainda que solidamente incrustados no sistema, surgiram como surpresas para o eleitorado. FHC se viabilizou com o sucesso do Plano Real e foi eleito em 1994 e 1998, ambas as vezes no primeiro turno, graças ao poder que conquistou com o desempenho econômico e a fragilidade da narrativa de Lula, então seu maior adversário.

Em 2002, o picareta dos picaretas se firmou como “surpresa”, mesmo tendo mais de vinte anos de vida pública, e se elegeu na esteira dos equívocos dos barões do Tucanistão e de sua maneira desgastada de fazer política. A era lulopetista se estendeu por mais de 13 anos graças a uma combinação de fatores — entre os quais o desempenho econômico, que então avançava por águas mansas, com as velas enfunadas pelos ventos benfazejos soporados do exterior — que dificilmente se repetirá no médio prazo.

O capital político acumulado pelo petralha lhe assegurou a reeleição em 2006, a despeito do mensalão, e a eleição de sua nefasta sucessora em 2010 e 2014, a despeito da notável incompetência da desinfeliz. Mas então Bolsonaro surgiu do nada, como um rebento bastardo da Lava-Jato e da "descorrupção" que a força-tarefa de Curitiba produziu no establishment político. E a adesão do juiz Sergio Moro à campanha fez com que uma parcela considerável dos brasileiros apoiasse o "mito" — que, como não tardariam a descobrir, tinha pés de barro, calcanhares de vidro e culpa no cartório.

A incompatibilidade chapada entre bolsonarismo e o lavajatismo favorece o ex-presidiário convertido a "ex-corrupto", mas diz um velho ditado que toda araruta tem seu dia de mingau. As denúncias de corrupção endêmica que marcaram as gestões petistas certamente voltarão à baila durante a campanha, e poderão atrapalhar os planos do demiurgo eneadáctilo.

Como dito, todos os pleitos presidenciais desde a redemocratização foram abrilhantados por algum evento inesperado, que acabou afetando as campanhas. A pergunta que se coloca é: o que nos reserva a próxima eleição? The answer, my friend, is blowing in the wind. Mas isso não nos impede de fazer algumas conjecturas.

Até onde a vista alcança, o que se vislumbra é um "trisal" formado pela conjuntura econômica, pela pandemia e pelos índices de rejeição (repulsa?) aos dois primeiros colocados nas pesquisas de intenção de voto, mas a questão do combate à corrução poderá ser relevante para certos setores do eleitorado, podendo converter esse trisal num "ménage a quatre".

A economia estará atrelada ao consumo, renda, retomada das atividades e comportamento da inflação; a pandemia terá seu papel reforçado pelos "equívocos" do governo e o espantoso número cadáveres — potencializado pelo negacionismo de um mandatário psicopata.

Um cálculo mostra que, para cada vítima do vírus maldito (falo do SARS-CoV-2, não do negacionista), pelo menos 100 pessoas são afetadas emocionalmente, o que perfaz mais de 60 milhões de eleitores passíveis de ser influenciados por essa tragédia na hora de votar, ainda que a vacinação continue avançando e o número de mortes diminuindo.

A julgar pelas pesquisas, a substantiva rejeição reduziria a pó as chances de o atual inquilino do Planalto ter o contrato renovado, mas há que levar em conta que no Brasil até o passado é incerto. Por enquanto, o sumo pontífice da seita do inferno é beneficiado pelo recall positivo, mas, quando a campanha esquentar, todos os equívocos e as denúncias que marcaram as gestões do PT aflorarão como a merda que transborda de uma privada entupida quando um incauto aciona a descarga.

Ao fim e ao cabo, os três temas poderão servir de ponte para que um candidato alternativo transite com sucesso em meio à polarização, sobretudo se ele trouxer uma boa abordagem para o quarto tópico: o combate à corrupção. O que nos leva a Sergio Moro, cuja pré-candidatura já foi objeto de postagens recentes e voltará a sê-lo em meus próximos textos, já que este se estendeu mais do que eu pretendia.

sábado, 20 de novembro de 2021

PARA MIM ESTÁ DE BOM TAMANHO


Faz parte do "American Dream" ver um filho presidente, daí as famílias americanas de classe média hipotecarem a casa e as cuecas para mandar os filhos para Harvard, Columbia, Stanford, Princeton, enfim, para universidades que lhes assegurem melhores oportunidades profissionais. 

Tanto lá como cá o contrato de locação da residência oficial da Presidência é de quatro anos, prorrogáveis por mais quatro, mas aqui as exigências são low profile. Aqui, cinco inquilinos foram avalizados pelas urnas desde a redemocratização. 

O primeiro se formou em Ciências Econômicas, estagiou no Jornal do Brasil e dirigiu a empresa da família antes de ingressar na vida pública e, mais adiante, mudar-se de mala cuia para o Planalto. O segundo era um sociólogo e cientista político com mestrado e reeleição; o terceiro, o desaculturado exótico que, 8 anos e um mensalão depois, se fez suceder por uma pseudogerentona de araque, dona de um currículo anabolizado que deixaria certo ex-ministro da Educação verde de inveja; e o inquilino da vez...

... O inquilino da vez é o dublê de mau militar e deputado medíocre que, na definição lapidar do senador Omar Aziz, "por onde passa espalha fezes". Um lunático sem condições de presidir coisa alguma — nem carrinho de pipoca em porta de cinema —, mas que, graças à inércia dos brasileiros, não só continua no Palácio (onde raramente é encontrado, mas enfim...) como pugna pela prorrogação do contrato por mais quatro anos (que Deus nos livre e guarde dessa desgraça).   

Diz um ditado português que "em casa onde falta o pão todos gritam e ninguém tem razão". Outra pérola da sabedoria popular ensina que dar voz a burros implica aturar os zurros. E o que não falta ao Brasil, além de governo e agentes públicos sérios, é espaço para a discussão de bobagens. No contexto atual, repercutir as falas do pajé da cloroquina, como a mídia tem feito dia sim outro também, é desperdiçar boa vela com mau defunto.

Governar esta banânia talvez não seja um bicho-de-sete-cabeças. Tanto que o desaculturado retrocitado e sua deplorável cria e sucessora somaram 13 anos, 4 meses e 12 dias no Planalto. Mas requer um mínimo de bom senso, coisa que o mandatário de turno não tem. Aliás, ele próprio reconheceu que não nasceu para ser presidente, mas, sim, para ser militar. 

Fosse o Brasil uma democracia consolidada, a pergunta que se colocaria seria: por que diabos Bolsonaro não desce do palanque, pega o boné e vai passear de motocicleta em outra freguesia? Como vivemos num arremedo de republiqueta de bananas, a resposta é: porque isto aqui não passa de uma republiqueta de bananas.

A esta altura, já cumprimos 32 meses e meio da pena de 48 meses que nos foi imposta pelas urnas em 2018. A despeito de quase 140 pedidos de impeachment, o carcereiro continua na porta da cela, ensinando-nos da pior maneira que suas promessas de campanha eram meras falácias de palanque. 

Menos de um mês depois e assumir a Presidência, o "mito" foi questionado acerca das estripulias de Zero Um/Fabrício Queiroz. Sua resposta foi: "se ele errou e isso ficar provado, eu lamento como pai, mas ele vai ter que pagar." E foi então que a Velhinha de Taubaté se revirou na tumba.     

De novo: se vivêssemos num país sério, há muito que Bolsonaro seria uma página virada da desditosa história de Pindorama. Mas, como vivemos no país do futuro que nunca chega e onde passado é incerto, periga termos de escolher novamente, daqui a 11 meses, se continuamos a fritar na frigideira do bolsonarismo boçal ou pulamos no fogo do lulopetismo ladrão. 

Até onde a vista alcança, nossa única esperança  é a consolidação da tão falada terceira via — até porque a falta de candidatos que empolguem o eleitorado "nem-nem" (nem Bolsonaro nem Lula) é tão prejudicial quanto sua pluralidade.

Gente incompetente, ímproba e mal-intencionada vem alardeando o descabimento da candidatura de Sergio Moro. O cara tem voz de pato, dizem uns. Falta-lhe experiência política, afirmam outros. As esquerdas o acusam de parcialidade no julgamento do redentor dos pobres (e tiveram seus queixumes agasalhados pela banda podre do STF), sustentam que ele mandou prender a "alma viva mais honesta desta galáxia" para impedir o povo de ser feliz de novo, e por aí vai. Já os bolsomínions e convertidos acusam-no de ter "traído" o imbrochável, incomível e imorrível que lhe deu um ministério para chamar de seu, dizem que o ex-juiz entrou para a política de olho numa suprema toga, e por aí segue a procissão de asneiras.

Raciocinar nunca foi o esporte nacional dos brasileiros. Isso resulta em más escolhas nas urnas. Como bem disse o último general-presidente da ditadura militar, "um povo que não sabe escovar os dentes não está preparado para votar". 

Na última quarta-feira, em entrevista a Pedro Bial, o ex-juiz da Lava-Jato disse que, para levar seu projeto adiante, ele depende apenas da confiança do povo, e que está preparado para presidir o país. Moro ainda está escolhendo sua equipe, mas adiantou na entrevista que Affonso Celso Pastore deverá cuidar da área econômica, e que seu plano de governo vai muito além do combate à corrupção. Que assim seja!

No final de 2018, a promessa de uma vaga no STF foi decisiva para o então juiz abandonar 22 anos de magistratura. Mas a pergunta é: quem do ramo do Direito não sonha com a suprema toga? Isso não muda o fato de que, como ministro da Justiça, Moro teria melhores condições de combater a corrupção e a criminalidade. Demais disso, ao aceitar o convite do então presidente eleito, nem ele nem ninguém fazia ideia do antro de corrupção que seria a gestão do "mito" dos bolsomínions.

Bolsonaro obrigou Moro a engolir todos os sapos e beber toda a água da lagoa. Quando finalmente conseguiu a demissão do auxiliar, sua alteza irreal "acabou com a Lava-Jato" porque, "não havia mais corrupção no governo". Esse pronunciamento do lunático levou a récua de bolsomínions a bater os cascos até perderem a ferradura, indiferentes ao fato de que, dos cinco rebentos que o Messias teve em três casamentos, somente a filha de 11 anos não é alvo de investigações.

Mais malfeitos de Bolsonaro et caterva foram trazidos à luz pela CPI do Genocídio, cujas sessões televisionadas e transmitidas ao vivo e em cores deixaram evidente que o ministério da Saúde foi cooptado por negacionistas, oportunistas, corruptos e vendilhões da pátria. Mesmo assim, o general Pesadello vai muito bem, agora exercendo o cargo de "aspone". Embora o fardado fosse passível de punição à luz do Código Penal Militar por sua participação em atos políticos, a investigação deu em nada e os detalhes envolvendo a farsa foram sepultados sob 100 anos de sigilo.

Observação: No auge da pandemia, o capitão-caverna demitiu Luiz Henrique Mandetta (porque o médico “estava se achando estrela”). Quando se deu conta de que seu substituto — o oncologista Nelson Teich — não se converteria ao negacionismo, sua alteza fritou o ministro e nomeou o general "um manda e o outro obedece". O expert em logística que não sabia amarrar os próprios coturnos militarizou a pasta, transformou-a em cabide de farda para os "amigos do rei" e lambeu as botas do suserano durante dez meses. Quando sua permanência no cargo se tornou insustentável, o capitão o substitui pelo cardiologista Marcelo Queiroga, que hoje segue alegremente os passos do esbirro que o antecedeu. 

O candidato que apoiamos para evitar a volta da roubalheira lulopetista ora envergonha, dia sim outro também, localmente e no exterior. A falta de compostura do capetão transformou-o em pária aos olhos do mundo — condição vexatória que o povo brasileiro é forçado a compartilhar. Inobstante a péssima qualidade de seu eleitorado, o Brasil não merece um mandatário desequilibrado, que profere discursos golpistas, regurgita aleivosias na ONU e no G20 e conspurca a imagem do país no exterior, como fez no passeio turístico pela Europa — que teve até agressão física a jornalistas — e em sua viagem a Dubai, onde despejou uma narrativa ficcional sobre os investidores árabes, e ao Catar, onde promoveu mais uma de suas ridículas motociatas. Vá se catar!

Moro não terá dificuldade em administrar a massa falida herdada da pior gestão de todos os tempos (incluindo a de Dilma) se compuser um ministério competente e probo. Como cachorro picado por cobra tem medo de linguiça, não custa relembrar que o vampiro do Jaburu prometeu um ministério de notáveis e entregou uma notável confraria de corruptos, transformando sua "ponte para o futuro" numa patética pinguela e pavimentando o caminho para a vitória do motoqueiro fantasma.

Oportuno relembrar também que a campanha do capitão-demagogo à Presidência se equilibrou em três pilares: 

1) Para provar que era amigo do mercado e obter o apoio dos empresários, o estatista que acreditava em Estado grande e intervencionista, que sempre lutou por privilégios para corporações que se locupletam do Estado há décadas, foi buscar Paulo Guedes, que embarcou em uma canoa que deveria saber furada; 

2) para provar que era inimigo da corrupção e obter o apoio da classe média, o deputado que, em sete mandatos, pertenceu a oito partidos diferentes, todos de aluguel, e sempre foi adepto das práticas da baixa política e amigo de milicianos, foi buscar Sergio Moro, que embarcou em uma canoa que deveria saber furada; 

3) para obter o apoio das Forças Armadas, o oficial de baixa patente despreparado, agressivo e falastrão, condenado por insubordinação e indisciplina e enxotado da corporação, foi buscar legitimidade em uma fieira de generais, que embarcaram em uma canoa que deveriam saber furada.

A esse festival de horrores soma-se a conversão do pajé de Chicago ao negacionismo tresloucado do chefe despirocado. Ao invés de ensinar noções de liberalismo ao presidente, o superministro de festim absorveu como uma esponja o que há de pior no bolsonarismo-raiz. 

Tivesse um mínimo de autoestima, o cheerleader do governo Bolsonaro enfiaria o ego no saco, pegaria o boné e iria se catar nas Ilhas Virgens Britânicas, onde mantém sua offshore. Em vez disso, o luminar da economia continua insultando nossa inteligência ao afirmar que o PIB brasileiro "está crescendo acima da média mundial" e que quem não vê isso está "maquiando os números com variáveis 'fictícias'".

Contaminado pelo sumo pontífice da nova seita do inferno, o Posto Ipiranga sem combustível insiste na potoca da recuperação em "V". Para este ano, a estimativa do ministro sonhador para o crescimento do PIB é de 5,1% — um pouco menos que os 5,3% divulgados em setembro, mas ainda acima dos 4,88% previstos pelo mercado financeiro —, e de 2,1% para o ano que vem — o mercado ainda fala de 0,93%, mas já há quem preveja recessão.

Entrementes, a corja de ladrões que tomou de assalto (sem trocadilho) o Congresso Nacional busca novas maneiras de assaltar o erário. A despeito de o STF ter barrado as famigeradas "emendas de relator", o governo continua liberando verbas para parlamentares afinados com o general da banda. 

Nos dias que antecederam a votação da PEC do CALOTE, foram gastos R$ 1,3 bilhão com as tais emendas. No despacho que suspendeu a maracutaia, a ministra Rosa Weber anotou: “Causa perplexidade a descoberta de que parcela significativa do Orçamento da União Federal esteja sendo ofertada a grupo de parlamentares, mediante distribuição arbitrária entabulada entre coalizões políticas. Triste Brasil.

Enquanto Bolsonaro gargalha de suas piadas homofóbicas (sua marca registrada), a obstinação do Planalto em gastar por antecipação (com propósitos nitidamente eleitoreiros) derrubou o Ibovespa por quatro dias consecutivos. Na quarta-feira 17, a B3 fechou aos 102.498 pontos — a última vez que o índice ficou abaixo dos 103 mil pontos foi em novembro do ano passado, e na quinta, aos 102.426 pontos).

Observação: Alguns senadores contrários à farra do deputado-réu que preside a Câmara querem canalizar para programas sociais os bilhões resultantes da PEC do Calote, fechando de vez a porta para a promessa feita pelo capitão-falastrão — que deixou o mercado em polvorosa — de reajustar os salários de todos os servidores.  

Questionado por Bial sobre declarações que jamais seria candidato, Sergio Moro ponderou que o contexto mudou completamente depois que Bolsonaro boicotou o projeto de combate à corrupção no país. 

Em 2018, eu vi a oportunidade de me tornar ministro da Justiça e levar essa reforma que estava sendo feita nos casos judiciais para Brasília, para consolidar leis e avanços e principalmente impedir esses retrocessos. Eu encarava como missão por um propósito maior. Quando, depois, o governo boicotou o projeto de combate à corrupção, não deu o apoio necessário para que fossem aprovadas as reformas no Congresso, passou a adotar um comportamento de, ao invés de coibir a corrupção, praticamente abandonar essa agenda, inclusive interferir em órgãos de controle, saí do governo. Tenho visto desde que saí do governo um progressivo desmantelamento do combate à corrupção. Estamos perdendo aquilo que construímos a duras penas durante a Operação Lava Jato”, disse o ex-ministro.

Para mim está de bom tamanho. E para você?

sábado, 15 de maio de 2021

A QUE PONTO CHEGAMOS...

 

Pesquisa do Datafolha (feita recentemente, de forma presencial, com 2.071 pessoas em 146 municípios) traduziu em números a superpolarização em que está metida a política brasileira. Se a eleição fosse hoje, Lula teria 51% das intenções de voto entre os entrevistados que declararam ter ensino fundamental e 47% na faixa de renda de até dois salários-mínimos.

O índice cai para 30% entre quem declarou ter ensino superior e 18% na faixa de quem tem renda maior do que dez salários-mínimos. Bolsonaro teria 36% dos votos dos entrevistados que declararam estar vivendo normalmente, mesmo com a pandemia. Dessa mesma faixa do eleitorado, Lula abocanha 33%. Entre quem afirmou estar seguindo as recomendações de isolamento social, 58% apoiam o candidato do PT e 8% disseram votar no atual presidente.

Resumo da ópera: Ressuscitado pelo Supremo, o agora “ex-corrupto” prevaleceria com folga sobre o seu (aparentemente) único rival. No primeiro turno, Lula venceria por 41% a 23%; no segundo, por 55% a 32%.

Observação: O que o STF fez ao inocentar Lula foi mostrar o grande erro da Lava-Jato: recusar-se a obedecer a lei máxima nacional segundo a qual roubar não é crime se você é um picareta festejado por estrelas cadentes da MPB e por uma legião de inocentes úteis e inúteis.  Aí foi só correr para o abraço das togas esvoaçantes, exuberantes como asas de urubu em perfeita coordenação para envolver e proteger a carniça, e voilà: Lula livre! A intelectualidade de cabresto, a burguesia decadente, as subcelebridades e a bandidagem do bem alertaram desde sempre os homens da lei: para Lula não há lei. E o escândalo do mensalão era a prova cabal disso (ou científica, como se diz hoje nos melhores fundos de quintal): José Dirceu foi preso por montar um propinoduto entre empresas estatais e o PT para comprar deputados e outras bugigangas — e Lula saiu assobiando numa boa, porque Dirceu era seu braço direito, mas nem todo mundo sabe o que o seu braço direito faz. Nem a sua mão boba. Agora ninguém segura. Lula seria eleito com 171% dos votos, prevê o Instituto DataVenia. E você tem duas opções: arrumar um padrinho na cleptocracia ou se levantar daí e avisar que não vão te assaltar de novo.

Além de acentuar o peso dos extremos, a pesquisa escancara a debilidade da chamada “terceira via”. Fala-se muito no centro, mas falta informar como se chega ao centro. Abaixo de Lula e Bolsonaro há um bololô de presidenciáveis ou pretensos candidatos. Alguns deles, embora já jurados de morte pela conjuntura, percorrem os bastidores como se estivessem cheios de vida.

Estão colados nos fundões do palco Sergio Moro (7%), Ciro Gomes (6%), Luciano Huck (4%) e João Doria (3%) que, mesmo brandindo a CoronaVac, só não é o lanterninha porque abaixo dele estão Henrique Mandetta e João Amoêdo, empatados em 2%. Ciro Gomes se sai melhor entre os entrevistados com ensino superior (11%) e com os mais ricos (13%).

Outros 9% informaram que votariam em branco, nulo, ou em nenhum candidato, e 4% estão indecisos. O Datafolha destaca ainda que, no segundo turno, Lula herdaria votos dados a Doria, Ciro e Huck, e Bolsonaro teria os de Moro. Lula ganharia de Moro (53% a 33%) e Doria (57% a 21%) caso enfrentasse esses candidatos no segundo turno. Bolsonaro empataria tecnicamente com Doria (39% a 40%) e perderia para Ciro (36% a 48%).

Com a CPI do genocídio nos calcanhares, o caos na vacinação, a economia paralisada, denúncias de grossa corrupção na compra de parlamentares e o auxílio emergencial de fome, o que faz Bolsonaro para reagir? Vai a Alagoas para reinaugurar obras, não convida o governador Renan Filho, coloca o Exército nas ruas para fazer a sua segurança, chama o relator da CPI de “vagabundo” — como fez seu primogênito na véspera, durante a sessão da Comissão — e Lula de “ladrão de nove dedos (se os qualificativos foram ou não bem colocados, isso já é outra conversa). “Se Jesus teve um traidor, temos um vagabundo inquirindo pessoas de bem em nosso país. É um crime o que vem acontecendo com essa CPI. Se quer fazer um show tentando me derrubar, não fará. Somente Deus me tirará daquela cadeira”, completou nosso indômito capitão.

Bolsonaro sabe que, respeitadas as atuais regras do jogo, está mais perto de perder o mandato do que de ganhar a reeleição. Aliás, um dado em particular do Datafolha deve ter assombrado o Palácio do Planalto: 54% dos entrevistados responderam que não votariam no presidente de jeito nenhum, e rejeição acima de 50% inviabiliza qualquer candidatura.

Está entendido que o negacionismo da pandemia cobra a conta de Bolsonaro. Por contraste, Lula retorna ao palco como se nada tivesse sido descoberto sobre ele. Quem busca uma alternativa qualquer à dupla está em apuros. O eleitor vai à urna mais ou menos como quem entra numa loja de roupas. Não se pode escolher senão entre as peças que estão expostas no cabide. Se o Datafolha serviu para alguma coisa, foi para realçar o seguinte: Unido, o centro talvez se credencie para desafiar a polarização. Separados, os candidatos alternativos chegarão a 2022 entoando Noel Rosa: "Com que roupa eu vou..." Nessa hipótese, o eleitor será convidado para um samba no qual terá de optar entre um candidato sem futuro e um oponente com um enorme passado pela frente.

Em vez de comprar vacinas, Bolsonaro preferiu boicotá-las; para se proteger do impeachment, comprou parlamentares com o “Tratoraço das emendas secretas”. Somente agora, 14 meses após o início da pandemia, o Ministério da Saúde está lançando uma campanha de vacinação, mesmo sabendo que ainda não há vacinas para todos. Sem um plano econômico para o pós-pandemia, só restará ao capitão xingar os adversários e fazer provocações. E no que mais ele poderá radicalizar, além de chamar o “meu Exército” — uma ameaça tão repetida que já não assusta mais ninguém —, depois de perder as bandeiras do combate à corrupção e à “velha política” e cair nos braços do Centrão? Vai fazer como o filho 03, que ameaçou fechar o STF com um jipe, um cabo e um soldado?

Observação: Bolsonaro tenta mobilizar suas bases mais radicais para conter a erosão de sua popularidade e a ascensão de seu maior adversário. Acossado pela CPI, que expõe as entranhas de sua macabra gestão da pandemia, ele participará neste sábado de um ato convocado por agricultores conservadores, à qual chegará a cavalo, enquanto umas cem cidades serão palco de uma “Marcha da Família Cristã pela Liberdade” (o nome remete aos protestos que, em 1964, propiciaram o golpe militar e a instalação de uma ditadura que durou 21 anos). As probabilidades de que as investigações produzam a defenestração do inquilino do Planalto são próximas de zero, mas o desfile de testemunhas que reforçam a ideia de que seu negacionismo macabro, se não produziu diretamente os 430 mil cadáveres que assombram a nação, ao menos contribuiu de forma determinante para que o “genocídio” acontecesse. Sua base “raiz” ainda o apoia, mas perdeu parte do ímpeto coma a demissão do chanceler de fancaria e o amancebamento do capitão com o Centrão (o que pode vir a ser sua perdição). Para ser reeleito, Bolsonaro terá que reunir os mesmos setores que lhe garantiram a vitória em 2018 — possibilidade que parece mais distante a cada dia. Se essa estratégia fracassar, restará ao fracassado se inspirar em Donald Trump, que até hoje nega sua derrota nas urnas para Joe Biden. Sinais disso não faltam, a começar pelo questionamento em relação ao voto eletrônico e as ameaças recentes às instituições democráticas. A conferir.

Na quinta-feira, Bolsonaro viajou até Alagoas para inaugurar obras cujas fitas já haviam sido cortadas. Ao lado dos réus Fernando Collor e Arthur Lira, chamou de “vagabundo” e “picareta” outro réu, ecoando o primogênito Flávio, eminente senador da República que resolveu dar o ar da graça na CPI da Covid para afrontar o relator, que devolveu a gentileza acusando o filho do pai de “roubar dinheiro do pessoal do seu gabinete”.

ObservaçãoA plateia tem dificuldade para distinguir quem é quem. É mais ou menos como uma confusão entre dois gambás. Nesse tipo de briga, mesmo o vencedor sai cheirando mal.

A esse ponto chegamos: acusam-se mutuamente de vagabundagem e ladroagem a família Bolsonaro, com a imagem já bem rachadinha, e o colecionador de inquéritos Renan Calheiros. Assaltada (ops!) pela sensação de que os dois lados podem ter razão, a plateia toma o partido da briga. Numa das reinaugurações estreladas por Bolsonaro, a claque ecoou o orador. Ouviu-se um coro de “Renan vagabundo”. Entusiasmado, o capitão aproveitou para desancar um aliado de Renan. Em desvantagem no Datafolha, chamou Lula de “ladrão de nove dedos”.

Trava-se ao redor da CPI uma espécie de gincana entre sujos e mal lavados. Uma competição na qual a decência é um valor secundário. Antes de derramar baldes de lama sobre Renan, Bolsonaro articulou uma aproximação com o dono do enredo a ser contado no relatório final da investigação sobre a pandemia. Primeiro, o presidente telefonou para Renan Filho, governador de Alagoas, e manifestou o desejo de conversar com o pai do interlocutor. Foi “uma ligação amistosa”, contou Renanzinho. “Ele disse até assim: 'olha, Renan, estou com saudade daquelas nossas peladas do futebol'.”

Na sequência, Bolsonaro visitou em Brasília a mansão de José Sarney, o xamã da tribo do MDB. Novamente, queria estabelecer uma ponte que o levasse aos ouvidos de Renan. Não funcionou. O presidente faria um bem a si mesmo se explicasse à plateia o que desejava obter com esse estreitamento da inimizade com um “vagabundo”.

Com Josias de Souza

domingo, 3 de abril de 2022

LULA LÁ DE NOVO OUTRA VEZ


O tempo em que Lula era o presidiário mais famoso do Brasil e Sergio Moro um herói nacional perdeu-se nas brumas da corrupção que assola o país desde a célebre carta que Pero Vaz de Caminha enviou ao rei de Portugal. A Lava-Jato, que era tida e havida como a mais bem sucedida operação saneadora da história, foi desmantelada pelo dublê de mau militar e parlamentar medíocre que elegemos por falta de opção à volta do lulopetismo corrupto. E a menos que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, a próxima eleição presidencial (que está cada vez mais próxima) será uma reprise da anterior, mas com os protagonistas em posições invertidas. 

A jugar pelas pesquisas, o lulopetismo corrupto deve derrotar o bolsonarismo boçal. Mas enquetes eleitoreiras não são 100% confiáveis. Até porque a maioria é encomendada a empresas que cobram caro para apresentar o resultado desejado pelos marqueteiros dos candidatos. Demais disso, se a eleição fosse um filme, o resultado das pesquisas seria apenas um frame que registrava o humor dos eleitores naquele exato momento.

Em 1980, quando Lula et caterva fundaram o PT, disseram tratar-se de um “partido diferente”, que não roubaria nem deixaria roubar. Anos depois, o Mensalão e o Petrolão demonstraram que não há santos na política, apenas corruptos em maior ou menor grau. 

Lula disputou (e perdeu) o governo de São Paulo em 1982, elegeu-se deputado federal em 1986 (e instruiu seu espúrio partido a não assinar a Constituição de 1988, de cuja elaboração ele participou). Disputou e perdeu as três eleições presidenciais seguintes — para Collor em 1989 e para FHC em 1994 em 1988 —, até que derrotou José Serra e 2002 e, a despeito do Mensalão, venceu Geraldo Alckmin em 2006. Em 2010, com a popularidade nos píncaros, empalou o Brasil com o “poste” que viria a derrotar Aécio Neves dali a quatro anos, no maior estelionato eleitoral pré-Bolsonaro

O impeachment da Dilma promoveu Michel Temer a titular, mas sua ponte para o futuro foi para a ponte que partiu depois que Lauro Jardim revelou sua conversa de alcova mui suspeita com certo moedor de carne bilionário. No Brasil, a corrupção desafia até a lei da gravidade, e o vampiro do Jaburu se equilibrou no Planalto — graças aos favores das marafonas da Câmara, que custaram bilhões de reais em verbas e emendas parlamentares  e terminou o mandato-tampão como um patético “pato-manco” (ermo cunhado pelos norte-americanos para designar políticos que terminam seus mandatos tão desgastados que até os garçons demonstram seu desprezo servindo-lhes café frio).

Lula se tronou réu em 20 ações criminais e foi condenado em duas por uma dezena de juízes de três instâncias do Judiciário — a mais de 25 anos de reclusão, mas deixou a cela VIP na PF de Curitiba depois de míseros 580 dias e foi reconduzido ao cenário político por um consórcio de magistrados que vestiram a suprema toga por cima da farda de militante. Agora, segundo as tais pesquisas, conta com a preferência de 171% dos eleitores. 

Nunca é demais lembrar que, em 2018, essas mesmas empresas de pesquisa deram como certa a derrota de Bolsonaro (em qualquer cenário, não importando quem fosse seu adversário no segundo turno) e a eleição de Dilma para o Senado. Acabou que o capitão derrotou o preposto do presidiário por uma diferença de quase 11 milhões de votos e a eterna nefelibata da mandioca amargou um humilhante quinto lugar.

Uma coisa é torcer pelo que se quer que aconteça e outra, bem diferente, é fazer previsões com base nos fatos. A única semelhança é que tanto uma quanto a outra podem não acontecer. Exijamos, pois, a união dos candidatos da assim chamada “terceira via”, que precisam deixar de lado o ego, a vaidade e a empáfia, descer do salto e se unir em torno de quem tiver mais chances de romper essa maldita polarização. 

Entre a volta de Lula e sua quadrilha e a permanência de Bolsonaro et caterva, resta-nos seguir a sugestão de Diogo Mainardi. O problema é que a maioria de nós vive no Brasil — e não na Itália, como é o caso do jornalista retrocitado —, situação em que a opção menos traumática talvez seja anular o voto ou simplesmente não dar as caras no dia da eleição.

Kim Kataguiri disse para a Folha que “não seria omissão, mas uma expressão do eleitorado (...) ter a maioria de votos nulos e brancos ou abstenção é mostrar que a maior parte da população rejeita os candidatos”. João Amoedo comparou o ato de decidir entre Bolsonaro e Lula a uma escolha entre morrer afogado ou com um tiro, e Vinicius Poit, seu colega de partido, concordou: “Precisamos de uma outra opção que não seja nem esses dois nem o Ciro, que é um outro populista. Eu votaria nulo porque populismo, seja de direita ou de esquerda, não faz bem ao país”.

A meu ver, não há como discordar. Resta combinar com eleitorado, lembrando que, segundo profetizou Pelé, em meados dos anos 1970, o brasileiro está preparado para votar. Dez anos depois, o general João Figueiredo — o presidente que preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo — foi mais longe: “Um povo que não sabe sequer escovar os dentes não está preparado para votar”.

Triste Brasil.

terça-feira, 9 de maio de 2023

UM POUCO DE HISTÓRIA E A PERGUNTA QUE NÃO QUER CALAR

Ivan Lessa (1935-2012) dizia que "a cada 15 anos o brasileiro esquece o que aconteceu nos 15 anos anteriores". Se ainda caminhasse entre os vivos, o jornalista certamente reajustaria esse intervalo. Como faz BandNews FM  criada em 2005 com a proposta de oferecer um noticiário sempre atualizado , que mudou seu bordão "em 20 minutos, tudo pode mudar" para "em um segundo tudo pode mudar". 

 

Mudanças nem sempre são para melhor. Depois que Jânio renunciou e Jango foi deposto pelo golpe de 64, o Brasil amargou 21 anos de ditadura militar. A movimentação épica pelas "Diretas Já" não bastou para impedir o sepultamento da "emenda Dante de Oliveira, mas ensejou a convocação do Colegiado que elegeu Tancredo primeiro presidente civil da "Nova República"Lamentavelmente, um percalço do destino fez com que o político mineiro levasse para a tumba a esperança de milhões de brasileiros e deixasse de herança o oligarca maranhense  José Sarney, sob cuja batuta a restauração democrática assumiu ares de anarquia econômica e administrativa. 

 

Ainda assim, a Constituição Cidadã foi promulgada em 1988, ensejando a eleição solteira de 1989. Embora houvesse 22 postulantes ao Planalto no primeiro turno — entre os quais Mario Covas e Ulysses Guimarães — o segundo foi disputado pelo pseudo caçador de marajás o desempregado que deu certo, comprovando mais uma vez o que disseram Pelé e Figueiredo sobre o despreparo do eleitorado tupiniquim. 

 

Em 1992, o primeiro impeachment da "Nova República" apeou Fernando Collor, promoveu Itamar Franco presidente e transformou Fernando Henrique num duble de ministro da Fazenda de direito e Primeiro-Ministro de fato. Graças ao sucesso do Plano Real, que finalmente debelou a hiperinflação, o tucano de plumas vistosas foi eleito no primeiro turno do pleito presidencial de 1994 — o não teria sido ruim se a mosca azul não o levasse a  comprar a PEC da Reeleição e — como quem parte e reparte e não fica com a melhor parte é burro ou não tem arte — se reeleger (novamente no primeiro turno) em 1998.

 

Em 2002, após três tentativas frustradas, Lula finalmente foi guindado ao Planalto, e, a despeito de seu estilo de governar — baseado em alianças tóxicas financiadas à base de mensalões e petrolões —, foi reeleito em 2006. Após usufruir de seus dois mandatos, o petista deixou o governo enfiando os dedos no favo de mel de uma taxa de popularidade de 84% e, lambendo as mãos, fez eleger (e reeleger) uma aberração chamada Dilma. E fugiu das abelhas até abril de 2018, quando então acabou preso.
 
Dilma foi vendida como "mãezona" e "gerentona", mas se revelou um conto do vigário no qual o próprio Lula caiu. Entre 2013 e 2016, a economia encolheu 6,8% e o desemprego saltou de 6,4% para 11,2% (mandando para o olho da rua cerca de 12 milhões de trabalhadores). Lula fez sua sucessora, mas a criatura desfez a obra do criador. 


Com o impeachment de madame, Michel Temer prometeu um ministério de notáveis, mas escalou uma notável confraria de corruptos. O presidente que almejava ser lembrado como "um reformista" viu sua "ponte para o futuro" virar pinguela e ele próprio se transformar num pato manco — tradução de "lame duck", que é como os americanos se referem a políticos que chegam tão desgastados ao final do mandato que os garçons, de má vontade, lhes servem o café frio.

 

O antipetismo e a facada desfechada por um aloprado catapultaram Bolsonaro do baixo clero da Câmara para a Presidência desta banânia. Durante a campanha, para provar que era amigo do mercado e obter o apoio dos empresários, o estatista que acreditava em Estado grande e intervencionista, que sempre lutou por privilégios para corporações que se locupletam do Estado há décadas, foi buscar Paulo Guedes, que embarcou em uma canoa que deveria saber furada. 


Para provar que era inimigo da corrupção e obter o apoio da classe média, o deputado que, em sete mandatos, pertenceu a oito partidos diferentes, todos de aluguel, foi adepto das práticas da baixa política e amigo de milicianos, foi buscar Sergio Moro, que embarcou em uma canoa que deveria saber furada. 


E para obter o apoio das Forças Armadas, o oficial de baixa patente, despreparado, agressivo e falastrão, que foi enxotado da corporação por indisciplina e insubordinação, foi buscar legitimidade em uma fieira de generais, que embarcaram em uma canoa que deveriam saber furada.

 

Bolsonaro não só se tornou o pior mandatário desde Tomé de Souza como também chefiou o governo civil mais militar da história, consolidando a fama do Brasil de "gigante adormecido que se recusa a despertar" e de "país do futuro que nunca chega". E como uma borboleta que volta à condição de larva, esta republiqueta chegou a 2023 arrastando seu passado como um casulo pesado e pegajoso. Evitar a reeleição do capetão era imprescindível, disso não restam dúvidas. Mas a volta de Lula era opcional. 

 

Pesquisas apontam que 75% dos brasileiros acham a democracia a melhor forma de governo, mas 41% dos que votaram para presidente no primeiro turno, em 2022, escolheram Bolsonaro. Uma explicação possível, segundo Hélio Schwartsman, é que 16% ignoram o princípio da não contradição (quem é a favor da democracia não deve votar em quem a ameaça). 


Tão difícil quanto entender como alguém pode apoiar a reeleição do capitão depois de quase quatro anos sob sua abominável gestão é compreender por que diabos tanta gente achou que Lula era a única alternativa. Mas a pergunta que se coloca é: foi para isso que lutamos tanto pelas "Diretas Já"?

 

Triste Brasil. 

sexta-feira, 10 de março de 2023

DE ONDE VIEMOS E PARA ONDE VAMOS...


Criado em 1980 para fazer política sem roubar nem deixar roubar, o Partido dos Trabalhadores não inventou a corrupção, mas institucionalizou-a com o mensalão e o petrolão. O julgamento da ação penal 470 encarcerou petistas de alto coturno, mas passou longe do "chefe", que, segundo Antonio Palocci revelou em delação premida, "não só sabia de tudo como se empenhou em abastecer o caixa do partido para bancar as campanhas faraônicas de Dilma".
 
O impeachment da nefelibata da mandioca pôs termo a 13 anos e fumaça de lulopetismo, mas o ministério de notáveis prometido por Temer revelou-se uma notável confraria de corruptos, transformando sua "ponte para o futuro" numa patética pinguela
A prisão de Lula exacerbou o sentimento antipetista, o que deu azo à vitória do mau militar e parlamentar medíocre que transformou a Presidência num misto de parque de diversões e palanque para a reeleição.
 
Ao longo de seu nefasto mandato, Bolsonaro flertou com o golpe 24/7; cercou-se de negacionistas tão incompetentes quanto ele; transformou ministérios em cabides de farda; jantou pizza na calçada como um indigente; contribuiu para a morte de centenas de milhares de infectados pelo Sars-Cov-2, fez do Brasil um pária internacional; aparelhou PF para evitar que "fodessem sua família e seus amigos"; nomeou (e reconduziu) Augusto Aras para a PGR; acabou com a Lava-Jato — porque, segundo ele, "não tinha mais corrupção no governo" —, transformou a Presidência na única repartição pública privatizada durante sua gestão, e a si próprio num símbolo de todos os privilégios abjetos que o déficit público pode pagar.
 
Como que para comprovar que o mundo dá muitas voltas (ou que a história sempre se repete, seja como tragédia, seja como farsa), o pior governo desde Tomé de Souza fez com Lula o que Jesus fez com Lázaro. Nem o descomunal exército de lunáticos fantasiados de militantes e comandados por um sociopata fantasiado de presidente conseguiu impedir a volta dos que não foram. Sem apoio das FFAA para o tão sonhado autogolpe, Bolsonaro se tornou o único presidente da nova república que chegou até o final do mandato, tentou se reeleger e não conseguiu. 
 
Diante do resultado das urnas, o "mito" se encastelou no Alvorada até a antevéspera da transferência do cargo, quando então viajou para Flórida (a expensas do dinheiro dos contribuintes), onde permanece homiziado na cueca do Pateta. Aliás, ele tem ao menos 160 bons motivos para ficar lá por mais algum tempo, e o episódio das joias pode ser um estímulo adicional. 

O inquérito instaurado pela PF pode acrescentar à capivara (jargão policial para folha corrida) de Bolsonaro os crimes de descaminho, peculato e lavagem de dinheiro. Mas não é só. De acordo com o ex-ministro Bento Albuquerque, um segundo pacote entregue pelo governo saudita, que incluía relógio, caneta, abotoaduras, anel e um tipo de rosário — todos da marca suíça de diamantes Chopard —, não foi interceptado pela Receita Federal

Os itens foram entregues no Palácio do Planalto um mês antes de Bolsonaro encerrar o mandato (a demora seria decorrente de uma série de tratativas para definir qual seria o destino desse material).
 
Continua...

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

ACABOU O CARNAVAL



Costuma-se dizer no Brasil que o ano começa depois do Carnaval, e que o bom humor dos brasileiros termina na Quarta-Feira de Cinzas — isso quando sobrevive até lá. Mas vamos por partes.

Em 2016, o impeachment de Dilma foi como uma lufada de ar fresco numa catacumba: depois de 13 anos ouvindo garranchos verbais de um ex-retirante semianalfabeto e frases desconexas de uma gerentona de araque, ter um presidente que sabia falar e até usava mesóclises foi um refrigério. Temer conseguiu baixar a inflação e aprovar o Teto de Gastos e a Reforma Trabalhista, mas seu "ministério de notáveis" revelou-se uma notável agremiação de corruptos e sua "ponte para o futuro", uma patética pinguela. Como se não bastasse, uma conversa de alcova nos porões do Jaburu só não o derrubou porque as marafonas da Câmara, que o escudaram das "flechadas de Janot". 
 
O fim de "dois mil e dezechega" trouxe um alívio efêmero, pois 2017 começou com rebeliões em presídios, greve na PM e a morte de Teori Zavascki. Na sequência, houve de tudo um pouco: de incêndio criminoso em creche e massacres em escolas a escândalos políticos e uma série extraordinária de desastres naturais. 

O ano seguinte começou com intervenção federal no RJ e greve de caminhoneiros. Em abril, a prisão de Lula foi uma vitória da Lava-Jato no combate à corrupção, mas também acirrou a polarização e fortaleceu o combo de um mau militar e parlamentar medíocre que, surfando no antipetismo e usando o episódio da facada como pretexto para não ir aos debates, derrotou o bonifrate do então presidiário mais famoso do Brasil. 
 
Na condição de refém da Câmara, Temer terminou seu mandato-tampão como "pato manco" (como os americanos se referem a políticos que chegam ao fim do mandato desgastados a ponto de os garçons palacianos demonstrarem seu desprezo servindo-lhes o café frio) e entregou a faixa presidencial àquele que se tornaria o pior mandatário tupiniquim desde Tomé de Souza

Noves fora os bolsomínions — um bando de imbecis travestidos de militantes comandados por um imbecil travestido de presidente —, pouca gente acreditava que Bolsonaro faria um bom governo, mas quase ninguém imaginava que tê-lo no timão da Nau dos Insensatos seria como enfrentar, a um só tempo e de uma só vez, as Sete Pragas do EgitoAo longo de longos quatro anos, o mito dos patriotas de fancaria se esmerou em manifestações golpistas, negacionistas e anticientíficas. Enquanto a "gripezinha" produzia cadáveres em escala industrial, o "presidentezinho" ria e dizia: "E daí?" 

Observação: Não fosse o Brasil uma republiqueta de bananas, Bolsonaro ter-se-ia sagrado cavaleiro da Ordem dos Impichados, presidida pelo caçador de marajás de araque e secretariada pela nefelibata da mandioca. Créditos para tal não lhe faltavam; o que faltou foi Rodrigo Maia, Arthur Lira e Augusto Aras fazerem o que determina a Constituição de 1988.
 
O cenário atual provavelmente seria outro se o capitão-sacripanta não conspirasse diuturnamente contra a democracia, não se associasse ao coronavírus, não investisse contra a imprensa, o Congresso e o STF, não andasse de mãos dadas com Fabrício QueirozCarla Zambelli e milicianos da pior espécie. Enfim, de nada adianta chorar sobre o leite derramado — como ensinou a mulher sapiens, "depois que a pasta de dente sai do dentifrício, ela não volta pra dentro do dentifrício". Mas não há nada como o tempo para passar.
 
À luz do que já se sabe da operação Hora da Verdade, o autoproclamado imbrochável incomível será processado, julgado e mandado para o xilindró. Dificilmente ficará preso pelo tempo que deveria, já que o Brasil é um país de muitas leis e nenhuma vergonha na cara, o que favorece escandalosamente a impunidade dos poderosos. 

ObservaçãoLula escapou do Mensalão, tropeçou no Petrolão, foi réu em duas dezenas de ações criminais e condenado (em duas, sendo que uma delas transitou em julgado no STF) a mais 25 anos de reclusão. Como todo povo de merda tem o governo e a justiça de merda que merece, o dito-cujo gozou míseros 580 dias de férias compulsórias e, no espaço de poucos meses, foi "descondenado", reabilitado politicamente e reinserido no tabuleiro da sucessão presidencial por togas camaradas, pois era preciso (e era mesmo!) penabundar o verdugo do Planalto (como ensinou Maquiavel, "o fim justifica os meios"). 

Encurralado, Bolsonaro toca seu gado rumo à mais paulista das avenidas. O real objetivo do "ato pacífico em defesa do estado democrático de direito" é intimidar o STF. A parte em que o capitão diz "não compareçam com qualquer faixa ou cartaz contra quem quer que seja" se deve ao receio de ser preso se for flagrado liderando pregações golpistas. Ademais, para "se defender das acusações" existe um foro adequado. 
  
Até agora, o chamado não animou a maioria dos líderes políticos que estiveram com ele na eleição de 2022. Sondados pela Folha, apenas 3 confirmaram presença e 4 disseram que não irão. Os demais não se pronunciaram ou disseram que ainda não têm uma definição de agenda para a data. O governador de São Paulo — eleito com o apoio do ex-presidente e, enquanto ministro da Infraestrutura, endossou a postura negacionista do chefe — já confirmou presença. 

Qualquer que seja o número de participantes, os bolsonaristas dirão que o sucesso foi retumbante. Numa das célebres motociatas, eles contabilizaram 1,3 milhão de motos e disseram que o evento entrou para o Guinness. Acabou que o sistema de monitoramento de pedágios da rodovia dos Bandeirantes registrou a passagem de 3.703 motos e veículos engajados na manifestação pelas praças de pedágio de Campo Limpo, Itupeva e Sumaré. 

Observação: O número citado pelo departamento de propaganda bolsonarista era superior à frota de motocicletas, motonetas e ciclomotores da cidade de São Paulo (que era de 1.260.276 veículos, segundo fontes oficiais). Para reunir 1,3 milhão de motos, os organizadores precisariam de 62% de toda a frota dos 39 municípios da região metropolitana de São Paulo — ou 22% da frota de todo o Estado, que correspondia a 6.015.445 de motos e assemelhados. 

Caso seja processado e condenado pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, de abolição do EDD e de associação criminosa, Bolsonaro pode pegar uma pena de até 23 anos de prisão e ficar inelegível por mais de 30 anos.
 
Continua...