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quinta-feira, 17 de setembro de 2020

DE VOLTA A RENÚNCIA DE JÂNIO, SUAS CONSEQUÊNCIAS E OUTRAS CURIOSIDADES — PARTE 8


Vimos no capítulo anterior que o grão duque tucano, insuflado pelos ventos benfazejos do Plano Real, elegeu-se presidente em 1994 e, picado pela célebre “mosca azul”, articulou a aprovação de uma reforma constitucional destinada a permitir que presidentes da República (e seus vices) disputassem a reeleição (apenas uma vez para um mandato subsequente e sem restrição para um pleito não consecutivo).

Como é burro ou não tem arte quem parte e reparte e não fica com a melhor parte, o próprio FHC disputou a reeleição em 1998 e tornou a derrotar, já no primeiro turno, um certo retirante nordestino analfabeto, desculturado e malandro, que usou o sindicalismo como trampolim para a política e fundou uma agremiação de criminosos disfarçada de partido (que se locupletaria do Erário por anos a fio).

Sobre a reeleição em sentido lato, falaremos em outra oportunidade; sobre a emenda constitucional que a implementou, vale relembrar em poucos parágrafos como funciona a política brasileira. Aliás, em 2014, quando FHC criticou Lula pelo baixo nível da campanha de Dilma, o sevandija de Garanhuns respondeu: “Vi o ex-presidente falar com a maior desfaçatez:É preciso acabar com a corrupção’. Ele devia dizer quem é que estabeleceu a maior promiscuidade entre Executivo e Congresso quando ele começou a comprar voto para ser aprovada a reeleição”.

Lula reclamar de corrupção em governo alheio é o mesmo que Marcola, chefe do PCC, imputar crimes à facção arquirrival Comando Vermelho, mas o fato é que, menos de quatro meses depois que a PEC da reeleição foi aprovada na Câmara, o jornal Folha de São Paulo publicou reportagem com chamada em duas linhas na primeira página: “Deputado conta que votou pela reeleição por R$ 200 mil”.

A matéria citava os deputados federais Ronivon Santiago e João Maia, que afirmaram em depoimentos gravados que receberam 200 mil reais cada, em dinheiro, para votar a favor da emenda; seu pares Chicão Brígido, Osmir Lima e Zila Bezerra foram mencionados nominalmente e dúzias de outros parlamentares figuraram como suspeitos de participação no esquema. Ao fim e ao cabo, ninguém foi preso.

Uma semana depois de a Folha ter publicado a denúncia, Santiago e Maia renunciaram por “motivos de foro íntimo”, segundo ofícios idênticos enviados ao Presidente da Câmara, e Chicão, Osmir e Zila foram absolvidos pela CCJ em processo relatado por deputado governista. Apesar da fartura de provas documentais, o então engavetador-geral da República, Geraldo Brindeiro, não acolheu nenhuma representação que pedia o envio de denúncia ao STF.

Em 4 de junho a emenda foi aprovada pelo Senado, onde o governo já contava com ampla maioria, e imediatamente promulgada, de modo a garantir sua vigência nas eleições do ano seguinte, das quais Fernando Henrique sairia como primeiro presidente reeleito. 

Em 27 de junho de 1997, por indicação de FHC, o engavetador-geral foi reconduzido ao cargo (que acabou exercendo por oito anos, de julho de 1995 a junho de 2003).

FHC sempre negou o esquema, mas em 2007 mudou um pouco a história: “O Senado votou [a reeleição] em junho [de 1997] e 80% aprovou. (…) Houve compra de votos? Provavelmente. Foi feita pelo governo federal? Não foi. Pelo PSDB: não foi. Por mim, muito menos”. 

Anos mais tarde, em delação premiada firmada com a força-tarefa da Lava-Jato, o ex-deputado Pedro Corrêa, que admitiu ter se envolvido em crimes desde seu primeiro mandato parlamentar, em 1978, pela extinta Arena, e que foi condenado pelo então juiz Sergio Moro a 20 anos e três meses de prisão quando ainda cumpria sua pena no mensalão, afirmou aos investigadores que o episódio envolvendo a PEC da reeleição no governo FHCfoi um dos momentos mais espúrios” que ele presenciou em todos os anos de deputado federal.

Segundo Corrêa, houve uma disputa de propinas para aprovar a PEC. De um lado, FHC; do outro, Paulo Maluf — que na época havia deixado a prefeitura de São Paulo com alta aprovação e com sua candidatura à Presidência da República cogitada.

Por parte do governo federal, a iniciativa da reeleição foi liderada pelo então ministro das Comunicações Sérgio Motta (morto em 1998) e pelo então presidente da Câmara Luis Eduardo Magalhães (também morto em 1998), com o apoio do então deputado Pauderney Avelino e dos então governadores do Amazonas e do Acre “entre outras lideranças governistas”.

O delator disse ainda que essas lideranças compraram os votos de mais de 50 deputados, e que, além dos fatos já narrados, também participou desse episódio, mas de forma contrária, tentando alijar com propinas deputados em desfavor da emenda constitucional com recursos do então ex-prefeito da cidade de São Paulo e hoje deputado federal, Paulo Maluf.

Maluf sabia que, se o governo conseguisse passar a emenda da reeleição, seu maior concorrente seria o presidente à época, FHC”, disse Corrêa, e que ele e os deputados Severino Cavalcanti e Salatiel Carvalho foram convocados pelo turco “para se contrapor ao governo e também cooptar, com propina, parlamentares que estivessem se vendendo ao governo FHC”.

FHC disse que Corrêa apenas repetiu o que foi veiculado pela imprensa na época e que já tratou do assunto em sua biografia lançada recentemente sobre o período em que ocupou a Presidência da República, chamada Diários da Presidência. No livro, ele relata que o episódio foi uma “questão do Congresso”.

Em um dos “diários”, o tucano chega a relatar que foi informado por Luis Eduardo Magalhães que Maluf teria oferecido R$ 1 milhão ao deputado Fernando Brandt, da comissão da Câmara que analisava a proposta da emenda constitucional da reeleição, para votar contra a medida, mas não cita outros parlamentares nem os detalhes relatados por Corrêa.

Segundo a Gazeta do Povo, a assessoria de  Maluf disse que “O favorecido no episódio foi Fernando Henrique Cardoso com a sua reeleição, e portanto é o FHC que deve ser ouvido”. Pauderney Avelino, por meio de nota, rechaçou as acusações do delator e afirmou que não responderia a “bandidos e ladrões do dinheiro público”. ACM Neto, da família de Luis Eduardo Magalhães, não se manifestou, a exemplo dos demais políticos citados na delação que ainda estão vivos.

Continua no próximo capítulo.

segunda-feira, 5 de julho de 2021

A DESGRAÇA VEM DE LONGE


Não sei quanto a vocês, mas eu estou até os tampos de ouvir falar em (e escrever sobre) cloroquina, Bolsonaro, corrupção, Bolsonaro, Covaxin, Bolsonaro, genocídio, Bolsonaro, Centrão, Bolsonaro, corrupção, Bolsonaro... Como a CPI do Genocídio só retoma as sessões presidenciais amanhã, resolvi aproveitar a trégua para dar uma espiadela no retrovisor. Até porque à frente, em meio a brumas, vislumbra-se apenas o iceberg gigante contra o qual a Nau dos Insensatos colidirá se a tripulação não se amotinar e botar a ferros o capitão aluado, que por alguma razão continua na cabine de comando. Antes, porém, cumpre dedicar algumas linhas à reação do presidente às manifestações contra o governo que eclodiram no último sábado nas capitais dos 26 estados, no DF e em um sem-número de outros municípios.

Bolsonaro compartilhou nas redes sociais uma publicação associando as manifestações a atos de violência e fazendo provocações implícitas, mas claríssimas, ao STF e à CPI do Genocídio: “Nenhum genocídio será apontado. Nenhuma escalada autoritária ou 'ato antidemocrático' será citado. Nenhuma ameaça à democracia será alertada. Nenhuma busca e apreensão será feita. Nenhum sigilo será quebrado. Lembrem-se: nunca foi por saúde ou democracia, sempre foi pelo poder!”. Junto ao texto, o capitão publicou imagens de violência nas manifestações, entre as quais a depredação de um ponto de ônibus e de uma agência bancária.

Foi a primeira mobilização desde que o superpedido de impeachment foi protocolado (na última quarta-feira) e após novas denúncias de corrupção na compra de vacinas pressionarem o Executivo. As alegadas irregularidades ganharam destaque na pauta dos atos, com faixas, cartazes e camisetas afirmando “Bolsonaro corrupto” e “Sua vida vale um dólar”, além de réplicas de cédulas de US$ 1 manchadas de vermelho.

Na última quinta-feira (1), o ministro Alexandre de Moraes determinou o arquivamento do inquérito dos atos antidemocráticos, mas abriu um novo inquérito para investigar uma organização criminosa digital que vem atacando as instituições. O ministro mencionou 12 vezes o deputado Eduardo Bolsonaro e anotou em seu despacho que é necessário aprofundar as investigações para verificar se aliados do presidente usaram estrutura pública do Palácio do Planalto, da Câmara e do Senado para propagar ataques às instituições nas redes sociais. Também foram mencionados nominalmente o presidente e seus filhos Zero Um e Zero Três. Dito isso, sigamos em frente.

Quem controla o passado controla o presente, e quem controla o presente controla o futuro”, escreveu George Orwell em 1940, como parte do slogan do Partido — que, no universo distópico do livro “1984”, representa o Estado totalitário num universo distópico. Por uma série de razões cuja obviedade dispensa detalhamento, a epigrama do escritor anglo indiano continua atual. Dito isso, sigamos adiante em nossa breve viagem ao passado (parece um contrassenso, mas não é).

Depois de eleger um cachaceiro populista que renunciou 6 meses e 25 depois após a posse — pavimentando o caminho que levaria a 21 anos de ditadura militar — a récua de muares que no Brasil se convencionou chamar de “eleitorado” guindou à presidência o pseudo caçador de marajás Fernando Collor de Mello, que renunciou em dezembro de 1992, horas antes do julgamento de seu impeachment, mas apenas para não ser inabilitado politicamente. Mesmo assim, Collor foi inabilitado politicamente por oito anos, ao contrário do que aconteceria com Dilma, a inolvidável, em agosto de 2016: graças a uma manobra espúria orquestrada pelos então presidentes do STF e do Senado, a eterna estocadora de vento foi apeada do cargo, mas preservou seus direitos políticos (ao arrepio da Lei do Impeachment). Nas eleições de 2018, o povo se encarregou de completar o que os senadores não haviam concluído: Postulante a uma cadeira no Senado por Minas Gerais, a ex-presidanta pedanta amargou um melancólico 4º lugar.

Observação: Duas décadas depois do apagão energético havido durante o segundo mandato de FHC — que foi um dos responsáveis pela derrota dos tucanos no pleito presidencial de 2002 —, a seca por que passam algumas regiões do Brasil, somada a problemas relacionados à transmissão de energia elétrica, delineia um cenário nada alvissareiro. Em 2014, durante sua irresponsável campanha pela reeleição, Aladilma e sua Lâmpada Nada Maravilhosa ocuparam espaço em rede nacional de rádio e televisão para dizer que “no caso da energia elétrica, as perspectivas são as melhores possíveis (...) o Brasil vai ter energia cada vez melhor e mais barata, o Brasil tem e terá energia mais que suficiente para o presente e para o futuro, sem nenhum risco de racionamento ou de qualquer tipo de estrangulamento no curto, no médio ou no longo prazo”. Como se vê, se tivesse que ganhar a vida como cartomante a ex-presidanta anta já teria morrido de fome.

O fato de alguém com antecedentes como os de Collor se eleger senador nos leva a pelo menos três conclusões tão lamentáveis quanto inevitáveis: 1) O Brasil não passa de uma republiqueta de bananas; 2) Em Alagoas, a pobreza, o apedeutismo e a política de cabresto andam de mãos dadas; 3) A alta cúpula do Judiciário tupiniquim abusa da hermenêutica para legislar em favor de seus bandidos de estimação (vejam o caso do ex-presidente presidiário que teve a ficha lavada e agora posa de “ex-corrupto”).

A renúncia do autodeclarado homem macho de colhão roxo guindou Itamar Franco ao comando de um país com uma taxa de inflação em torno de 80% ao mês (ou 1.191,09% a.a.). Ao contrário do que muitos dizem — aos quais peço vênia para discordar —, os maiores feitos do presidente mineiro (que nasceu à bordo de um navio de cabotagem em algum ponto entre a Bahia e o Rio de Janeiro) não foram estimular a VW a retomar a fabricação do fusca e ser fotografado ao lado de uma modelo avessa ao uso da calcinha. Foi durante a “Republica do Pão de-Queijo” que o PIB cresceu 10%, a renda per capita, 6,78% e Fernando Henrique Cardoso e sua “equipe de notáveis” criaram o Plano Real.

Nomeado ministro da Fazenda, FHC se tornou presidente “de fato” e transformou o presidente “de direito” numa versão tropicalizada da Rainha da Inglaterra. Mesmo assim, historiadores do quilate do Professor Marco Antonio Villa consideram Itamar o mandatário “menos pior” entre todos que o Brasil amargou desde a redemocratização. Graças ao sucesso do Plano Real, o grão duque tucano foi eleito presidente no primeiro turno do pleito de 1994.

FHC manteve a estabilidade econômica, privatizou empresas estatais, criou as agências regulatórias, alterou a legislação que rege o funcionalismo público e implementou programas de transferência de renda como o Bolsa Escola, precursor do Bolsa-Família do PT. O PIB cresceu 19,39% (média de 2,42% ao ano) e a renda per capita, 6,99% (média de 0,87% ao ano). Em 2003, quando Lula assumiu a presidência, a inflação havia baixado para 12,53% ao ano — donde a tal “herança maldita”, cantada em prosa e verso pelo PT, jamais passou de folclore.

Constituição Cidadã de 1988 não autorizava a reeleição do chefe do Executivo, mas uma estratégia que começou a ser articulada no governo Itamar acabou mudando as regras do jogo. E muita sujeira foi varrida para baixo do tapete: menos de quatro meses depois da aprovação da PEC da reeleição na Câmara, a Folha publicou uma reportagem com a seguinte chamada (em duas linhas e na primeira página): “Deputado conta que votou pela reeleição por R$ 200 mil”.

Observação: Uma semana depois da publicação da denúncia, dois parlamentares envolvidos renunciaram por “motivos de foro íntimo” (mediante ofícios idênticos enviados ao Presidente da Câmara) e outros três foram absolvidos pela CCJ em processo relatado por um deputado governista

Em 4 de junho de 1997, a malfadada emenda foi aprovada pelo Senado e imediatamente promulgada, garantindo sua vigência na eleição do ano seguinte, da qual FHC sairia como primeiro presidente reeleito. Apesar da abundância de provas documentais, o então procurador-geral Geraldo Brindeiro não acolheu nenhuma das representações que pediam o envio de denúncia ao STF. Ao fim e ao cabo, ninguém foi preso. No dia 27 de julho daquele ano, FHC reconduziu o engavetador-geral ao cargo (que Brindeiro acabou exercendo por oito anos, de julho de 1995 a junho de 2003).

Em 2014, quando FHC criticou o PT pelo baixo nível da campanha de Dilma, o bocório de Garanhuns respondeu: “Vi o ex-presidente falar com a maior desfaçatez: ‘É preciso acabar com a corrupção’. Ele devia dizer quem é que estabeleceu a maior promiscuidade entre Executivo e Congresso quando ele começou a comprar voto para ser aprovada a reeleição”. (Cá entre nós, Lula reclamar de corrupção em governo alheio é o mesmo que Marcola, chefe do PCC, imputar crimes ao arquirrival Comando Vermelho.)

FHC sempre negou o esquema, mas mudou um pouco a história em 2007: “O Senado votou [a reeleição] em junho [de 1997] e 80% dos parlamentares aprovaram. (…) Houve compra de votos? Provavelmente. Foi feita pelo governo federal? Não foi. Pelo PSDB: não foi. Por mim, muito menos”. 

Anos depois, em delação premiada, o ex-deputado Pedro Corrêa disse aos investigadores que se envolveu em crimes desde seu primeiro mandato parlamentar — em 1978, pela extinta Arena —, e que “a aprovação da PEC da reeleição foi um dos momentos mais espúrios” que ele presenciou em toda sua vida pública. Segundo o delator, houve uma disputa de propinas entre FHC, pela aprovação, e Paulo Maluf  que havia deixado a prefeitura de São Paulo com alta aprovação e com sua candidatura à Presidência da República cogitada , pela rejeição. Da parte do governo federal, a iniciativa da reeleição foi liderada pelos (hoje falecidos) Ministro das Comunicações (Sérgio Motta) e presidente da Câmara (Luiz Eduardo Magalhães), e contou com o apoio do deputado Pauderney Avelino, dos governadores do Amazonas e do Acre e de outras lideranças governistas, que compraram os votos de mais de 50 deputados

Corrêa disse que participou pessoalmente desse episódio, mas de forma contrária, tentando subornar parlamentares em desfavor da emenda constitucional, com recursos de Maluf, que visava à Presidência e sabia que, se o governo conseguisse passar a emenda da reeleição, seu maior concorrente seria FHC. Disse ainda que ele os deputados Severino Cavalcanti e Salatiel Carvalho foram convocados pelo turco lalau “para se contraporem ao governo e cooptar, com propina, deputados que estivessem se vendendo ao governo FHC”. 

Na versão do hoje nonagenário e eterno presidente de honra do tucanato, Corrêa apenas repetiu o que a imprensa veiculou na época. Em sua biografia (Diários da Presidência), FHC relata que o episódio foi uma “questão do Congresso”. Em um dos “diários”, ele diz que foi informado por Luis Eduardo Magalhães de que Maluf ofereceu R$ 1 milhão ao deputado Fernando Brandt, da comissão da Câmara que analisava a PEC, para votar contra a medida, mas não cita outros parlamentares nem os detalhes relatados por Corrêa.

ObservaçãoSegundo a Gazeta do Povo, a assessoria de Maluf alega que “o favorecido no episódio foi Fernando Henrique com a sua reeleição, sendo ele, portanto, quem deveria ser ouvido”. Pauderney Avelino, em nota, rechaçou as acusações do delator e afirmou que não responderia a “bandidos e ladrões do dinheiro público”. ACM Neto, da família de Luis Eduardo Magalhães, não se manifestou, a exemplo dos demais políticos citados na delação que ainda estão vivos.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

EVITAS A EVITAR


Não é bom sinal que, com apenas dois meses de governo, já se fale em possíveis sucessores de Lula. Pior ainda quando se coloca a primeira-dama no páreo. Janja virou até fantasia de carnaval. O próprio Lula sentiu cheiro de queimado e tentou desarmar a bomba, recuando prematuramente da promessa de não disputar a reeleição, mas acirrando a sanha da extrema direita, que almeja a volta de Bolsonaro Brasil, com o objetivo de liderar a oposição ao PT.

A síndrome da reeleição tem efeitos colaterais graves, como governar desde o primeiro dia do primeiro mandato para conseguir um segundo — no caso de Lula, seria o quarto. Por outro lado, presidente que anuncia que não se candidatará à reeleição gera disputa antecipada. Bolsonaro prometeu — em uma de suas inúmeras mentiras visando conquistar votos de eleitores liberais que acreditaram em suas promessas — que não só não disputaria um segundo mandato como proporia "o fim da reeleição, que tanto mal causou ao Brasil". Mas a reeleição foi sua prioridade desde o primeiro dia de mandato.
 
Observação: Obcecado pela reeleição, Bolsonaro entrou na fase da barbaridade e da cambalhota. Rendido aos caciques do Centrão, usou a fome dos pobres como álibi para exterminar os últimos resquícios de responsabilidade fiscal. Paulo Guedes, cuja coluna vertebral já estava arqueada, acocorou-se, e os principais assessores do Ministério da Economia bateram em retirada. Com o Tesouro em ruínas, o capitão articulou com os coronéis do Centrão uma megapedalada orçamentária para torrar R$ 83 bilhões no ano eleitoral de 2022, que serviram para satisfazer o apetite pantagruélico de parlamentares por emendas secretas e verbas eleitorais. Com um mandatário sem noção, nem projeto, nem ministro da Economia, o país perdeu o chão e o fundo do poço passou a ser apenas mais um estágio rumo às profundezas do inferno. A primeira vítima foi o povo, que se dividiu entre a fila do osso e a fila do desemprego. A segunda foi a semântica — as declarações do despresidente desobrigaram tudo mais de fazer sentido. Mas numa coisa Bolsonaro tinha razão: A reeleição é mesmo "uma desgraça".
 
Comprada, digo, aprovada no primeiro governo FHC, a PEC da reeleição foi justificada pela necessidade de dar prosseguimento às reformas em curso, como se fossem medidas de governo, e não de Estado. Assim foi no Plano Real, assim foi com Lula e Dilma, assim foi com Bolsonaro, no desmonte do Estado governado havia 25 anos pela social-democracia, como definido pelos seus, juntando no mesmo saco PT e PSDB.
 
No atual caso do Brasil, há um detalhe extravagante: os dois grandes líderes populares podem não ter condições de se candidatar em 2026. Lula, pela idade e pela saúde, já que ele mesmo condicionou a seu estado físico a decisão, e Bolsonaro, porque provavelmente será declarado inelegível pelo TSE — isso acontecendo, independentemente de o capitão ser preso ou não, a direita radical terá o mesmo argumento da esquerda em 2018, ou seja, dirá que houve um conluio para impedir o "mito" de se candidatar e favorecer o PT.
 
No PT, ninguém se atreve a lançar candidatos enquanto Lula mantiver acesa a possibilidade de concorrer, mas já surgem especulações que colocam como possíveis pretendentes ao Planalto os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, da Casa Civil, Rui Costa, e da Justiça, Flávio Dino. No centro, que não conseguiu apresentar um candidato viável nas duas últimas eleições, fala-se em Eduardo Leite e Simone Tebet. Já a "direita civilizada" tem Romeu Zema e Tarcísio de Freitas — ambos se descolarem de Bolsonaro, deixando o ex-presidente isolado na extrema direita, com um dos filhos (provavelmente o senador Flávio Bolsonaro) como herdeiro político.
 
À falta de nomes, cria-se uma disputa indireta entre as primeiras-damas dos dois. A atual, Rosângela da Silva, mais conhecida como Janja, virou figura nacional. Participa de reuniões ministeriais, sai em fotos oficiais de encontros presidenciais. Mesmo antes da posse, já se prenunciava que teria papel importante. Confessou em entrevista ao “Fantástico” que suas inspirações são Evita Perón e Michelle Obama, e a esdrúxula aparição, entre Lula e Biden, em foto na Casa Branca virou meme. A ex, Michelle Bolsonaro, assumiu um papel político no PL e tem por missão viajar pelo país com salário oficial. Sua popularidade entre o eleitorado evangélico é um trunfo (e Bolsonaro já está enciumado).

ObservaçãoDerrotado nas urnas, Bolsonaro encastelou-se no Alvorada, alimentando teorias conspiratórias sobre um golpe contra o resultado da eleição. O levante propriamente dito não aconteceu, mas a frustração dos bolsonaristas radicais resultou na tentativa no ataque terrorista de 8 de janeiro — que só não evoluiu para golpe de Estado por falta de adesão dos comandantes militares. A mesma estratégia ora se repete com as múltiplas versões sobre a volta de Bolsonaro. Ora é o filho que diz que o pai pode voltar amanhã, daqui a seis meses ou nunca, ora é o próprio que diz que volta em março, ora é a mulher que diz que o marido deve passar mais um tempo descansando sabe-se lá de quê. O problema é o desapreço dos quatro enteados pela madrasta. Eles não admitem a hipótese de ela assumir o lugar do pai. Mas antigos aliados do capetão veem a possibilidade como algo natural, mesmo porque Bolsonaro pode se tornar inelegível, e alguém terá de assumir seu lugar. Michelle nega, mas está encantada com a ideia de se tornar uma Evita Perón tupiniquim.
 
Cinquenta anos depois, poderíamos repetir a farsa de termos uma ex-primeira-dama na Presidência da República no Brasil depois que a Argentina, por meio do líder populista Juan Domingo Perón, teve como presidente sua mulher, Isabelita. A tragédia argentina começara quase 30 anos antes, quando a primeira-dama Evita Perón tornou-se uma lenda entre o povo, mesmo sem ter mandato ou voto. Seria cômico se não fosse trágico.
 
Com Merval Pereira e Tales Faria

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

A VITÓRIA DAS TATURANAS

 

O Brasil é realmente o país dos contrastes. Embora haja mais de 30 legendas aptas a disputar as próximas eleições, os "franco-favoritos", de acordo com as pesquisas, são os sumos pontífices do lulopetismo corrupto e do bolsonarismo boçal. 

Até o funesto pleito de 2018, os indecisos tucanos (que mijam no corredor caso haja mais de um banheiro no imóvel) eram os arquirrivais da petralhada. Os demais postulantes ao Palácio do Planalto eram obrigados a apoiar o nhô-ruim ou o nhô-pior no segundo turno, depois de serem expulsos de campo pelo esclarecidíssimo eleitorado tupiniquim. E agora, a menos de um ano das próximas eleições gerais, a desgraça se repete. 

Einstein dizia que o universo e a estupidez humana são infinitos (no tocante ao universo, ele não estava 100% convencido) e Marx, que a história sempre se repete como tragédia ou farsa. Diante de tanta estupidez, fica difícil distinguir tragédia de farsa numa republiqueta de bananas, onde o passado se harmoniza em toda sua mediocridade.

Não há regime democrático que funcione com trinta e tantos partidos políticos. E não dá para entender como trinta em tantos partidos não há um desinfeliz capaz de pôr fim a essa maldita dicotomia. 

Um lado quer seguir adiante, mas dirige com os olhos fixos no retrovisor, talvez imaginando que uma (Deus nos livre) eventual vitória de Lula reproduza os resultados positivos do primeiro governo petista sem reeditar a roubalheira iniciada com o Mensalão e potencializada com o Petrolão. A outra facção, cega pelo fanatismo, olha adiante sem ver que uma (igualmente indesejável) reeleição de Bolsonaro postergará por mais quatro insuportáveis anos a desgraceira que seu desgoverno impôs a este arremedo de banânia.

Se os demais partidos (ou pelo menos os principais) não fossem vítimas do próprio ego, teríamos na via de centro um candidato léguas à frente da parelha de aberrações que a ignorância do eleitorado... enfim, acho que já me fiz entender.

Termino este post com um texto de Mario Sabino e a promessa de retornar amanhã, com mais um capítulo da minha novela de época.

A Vitória das Taturanas é o que representará a aprovação da PEC da Vingança, com o reto e vertical Arthur Lira comandando o espetáculo na presidência da Câmara Federal. Ontem, escrevi que o Brasil é uma nação de gente estúpida, como comprova o fato de termos como presidente da Câmara um político que jamais deveria ter sido eleito deputado federal ou para qualquer outro cargo político. 

Em 2007, a Operação Taturana desbaratou um esquema criminoso que desviou mais de R$ 200 milhões da folha de pagamentos da na Assembleia Legislativa de Alagoas. Em 2008, Lira foi preso. A PF se referiu a ele como UM "político sem limites para usurpar dinheiro público". Tudo mentira, claro, porque o homem é de uma inocência imaculada (afinal, se Lula é a alma viva mais honesta do Brasil...). 

Dois anos depois, como somos uma nação de idiotas, o nobilíssimo parlamentar alagoano foi eleito deputado federal. Instalado em Brasília, o eminente parlamentar entrou na mira da PGR, acusado de participar — juntamente com seu pai, o hoje senador Bendito de Lira — do escândalo do Petrolão. Aliás, a família é a base da sociedade, como lembra o programa da União Brasil.

É esse sujeito reto e vertical que quer "colocar um freio" no Ministério Público — que acusa de não ter "código de ética" — através da infame PEC da Vingança, que o deputado Paulo Teixeira, pau mandado de Lula, teria tirado da cartola do ministro Gilmar Mendes — que, claro, não tem nada a ver com isso, muito pelo contrário, trata-se de um grande apoiador dos procuradores que cometem a ousadia de investigar gente poderosa e os amigos dos amigos dela.

Atualização: Em votação de primeiro turno, a Câmara rejeitou (por 297 votos a favor e 182 contrários) a versão do relator Paulo Magalhães da PEC em questão, que precisava de pelo menos 308 votos a favor para ser votada em segundo turno. Para líderes do Centrão, que se juntaram a petistas e bolsonaristas visando enfraquecer o Ministério Público, a tramitação da proposta de emenda "morreu". Após sua primeira grande derrota depois que assumiu a presidência da Câmara, Lira anunciou que votaria a proposta original, sem acordo, mas encerrou a sessão sem abrir o painel para votação, sem maiores explicações. O deputado-réu não descarta votar o texto original, ainda que isso seja um recurso regimental incomum. Segundo ele, "jogo só termina quando acaba". Entre os vencedores, porém, não há mais clima para votação neste ano.

Arthur Lira, o colosso da decência que ascendeu à Câmara empurrado pelo (igualmente ínclito) Eduardo Cunha (preso injustamente pela Lava-Jato), é uma unanimidade ideológica: esquerda, direita, Centrão e banco de reservas marcham a seu lado, visando amarrar mãos e pés dos procuradores com a corda da PEC que reescreve a Constituição. 

Esse poder composto por gente honesta, trabalhadora e proba, escolhida a dedo pela famosa récua de muares munida de título eleitoral. quer retirar a independência funcional dos procuradores e aparelhar politicamente o CNMP, inclusive indicando um corregedor de sua própria laia. E para que não restem dúvidas sobre o papel de Prometeu acorrentado, reservado ao MP, o CNMP aparelhado poderá revogar atos administrativos praticados por procuradores — ou seja, barrar investigações.

Em 2007, a Polícia Federal batizou de Taturana a operação contra a roubalheira em Alagoas, porque a lagarta passa a vida comendo folhas. A aprovação da PEC da Vingança, com Lira comandando o espetáculo, é a vitória das taturanas, que poderão comer até se fartarem as folhas dessa gente estúpida que as elege.

Triste Brasil.

Observação: Sabino informa que a Editora Topbooks acaba de lançar a versão impressa do livro Me Odeie pelos Motivos Certos (a quem interessar possa, basta clicar no link para adquirir seu exemplar). O autor agradece quem já comprou e antecipa seus agradecimentos aos que vierem a comprar.

sexta-feira, 8 de julho de 2022

A PEC KAMIKAZE

 

PEC Kamikaze é um apelido enganoso, porque o bolsonarismo, com a cumplicidade de todos os senadores, exceto José Serra, imolou o Brasil, e não a si próprio. Melhor seria chamá-la de PEC do Desespero, como fez o editorial do Estadão, segundo o qual "a PEC 1/2022 é uma violência contra as regras do jogo eleitoral".

 

"É incompreensível que senadores não alinhados ao bolsonarismo tenham aprovado a criação de um estado de emergência para burlar a legislação fiscal e eleitoral", diz o editorial. "Para piorar, os parlamentares autorizaram essa aberração jurídica motivados por uma mentira: ao contrário do que o governo diz, a proposta, destinada na prática a comprar votos para a reeleição do presidente, cria benefícios sociais para profissionais de classe média, e não para a população carente e desempregada. O foco da PEC 1/2022, apelidada corretamente de ‘PEC do Desespero’, tem pouco a ver com os pobres. Ela cria auxílios, por exemplo, para caminhoneiros e taxistas – que, por mais que estejam sofrendo as consequências da crise social e econômica, não fazem parte da população necessitada no Brasil (…). Tal aberração, vergonhosamente apoiada pela oposição, não merece nenhuma condescendência."


 

 

 


Mas a catástrofe não acaba aí. Suas altezas do Senado concluíram que a instalação de outra CPI, agora, seria inconveniente porque atrapalharia o projeto de reeleição do presidente. Os senadores encontraram a coerência no absurdo. Por que prejudicariam o presidente depois de rasgar a legislação eleitoral e fiscal, depois de aviltar a Constituição para autorizar Bolsonaro a distribuir mais de R$ 40 bilhões a eleitores pobres na boca da urna? Que diabo, a incongruência tem limites!

 

O provável recurso da oposição ao STF para forçar os partidos a indicarem seus representantes na CPI é inconveniente para o governo porque tumultua a campanha à reeleição, sonegando ao Planalto aquela quase unanimidade que se formou no Senado na semana passada. Uma comunhão que levou até os senadores petistas a aprovarem a PEC da reeleição, que promoveu o suicídio coletivo das leis para que Bolsonaro sobreviva na corrida presidencial.

 

Thomas Traumann, em artigo para O Globo, apresenta-se como “jornalista e consultor”. Um oxímoro perfeito, aponta Diogo Mainardi, considerando que uma coisa exclui a outra. A nota biográfica só omite que o articulista foi ministro da propaganda de Dilma, a inesquecível. Segundo o artigo, Bolsonaro, com seu estelionato eleitoral, deve conseguir encabrestar uns votos, mas que sua campanha “corre contra o tempo”, porque “a principal experiência de colocar dinheiro direto no bolso dos eleitores mostra que isso não implica um movimento rápido”. 

 

O jornalista e consultor entende do assunto, claro, pois acompanhou de perto o estelionato eleitoral petista.


ATUALIZAÇÃOArthur Lira adiou para terça que vem a votação na Câmara. Ele avaliou que a presença de apenas 427 dos 513 deputados colocava em risco a aprovação da matéria, que exige 308 votos favoráveis. A oposição agradece. 

domingo, 18 de novembro de 2018

SOBRE BOLSONARO, O FIM DA REELEIÇÃO E A EXONERAÇÃO DE SÉRGIO MORO



Para o jornalista J.R. Guzzo, diretor editorial do grupo EXAME e membro do Conselho Editorial da Abril, o reajuste reivindicado pelos ministros do STF e avalizado pelo Senado “é uma coisa de submundo, uma expressão de tudo o que existe de pior nesse Brasil velho, subdesenvolvido, concentrador de renda, corrompido até o fundo da alma, trapaceiro, parasita, que faz a nossa desgraça de todos os dias. Bolsonaro estaria começando muito mal, realmente, se não tivesse falado nada. Os 58 milhões de votos que recebeu foram contra isso, não a favor”.

Ao contrário de boa parte da mídia, Guzzo não vê quiproquó nenhum na transição do governo moribundo de Temer para a futura gestão de Bolsonaro. Na sua avaliação, o presidente eleito vem se comportando como um presidente eleito que daqui a pouco mais de um mês vai chefiar o governo — a gestão Temer já está tirando as medidas para lhe fazerem o caixão, e não dá para esperar até o enterro para só então começar o trabalho. Ele também concorda com Bolsonaro sobre o país ter direitos demais e empregos de menos: “O presidente eleito está apenas apresentando um fato — que já foi dito por um monte de gente boa, um monte de vezes, e reflete exatamente a palhaçada hipócrita dos nossos 10 milhões de leis, ou sabe lá Deus quantas. Criam direitos para tudo que se possa imaginar, quase sempre pagos com dinheiro do contribuinte — dinheiro que na maioria das vezes simplesmente não existe na vida real. Boa parte não pode ser desfrutada pelos beneficiários, e outra parte é pura safadeza para encher o bolso da casta mais alta do serviço público”.

Sobre Bolsonaro insistir em dizer respeitará a Constituição, o jornalista pondera que não resta alternativa, pois a todo momento o presidente eleito é cobrado a propósito. Aliás, na solenidade de comemoração dos 30 anos da Constituição — que Ulysses Guimarães, líder da resistência civil à ditadura militar, chamava de “cidadã” —, ouviram-se muitas juras hipócritas e muitas loas à Carta Magna, mas o fato é que ela tem de ser respeitada porque está em vigor e não existe outra, cabendo ao novo governo, ou cumprir tudo o que está escrito lá, ou aprovar no Congresso reformas que mudem o seu texto.

Guzzo também critica a medida provisória encaminhada por Michel Temer — e avalizada pelo Senado — que entrega de mão-beijada benesses às montadoras de automóveis. Segundo ele, o Brasil vem sendo governado há décadas com a mentalidade, os métodos e as ações de governantes que ganham a vida por meio do crime, mas, mesmo assim, um Congresso e um resto de governo que estarão sepultados no dia 1.º de janeiro de 2019 jamais deveriam ter o direito de fazer isso — não por estarem criando problemas para “o governo Bolsonaro”, como diz a imprensa, mas porque o contribuinte vai pagar por cada centavo disso tudo nos próximos anos. Se o presidente eleito conseguirá ou não desarmar as bombas de efeito retardado deixadas pelas gestões do PT e do PMDB, só o tempo dirá. Entretanto, estaria de bom tamanho se ele pudesse desarmar metade delas, pois em geral não se desarma nenhuma. 

Quanto ao fim da reeleição (defendido por Bolsonaro), Guzzo diz ser uma excelente notícia para o Brasil e para o próprio Bolsonaro, lembrando que FHC, Lula e Dilma, notórios democratas antifascistas, colocaram seus governos e o erário a serviço permanente da própria reeleição, e o primeiro a adotar uma atitude diferente é justamente o “militar autoritário, totalitário, defensor das ditaduras, etc. Se a ideia prosperar, será um belo cala-boca na oposição, nos intelectuais, nos artistas de novela e no New York Times.

Em atenção a quem não sabe ou não se lembra, abro um parêntese para dizer que a reeleição não foi fruto da tal “Constituição Cidadã”, mas de uma emenda constitucional que deu chance ao então presidente Fernando Henrique de ser o primeiro mandatário a disputar uma reeleição no Brasil — deu para entender ou quer que eu desenhe?

Nossa atual Carta Magna foi promulgada em 1988, durante o (nada saudoso) governo do macróbio maranhense José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, vulgarmente conhecido no mundo do crime, digo, da política, como José Sarney, que se tornou presidente civil desta Banânia pós-ditadura com à morte de Tancredo Neves. O que a Assembleia Nacional Constituinte estabeleceu foi o presidencialismo como forma de governo e o mandato de 5 anos para o presidente da República (daí a razão do infausto governo Sarney ter se estendido até março de 1990), vencida a oposição, que se dividia entre os que propunham quatro anos para todos os presidentes, inclusive o presidente em exercício, e os que desejavam um mandato de cinco anos para o futuro, porém mais curto para Sarney. Pesquisas da época registraram a preferência da população pelo mandato de quatro anos, que passaria a vigorar em 1997.

A PEC da reeleição, aprovada em segundo turno no Senado por 62 votos a favor, 14 contra e 2 abstenções, numa sessão solene que durou apenas 9 minutos, estendeu o “benefício” também a governadores e prefeitos. Depois da promulgação, o então presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães (vulgo “Toninho Malvadeza”), o então presidente da Câmara, Michel Temer, foram ao Palácio do Planalto entregar o texto da emenda ao então presidente Fernando Henrique Cardoso. A certeza de que a aprovação da emenda fortalecia o presidente em exercício foi ratificada pelo então presidente do Senado: “Pela liderança que tem, é um candidato forte à reeleição”, declarou ACM, e afirmou que a tendência era que seu partido, o PFL (que em março de 2007 passou a se chamar Democratas e teve como primeiro presidente da nova sigla Rodrigo Maia, atual presidente da Câmara), mantivesse o apoio a FHC nas eleições de 1998, o que incluía a permanência de Marco Maciel como candidato a vice. Fecho o parêntese. 

Para concluir, transcrevo trecho do pedido de exoneração do juiz Sérgio Moro, futuro ministro da Justiça e Segurança Pública:

Houve quem reclamasse que eu, mesmo em férias, afastado da jurisdição e sem assumir cargo executivo, não poderia sequer participar do planejamento de ações do futuro governo. Assim, venho, mais uma vez registrando meu pesar por deixar a magistratura, requerer a minha exoneração do honroso cargo de juiz federal da Justiça Federal da 4ª Região, com efeitos a partir de 19/11/2018, para que possa então assumir de imediato um cargo executivo na equipe de transição da Presidência da República e sucessivamente ao cargo de Ministro da Justiça e da Segurança Pública. Destaco meu orgulho pessoal de ter exercido durante 22 anos o cargo de juiz federal e de ter integrado os quadros da Justiça Federal brasileira, verdadeira instituição republicana”.

A juíza substituta Gabriela Hardt assumiu os processos que correm no âmbito da Lava-Jato na primeira instância paranaense, como aquele em que depôs, na última terça-feira, o ex-presidente petralha e hoje hóspede compulsório da carceragem da PF em Curitiba. Gabriela é substituta e ficará encarregada das ações até o TRF-4 nomear o substituto de Moro.

Pelo menos 232 juízes federais titulares poderão se candidatar, aí incluídos todos os titulares que atuam no âmbito do TRF-4 (que abrange os Estados de Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). No topo da lista estão, pela ordem, os juízes federais Luiz Antônio Bonat (Curitiba), Taís Schilling Ferraz (Porto Alegre), Marcelo de Nardi (Porto Alegre), Alexandre Gonçalves Lippel (Porto Alegre), Hermes Siedler da Conceição Júnior (Porto Alegre), Eduardo Vandré Oliveira Lema Garcia (Santa Cruz do Sul), Altair Antônio Gregorio (Porto Alegre) e Loraci Flores de Lima (Santa Maria).Todos ingressaram no TRF-4 no mesmo dia, quatro anos depois de Moro, que ingressou como titular no tribunal em 24 de novembro de 1998.

O processo interno de seleção, denominado remoção, deverá durar um mês. Uma vez publicado o edital, os juízes titulares deverão apresentar suas candidaturas nos dez dias seguintes. O critério de seleção será baseado na antiguidade, ou seja, no tempo de atuação do magistrado como juiz titular e, depois, como juiz substituto. Em caso de empate, será utilizado o critério de colocação no concurso público. Neste critério de classificação, o juiz Luiz Antônio Bonat, da 21.ª Vara Federal de Curitiba, aparece na primeira colocação. Se nenhum juiz titular apresentar candidatura, a vaga será aberta em um edital de promoção aos juízes federais substitutos, que poderão concorrer à cadeira pelos mesmos critérios de antiguidade e colocação no concurso público.

Dito isso, dou a postagem por encerrada. Bom domingo a todos.

quinta-feira, 4 de abril de 2019

E LA NAVE VA — PARTE V



A audiência pública na CCJ da Câmara, convocada para Paulo Guedes esclarecer dúvidas dos deputados sobre a PEC da Previdência, virou um campo de batalha onde esquerdopatas inadjetiváveis massacrarem implacavelmente o ministro. 
Saltava aos olhos que o propósito de um grupelho, munido de cartazes com dizeres PEC da Morte, Pé na Cova e outras bobagens, era tumultuar a sessão e desestabilizar o convidado, mas ficou ainda mais claro (e foi ainda mais revoltante) o total absenteísmo dos deputados do PSL, do Centrão e outros que supostamente apoiam o governo. Guedes foi literalmente atirado às feras (não vou dizer leões para não ofender o rei dos animais) e ninguém acorreu para defendê-lo.
No início da noite, o deputado Zeca Dirceu — que acontece de ser filho do dublê de guerrilheiro de araque e rapinador do Erário José Dirceu, ex-ministro de Lula e condenado a quase 30 anos de cadeia — acusou o ministro de ser “tigrão” para cortar aposentadorias de trabalhadores e “tchutchuca” para cortar privilégios de ricos e banqueiros do país, e ouviu dele que tchutchuca eram “sua mãe e sua avó”. Em meio ao tumulto que se formou, o presidente da comissão, deputado Felipe Franceschini, encerrou a sessão.
Em algum momento de sua trajetória política, o hoje presidente da República afirmou que “o único erro [do governo militar] foi torturar e não matar” — referindo-se aos comunistas em geral e a FHC em particular. Em situações como a de ontem, eu fico pensando se sua excelência não tem uma certa razão.

No último dia primeiro (que acontece de ser 1ª de abril, o dia dos trouxas), o presidente Jair Messias Bolsonaro completou três meses no cargo. De janeiro até agora, ele esteve na Suíça, nos Estados Unidos, no Chile e em Israel, deu uma passadinha rápida em casa (no Rio), e outra no Hospital Sírio Libanês (em São Paulo). Em Brasília, foi cinema com a primeira dama e a ministra Damares na manhã da terça-feira, 26 de março (que, até onde se sabe, não era feriado no DF), em plena articulação da reforma da Previdência e em meio à estúpida guerra de egos que levaria o presidente da Câmara desengavetar e a pôr em votação a PEC do Orçamento Impositivo (detalhes no post anterior), criada originalmente para conter os arroubos dilmistas. A proposta foi aprovada em dois turnos em menos de 3 horas, com 3 votos contrários e 6 no segundo. O próprio partido do presidente contribuiu para a acachapante derrota do governo votando em peso a favor do projeto, talvez porque a maioria dos 54 deputados pesselistas esteja em seu primeiro mandato e não tinha a menor ideia do que estava fazendo.

Rodrigo Maia ergueu a bandeira branca — “Peço ao presidente que pare” — e depois disso os ânimos serenaram. O dólar parou de subir e o Ibovespa, mesmo longe da marca história dos 100 mil pontos que atingiu semanas atrás, quando tudo indicava que a PEC da Previdência caminhava a passos de gigante, ao menos parou de cair. Paulo Guedes explicou a reforma previdenciária aos senadores — depois de faltar ao compromisso marcado com os deputados, segundo ele porque ainda não havia um relator —, e as relações entre Maia e Moro mudaram de guerra quase declarada para paz armada. Mas já dizia o velho Magalhães Pinto que “política é como nuvem; você olha e ela está de um jeito, olha de novo e ela já mudou”.

O fato é que, se crises fosse tijolos, o presidente, seus filhos e alguns ministros que o chefe do Executivo foi buscar só Deus sabe onde seriam uma olaria. Com a oposição combalida no Congresso e nas ruas, o maior adversário do governo é a desarticulação de sua própria base. A eleição formou uma vasta maioria de centro-direita nas duas Casas do Legislativo. Na Câmara, os partidos de esquerda somados contabilizam pouco mais de 130 deputados, número que seria inofensivo para um governo bem articulado com suas bases. O problema é que, diante da implosão das pautas federais provocadas pelo próprio Bolsonaro, a minoria consegue fazer barulho e protelar discussões.

Diante da possibilidade de novas rusgas, aliados de Bolsonaro e de Rodrigo Maia devem agendar uma conversa entre os dois após a volta do presidente volte de Israel — onde, para alívio do agronegócio, ele anunciou apenas a abertura de um escritório em Jerusalém. Enfim, se não houver nenhuma intercorrência mais séria, a reforma previdenciária (ou o que restar dela depois de ser submetida ao crivo dos deputados e senadores) pode ser aprovada ainda no primeiro semestre. A expectativa é que o texto seja votado na CCJ no próximo dia 17, a fim de pressionar o início dos trabalhos na Comissão Especial (que ainda não foi instaurada), onde certamente haverá novos embates e negociações. Dois pontos do texto já estão na lista de mudanças dos parlamentares: a aposentadoria rural e o Benefício de Prestação Continuada. Esses itens são considerados muito caros, sobretudo, para a bancada do Nordeste, que vem ganhando força pela alteração das regras desses temas. É fundamental, portanto, que o relator da comissão especial seja alguém sensível à causa, ou haverá ainda mais divergência e demora na apreciação do texto.

Se quiser aprovar a “nova Previdência”, Bolsonaro terá de mostrar aos deputados como é a articulação na “nova política”. Mas a falta de diálogo com as lideranças é notória. Prova disso é que, durante a escolha da relatoria na CCJ, os parlamentares de partidos de centro e de direita se esquivaram da missão, que acabou caindo no colo do Delegado Marcelo Freitas, do PSL mineiro, que é um deputado de primeiro mandato, sem experiência legislativa anterior. Para que os parlamentares recuperem a confiança no Executivo, Bolsonaro e seu entorno precisam baixar o tom e tentar manter uma relação harmoniosa com o Congresso. Nunca é demais lembrar que bater de frente com o Legislativo custou o cargo a Collor e Dilma. Se não descer do palanque, não botar trela na filharada e nem passar a agir como o presidente de todos os brasileiros, e não dos 57,8 milhões que votaram contra o PT — dos quais uns 10% são bolsomínions legítimos — o presidente corre o risco de perder o bonde (e o cargo). Em conversas no Congresso, representantes de dois dos maiores Bancos do país chegaram a perguntar ao líder do Cidadania na Câmara, Daniel Coelho, se “a solução não seria Mourão”.

Observação: Dos 147,3 milhões de eleitores aptos a votar nas eleições passadas, apenas 39,2% votaram em Jair Bolsonaro. Ao todo, 31,3 milhões não compareceram às urnas, o equivalente a 21,3% do total de eleitores. Se a legitimidade de sua eleição é inquestionável, a da eleição e da reeleição de Dilma em 2010 e 2014 também foi, e ainda assim ela não conseguiu concluir seu segundo mandato. As pedaladas fiscais serviram de desculpa para derrubá-la. Ela caiu, de fato, porque perdeu as mínimas condições de governar.

Para encerrar, transcrevo o texto magistral que Dora Kramer publicou na revista Veja desta semana:

Não obstante o alarido do bolsonarês castiço que assola a República, a reforma da Previdência vai passar. Não porque o presidente Jair Bolsonaro esteja particularmente empenhado nisso. Não será uma obra dele nem de seus três auxiliares falastrões que por uma dessas conjunturas inusitadas são filhos com questões familiares um tanto mal resolvidas e detentores de mandato parlamentar. Se dependesse desses quatro, caminharíamos de modo irremediável para o “buraco” em que o general Rêgo Barros disse recentemente que cairemos caso a reforma não seja feita.

Ela será feita, cedo ou tarde, de um jeito ou de outro, porque o mundo do dinheiro, dos negócios e da alta esfera política concorda com a fala do porta-voz. Funciona mais ou menos como a derrubada da inflação no governo FHC e a manutenção da política econômica do antecessor na gestão Lula: ou é isso ou não tem governo. Quiçá país, na interpretação dos entendidos no assunto.

Prefeito do Rio por três vezes, Cesar Maia, pai do presidente da Câmara, aponta três eixos de sustentação efetiva do governo: Economia (Paulo Guedes), Justiça e Segurança (Sergio Moro) e administração substantiva (os militares do Planalto). Note agora o leitor que todos eles atuaram na última semana para desconstruir a barafunda que parecia levar a reforma a pique.

Moro e Guedes entenderam-se com Rodrigo Maia sobre a necessidade de a proposta da Previdência tramitar soberana, o vice-presidente Hamilton Mourão tranquilizou o PIB com encontro em São Paulo e o general Augusto Heleno certamente foi o autor oculto do apelo à “pacificação” feito por Bolsonaro em seguida a intenso tiroteio com o presidente da Câmara.

Os movimentos desse pessoal são o que realmente conta para medir a ampliação ou a redução de danos à reforma. O jogo aqui é de sobrevivência, uma vez que a aprovação do projeto é o primeiro passo, sem o qual não se vai a lugar algum. Sem ele, por exemplo, Moro não consegue nada com seu pacote de legislação anticrimes. Rodrigo Maia tampouco conseguirá imprimir relevância à sua terceira passagem pela presidência da Câmara (fundamental para o impulso do futuro) se a Previdência ficar empacada. Guedes também não levará adiante sua proposta de desvinculação constitucional das receitas da União.

Donde é de concluir que as coisas fluirão. A menos que o presidente da República resolva livrar-se de seus pilares, ou vice-versa, numa exacerbação de seu jeito rudimentar de ser, e, não sabendo exatamente do que se compõe a nova política, siga na trajetória malsã de negar-se ao exercício da boa política. Nesta, já apontaram diversos autores credenciados, existe um caminho do meio a ser trilhado entre a hostilidade e a ilegalidade. Para tanto, porém, há que ter visão estratégica, inteligência, paciência, ponderação, noção dos limites do poder e, sobretudo, plano de voo claro e detalhado. E é aí que a fêmea da espécie dos suínos corre o risco de retorcer a própria cauda e pôr tudo irremediavelmente a perder.

sábado, 30 de outubro de 2021

NÃO PODE DAR CERTO — DÉCIMA TERCEIRA PARTE

 

Aviso aos leitores que vêm acompanhando esta sequência: Troquei as bolas ao programar esta postagem e a que foi publicada na última quinta-feira, mas só me dei conta disso quando o 12º capítulo da novela já estava no ar havia mais de 6 horas. A inversão "quebra" a cronologia dos fatos, mas não a ponto de comprometer a leitura. Assim, achei preferível fazer esta ressalva a mudar a ordem do capítulos. Peço desculpas pelo ocorrido.

Itamar Franco foi sucedido por Fernando Henrique Cardoso, carioca de nascimento, paulista de formação e sociólogo com pós-graduação em Paris — onde se exilou após o golpe militar de 1964.

FHC ingressou na vida pública em 1978, quando foi eleito suplente do senador paulista André Franco Montoro, e ocupou a poltrona do titular quando ele assumiu o governo de São Paulo. Em 1985, tido como franco favorito na disputa pela prefeitura da capital paulista, o futuro grão-duque tucano se deixou fotografar na cadeira de prefeito — a foto foi publicada pela Revista Veja. Mas Jânio Quadros venceu a eleição e declarou à imprensa durante a cerimônia de posse: "Estou desinfetando a poltrona porque nádegas indevidas a usaram".

Reeleito senador em 1986, FHC atuou como constituinte, foi líder do PMDB no Senado e ajudou a fundar o PSDB. Em outubro de 1992, foi nomeado pelo presidente interino Itamar Franco para o cargo de ministro das Relações Exteriores. Em maio do ano seguinte, depois que o Rei Sol foi devidamente penabundado, o tucano passou a comandar o Ministério da Fazenda e atuar como "primeiro-ministro" informal. Itamar terminou o mandato-tampão como uma versão tropicalizada da Rainha da Inglaterra, mas era isso ou a degola.

Surfando no sucesso do Plano Real, Fernando Henrique elegeu-se presidente no primeiro turno do pleito de 1994. Além de dar continuidade às reformas estruturais que visavam impedir a volta da inflação, sua gestão privatizou diversas estatais — como a Vale, a Telebrás e o Banespa. Em 1997, quando lhe restava pouco mais de um ano no cargo, moveu mundo$ e fundo$ para aprovar a PEC da Reeleição. Como quem parte e reparte e não fica com a melhor parte é burro ou não tem arte, o próprio FHC se tornou o primeiro beneficiário da maracutaia, reelegendo-se no primeiro turno do pleito de 1998.

FHC sempre negou o esquema: “O Senado votou [a reeleição] em junho [de 1997] e 80% aprovaram. Houve compra de votos? Provavelmente. Foi feita pelo governo federal? Não foi. Pelo PSDB: não foi. Por mim, muito menos”. Fato é que, menos de quatro meses depois da aprovação da PEC na Câmara — 369 votos a 11 —, o jornal Folha de São Paulo publicou reportagem com a seguinte chamada em duas linhas na primeira página: “Deputado conta que votou pela reeleição por R$ 200 mil”.

A oposição pediu a abertura de uma CPI, mas o então presidente da Câmara (Michel Temer) e outros atores influentes no cenário político se mobilizaram para barrar a investigação, e o então “engavetador-geral” Geraldo Brindeiro não deu andamento às denúncias. Assim, em 13 de maio de 1997  a PEC foi chancelada pelo Senado, e a reeleição passou a ser permitida — apenas uma vez para um mandato subsequente e sem restrição para um pleito não consecutivo — aos chefes dos Executivos Federal, Estaduais e Municipais e respectivos vices.

Como quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é burro ou não tem arte, o grão-tucano se beneficiou dela no pleito de 1998, quando, a exemplo do que fizera quatro anos antes, derrotou o criminoso de Garanhuns já no primeiro turno. Mas seu segundo mandato não teve grandes investimentos em reformas estruturantes nem privatizações. A inflação permaneceu sob controle e a estabilidade econômica foi mantida. Estatais foram privatizadas, agências regulatórias, criadas, e a legislação que rege o funcionalismo público, alterada. Foram implementados programas de transferência de renda, como o Bolsa Escola, precursor do Bolsa-Família do PT. O PIB cresceu 19,39% (média de 2,42% ao ano) e a renda per capita, 6,99% (média de 0,87% ao ano).

Continua (na postagem de quinta-feira).

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

NÃO PODE DAR CERTO — DÉCIMA SEGUNDA PARTE



Em 2003, quando Lula assumiu a presidência, a inflação havia baixado para 12,53% ao ano — donde a folclórica "herança maldita" que o PT canta em verso e prosa até hoje nunca passou de conversa mole para boi dormir. Em 2014quando FHC criticou Lula pelo baixo nível da campanha de Dilma, o molusco abjeto respondeu: “Vi o ex-presidente falar com a maior desfaçatez: ‘É preciso acabar com a corrupção’. Ele devia dizer quem é que estabeleceu a maior promiscuidade entre Executivo e Congresso quando ele começou a comprar voto para ser aprovada a reeleição”.

Observação: Lula reclamar de corrupção em governo alheio é o mesmo que Marcola, chefe do PCC, imputar crimes à facção arquirrival Comando Vermelho, mas enfim...  

Vinte e três anos após a aprovação da PEC, o sultão do Tucanistão, do alto de seus 89 anos, escreveu no Estadão que a mudança foi um erro: "Cabe aqui um ‘mea culpa’. Permiti, e por fim aceitei, o instituto da reeleição […]. Sabia, e continuo pensando assim, que um mandato de 4 anos é pouco para ‘fazer algo’. Tinha em mente o que acontece nos Estados Unidos. Visto hoje, entretanto, imaginar que os presidentes não farão o impossível para ganhar a reeleição é ingenuidade”.

Há algumas imprecisões nessa cantilena. O fato de FHC sofismar, citando um fato verdadeiro para negar outro, não excludente e igualmente verídico, não apaga a miríade de provas documentais da compra de votos. Segundo ele "de nada vale desmentir que a maioria da população e do Congresso era favorável à minha reeleição: temiam a vitória… do Lula”. Mas isso nos leva à seguinte pergunta: se o Congresso era a favor, por que seria necessário comprar votos?

É fato que em 1997 o Plano Real estava no seu momento mais positivo e que havia ampla oposição ao petralha. Só que a praxe no Congresso era (e continua sendo) trocar votos por verbas e cargos no governo. No caso em tela, não faltam provas de que uma parte dos deputados foi realmente comprada com dinheiro vivo.

Em gravações (e não se trata de grampos telefônicos, mas de gravações presenciais), os deputados federais Ronivon Santiago e João Maia, ambos do Acre e à época filiados ao PFL, hoje DEM, relatavam ter recebido R$ 200 mil em dinheiro para votar a favor da reeleição. Outros 3 deputados eram citados de maneira explícita e dezenas de congressistas também participaram do esquema. Nenhum deles foi investigado e muito menos punido pelo Congresso.

Apesar disso, o então engavetador-geral da República, Geraldo Brindeiro, rejeitou os pedidos para que uma denúncia contra FHC fosse apresentada ao STF, e uma CPI foi abafada pelo Planalto através da... distribuição de cargos para partidos alinhados com o governo.

Em 2016, no 2º volume de seus “Diários da Presidência”, FHC voltou ao tema: "As compras de votos, se houve — e pode ter havido —, não foram feitas pelo governo, pelo PSDB e muito menos por mim". Quatro anos depois, ele negou taxativamente o episódio em artigo publicado em O Estado.

Os deputados gravados citavam 3 nomes: o ministro das Comunicações à época, Sérgio Motta (que era amigo pessoal de FHC e seu principal articulador político), e os então governadores do Amazonas, Amazonino Mendes, e do Acre, Orleir Cameli, que eram aliados do Palácio do Planalto. "Serjão" morreu em 1998 e Orleir, em 2013. Amazonino tem 80 anos e continua sendo influente no Amazonas. Nenhum deles jamais foi investigado e todos seguem negando qualquer envolvimento na compra de votos a favor da emenda da reeleição.

Em maio de 1997, 8 dias depois de o caso ter sido publicado pela Folha, os dois deputados gravados renunciaram ao mandato. Ambos enviaram ofícios idênticos ao então presidente da Câmara, alegando "motivos de foro íntimo". Em comentário irônico à época, o então deputado federal Delfim Netto disse: "Nunca vi ganhar um boi para entrar e uma boiada para sair". Dias depois, tomaram posse como ministros Eliseu Padilha (Transportes) e Iris Rezende (Justiça). Ambos eram do PMDB — partido que mais contribuiu para a impedir a instalação da CPI sobre a compra de votos. Pouco antes de o caso eclodir, FHC se negava peremptoriamente a indicar os nomes do PMDB para a Esplanada dos Ministérios.

Em 27 de junho de 1997, Geraldo Brindeiro foi reconduzido à PGR, que comandou durante 8 anos, de julho de 1995 a junho de 2003, indicado todas as vezes por FHC. E viva o povo brasileiro.

Continua...

terça-feira, 15 de setembro de 2020

FHC E A REELEIÇÃO

 

First things first, dizem os gringos, numa alusão a prioridades. Assim, antes de passar ao assunto do dia, relembro ter criticado enfaticamente a maneira espetaculosa e irresponsável com que a mídia noticiou, na última terça-feira (8), a suspensão dos testes da vacina desenvolvida pelo laboratório AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford (detalhes nesta postagem).

Salvo raríssimas e honrosas exceções, âncoras de telejornais, comentaristas e palpiteiros de plantão trataram o assunto como se fosse o sepultamento das esperanças de sucesso na eficácia da droga contra a Covid-19. Os poucos que tiveram a decência de esclarecer que a suspensão de testes de medicamentos não é incomum, que a paralisação não representava necessariamente um retrocesso e que nenhum dos 5 mil voluntários que se submeteram aos testes no Brasil havia apresentado qualquer reação adversa fizeram-no como que por mero dever de ofício, sem dar o devido destaque — afinal, boas notícias não vendem jornal. Felizmente, minha previsão se confirmou: fez-se carnaval em copo d’água. 

No último sábado (12), a AstraZeneca anunciou os testes seriam retomados nesta segunda-feira (14), depois de aprovação dada pela Anvisa.  A Universidade de Oxford também anunciou a retomada das aplicações de sua vacina na fase 3 de testes no Reino Unido. após uma revisão independente, feita por um comitê internacional, ter concluído que a "reação adversa apresentada pelo paciente" não teria necessariamente relação com a vacina. Dito isso, vamos adiante.

Diz um velho ditado que o mundo dá muitas voltas; outro, que palavra de rei não volta atrás. Isso não significa que sua majestade não possa mudar de ideia: de acordo com outra pérola da sabedoria popular, pedra que rola não cria limo. O que nos leva ao ex-presidente Fernando Henrique.

Durante o primeiro mandato do pomposo tucano, após uma série de articulações iniciadas em 1995, o "rolo compressor governista" comprovou sua força. Uma PEC aprovada na Câmara por 369 votos a 11 estendeu a reeleição — apenas uma vez para um mandato subsequente e sem restrição para um pleito não consecutivo — a chefes dos Executivos Federal, Estaduais e Municipais (e respectivos vices). Dias após a aprovação da proposta, a Folha revelou que pelo menos quatro deputados haviam recebido R$ 200 mil (cada) em troca do voto favorável à emenda.

A oposição pediu a abertura de uma CPI, mas Michel Temer, na época presidente da Câmara, e outros nomes influentes se mobilizaram para barrar a investigação, e o então “engavetador-geral” Geraldo Brindeiro não deu andamento às denúncias. Assim, em 13 de maio de 1997  a PEC foi chancelada pelo Senado. E como quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é burro ou não tem arte, o grão-tucano se beneficiou dela no pleito de 1998, quando, a exemplo do que fizera quatro anos antes, derrotou o criminoso de Garanhuns já no primeiro turno.

Passando de FHC a Jair Messias Bolsonaro, entre inúmeras promessas de palanque que enfiou em local incerto e não sabido depois de derrotar Luladdad, o presidente de turno desistiu de propor ao Congresso o fim da reeleição — instituto que, segundo ele, “acabava se tornando uma espécie de desgraça, pois só era possível mediante “acordos espúrios que levavam a escândalos de corrupção”.

Nem bem vestiu a faixa, nosso morubixaba mudou o discurso. Alegando que "vinha sendo pressionado", seria candidato (se é para o bem de todos e felicidade geral da nação...), mas condicionou sua disputa à reeleição à aprovação de uma reforma política destinada a reduzir o tamanho da Câmara e Senado. Promessa feita, promessa cumprida, só que pela metade: o número de parlamentares permanece o mesmo, mas o Messias que não miracula só tem olhos para o pleito de 2022. 

Então, caríssimo leitor, se você ainda acredita no que diz seu presidente, junte-se à Velhinha de Taubaté e dê um abraço no Coelho da Páscoa, talquei?  

Dezoito anos após transferir a faixa presidencial ao molusco lalau de nove dedos (já pensou quanto ele teria roubado se tivesse todos os dez?), FHC concluiu que merda fede — ou por outra, que a reeleição é dos males talvez o mais grave do nosso sistema político

Em seu “mea-culpa”, o tucano reconheceu ter cometido um “erro histórico” ao patrocinar a emenda constitucional que permitiu a prefeitos, governadores e presidente disputarem a renovação de seus mandatos. Disse ter sido “ingênuo” por acreditar que a partir daí os governantes não fariam “o impossível” para se reeleger.

Ingenuidade — diz Dora Kramer — foi acreditar na inocência do então presidente que fez ele mesmo o “impossível” ao jogar o peso de sua autoridade e prestígio angariado no êxito do combate à inflação para aprovar uma emenda em causa própria. Em assim procedendo, feriu de morte sua majestade em troca de mais quatro anos no Palácio do Planalto.

Vir agora com ato de contrição — prossegue Dora — soa a tentativa de diluir responsabilidade por algo que guarda mais relação com a forma do que com o conteúdo. O defeito não está no instrumento existente em várias democracias, mas no uso que se faz dele. Por exemplo: quando da proposta da emenda, por que não se incluiu a obrigatoriedade de o postulante ao mesmo cargo se afastar por um período determinado antes da eleição?

A Justiça é falha na fiscalização do uso indevido do poder e os grandes partidos também são tímidos na contestação aos abusos com receio de firmar jurisprudências que venham a lhes criar empecilhos amanhã ou depois, afirma a jornalista, e emenda uma frase que diz ter ouvido há décadas de Roberto Campos: “não é a lei que precisa ser forte, é a carne que não pode ser fraca”.

No sentido oposto argumentam os defensores da busca de um atalho legal para que o presidente da Câmara e principalmente o do Senado possam disputar novo mandato em fevereiro de 2021. Aceitam o óbvio, que a Constituição veda a reeleição dentro da vigência do mandato do parlamentar, mas acrescentam, simulando piscadelas retóricas de confiante malandragem: “Aqui é Brasil”. Onde, portanto, o impossível é possível quando quem parte e reparte fica sempre com a melhor parte, ainda mais se tiver a faca e o queijo nas mãos.

Esse tipo de conduta ao qual têm se associado o senador Davi Alcolumbre por ação e o deputado Rodrigo Maia por omissão reforça o alegado arrependimento de FHC que serviu de sustentação a várias manifestações de defensores do fim da reeleição como se, primeiro, os males da nossa política tivessem surgido em 1997, completando agora tenros 23 anos de idade, e, segundo, fossem ser resolvidos com a instituição de cinco anos de mandato sem direito à renovação.

Verdade que aí reside o problema? Seria até em parte, caso governantes também não fizessem o diabo para eleger sucessores. É perfeitamente possível conviver com a reeleição desde que não se abuse dela. No caso dos presidentes da Câmara e do Senado, começando por respeitar ou para com clareza mudar a Constituição. Mas, para não incorrer em serôdios atos de contrição, fazendo valer para o futuro, sem legislar em causa própria.