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domingo, 10 de janeiro de 2021

QUEM NÃO APRENDE COM OS ERROS DO PASSADO...


Coube a José Sarney (nascido José Ribamar Ferreira de Araújo Costa) pilotar a Nau dos Insensatos até 1989, quando 22 candidatos disputaram a primeira eleição direta para presidente da República depois de 20 anos de jejum. E teriam sido 23 se, pasmem!, o próprio Jânio Quadros não desistisse de participar por motivos de saúde. 

Havia postulantes de peso entre essa ospália, como Ulisses GuimarãesMario Covas e Fernando Gabeira, mas o (invariavelmente brilhante) eleitorado tupiniquim escalou para embate final um caçador de marajás de araque e um molusco eneadáctilo socialista e picareta. Acabou que Collor derrotou Lula e foi empossado em 15 de março de 1990, prometendo abater com um único tiro o “tigre da inflação” (que mais adiante virou "dragão", e chegou a avançar a uma velocidade de 80% ao mês). 

Na véspera da posse, o alagoano carioca pediu a Sarney que decretasse feriado bancário, para o mercado financeiro ter melhores condições de se adequar às novas medidas econômicas — entre as quais o confisco dos ativos financeiros —, que teriam efeitos imediatos sobre a inflação, mas fariam água poucos meses depois, como ocorreu com todos os planos anteriores.

Na história do Brasil, muitos presidentes foram eleitos para ser depostos — e eu não podia ser mais um”, disse Sarney à revista Veja, muitos anos depois. Tivesse feito esse brilhante pronunciamento nos estertores de sua desditosa passagem pela Presidência e entraria para a história não como o mandatário inepto que foi, mas como vidente, pois tal vaticínio se cumpriu em 1992, com o impeachment de seu sucessor  que entrou para a história como o primeiro presidente da Nova República eleito pelo voto direto (coisa que não acontecia no Brasil desde a eleição de Jânio Quadros, em 1960) e por ter inaugurado a lista dos impichados. 

Mesmo depois de renunciar à presidência (visando preservar seus direitos políticos; a deposição do cargo era inevitável), Collor foi condenado por 76 votos a 3 e apenado com a perda do mandato e inabilitação para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, pelo período de oito anos, como determina a CF. Esse mesmo rigor na observância dos ditames constitucionais não se verificaria 24 anos depois. 

No julgamento final do impeachment de Dilma, uma vergonhosa tramoia urdida pelos então presidentes do Senado e do Supremo — respectivamente Renan Calheiros, alvo de 17 inquéritos, 13 deles na Lava-Jato, e Ricardo Lewandowski, que ganhou toga graças a sua devoção canina a Lula — “fatiou” a pena, defenestrando a presidanta sacripanta do cargo, mas preservando seus direitos políticos, ao arrepio do disposto no art. 52: “a perda do cargo com inabilitação, por oito anos para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”. 

Como dizia Maquiavel, “aos amigos, os favores; aos inimigos, a Lei”.

Oito anos são suficientes para o povo brasileiro, conhecido pela memória curta, esquecer as bordoadas e cusparadas que levou de políticos tão imprestáveis quanto aqueles que os elege. Aliás, político desonesto e eleitor burro são como a tampa e o penico. Quem vota nessa caterva jamais pode dizer que não está bem representado. 

Cada povo tem o governo que merece, e num país é mais feliz de cócoras e aprecia o avesso das coisas, a farsa se repete como farsa e a História faz de conta que é outra história. Mas Collor será sempre CollorLula, sempre Lula, Bolsonaro, sempre Bolsonaro, e a tropa asinina que votou nessa súcia (e votará novamente, se tiver chance) será sempre um bando de idiotas.

Depois de se reabilitar politicamente, Collor disputou o governo de Alagoas (que já havia exercido antes de ser eleito presidente), mas foi derrotado por Ronaldo Lessa. Elegeu-se senador em 2006, tornou a disputar o governo estadual em 2010 (e perdeu), reelegeu-se senador em 2015 e no ano seguinte entrou para a lista dos investigados da Lava-Jato. Foi denunciado por peculato em abril de 2017, virou réu em agosto e é investigado em outros seis inquéritos, todos oriundos da Lava-Jato e referentes ao escândalo do Petrolão.

Mancham a biografia desse nobilíssimo agente público teorias conspiratórias sobre o assassinato mal explicado de Paulo César Cavalcante Farias, o PC, seu coordenador e tesoureiro de campanha, amigo de fé, irmão e camarada, do qual suspeita-se que o ex-presidente tenha tido algum tipo de envolvimento (o motivo seria queima de arquivo). 

Em 2014, durante sessão que absolveu Collor dos crimes de corrupção supostamente cometidos durante sua presidência, a ministra Carmem Lúcia pontuou que o dito-cujo já havia sido alvo de 14 inquéritos e quatro ações penais no STF , e absolvido em todos "por falta de provas". Pelo andar da carruagem, o senador pastará capim pela raiz na chácara do vigário sem antes passar um mísero dia vendo o sol nascer quadrado.

Meses atrás, em entrevistas ao GLOBO e à revista Veja, Collor acusou Bolsonaro de cometer os mesmo erros que ele cometeu 30 anos atrás, e previu que o atual governo terá um final tão funesto quanto o seu. Mais um profeta de botequim cujo vaticínio tem chances reais de se concretizar.

Continua...

domingo, 3 de maio de 2020

DE VOLTA À RENÚNCIA DE JÂNIO, SUAS CONSEQUÊNCIAS E OUTRAS CURIOSIDADES — PARTE 5


ATUALIZAÇÃO SOBRE DEPOIMENTO DE SERGIO MORO À PF:

Durante quase nove horas — das duas e pouco da tarde de ontem até por volta das onze da noite —, Sergio Moro depôs no âmbito de uma investigação aberta a pedido do procurador-geral da República e deferida pelo STF na qual Augusto Aras apontou indícios de "falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra", que podem ter sido cometidos pelo presidente da República — ou pelo próprio Moro, caso a denúncia não se mostre verdadeira, já que ambos são investigados.


Bolsomínions atávicos e apoiadores do ex-ministro da Justiça confraternizaram (bem, não exatamente) defronte à sede da superintendência da PF em Curitiba (se o criminoso Lula ainda estivesse cumprindo sua pena na cela vip reservada especialmente para ele naquele edifício, poderia ter assistido de camarote aos protestos).

Até meados da tarde de ontem, Bolsonaro e seu entorno estavam tranquilos. “Moro não tinha provas de coisa nenhuma”, disseram fontes próximas ao presidente, ministros militares palacianos e o triunvirato de rebentos presidenciais que haviam acompanhado de perto a realização de um pente fino no telefone do capitão.

Resta saber se nada foi encontrado porque nada havia ou porque foram prévia e cuidadosamente eliminados quaisquer vestígios comprometedores. Não é preciso ter a mente dedutiva de um Sherlock para concluir que quem nada tem culpa no cartório não precisa que peritos escrutinem seu telefone para se assegurar que não sobrou gato escondido com o rabo de fora.

Duas perguntas que não querem calar:

1) Moro, que foi juiz federal por mais de duas décadas, seria estúpido a ponto de “fazer acusações gravíssimas” contra o presidente da República se não estivesse calçado em elementos capazes de comprovar as acusações? Eu duvido.

2) Se o ex-ministro “não tem provas de nada”, como disseram os puxa-sacos palacianos, o que fizeram ele, os policiais federais e os procuradores durante quase nove horas? Jogaram palitinho? Discutiram o sexo dos anjos?

Pouco antes da oitiva, Bolsonaro se referiu a Moro como Judas (e, en passant, se autopromoveu de Messias a Jesus Cristo) num post pelo WhatsApp sobre o atentado que sofreu em Juiz de Fora em 2018: “O Judas, que hoje deporá, interferiu para que não se investigasse? Nada farei que não esteja de acordo com a Constituição. Mas também NÃO ADMITIREI que façam contra MIM e ao nosso Brasil passando por cima da mesma”.

O teor do depoimento de Moro ainda não veio à público oficialmente. Segundo o Estado de S. Paulo e O Globo, textos e arquivos de áudio do ex-ministro e de seus auxiliares foram entregues à Justiça, mas o conteúdo não foi revelado.

Se ficar comprovado que o presidente cometeu algum crime comum no exercício do cargo, ele poderá ser denunciado ao STF por Aras (que foi escolhido por Bolsonaro para substituir Raquel Dodge no comando da PGR, e certamente morreria afogado se o presidente resolvesse tomar um banho de assento). 

Detalhe: O Supremo só poderá dar andamento ao processo com autorização de dois terços da Câmara dos Deputados. Daí a razão de o presidente “que nada tem a esconder” mandar às favas as aparências, sentar-se sobre seus discurso de campanha contra a velha política do toma lá dá cá e passar e negociar cargos e verbas em troca de apoio de deputados venais dos partidos do Centrão.

Para quem não se lembra, assim fez o vampiro do Jaburu quando se tornou alvo das flechadas de Janot, e assim concluiu seu mandato-tampão, ainda que como um presidente pato-manco, subserviente ao Parlamento. Mas Temer era um político cuidadoso, comedido e escorregadio como bagre ensaboado. No mínimo, os 15 como presidente do PMDB ensinaram que, no trato parlamentar, pegam-se mais moscas com açúcar do que com vinagre.

Bolsonaro foi criado no confronto e graças a sua postura beligerante, quase troglodita, renovou seu mandato de deputado do baixo clero sete vezes, e foi também no grito que mobilizou sua militância para eleger-se presidente. Claro que a bandeira do antipetismo também foi fundamental, já que o bonifrate de Lula nunca foi uma alternativa válida para a parcela pensante do eleitorado. Mas isso é outra história. Vamos acompanhar o desenrolar dos acontecimentos e ver que aonde tudo isso vai nos levar.

POSTAGEM DO DIA:

Na história do Brasil, muitos presidentes foram eleitos para ser depostos — e eu não podia ser mais um”, disse o José Sarney em recente entrevista à revista Veja. Tivesse dito isso nos estertores de sua desditosa passagem pelo Palácio do Planalto, o ex-presidente entraria para a história não só como mandatário inepto, mas também como profeta, pois seu vaticínio se cumpriria no apagar das luzes de 1992, com o impeachment de seu sucessor, Fernando Affonso Collor de Mello.

Collor se destaca dos demais ex-presidentes da Nova República tanto por ter sido o primeiro escolhido pelo voto popular (coisa que não acontecia desde a eleição de Jânio Quadros, em 1960) quanto por ter inaugurado a lista dos impichados. Pouco antes do julgamento final de seu impeachment, em 29 de dezembro de 1992, o caçador de marajás de araque apresentou sua carta-renúncia, numa tentativa desesperada de preservar seus direitos políticos (a deposição do cargo era inevitável, e Collor sabia disso, daí dar os anéis para evitar a perda dos dedos). Mas a estratégia não funcionou: por 76 votos a 3, ele foi condenado e apenado com a perda do mandato e oito anos de inelegibilidade.

Observação: A observância dos ditames constitucionais não seria tão rígida 24 anos depois, mais exatamente em 31 de agosto de 2016. No julgamento final do impeachment de Dilma Rousseff, uma vergonhosa tramoia urdida pelos então presidentes do Senado e do Supremo — respectivamente Renan Calheiros, alvo de 17 inquéritos, 13 deles na Lava-Jato, e Ricardo Lewandowski, que ganhou toga graças a sua devoção canina a Lula — “fatiou” a pena, defenestrando a gerentona de araque do cargo, mas preservando seus direitos políticos, a despeito de o artigo 52 da Constituição determinar “a perda do cargo com inabilitação, por oito anos para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”. Enfim, como dizia Maquiavel, “aos amigos, os favores; aos inimigos, a Lei”.

A eleição de 1989 foi convocada exclusivamente para a escolha do novo presidente. Nenhum dos 22 candidatos obteve mais de 50% dos votos em 15 de novembro, e os dois mais votados, Collor e Lula, disputaram o segundo turno em 17 de dezembro, que resultou na vitória do populista de centro direita sobre o demiurgo petista de centro-esquerdaCollor foi empossado em 15 de março de 1990, prometendo abater com um único tiro o “tigre da inflação” (que avançava a uma velocidade de 80% ao mês). Na véspera, solicitara a Sarney que decretasse feriado bancário, de modo que o mercado financeiro tivesse mais tempo para se adequar às novas medidas econômicas — que teriam efeitos imediatos sobre a inflação, mas não tardariam a fazer água, a exemplo de todas as anteriores.

Além de substituir o cruzado novo pelo cruzeiro como unidade monetária, o “Plano Collor” incluiu ações de impacto, tais como a redução da máquina administrativa com a extinção ou fusão de ministérios e órgãos públicos, a demissão de funcionários públicos, o congelamento de preços e salários e — agora a cereja do bolo — o confisco dos ativos financeiros pelo período de 18 meses (a partir de quando seriam devolvidos em suaves parcelas mensais), a pretexto de “enxugar” a liquidez do mercado e conter a escalada dos preços. Entraram na dança cadernetas de poupança, aplicações de overnight e contas correntes com saldo superior a NCz$ 50 mil (cinquenta mil cruzados novos). 

A responsável pelo pacote de maldades foi a economista Zélia Cardoso de Mello, ministra da Fazenda de Collor, que mais adiante teria um tórrido affair com o ministro Bernardo Cabral — conhecido como Boto Tucuxi — e desposaria Chico Anysio, que passaria a ser jocosamente chamado de “o humorista que casou com a piada”.

Observação: Quando o dinheiro confiscado começou a ser devolvido (em suaves prestações mensais), circulou uma piada segundo a qual um cidadão, irritado com o tamanho da fila do banco, disse que ia matar o presidente. Voltou minutos depois. Perguntado por que havia mudado de ideia, respondeu que a fila deferente ao Palácio do Planalto estava maior que a do banco.

Em janeiro de 1991, ainda sob a batuta de Zélia, o Plano Collor II substituiu seu predecessor, mas foi substituído cinco meses depois pelo Plano Marcílio — ao mesmo tempo em que Zélia deixava o Ministério da Fazenda e o economista Marcílio Marques Moreira era nomeado para chefiar a pasta. Em outubro de 1992, quatro dias antes de Collor ser afastado, Marcílio passou o bastão para Gustavo Krause. Entre o fim do Plano Marcílio e o início do Plano Real, já em 1994, sob a presidência de Itamar Franco e com Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda, a inflação, após ficar bastante volátil ao longo do governo Collor, alcançou o patamar de 48% ao mês em junho de 1994.

Como dito no início desta postagem, Collor teve seu impeachment julgado no final de 1992. Ao longo do processo (que levou cerca de quatro meses), o autodeclarado homem macho de colhão roxo descobriu que a mão que afaga é a mesma que apedreja.

A opinião pública já vinha desgostosa com a petulância e o despreparo da equipe collorida, um bando de jagunços comandados por um presidente tão investido da aura de salvador que exalava arrogância por todos os poros. Quando a caça às bruxa ganhou vulto, criou-se o clima de linchamento propício ao afloramento dos sentimentos mais mesquinhos. A cada dia se produziam mais escândalos, como se a mera exposição de um amplo sistema de propinas não fosse suficiente. Um dia era o Fernandinho do pó, no outro era o sujeito que fazia macumbas no porão da Casa da Dinda, que cantou a cunhada, que era maníaco-depressivo e que ficava em estado catatônico e precisava receber remédio na boca. Enfim, cada um colhe o que planta, e quem semeia ventos colhe tempestades.

Oito anos passam depressa, e são mais que suficientes para o eleitor brasileiro, conhecido pela memória curta, esquecer os tapas e cusparada que recebeu nas fuças de políticos tão imprestáveis como quem os elege. Aliás, quem vota em candidato incompetente, desonesto e populista jamais poderá reclamar de não ser bem representado. Cada povo tem o governo que merece, e num país que parece se sentir mais feliz de cócoras e apreciar o avesso das coisas, a farsa se repete como farsa e a História faz de conta que é outra história. Collor será sempre Collor, Lula sempre será Lula e os idiotas que votaram (e ainda votarão) neles sempre serão idiotas.

Depois de se reabilitar politicamente, Collor disputou o governo de Alagoas (que já havia exercido antes de se ser eleito presidente), mas foi derrotado por Ronaldo Lessa. Em 2006, conseguiu se eleger senador. Em 2010, tornou a disputar o governo estadual e perdeu. Em 2014, reelegeu-se senador e, em março de 2015, entrou para a lista dos investigados da Lava-Jato. Em abril de 2017, foi denunciado por peculato; em agosto, virou réu no STF (Collor é investigado em pelo menos outros seis inquéritos, todos oriundos da Lava-Jato e referentes ao escândalo do Petrolão).

Collor é um político emblemático, um personagem frequente no Supremo e representativo da demora da Justiça, em especial da que envolve os parlamentares com foro privilegiado. Pelas últimas contas, o senador por Alagoas é investigado em ao menos outros seis inquéritos, todos oriundos da Lava-Jato e referentes ao escândalo do Petrolão. Isso sem mencionar o assassinato mal explicado de seu coordenador e tesoureiro de campanha, amigo de fé, irmão e camarada Paulo César Cavalcante Farias, o PC, do qual o ex-presidente é suspeito de ter tido algum tipo de envolvimento (o motivo seria queima de arquivo). Em 2014, durante sessão que absolveu Collor dos crimes de corrupção supostamente cometidos durante sua presidência, a ministra Carmem Lúcia citou que Collor já havia sido objeto de 14 inquéritos no STF e quatro ações penais, e absolvido em todos "por falta de provas".

Semanas atrás, em entrevistas ao GLOBO e à revista VejaCollor acusou Bolsonaro de cometer os mesmo erros que ele próprio cometeu 30 anos atrás e prever que o atual governo terá um final tão funesto quanto o seu. Mais um profeta de botequim cujo vaticínio tem chances reais de se concretizar.

Continua no próximo capítulo.

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

O DESEMPREGADO QUE DEU CERTO (DÉCIMA TERCEIRA PARTE)

 

O inferno astral que atormentou Dilma na Presidência foi gestado pela própria Dilma, não com as pedaladas fiscais — operações orçamentárias não previstas na legislação, que consistem em atrasar o repasse de verba a bancos públicos e privados com a intenção de aliviar momentaneamente a situação fiscal do governo — e os decretos de suplementação orçamentária — autorizações de aumento de gastos sem prévio aval do Congresso —, mas pelo "conjunto de sua obra", que deu azo à maior crise econômica e política da história recente deste país — e que o atual chefe do Executivo se esmerou em acentuar, mas isso é outra conversa.


Na avaliação dos esquerdopatas, Dilma não cometeu crime nenhum, apenas fez o que outros haviam feito antes dela 
 e nem por isso foram cassados, apedrejados ou crucificados. Assim, a "chefa" teria sido vítima de um "golpe" orquestrado por adversários não se conformaram com o resultado das urnas e, entre outras supostas e absurdas razões, pelo fato de ela ser mulher. Tudo isso é ridículo, naturalmente, e chamar esse episódio de "golpe" significa chamar de "golpistas" os deputados, os senadores, o então vice-presidente Michel Temer e o ministro Ricardo Lewandowski (que participou do julgamento de impeachment na qualidade de presidente do STF). 


Uma parcela substantiva dessa falácia é verdadeira. Temer atuou como "eminência parda", os parlamentares foram oportunistas e Lewandowski rasgou a Constituição ao fatiar o julgamento para evitar que a anta sacripanta fosse inabilitada politicamente, como veremos melhor mais adiante. Fato é que, para a militância petista, useira e vezeira em distorcer os fatos, Dilma não foi responsável pela encrenca em que se meteu. A culpa foi do vampiro do Jaburu, que estava de olho no trono, e de Eduardo Cunha, que deu andamento ao processo de impedimento (coisa que nem Rodrigo Maia nem Arthur Lira fizeram com os pedidos de impeachment em desfavor de Jair Bolsonaro, mas isso é outra história). 

 

Temer nega, mas os fatos o desmentem. Foram ele e o então presidente da Câmara que articularam a deposição da nefelibata da mandioca. No livro "Tchau, Querida: O Diário do Impeachment", o ex-deputado ex-presidiário cita o fim de agosto de 2015 como marco da entrada de Temer nas negociações do impeachment e afirma que o vice se tornou "líder do processo" quando deixou o posto de articulador político do governo, no dia 24 daquele mês. 


Cunha relata ainda que discutia, em nome do Nosferatu da Esplanada, a distribuição de cargos no futuro governo antes mesmo do início do processo. "Temer se colocou como presidente, fazendo campanha para uma eleição congressual, em que todos sabiam o que ganhariam antes de votar; nada foi de graça", afirmou o ex-deputado que, segundo ele próprio, discutiu o impeachment em agosto com dirigentes do PP e do PL — partidos do Centrão que faziam parte da base aliada de Dilma e que só desembarcaram do governo no ano seguinte. Mas isso também é assunto para uma próxima vez.

 

Tramoias à parte, Temer subiu de posto em obediência aos ditames da Constituição, num trâmite acompanhado e avalizado pelo STF. É evidente que ele premeditou sua ascensão, mas isso faz do jogo da política — e política raramente combina com lealdade.


Observação: O impeachment é um processo eminentemente político, pois o julgamento fica a cargo dos deputados federais, numa primeira instância, e dos senadores da República na etapa final. Ao presidente do Supremo, que participa do julgamento, compete somente garantir que os trâmites legais sejam seguidos. 


Lewandowski, então presidente do STF, urdiu com Renan Caleiros, então presidente do Congresso, o fatiamento do julgamento, visando evitar que Dilma tivesse os direitos políticos suspensos pelos oito anos seguintes. Realizar a votação em duas etapas, como se a deposição e a inabilitação política fossem duas penas separadas, foi mais "jabuticaba jurídica" por um membro da nossa mais alta corte (detalhes nesta postagem). Aliás, quatro meses depois dessa teratologia, o STF afastou Calheiros da presidência do Congresso sem lhe cassar o mandato parlamentar, numa decisão meia-boca que serviu para tirá-lo da linha sucessória presidencial quando ele se tornou réu por peculato. Mas isso também é outra conversa. 

 

Observação: Lewandowski ganhou toga e gabinete no STF por influência da matriarca da Famiglia Lula da Silva. Vizinha da mãe mão do dito-cujo em São Bernardo do Campo, a então primeira-dama vivia tecendo elogios ao advogado estudioso, inteligente e muito capaz. Assim que apareceu uma toga sem dono, Lula o indicou para a cadeira deixada pelo ministro Carlos Velloso — e não teve do que se arrepender: durante o julgamento do Mensalão, Lewandowski atuou mais como advogado de defesa da petralhada que como julgador imparcial.

 

Estranha no ninho dos políticos, Dilma demonstrou uma inabilidade a toda prova na condução do governo e das contas públicas. As tais pedaladas etc. foram o pretexto que a ocasião providenciou para apear a Bruxa Má do trono. Mas isso não significa que houve um "golpe", por mais que tenha havido casuísmo na instauração do processo. Primeiro, porque Dilma socou o país até jogá-lo nas cordas da crise; segundo, porque ela sempre foi pedante e arrogante; terceiro, porque jamais teve jogo de cintura no trato com os parlamentares. 


Na patética "carta aos senadores e à nação", a versão tupiniquim da Rainha de Copas de Lewis Carroll insistia em protestar inocência e posar de injustiçada. Melhor faria se reconhecesse sua incompetência e renunciasse. No prefácio que escreveu num livro cujo nome ora me foge à memória, Edmar Bacha citou uma frase atribuída a Orestes Quércia ("Quebrei o Banespa, mas elegi meu sucessor") e sugeriu que Dilma a adaptasse ("Quebrei o País, mas me reelegi presidente"), mas seria preciso acrescentar: “E depois fui demitida”.

 

Na história desta republiqueta de bananas, "muitos presidentes foram eleitos para ser depostos", como relembrou o macróbio José Sarney numa entrevista a Veja. Tivesse dito isso nos estertores de sua desditosa passagem pelo Palácio do Planalto, o penúltimo coronel da política de cabresto nordestina entraria para a história não só como mandatário inepto, mas também como profeta: seu vaticínio se cumpriria no apagar das luzes de 1992, com o impeachment de seu sucessor, Fernando Affonso Collor de Mello, e em agosto de 2016, quando Dilma foi julgada, considerada culpada e devidamente apeada do cargo. Mas os dois casos guardam dessemelhanças curiosas. Vamos a elas.

 

Collor se destaca dos demais ex-presidentes da Nova República por ter sido o primeiro escolhido pelo voto popular (coisa que não acontecia e por ter inaugurado a lista dos impichados. Pouco antes de ser julgado pelo Senado, o caçador de marajás de araque, sabedor de que a perda do cargo era inevitável, apresentou sua renúncia para preservar ao menos os direitos políticos. E mesmo assim foi condenado (por 76 votos a 3) e apenado com a perda do mandato e oito anos de inelegibilidade, como determina a legislação que regulamenta o assunto


Curiosamente, a observância dos ditames legais não foi tão rígida no julgamento final do impeachment de Dilma: graças a uma trama urdida pelos então presidentes do Legislativo e do Judiciário, a estocadora de vento, mesmo condenada e apeada do cargo, manteve seus direitos políticos, embora o artigo 52 da Constituição determine a perda do cargo com inabilitação, por oito anos para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis (o grifo é meu). 

 

Como dizia Maquiavel, "aos amigos, os favores; aos inimigos, o rigor da Lei".

 

Continua...

quarta-feira, 1 de abril de 2020

TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO. OU NÃO... (PARTE 2)



Prosseguindo do ponto em que paramos no capítulo anterior, em agosto de 1992 o relatório final de uma CPI instaurada a pedido do PT apontou ligações do então presidente caçador de marajás de araque com o esquema de corrupção — que, ironicamente, começou com um prosaico Fiat Elba prata (vide foto) pago com um “cheque fantasma”. 

O carrinho ganhou notoriedade por ter sido o pivô das denúncias que resultaram no impeachment de Collor, iniciado por uma entrevista de seu irmão Pedro e finalizado por uma revelação do motorista Eriberto França. O primeiro detalhou um esquema de corrupção envolvendo PC Farias, e o segundo disse que havia usado dinheiro sujo não só comprar o Elba, mas também para pagar contas do presidente. Estimava-se na época que US$ 6,5 milhões teriam sido desviados para bancar gastos pessoais de Collor — o que é dinheiro de pinga em comparação com o que o PT e seus acólitos roubaram no Mensalão e no Petrolão, mas isso é outra história. 

Vieram, então, as famosas manifestações dos “caras-pintadas” em apoio ao pedido de impeachment assinado pelos presidentes da ABI e da OAB. Às vésperas do julgamento, que ocorreu em 29 de dezembro de 1992, Collor renunciou, numa tentativa desesperada de preservar seus direitos políticos, mas foi condenado por 441 dos 480 deputados presentes e, como manda a Lei, tornou-se inelegível por oito anos.

ObservaçãoComo nem todos são iguais perante a lei — ou nem sempre a lei é igual para todos —, Dilma perdeu o cargo quando foi impichada, mas preservou seus direitos políticos, graça a uma sórdida maracutaia urdida por Renan Calheiros, então presidente do Senado e do Congresso, e Ricardo Lewandowski, então presidente do Supremo Tribunal Federal Petista. E viva a Justiça brasileira!

Em junho de 1993, já indiciado em 41 inquéritos criminais, PC Farias teve sua prisão decretada, mas fugiu no Morcego Negro, pilotado por Jorge Bandeira de Mello. Passou 152 dias foragido, despistando seguidamente a Polícia Federal e a Interpol. Quatro meses depois de desaparecer em Buenos Aires, ele ressurgiu em Londres, 11 kg mais magro, sem seus famosos bifocais e disfarçado de príncipe árabe. Por incrível que pareça, tornou a fugir enquanto se discutia sua extradição, mas foi capturado dali a três meses, depois que um turista brasileiro o viu andando pelas ruas de Bangkok — onde finalmente foi preso

PC foi extraditado, julgado e condenado a 4 anos de prisão por sonegação fiscal e 7 por falsidade ideológica (enquanto Collor cumpriu sua quarentena, concorreu ao governo de Alagoas, perdeu, elegeu-se senador e renovou o mandato até 2023). Em dezembro de 1995, depois de cumprir dois anos da pena, foi posto em liberdade condicional. Na cadeia, ele havia conhecido Suzana Marcolino, que lhe fora apresentada por uma antiga funcionária de uma de suas muitas empresas. A partir de então, a moça (24 anos mais nova que ele) passou a ganhar joias, roupas caras, carro de luxo e uma generosa conta bancária. 

Suzana montou uma butique de grife em Maceió e passou a ser vista com frequência ao lado do namorado recém-liberto, a bordo de uma luxuosa BMW branca conversível. Apesar da resistência geral da família, o idílio entre os dois foi intenso, mas breve: apenas seis meses transcorreram entre a saída de PC da prisão e a fatídica manhã de domingo em que ele e a namorada foram achados mortos na casa de veraneio na praia de Guaxuma, em Maceió. 

Os corpos foram encontrados no dia 23 de junho de 1996 (com um tiro no peito de cada um), e ainda que a propriedade fosse guardada por 4 seguranças, ninguém ouviu os tiros “porque era época de festas juninas”. Um grupo de 11 peritos liderado pelo legista Badan Palhares, da Universidade Estadual de Campinas, concluiu que Suzana matara o namorado enquanto ele dormia, e, em seguida, se suicidara. 

Os seguranças responsáveis pela guarda da casa, em depoimento à polícia, disseram ter ouvido o casal discutindo no quarto logo depois do jantar, quando os convidados — o irmão Augusto Farias e a namorada — já haviam ido embora. Descobriu-se que o revólver encontrado junto aos corpos fora comprado por Suzana, com um cheque assinado por ela, uma semana antes do crime. Um exame comprovou ainda a existência de pólvora nas mãos da moça. Além disso, pessoas próximas a PC — que era chamado de “Morsa do Amor” por ser mulherengo e galanteador — disseram que ele andava traindo Suzana com Claudia Dantas, filha de um cacique político alagoano.

Quem é fã de séries policiais conhece a teoria do “triângulo do crime”, que é baseada em três pressupostos: motivo, técnica e oportunidade. Suzana satisfazia todos ele: o ciúme, o revólver e a alegada embriaguez de PC naquela noite. Mas muita gente não acreditou que o poderoso chefão do chamado “Esquema PC” tivesse sido assassinado pela namorada às vésperas de depor, no STF, em uma investigação sobre suposto pagamento de suborno a membros do governo. Como Bebianno, o ex-tesoureiro de Collor sabia demais — e a exemplo de Bebianno, havia anunciado que escreveria um livro detalhando todo o esquema.

Contrariando o laudo de Palhares e sua equipe, o coronel da PM e professor de Medicina Legal da Universidade Federal de Alagoas, George Sanguinetti, afirmou que, pela localização do ferimento, pela posição do corpo de PC, pela estatura de Suzana e pelo ângulo do disparo, “a única forma de ela ter apertado o gatilho era se estivesse levitando”, e que  “passional não foi o crime, mas sim o inquérito”.

Outras dúvidas começaram a pipocar quase simultaneamente pela imprensa. O corpos de PC e Suzana foram exumados e uma nova perícia confirmou a presença de pólvora nas mãos da suposta assassina, mas em pequena quantidade, e não foram encontrados resíduos de chumbo, bário e antimônio, elementos metálicos que integram as substâncias químicas iniciadoras da espoleta. 

O detalhe que mais chamou a atenção na “guerra dos laudos” foi a discussão sobre a altura real de Suzana. Conforme Palhares, ela media 1,67 metro; de acordo com o novo laudo, ela teria 10 centímetros a menos. Os legistas da segunda equipe recalcularam a trajetória da bala, tomando como base a marca que ela deixou na parede após transpassar o corpo de Suzana, e concluíram que, se ela estava sentada na cama, como indicava a primeira reconstituição, o tiro deveria ter passado à altura de sua cabeça, e não atingido o pulmão esquerdo, como aconteceu. Mesmo assim, o caso seguiu arquivado.

Em 1999, uma série de matérias publicadas pela FOLHA estampou oito fotos de Suzana ao lado de PC e de pessoas próximas a ela. Mesmo calçando sapatos de salto alto, a moça aparecia nas fotos um pouco mais baixa do que o namorado, que tinha apenas 1,63 metro. O caso foi reaberto e o irmão de PCAugusto Farias, e os quatro seguranças que guardavam a casa de praia onde o crime aconteceu foram indiciados. Augusto exercia mandato parlamentar, e seu processo remetido à PGR, que recomendou o arquivamento. O STF acatou a recomendação e o caso foi dado por encerrado.

Os quatro seguranças foram a júri popular, mas advogado contratado por Augusto Farias para defendê-los alegou falta de provas, e, em maio de 2013, todos foram absolvidos. Detalhe: o júri descartou a possibilidade de homicídio seguido de suicídio, alegando que “não há crime passional com único disparo, que o tiro deflagrado foi de profissional, e que Suzana jamais teria condições de ser a autora do disparo”. 

Segundo o laudo de Sanguinetti, havia uma hemorragia interna com 1 litro de sangue no pulmão esquerdo e meio litro no pulmão direito, levando à conclusão de que a motivação do crime foi realmente “queima de arquivo”, e que Suzana foi morta porque estava no lugar errado na hora errada. O celular da moça desapareceu e da cena do crime, e verdadeiro autor dos disparos permanece desconhecido até hoje.

Mais detalhes em Collor presidente: trinta meses de turbulências, reformas, intrigas e corrupção, do historiador Marco Antonio Villa, em Relato para a história, do próprio Fernando Collor, em Trapaça: Saga política no universo paralelo brasileiro, de Luís Costa Pinto, e em O pêndulo da democracia, de Leonardo Avritzer

segunda-feira, 30 de abril de 2018

BRASIL ― UM PAÍS QUE VAI PRA FRENTE



QUEM ELEGE CORRUPTOS OU UM INCOMPETENTES NÃO PODE SE QUEIXAR, DEPOIS, DE NÃO ESTAR BEM REPRESENTADO.

País de merda, este nosso. Mas digno do povinho de merda que elege os mequetrefes que o governam e representam. E a voz do povo, já dizia um velho ditado, é a voz da ignorância.

Nunca fui ativista ou militante de coisa alguma. Sempre me considerei apolítico e apartidário, e talvez por isso tenha atravessado incólume os 21 anos da ditadura militar. Jamais aprovei o regime de exceção, até porque sempre achei que a pior democracia ainda seria melhor do que a melhor das ditaduras. No entanto, diante do atual cenário político, fico pensando se não seria o caso de rever esses conceitos.

Como milhões de brasileiros, torci pelas “Diretas Já”, comemorei a volta dos militares para os quartéis e a “eleição” de Tancredo Neves. Também como milhões de brasileiros, lamentei a morte do carismático político mineiro e antipatizei com Sarney à primeira vista. Mas botei fé na tal “Constituição Cidadã”, até porque admirava Ulysses Guimarães, que foi meu professor de Direito Constitucional.

Votei em Collor para impedir que o PT chegasse ao Planalto (diante da alternativa, jamais me arrependi, nem mesmo quando Zélia sequestrou nosso dinheiro), torci pelo impeachment do flibusteiro, achei Itamar uma piada, mas comemorei o sucesso do Plano Real e as conquistas do primeiro mandato de FHC

Nunca pensei que Lula venceria Serra em 2002 (embora não tivesse a menor simpatia pelo tucano careca, votei nele pelos mesmo motivo que me levou a votar em Collor em 1989), nem que o PT cumpriria a promessa de “fazer a diferença na política” (não roubando e não deixando roubar). Reconheço os méritos do governo petista, sobretudo nos primeiros 4 anos, mas nunca me deixei engambelar pelo estadista de araque, ao contrário de muita gente boa, aí incluído o ex-presidente americano Barack Obama, para quem Lula era “O CARA”.

Também me surpreendi quando Dilma derrotou Serra em 2010, e mais ainda quando ela venceu Aécio em 2014. O mineirinho safo me levou no bico; achei mesmo que ele faria um bom governo e que tiraria o país do buraco que a anta vermelha cavou com a pá da arrogância e a picareta da ambição pelo poder (aliás, o estelionato eleitoral que levou a mulher sapiens ao segundo mandato foi determinante para a crise que demoliu nossa economia).

Por essas e outras eu espoquei rojões e abri um champanhe caro quando a tragédia em forma de gente foi penabundada do Planalto, a despeito do espetáculo burlesco encenado pelo Congresso e, pior, a espúria articulação entre os então presidentes do Legislativo (Renan Calheiros o homem dos 20 inquéritos) e do Judiciário (o não menos abjeto Ricardo Lewandowski) para fatiar a denúncia, realizar uma segunda votação e assim preservar os direitos políticos da nefelibata da mandioca.

Jamais gostei de Michel Temer. Como apoiar alguém que presidiu o antro peemedebista por 15 anos e foi vice da anta sacripanta ― e cúmplice de seus malfeitos ― por outros 5? Mas Temer era nossa única alternativa constitucional, e merecia um voto de confiança (situações desesperadoras exigem medidas desesperadas). O resultado é o que se sabe. Seu ministério de notáveis se revelou uma notável agremiação de corruptos ― com a possível exceção da equipe econômica ― e sua imagem de bom-moço derreteu como bola de neve no inferno com a delação de Joesley Batista. Isso sem mencionar suas artimanhas para barrar as denúncias de Janot e sua desfaçatez diante das evidências do sem-número de práticas nada republicanas que lhe são imputadas (como o caso da Rodrimar, que já colocou na cadeia, ainda que temporariamente, amigos íntimos de sua insolência, como José Yunes e o coronel laranja Lima).

Desde a redemocratização, elegemos 4 presidentes da República, e apenas dois concluíram seus mandatos. Tancredo não conta, já que foi escolhido por um Colégio Eleitoral formado por 686 deputados, senadores e delegados estaduais, e nem chegou a tomar posse. Sua morte nos rendeu Sarney, que era vice, e por isso também não conta. Collor foi eleito pelo voto popular, em 1989, mas renunciou em dezembro 1992 (mesmo assim, o Congresso cassou seus direitos políticos por 8 anos). Vice do caçador de marajás de araque, Itamar Franco cumpriu o mandato tampão, mas era vice, de modo que também não conta.

Insuflado pelos ventos benfazejos do Plano Real, FHC subiu a rampa do Planalto em 1995 e lá ficou até o apito final do segundo tempo, quando passou a faixa para Lula, em 2003, que a transferiu para Dilma em 2010, que a perdeu em 2016 e nos deixou nas mãos de Michel-não-renunciarei-Temer ― o reformista que sonhava em entrar para a história como “o cara que recolocou o Brasil nos trilhos”, mas se tornou o primeiro presidente denunciado, no exercício do cargo, por crimes comuns.

Com um chefe do Executivo denunciado e um Congresso apinhado de investigados, denunciados e réus na Lava-Jato e suas derivações, esperava-se que o Judiciário restabelecesse a ordem no galinheiro, ainda que a atual composição do STF seja a pior de todos os tempos. Mas, com sete dos onze ministros nomeados por Lula e Dilma ― e os demais escolhidos por SarneyCollor e FHC e Temer ―, o que se poderia esperar da nossa mais alta Corte?

É o que veremos no próximo capítulo. Até lá.

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quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

CIRURGIA DE BOLSONARO E O BRASIL DAS PERGUNTAS SEM RESPOSTA



Antes de retomar o assunto do post anterior (encerrar é maneira de dizer, pois outros desdobramentos estão por vir), achei por bem publicar que o ministro Sérgio Moro criou um grupo de trabalho para reavaliar normas do Banco Central sobre o combate à lavagem de dinheiro. A determinação está na Portaria 82, e visa fazer alterações na comunicação entre os bancos e o Coaf sobre suspeitas de lavagem de dinheiro. O ministro tomou essa decisão diante da estapafúrdia proposta do BC de excluir parentes de políticos da lista de monitoramento obrigatório das instituições financeiras e derrubar a exigência de que todas as transações bancárias acima de R$ 10 mil sejam notificadas ao Coaf.

Resta saber o que será feito em relação ao igualmente estapafúrdio decreto assinado pelo general Hamilton Mourão durante a viagem de Bolsonaro a Davos. Afinal, permitir que servidores comissionados classifiquem dados públicos como sigilosos amplia o número de pessoas que podem pedir sigilo e limita o acesso à informação. Aliás, a lei de acesso à informação, sancionada pela ex-presidanta Dilma em 2011, foi um dos poucos pontos positivos de sua desditosa gestão; que isso não seja mudado, agora, por um governo que se elegeu batendo o bumbo do combate à corrupção.

Mudando de um ponto a outro, a expectativa de que a mídia focaria Brumadinho nos dias subsequentes à tragédia se confirmou plenamente, e com isso a situação cada vez mais complicada do primogênito do Presidente Bolsonaro saiu de cena (ao menos temporariamente). Volto a dizer que os rolos do Zero Um despertam mais atenção do que os de outros 26 deputados estaduais que também serão investigados pela Receita porque respingam no Presidente — que se declarava amigo de Queiroz e até admite ter emprestado dinheiro ao factótum do Clã —, dando dimensão nacional ao que, de outra forma, seria apenas um escândalo local. Mas isso não muda o fato de que há muitas perguntas sem respostas. E quem votou em Jair Bolsonaro o fez para evitar que o Brasil voltasse a ser governado por um criminoso condenado e sua quadrilha, e portanto tem o direito de saber a verdade.

A cirurgia a que restabeleceu o trânsito intestinal do Presidente demorou mais do que o previsto devido a problemas de aderência, mas, para o desgosto de seus detratores e opositores, tudo correu bem. Bolsonaro deverá despachar do hospital assim que deixar a UTI, e, se não houver complicações, ter alta em até 10 dias. Mas é no mínimo curioso que a mídia, a despeito de acompanhar de perto a internação do Presidente e divulgar os boletins médicos quase que em tempo real, não disse uma única palavra sobre o atentado, sobre quem estaria por trás do ajudante de pedreiro Adélio Bispo de Souza e sobre quem está pagando seus advogados. Nem a Velhinha de Taubaté acreditaria na balela de que Bispo era um "lobo solitário" e que agiu de moto próprio por inconformismo político, como apontou o primeiro inquérito — um segundo inquérito foi instaurado para dar continuidade às apurações, e investiga uma possível participação de terceiros ou grupos criminosos ligados a partidos de esquerda.

Falando na patuleia imprestável, relembro que, durante a campanha, Bolsonaro foi duramente criticado por não ter participado dos debates. Mas somente quem já usou uma bolsa de colostomia sabe os transtornos que a situação gera, inclusive do ponto de vista psicológico. Muitos dos que condenaram o condenam por ter faltado aos debates já faltaram ao trabalho devido a uma simples dor de garganta, mas pimenta no rabo alheio é refresco. Ou, como dizia Lenin: "O ódio é a base do comunismo; as crianças devem ser ensinadas a odiar seus pais se eles não são comunistas". 

Tomara que a investigação do atentado não tenha o mesmo desfecho dos assassinatos de Toninho do PT, em setembro de 2001, e de Celso Daniel, em janeiro de 2002. Ou ainda o de Paulo César Siqueira Cavalcante Farias  — mais conhecido como PC Farias — , em junho de 1996. Os dois primeiros casos, se bem investigados, certamente revelariam as digitais de próceres do próprio PT. Já o do ex-tesoureiro da campanha de Collor cheira a queima de arquivo, pois PC conhecia melhor que ninguém os malfeitos praticados durante a gestão do caçador de marajás de festim — como diz um velho ditado, antes que o mal cresça, corta-se a cabeça

Para quem não se lembra, PC Farias se tornou uma espécie de factótum de Collor (mais ou menos como Palocci durante a campanha e no início do primeiro governo de Lula). Collor derrotou Lula no pleito presidencial de 1989 e três meses depois da posse já surgiam denúncias de corrupção, primeiro envolvendo apenas o segundo escalão, mas, quatro meses mais tarde, alcançando pessoas próximas ao Presidente. Foi então que nome de Paulo César Farias apareceu como intermediário de negócios entre o empresariado e o governo.

Collor só foi atingido diretamente pelas denúncias em 24 de maio de 1992, depois que seu irmão Pedro o acusou publicamente de manter uma sociedade com PC Farias, que seria seu testa-de-ferro nos negócios. A PF instaurou um inquérito e a PGR determinou a apuração dos crimes atribuídos ao chefe na nação, a sua superministra Zélia Cardoso de Mello, ao pau-pra-toda-obra PC Farias e ao piloto de avião Jorge Bandeira de Melo, acusado de intermediar a liberação de verbas no Ministério da Ação Social.

Guardadas as devidas proporções, Zélia era uma espécie de Dilma, mas em edição melhorada, até porque nada supera a nefelibata da mandioca como calamidade em forma de gente. A ministra foi a mentora intelectual do confisco da poupança dos brasileiros, teve um escandaloso affair com o ministro Bernardo Cabral — conhecido como Boto Tucuxi (que segundo o folclore paraense se metamorfoseia à noite num homem dançador, bebedor, galante e sedutor que encanta as caboclas ribeirinhas —, acabou se casando com Chico Anysio, que passou a ser conhecido como “o humorista que casou com a piada”.

Em agosto de 1992 o relatório final da CPI (instaurada a pedido do PT) apontou as ligações de Collor com o esquema de corrupção. Estimava-se então que US$ 6,5 milhões foram desviados para bancar gastos pessoais do presidente, o que é dinheiro de pinga em comparação com o que o PT e seus acólitos roubaram no Mensalão e no Petrolão. Mas aí vieram as famosas manifestações dos “caras-pintadas”, em apoio ao pedido de impeachment assinado pelo presidentes da Associação Brasileira de Imprensa e da Ordem dos Advogados do Brasil. Collor renunciou às vésperas do julgamento (que ocorreu em 29 de dezembro de 1992), visando preservar seus direitos políticos, mas foi condenado por 441 dos 480 deputados presentes e, como manda a Lei, tornou-se inelegível por oito anos.

Indiciado em 41 inquéritos criminais, PC Farias teve sua prisão decretada, mas fugiu no Morcego Negro, pilotado por Jorge Bandeira de Mello. Depois de várias escalas, desapareceu em Buenos Aires e só reapareceu quatro meses mais tarde, em Londres — 11 quilos mais magro e sem seus famosos bifocais. Enquanto se discutia sua extradição, o fujão tornou a fugir, mas foi capturado dali a três meses, depois que um turista brasileiro o viu andando pelas ruas de Bangcoc, na Tailândia. Foi extraditado, julgado e condenado a 4 anos de prisão por sonegação fiscal e 7 por falsidade ideológica. Cumpriu um terço da pena e, seis meses depois de obter liberdade condicional, foi assassinado, juntamente com a namorada Suzana Marcolino, em circunstâncias jamais esclarecidas, mas que sugerem claramente “queima de arquivo”.

A tese de homicídio seguido de suicídio foi endossada pelo legista Badan Palhares, mas desmontada por uma série de reportagens da Folha. Segundo o jornal, Suzana era mais baixa que PC, e a diferença de altura, associada à trajetória do tiro, inviabilizava a versão oficial (o próprio Palhares escrevera num artigo que, se a altura estivesse errada, seu laudo também estaria). Na avaliação do professor de medicina legal e coronel reformado da PM George Sanguinetti, um dos primeiros a contestar o suicídio, “passional não foi o crime, mas sim o inquérito”.

Os homicídios ocorreram na mansão de PC, numa praia de Maceió. Os corpos foram encontrados no dia 23 de junho de 1996 (com um tiro no peito de cada um), e ainda que a casa fosse guardada por 4 seguranças, ninguém ouviu os tiros “porque era época de festas juninas”.

Amanhã voltamos ao imbróglio Flávio Bolsonaro. Até lá.

quinta-feira, 6 de julho de 2017

MAIS UM CAPÍTULO DA NOVELA DA BANDA LARGA FIXA

ENTRE UM GOVERNO SEM IMPRENSA E UMA IMPRENSA SEM GOVERNO, FICO COM A SEGUNDA OPÇÃO.

O capítulo inaugural dessa minissérie foi ao ar no início do ano passado, quando as TELES, capitaneadas pela Telefonica/VIVO, resolveram estender para a banda-larga fixa as cotas (ou franquias) que já utilizavam no serviço móvel via celular (redes 3G/4G), conforme eu escrevi no post de 11 de março de 2016. Mas a coisa virou novela, e os episódios subsequentes também foram alvo postagens (para seguir a novela em ordem cronológica, clique aquiaquiaquiaquiaquiaquiaqui e aqui).

Agora, todavia, parece que estamos próximos do final: no último dia 13, a comissão de Defesa do Consumidor da Câmara Federal aprovou, por unanimidade, o Projeto de Lei que veta as abjetas franquias na banda larga fixa. O próximo passo é o trâmite na comissão de Ciência e Tecnologia e Comunicações, e na comissão de Constituição e Justiça da Câmara, e, antes de ser aprovado em caráter definitivo, ainda pode ser apreciado pelo Plenário da Câmara, caso não sofra qualquer modificação.

Vamos continuar de olho.

BONITA CAMISA, FERNANDINHO!

Como este que vos escreve, muita gente votou em Fernando Collor, em 1989, simplesmente porque não queria Lula na presidência. Infelizmente, o resultado não foi dos melhores: depois de sequestrar o dinheiro dos brasileiros (inclusive o que estava nas contas correntes e cadernetas de poupança) e nem assim conseguir debelar a inflação galopante ― herdada da infausta ditadura militar e agravada durante o governo Sarney ―, o pseudocaçador de marajás sofreu um processo de impeachment e acabou renunciando às vésperas do julgamento ― para tentar preservar seus direitos políticos, que o Congresso cassou mesmo assim, diferentemente do que fez com Dilma em 2016, quando ela foi deposta, mas não inabilitada ao exercício de cargos públicos (mais uma vergonha avalizada pelo poder Judiciário, mas fazer o quê?).

Para corroborar o que eu venho dizendo há tempos ― e Pelé já dizia bem antes de mim ―, nosso povo não sabe votar: Em 2006, seis anos após o fim da inelegibilidade e apenas três semanas depois de ter lançado oficialmente sua candidatura, o autodeclarado “homem macho de colhão roxo” foi eleito senador por Alagoas com 44,03% dos votos válidos, e teve o mandato renovado em 2014 com 55,59% dos votos.

Também em 2014, num processo que o Supremo levou 20 anos para julgar, Collor foi “absolvido” dos crimes de peculato, falsidade ideológica e corrupção passiva ― por falta de provas; aliás, alguns ministros da nossa mais alta Corte parecem ser incapazes de encontrar o próprio rabo, mesmo usando as duas mãos e um lampião.

Mas não há nada como o tempo para passar: em agosto de 2015, policiais federais estiveram na Casa da Dinda  residência que Collor usava quando era presidente da República ― e apreenderam uma Ferrari, um Lamborghini e um Porsche. É bom salientar que, de acordo com sua declaração de rendimentos, o cara também era dono de uma Ferrari Scaglietti, um BMW 760iA, um Cadillac SRX, um Land Rover, um Toyota Land Cruiser, um Mercedes E230, um Hyundai Vera Cruz, um Honda Accord, duas Hilux, dois Kia Carnival, um Citröen C6 e um Gol 1.6 Rallye.

No mês seguinte, incapaz de refrear sua tradicional beligerância (que ele confunde com indignação), Collor subiu à tribuna do Senado para se defender das acusações de que um grupo ligado a ele teria recebido R$ 26 milhões em propina do esquema de corrupção da Petrobras, classificou a apreensão de seus automóveis como “espetáculo midiático” e ainda chamou Rodrigo Janot de filho da puta (como se pode ver neste vídeo).

Dias atrás, o ministro Edson Fachin decidiu enviar à 2ª Turma do STF a denúncia apresentada pela PGR contra o senador ― bem como contra sua esposa e mais sete pessoas ― por corrupção passiva, lavagem de dinheiro, peculato e organização criminosa. De acordo com a PGR, como formas de lavar de dinheiro, o acusado teria adquirido a frota de carros de luxo, forjado empréstimos fictícios perante a TV Gazeta de Alagoas (no valor de cerca de R$ 35,6 milhões) e à Água Branca Participações (mais R$ 16,5 milhões). Por meio de nota, sua assessoria de imprensa afirmou que ele “aguarda com serenidade a decisão, confiante de que o STF repudiará as acusações irresponsáveis feitas pela PGR exclusivamente com base nas palavras de delatores” (pois é, agora isso está na moda).

No julgamento ― cuja data ainda não foi marcada ―, os ministros vão decidir se transformam ou não o senador em réu. Compõem a Segunda Turma, além de Fachin, os ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.

Observação: A PGR pediu ainda a devolução do dinheiro desviado e mais R$ 154 milhões, a título de multa por reparação de danos materiais e morais.

Confira minhas atualizações diárias sobre política em www.cenario-politico-tupiniquim.link.blog.br/

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

DA PRAGA DA CASERNA AO CAPITÃO CAVERNA — DUODÉCIMA PARTE

João Fernandes Café Filho — que era vice de Getúlio Vargas e figura em nossa lista de ex-presidentes que não concluíram seus mandatos (os anteriores foram abordados nos posts dos dias 21 e 22) — ascendeu ao cargo em agosto de 1954, quando o titular ”saiu da vida para entrar na história”, mas se afastou em novembro do ano seguinte, a pretexto de tratar um mal cardíaco, e jamais reassumiu o posto. Mas vamos por partes.

Em 3 de outubro de 1955, quando Juscelino Kubitschek se elegeu presidente, a ala conservadora (sobretudo ligada à UDN) e os militares, inconformados com o resultado das urnas, urdiram um golpe de Estado para impedir a posse de JK. Eles contavam com o apoio tanto de Café Filho quanto do presidente da Câmara, Carlos Luz, que assumiu interinamente quando do afastamento de Café — vale lembrar que, com o "suicídio" de Vargas e a promoção de Café a titular, os próximos na linha sucessória, segundo a Carta Magna de 1946, art.79, § 1º, eram os presidentes da Câmara Federal, do Senado e do STF (da mesma forma que acontece atualmente, à luz da CF de 1988).

Assim que subiu de posto, Luz substituiu o general Henrique Lott pelo também general Álvaro Fiúza de Castro no comando do Ministério da Guerra. Sentindo o cheiro do golpe, Lott depôs Luz (que ficou apenas 4 dias no cargo e foi impichado em 11 de novembro) e empossou Nereu Ramos, então presidente do Senado. E assim, pela primeira vez na história, o Brasil teve três presidentes numa única semana.

Visando evitar que Café Filho, àquela altura "miraculosamente restabelecido", reclamasse o posto e somasse forças com a ala que queria impedir a posse de JK, Lott mandou tanques de guerra cercarem a casa do desafeto, em Copacabana, e agilizou junto aos parlamentares o julgamento de seu impeachment, que foi aprovado em 22 de novembro. E para impedir novas tentativas de golpe, Nereu governou sob estado de sítio pelos dois meses seguintes, até entregar a faixa presidencial a JK, em 31 de janeiro de 1956.

Observação: Para que dois presidentes fossem impichados a toque de caixa no final de 1955, a Constituição precisou ser “rasgada” algumas vezes (a pretexto de salvar a democracia). Não fosse isso, JK não teria assumido a Presidência. Aliás, talvez fosse o caso de Maia e Alcolumbre relembrarem o que aprenderam (ou deveriam ter aprendido) nas aulas de história. Antes que o mal cresça, corta-se a cabeça.   

Ao final de sua gestão — em que prometeu realizar “cinquenta anos de progresso em cinco de governo” — JK, mui mineiramente, mudou a capital federal do Rio de Janeiro para o meio do nada, digo, para o centro do país, e transferiu a faixa para o presidente eleito Jânio Quadros, que tomou posse em 31 de janeiro de 1961 e renunciou 6 meses e 25 dias depois.

Como as consequências da renúncia de Jânio já foram esmiuçadas (e voltarão a sê-lo em momento oportuno), resta dizer apenas que depois de João Goulart — que foi vice de JK e de Jânio, acabou cassado pelo golpe de ’64, exilou-se no Uruguai e morreu na Argentina em 1976 —, o Brasil só voltou a ter um presidente civil em 1985, após um colégio eleitoral formado por deputados, senadores e governadores eleger Tancredo Neves, no apagar das luzes do governo Figueiredo

Quis o destino que a raposa mineira fosse internada 12 horas antes da posse e viesse a falecer 38 dias e sete cirurgias depois — ironicamente, no dia 21 de abril, feriado que homenageia Tiradentes, o Mártir da Independência, levando para o túmulo as esperanças de milhões de brasileiros e deixando de herança — além de um neto que anos depois envergonharia o país — um oligarca maranhense, escritor, poeta e acadêmico chamado José Sarney.

Coube a Sarney pilotar a Nau dos Insensatos até 1989, quando, na primeira eleição direta para presidente da República em 29 anos, diante de um cardápio composto por 22 candidatos — teriam sido 23 se Jânio não desistisse de participar por motivos de saúde —, o eleitorado tupiniquim descartou Ulisses Guimarães, Mario Covas, Ronaldo Caiado (e mais 17 postulantes que, juntos, não valiam dois mirreis de mel coado) e escalou para o segundo turno um caçador de marajás de araque e um sindicalista picareta. 

No dia 17 de dezembro, o engomado almofadinha populista de direita derrotou o mal-ajambrado e semianalfabeto populista de esquerda (dono de um carisma que lhe rendeu o honroso apelido de “encantador de burros”), e assim Fernando Affonso Collor de Mello entrou para a História não só como o primeiro presidente da Nova República eleito pelo voto direto, mas também como o primeiro presidente da Nova República condenado num processo de impeachment.

Observação: Obviamente, nenhum dos cinco generais que presidiram o Brasil durante os anos de chumbo (Castello Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo) foi deposto, renunciou ou morreu no exercício do cargo, mas isso é assunto para outra sequência.

Em 1992, Collor (clique aqui para acessar um breve resumo de seu atabalhoado governo), em meio a grandes manifestações populares pedindo sua cabeça, foi afastado do cargo e renunciou dois meses depois, às vésperas do julgamento de seu impeachment no Senado. Com a renúncia, a ação perderia o objeto (como cassar o mandato de alguém que já renunciou a ele?), mas o julgamento prosseguiu mesmo assim e o réu foi considerado culpado e condenado a oito anos de inelegibilidade (Collor recorreu, mas perdeu).

O segundo impeachment desde a redemocratização foi o de Dilma — a tragédia anunciada com que Lula empalou a brava gente brasileira em 2010 — que, mesmo sendo a pior presidente desde que Cabral aportou na costa da Bahia, conseguiu se reeleger em 2014, ser afastada em maio de 2016 e penabundada em 31 de agosto.

Discorrer sobre a trajetória política da gerentona de festim (que levou à falência duas lojinhas de badulaques importados) de seu tempo de guerrilheira de arque até o definitivo “tchau, querida”, passando pelo monumental estelionato eleitoral que resultou em sua reeleição (ela própria havia dito com todas as letras que “em ano eleitoral a gente faz o Diabo”) seria abusar da paciência do leitor. Mas basta retornar pelo blog até o ano de 2016 para encontrar posts sobre os detalhes sórdidos que abrilhantaram os 5 anos 4 meses e 12 dias em que essa senhora, verdadeiro rascunho do mapa do inferno em forma de gente, demoliu tijolo a tijolo a economia do país. Mesmo assim, não descarto a possibilidade de retomar esse assunto numa próxima oportunidade. De momento, limito-me a relembrar uma síntese inspirada, da lavra do jornalista Augusto Nunes:

Dilma, sem saber atirar virou modelo de guerrilheira; sem ter sido vereadora virou secretária municipal; sem passar pela Assembleia Legislativa virou secretária de Estado sem estagiar no Congresso virou ministra; sem ter inaugurado nada de relevante fez posse de administradora pública; sem saber juntar sujeito e predicado virou estrela de palanque e sem ter tido um único voto na vida, virou candidata à Presidência, foi eleita em 2010 e reeleita em 2014 e só não destruiu totalmente a economia tupiniquim porque foi providencialmente apeada do cargo em 2016

Antes de concluir, vale relembrar o comportamento vergonhoso dos presidentes do Senado e do STF (Renan Calheiros e Ricardo Lewandowski, respectivamente), que tramaram nos bastidores o fatiamento da votação — como se a perda do mandato e a inabilitação por oito anos para o exercício de cargos públicos fossem penas alternativas, quando na verdade a segunda é acessória da primeira — para preservar os direitos políticos da Bruxa Má do Oeste. Assim, ainda que a deposição da presidanta tenha sido confirmada por 61 votos a 20, somente 42 dos 81 senadores votaram pela cassação de seus direitos políticos (faltaram, portanto, 7 votos para que a maioria qualificada de 3/5 fosse alcançada). 

Observação: O artigo 52 da Constituição de 1988 reza que “Nos casos previstos nos incisos I (processo contra presidente da República) e II (processo contra STF), funcionará como Presidente o do STF, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis(o grifo é meu). Em outras palavras, a Lei não separa a inabilitação da perda do cargo.

Coube ao eleitorado mineiro terminar nas urnas o que o Congresso começou (isso comprova a teoria de que até um burro cego consegue eventualmente encontrar a cenoura). A despeito das expectativas da mídia “cumpanhêra” e dos institutos de pesquisa, que tinham como líquida e certa a vitória do egun mal despachado na disputa por uma vaga no Senado, a petista amargou um vergonhoso quarto lugar.