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domingo, 10 de janeiro de 2021

QUEM NÃO APRENDE COM OS ERROS DO PASSADO...


Coube a José Sarney (nascido José Ribamar Ferreira de Araújo Costa) pilotar a Nau dos Insensatos até 1989, quando 22 candidatos disputaram a primeira eleição direta para presidente da República depois de 20 anos de jejum. E teriam sido 23 se, pasmem!, o próprio Jânio Quadros não desistisse de participar por motivos de saúde. 

Havia postulantes de peso entre essa ospália, como Ulisses GuimarãesMario Covas e Fernando Gabeira, mas o (invariavelmente brilhante) eleitorado tupiniquim escalou para embate final um caçador de marajás de araque e um molusco eneadáctilo socialista e picareta. Acabou que Collor derrotou Lula e foi empossado em 15 de março de 1990, prometendo abater com um único tiro o “tigre da inflação” (que mais adiante virou "dragão", e chegou a avançar a uma velocidade de 80% ao mês). 

Na véspera da posse, o alagoano carioca pediu a Sarney que decretasse feriado bancário, para o mercado financeiro ter melhores condições de se adequar às novas medidas econômicas — entre as quais o confisco dos ativos financeiros —, que teriam efeitos imediatos sobre a inflação, mas fariam água poucos meses depois, como ocorreu com todos os planos anteriores.

Na história do Brasil, muitos presidentes foram eleitos para ser depostos — e eu não podia ser mais um”, disse Sarney à revista Veja, muitos anos depois. Tivesse feito esse brilhante pronunciamento nos estertores de sua desditosa passagem pela Presidência e entraria para a história não como o mandatário inepto que foi, mas como vidente, pois tal vaticínio se cumpriu em 1992, com o impeachment de seu sucessor  que entrou para a história como o primeiro presidente da Nova República eleito pelo voto direto (coisa que não acontecia no Brasil desde a eleição de Jânio Quadros, em 1960) e por ter inaugurado a lista dos impichados. 

Mesmo depois de renunciar à presidência (visando preservar seus direitos políticos; a deposição do cargo era inevitável), Collor foi condenado por 76 votos a 3 e apenado com a perda do mandato e inabilitação para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, pelo período de oito anos, como determina a CF. Esse mesmo rigor na observância dos ditames constitucionais não se verificaria 24 anos depois. 

No julgamento final do impeachment de Dilma, uma vergonhosa tramoia urdida pelos então presidentes do Senado e do Supremo — respectivamente Renan Calheiros, alvo de 17 inquéritos, 13 deles na Lava-Jato, e Ricardo Lewandowski, que ganhou toga graças a sua devoção canina a Lula — “fatiou” a pena, defenestrando a presidanta sacripanta do cargo, mas preservando seus direitos políticos, ao arrepio do disposto no art. 52: “a perda do cargo com inabilitação, por oito anos para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”. 

Como dizia Maquiavel, “aos amigos, os favores; aos inimigos, a Lei”.

Oito anos são suficientes para o povo brasileiro, conhecido pela memória curta, esquecer as bordoadas e cusparadas que levou de políticos tão imprestáveis quanto aqueles que os elege. Aliás, político desonesto e eleitor burro são como a tampa e o penico. Quem vota nessa caterva jamais pode dizer que não está bem representado. 

Cada povo tem o governo que merece, e num país é mais feliz de cócoras e aprecia o avesso das coisas, a farsa se repete como farsa e a História faz de conta que é outra história. Mas Collor será sempre CollorLula, sempre Lula, Bolsonaro, sempre Bolsonaro, e a tropa asinina que votou nessa súcia (e votará novamente, se tiver chance) será sempre um bando de idiotas.

Depois de se reabilitar politicamente, Collor disputou o governo de Alagoas (que já havia exercido antes de ser eleito presidente), mas foi derrotado por Ronaldo Lessa. Elegeu-se senador em 2006, tornou a disputar o governo estadual em 2010 (e perdeu), reelegeu-se senador em 2015 e no ano seguinte entrou para a lista dos investigados da Lava-Jato. Foi denunciado por peculato em abril de 2017, virou réu em agosto e é investigado em outros seis inquéritos, todos oriundos da Lava-Jato e referentes ao escândalo do Petrolão.

Mancham a biografia desse nobilíssimo agente público teorias conspiratórias sobre o assassinato mal explicado de Paulo César Cavalcante Farias, o PC, seu coordenador e tesoureiro de campanha, amigo de fé, irmão e camarada, do qual suspeita-se que o ex-presidente tenha tido algum tipo de envolvimento (o motivo seria queima de arquivo). 

Em 2014, durante sessão que absolveu Collor dos crimes de corrupção supostamente cometidos durante sua presidência, a ministra Carmem Lúcia pontuou que o dito-cujo já havia sido alvo de 14 inquéritos e quatro ações penais no STF , e absolvido em todos "por falta de provas". Pelo andar da carruagem, o senador pastará capim pela raiz na chácara do vigário sem antes passar um mísero dia vendo o sol nascer quadrado.

Meses atrás, em entrevistas ao GLOBO e à revista Veja, Collor acusou Bolsonaro de cometer os mesmo erros que ele cometeu 30 anos atrás, e previu que o atual governo terá um final tão funesto quanto o seu. Mais um profeta de botequim cujo vaticínio tem chances reais de se concretizar.

Continua...

domingo, 26 de maio de 2019

É O FIM DA PICADA!



O balanço das repercussões das manifestações pró-governo e contra tudo e todos fica para amanhã, dado o horário em que eu posto o Blog. Até lá, seguem algumas considerações sobre o pseudo caçador de marajás — exemplo pronto e acabado do lobo que perde o pelo, mas não larga o vício, e que é uma das muitas provas vivas do despreparo do nosso eleitorado. Na sequência, mais um texto irreprochável do jornalista J.R. Guzzo.

Collor foi primeiro presidente eleito pelo voto direto após o fim da ditadura militar — ditadura essa que, como viemos a saber recentemente, não passou de uma ilusão de óptica. Ele também se destacou por ter confiscado a poupança do brasileiros e por abrir a lista dos presidentes impichados na nova república. Agora, além de responder na Justiça por rapinar o Erário, Fernandinho é acusado de fazer o mesmo com o patrimônio da família, por não repassar aos sobrinhos sua cota-parte no lucro das empresas do clã.

No âmbito familiar, o ex-presidente impichado e ainda senador — ele renunciou às vésperas de ser defenestrado pelo Congresso, mas teve os direitos políticos cassados mesmo assim — exibe um sólido histórico de transtornos, desavenças e traições. No passado, brigas com os irmãos Pedro e Leopoldo e crises no casamento com Rosane; no presente, além de ser réu na Lava-Jato e investigado e responder a outros seis inquéritos, é acusado por cinco sobrinhos — que, juntos, detêm 15% da Organização Arnon de Mello — de apropriar-se do patrimônio da família. Perdeu o pelo, como dito no início, mas não abandonou o vício que o notabilizou.  

Fernando (nome dado em homenagem ao ex-presidente, que se tornaria inimigo figadal do irmão) e Victor têm juntos 15% do grupo. Os dois nunca viram um centavo do lucro das empresas nem receberam balanço contábil desde a morte de Pedro. Leopoldo teve três filhos, mas eles não podem exigir parte do patrimônio porque o pai vendeu sua participação acionária ainda em vida.
Representantes do clássico coronelismo nordestino, os Collor de Mello usufruem a rara combinação de dinheiro e poder. Seus negócios englobam bens como a TV Gazeta, afiliada da Globo, duas rádios, um jornal, uma gráfica e um edifício de treze andares em Maceió. Estima-se que o conjunto chegue a 250 milhões de reais. 

Essa é apenas a parte visível do iceberg, pois há outros bens, de caráter reluzente, que também têm sido alvo de disputa. Segundo matéria publicada em VEJA, o inventário da matriarca, Dona Leda (1916-1995), é descrito em 162 páginas, quatro delas dedicadas a joias e pedras preciosas, como uma pulseira de 18 gramas de ouro e 21 esmeraldas e um colar de ouro de 18 quilates de 102 gramas com onze fios de pérolas e brilhantes, além de vasos chineses, lustres de cristal Baccarat e obras de arte, como uma tela a óleo com a imagem da própria Leda pintada por Cândido Portinari. Embora as peças façam parte do testamento da matriarca, os herdeiros não sabem onde elas foram parar, e apontam o dedo para Fernando Collor, sabidamente useiro e vezeiro em misturar o que é dele e o que é dos outros.

Depois de ser escorraçado da política no pós-impeachment, Collor voltou-­se para os negócios da família. Em meados dos anos 90, assumiu o controle do grupo, então em boa saúde financeira. Hoje, a Organização Arnon de Mello soma mais de 200 milhões de reais em passivos. De acordo com a PGR, o ex-caçador de marajás de festim usou as empresas da família para lavar R$ 50 milhões, como na compra de um Porsche Panamera, por R$ 550mil, em nome da TV Gazeta. No mês passado, a PGR pediu ao STF a condenação do político a 22 anos e oito meses de prisão por lavagem de dinheiro e corrupção passiva.

As denúncias de irregularidades na distribuição de dinheiro entre os parentes e as acusações de lavagem de dinheiro, ambas ainda sob investigação, são o fio que puxa uma história de relações muito confusas, que não raro terminaram em rompimento. É triste, para dizer o mínimo, a saga da dinastia Collor. O casal Arnon de Mello e Leda Collor formou um clã de poder político e financeiro de longa data. O pai dela foi ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, nos anos 30 — antes de voltar-se contra a administração e ser exilado —, além de senador e governador de Alagoas. O dinheiro e o tumulto eram equivalentes dentro do lar. O clima de competição ganhava estímulo dentro de casa, onde a mãe também distribuía carinho de forma desigual. Leopoldo era o favorito na infância, mas na vida adulta ela transferiu o posto de queridinho para Pedro — quando este alavancou as empresas da família, no começo dos anos 90. Feliz, ela tinha feito um testamento em que daria 50% de seu patrimônio a Pedro. Depois que o filho fez as denúncias a VEJA, o documento foi desfeito e D. Leda decidiu testar metade da fortuna às duas filhas mulheres, Ana Luísa, morta em 2013, e Ledinha (ambas sem herdeiros).

Em 1998, outro abalo familiar. Leopoldo emprestou dinheiro ao irmão para a compra do Dossiê Cayman — um calhamaço de documentos falsos para prejudicar FHC. A mutreta foi descoberta, o tucano conseguiu se reeleger e Collor jamais quitou a dívida. Foi o ponto-­final em uma relação de raiva, inveja e competição. Com recursos escassos, os filhos de Leopoldo começaram a andar de transporte público e a comer ovo como “mistura” no almoço e no jantar. Por anos, Leopoldo trabalhou como diretor comercial da Rede Globo no Brasil, frequentando festas chiques regadas a champanhe. Morreu, em 2013, de câncer na garganta, em São Paulo. Não foi feito inventário por uma razão simples: não havia nada em seu nome. Collor impediu o jornal da família de noticiar a morte do irmão.

Fernando Affonso Collor de Mello tem cinco filhos. Arnon e Joaquim, os dois mais velhos, do casamento com a empresária Lilibeth Monteiro de Carvalho, quase não falam com o pai. Dos cinco filhos de Arnon e D. Leda, Fernando e Ledinha são os únicos vivos. Ambos estão rompidos. Apesar do atávico desconforto familiar, os primos buscam reinventar essa narrativa pacificamente. Os filhos mais velhos de Collor são amigos dos herdeiros de Pedro e Leopoldo. Procurado por VEJA, o marajá dos marajás, em nota envida por meio de seus advogados, refutou as acusações de que esconde o patrimônio familiar: “A defesa não vai responder a nenhuma questão relativa às empresas do ex-presidente; isso faz parte da relação entre ele e os sócios, e não faz sentido discutir publicamente”. Como se vê, as desculpas esfarrapadas e a postura arrogante também se repetem.
Passo agora a reproduzir o texto de J.R. Guzzo:

Se existe uma coisa fácil de identificar, no meio deste Brasil tão confuso de hoje, é o sujeito que gosta de ladrão. Falo de gente que manda ou influi em alguma coisa na vida pública — uma “autoridade”, como se diz. A descoberta da turma que dá expediente no Pró-Crime não exige prática nem habilidade. Basta olhar para qualquer dos Três Poderes da República e prestar atenção no seguinte: se a autoridade A, B ou C toma a decisão de mudar daqui para ali a apreciação de qualquer ato de ladroagem, ou o julgamento da conduta de qualquer político, o cidadão já pode ir tirando o cavalo da chuva: a bandidagem de primeira classe conseguiu, mais uma vez, bater lindamente sua carteira — ou, pelo menos, está tentando fazer o possível para isso, e quase sempre leva, quando tenta.

A recente traficância em torno de quem manda no Coaf é um exemplo clássico da primeira modalidade de vigarice que o submundo da “engenharia política” aplica em você. Chega a ser cômico, de tão grosseiro que é, o “modo de usar” manipulado pela politicalha no caso. Que raio pode ser esse Coaf? Uns 99% dos brasileiros não sabem o que é isso, nem querem saber. Mas tenha certeza de que aquele 1% que sabe, porque trabalha no pedaço, sabe extremamente bem o que é esse negócio, para o que serve, como tirar vantagem dele e tudo o mais que se pode imaginar de ruim a respeito. Trata-se de um “Conselho de Controle de Atividades Financeiras” — criado para produzir “inteligência financeira” destinada a combater crimes como a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo. Pois bem: 14 membros de uma Comissão Mista do Congresso, por uma diferença de três votos, decidiram mudar o Coaf “daqui para ali”. Em vez de ficar no Ministério da Justiça, de Sergio Moro, passará para o Ministério da Economia, de Paulo Guedes.

Mas as atividades do Coaf não se ligam muito mais à esfera da Justiça e da polícia do que da economia? Sim, só que ninguém está pensando nisso — o que estão pensando, isso sim, é onde ficaria mais seguro, para eles, encaixar a repartição que vigia a lavagem de dinheiro. Quer dizer que os funcionários da Economia são mais frouxos do que os da Justiça, ou mais dispostos a proteger os criminosos? De jeito nenhum. Não há a menor suspeita de que a equipe de primeira linha montada pelo ministro Guedes possa se meter nesse tipo de coisa. Mas aí é que está: a avacalhação dos políticos brasileiros chegou a tal extremo que qualquer mudança feita por eles levanta automaticamente as piores desconfianças. É como foi dito acima: se mexeram no Coaf, é porque estão atrás de alguma safadeza em seu benefício. O fato de 100% dos deputados e senadores do PT presentes na comissão terem votado a favor da alteração acaba com a conversa: é o selo de garantia definitivo de que a intenção da operação é apoiar a roubalheira.

A segunda modalidade de atuação do Pró-Crime, que muda a esfera onde se julgam os acusados de violar o Código Penal, ficou expressa na também recente decisão do STF, pelo voto decisivo de seu presidente, Dias Toffoli, de mudar para as Assembleias Legislativas o poder real de apreciar os crimes cometidos por deputados estaduais. O Supremo resolveu que eles têm, agora, a mesma “imunidade” dos parlamentares federais. É a ação da “banda podre” do STF, reforçada ultimamente pelo ministro Celso de Mello. De Toffoli, julgado oficialmente, e por duas vezes, sem qualificação mínima para ser juiz de direito, é isso mesmo o que se poderia esperar; ele é um desses casos de “o passado me condena, e o presente também”. De Celso Mello, firma-se a convicção de que a melhor contribuição que pode dar ao país é fazer aniversário no dia 1° de novembro do ano que vem — quando chegará aos 75 anos de idade e terá de ir embora do STF.

Tudo isso é mais um chute nas instituições. Elas vêm sendo destruídas há 30 anos, aliás, como resultado direto da obediência à “Constituição Cidadã” — que foi feita, vejam só, para dar instituições ao Brasil.

sábado, 5 de outubro de 2024

A CAIXA DE PANDORA — O MITO E A REALIDADE (CONCLUSÃO)

LASCIATE OGNI SPERANZA VOI CHE ENTRATE

 

No Brasil, os chefes do Executivo federal, estadual e municipal são eleitos em dois turnos. Caso nenhum candidato obtenha mais de 50% dos votos válidos no primeiro turno, os eleitores voltam às urnas para escolher entre os dois mais votados. 

No primeiro turno, um eleitor que não vota no candidato com quem tem mais afinidade porque o dito-cujo está mal colocado pesquisas eleitorais é um idiota. Mas o que esperar de um eleitorado com Q.I. de ameba e lobotomizado pela polarização?

Pesquisas de intenções de voto devem ser vistas com reservasEm 2018, todas apontavam a vitória de Haddad e a eleição de Dilma para o Senado, mas Bolsonaro foi eleito e a mulher sapiens ficou em quarto lugar. Dias após o primeiro turno, eu cantei essa bola. Não por ser clarividente, mas porque o capetão obteve quase o dobro dos votos do bonifrate de Lula, e todos os candidatos à Presidência que chegaram ao segundo turno na dianteira até então acabaram sendo eleitos. 
 
Pandora abriu sua caixa uma vez, mas os brasileiros borrifam desgraças em si mesmos a cada dois anos. Em 2018, preferindo errar com convicção a tentar acertar, despacharam Bolsonaro e Haddad para o segundo turno, embora pudessem testar Geraldo Alckmin (ainda tucano), Henrique Meirelles, João Amoedo, ou mesmo Ciro Gomes (afinal, situações desesperadoras justificam medidas desesperadas). E deu no que deu. 

Em 2022, podendo dar uma chance a Simone Tebet, Felipe D'Ávila ou Ciro, a récua de muares votou a escolher a execrável "dupla de dois". Lula, já "descondenado", não precisou de preposto e se beneficiou da gestão desastrosa de seu antecessor. E deu no que está dando: enviado pela terceira vez ao Planalto, o petista levou na bagagem a corja mensaleira e petroleira que havia submergido no auge da Lava-Jato. A (indi)gestão em curso só não é pior que a anterior porque nada pode ser pior que o refugo da escória da humanidade. Mas o páreo é duro. 

Diz a sabedoria popular que cada povo tem o governo que merece. Sob Bolsonaro, o "centrão" transformou a ocupação do Orçamento num processo de bolsonarização das instituições. Lula escapou do mensalão, tropeçou no Petrolão e foi libertado da prisão, mas segue refém do Imperador da Câmara. Tanto nhô-ruim como nhô-pior são meros agentes transmissores de um mal maior. 
 
Comparado aos vexames que Bolsonaro fez o Brasil passar no exterior, um espirro que Lula desse no microfone da ONU soaria como um esguicho de bom senso. Foi assim na cerimônia de abertura no ano passado, mas as diferenças ficaram menos evidentes neste ano. 

De volta ao mesmo púlpito, com o dedo e riste e a voz roufenha, o Sun Tzu de fancaria discursou como discursa para os ignorantes que o endeusam. Falou sobre meio ambiente enquanto as queimadas estragavam o ambiente inteiro de seu discurso. Não repetiu o ridículo de seu antecessor, que culpava os indígenas, a imprensa e as ONGs pelo fogo, mas foi compelido a reconhecer que os incêndios na Amazônia dizimaram cinco milhões de hectares só no mês de agosto. 
 
Lula lamentou a falta de perspectiva de paz na Ucrânia e a crise humanitária em Gaza e na Cisjordânia, lastimou a expansão do conflito para o Líbano, avaliou que resposta de Israel ao Hamas tornou-se "punição coletiva para o povo palestino" e voltou a criticar o embargo econômico dos EUA a Cuba. Mas não deu um único pio sobre as violações aos direitos humanos na Venezuela do tirante-companheiro Nicolás Maduro.
 
Lamúrias não ornam com a pretensão de liderar o debate sobre a emergência climática, e um chefe de Estado que silencia sobre as atrocidades cometidas em um país vizinho não pode ser levado a sério quando palpita sobre perversões que enxerga na Europa, no Oriente Médio e na América do Norte. Antes de atuar como professor do mundo, Lula deveria extrair lições de suas próprias contradições.
 
A raiz da degeneração da nossa democracia é profunda. Apesar dos avanços obtidos com a redemocratização, o Brasil não progrediu graças aos governantes, mas apesar delesA conivência, mesmo dos menos desonestos, permitiu que a corrupção se disseminasse por todas as esferas do poder

A vida ensina que a primeira regra dos buracos é "quem cair dentro de um deve parar de cavar", mas o povo brasileiro, habituado ao precipício, prefere jogar mais terra por cima. Brecht ensinou que o pior analfabeto é o analfabeto político, que se orgulha de ignorar a política sem se dar conta de que da sua ignorância nasce o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio dos exploradores do povo, e Churchill, que a democracia é "a pior forma de governo afora todas as outras".

A lição do dramaturgo alemão fazia sentido na época em que ele caminhava entre os vivos; hoje, qualquer pessoa que tenha dois neurônios funcionais percebe que não precisa dos políticos para viver e que viveria melhor sem eles. Quanto ao ensinamento do estadista britânico, quem apoiou as Diretas Já, festejou a vitória Tancredo, lamentou sua morte e se decepcionou com a redemocratização  como é o caso deste que vos fala  endossa o que disseram Pelé e Figueiredo sobre misturar brasileiros com urnas em eleições presidenciais.

Numa democracia de respeito, eleger o chefe do Executivo pelo voto direto é a expressão suprema da soberania popular; num país como o nosso, onde o voto é obrigatório dos 18 aos 70 anos, falar em "festa da democracia" é gozação. Nossas eleições deveriam ser uma ação de cidadãos racionais e interessados, mas nosso eleitorado jamais se notabilizou pela capacidade cognitiva e incorporou a desinformação e a ignorância que norteiam desde sempre seu comportamento nas urnas. E vale tudo para se aproveitar dos mais despreparados e menos qualificados, até mesmo levar urnas aos confins da selva amazônica para que silvícolas que sequer falam português exerçam o "sagrado direito do voto". 
 
Às vésperas de completar 18 anos, minha prioridade era a carteira de habilitação; alistamento militar e título de eleitor, meros inconvenientes que vinham no pacote da maioridade. Votei pela primeira em 1978, quando os generais ainda ditavam as regras e os governadores e parte dos parlamentares eram "biônicos" (indicados pela alta cúpula militar). 
Em 1989, votei em Mario Covas no primeiro turno e em Collor no segundo, mas só porque a alternativa era Lula, e Lula não era uma alternativa. 

Muita coisa mudou desde então, incluindo a mentalidade dos adolescentes. Mas esse empenho dos políticos pela participação dos "eleitores facultativos" é eminentemente oportunista, sobretudo em tempos de polarização, quando se mais com o fígado do que com a razão.
 
Às vésperas das eleições municipais, os paulistanos estão novamente numa sinuca de bico. Votar em Tábata Amaral é escolher o mal menor – a despeito do que eu disse sobre "voto útil", Datena tem menos chances de se eleger do que eu de ser ungido papa. A deputada
 está longe de ser a candidata dos sonhos dos paulistanos minimamente esclarecidos, mas votar nos afilhados de Bolsonaro e de Lulaou no franco-provocador despirocado Pablo Marçal, é insanidade em estado bruto. 

Sempre se pode votar em branco ou anular o voto, mas eu acho melhor aproveitar o fim de semana para tomar um chopp à beira-mar e acompanhar a apuração pela TV. 

Observação: O voto em branco indica que o eleitor não se identifica com nenhum candidatos, mas não é considerado na contagem. Já o voto nulo é um protesto mais explícito  mas é mito que 50% + 1 votos nulos anulam a eleição. Não comparecer às urnas, por sua vez, é uma forma de protestar contra o sistema como um todo, embora muitos a vejam como desinteresse ou alienação política.
 
Pandora abriu sua caixa movida pela curiosidade, mas os brasileiros o fazem por cegueira mental. Não há outra explicação para um ex-presidente semianalfabeto, que foi réu em duas dúzias processos criminais, condenado a mais de 20 anos de reclusão, solto e reabilitado politicamente graças a uma tecnicidade claramente fabricada por togas camaradas, voltar a presidir o país que ele e seus comparsas foram acusados de assaltar.
 
Nossa caixa de Pandora será reaberta amanhã (alea jacta est!). As pesquisas indicam que Nunes, Boulos e Marçal estão tecnicamente empatados. O
 tanto de votos que o franco-provocador obtiver espelhará o número de eleitores que, como ele, têm a cabeça cheia de merda. 

A exemplo do escorpião da fábula, Marçal é incapaz de agir contra sua própria natureza. A despeito da cadeirada, voltou a trocar insultos com Nunes, responder com embromação a indagações objetivas de especialistas e eleitores, cutucar Boulos e Datena com provocações subliminares e, numa tabelinha com Marina Helena, defender a atuação anticientífica de Bolsonaro na pandemia de Covid. Enquanto os prefeitáveis brigam entre si, dois milhões de cidadãos brasileiros residentes de São Paulo não têm o que comer. 

Nosso maior problema é o eleitorado (vide postagem anterior). Uma ampla reforma política ajudaria um bocado, mas como esperar que os fisiologistas corruptos que dominaram a "res publica" contrariem os próprios interesses? Qual força popular poderia, em nome da decência, reverter o fiasco da nossa democracia? Como diria Bob Dylan, the answer, my friend, is blowing in the wind.
 
Considerando que a esperança ficou presa no fundo da caixa, talvez seja a hora de votar nas putas. Está visto que continuar elegendo os filhos delas jamais fará com que o Brasil reencontre seu norte.

quarta-feira, 3 de abril de 2024

DANDO NOME AOS BOIS (PARTE 5)


Há tempos que o Brasil vem sendo governado como uma usina de processamento de esgoto, onde a merda entra por um lado (pela porta das urnas), muda de aparência, troca de nome, recebe nova embalagem e sai como merda pelo outro (com a posse do novo governante). E o que mais poderia sair num país onde eleitores endeusam políticos em vez de cobrá-los e defenestrar os que mijam fora do penico? Onde políticos se elegem para roubar, roubam para se reeleger e criam leis que beneficiam os criminosos em detrimento dos cidadãos de bem?
 
Observação: Cito como exemplo o fim da prisão em segunda instância, decretado pelo plenário do STF com o voto de minerva de seu então presidente — o advogado petista que ganhou a toga de Lula em 2009, depois de ter sido reprovado em dois concursos para Juiz de Direito —, que, aliás, continua prestando bons serviços ao país, empurrando com um pedido de vista a prisão de Fernando Collor — que foi finalmente condenado 8 anos e 10 meses de reclusão —, anulando todas as provas obtidas com o acordo de leniência firmado pela Odebrecht e suspendendo o pagamento da multa de R$ 8,5 bilhões (como ele já havia com a multa de R$ 10 bi imposta à J&F).
 
Um pedido de vista do partido Novo interrompeu a votação do parecer do relator Darci de Matos sobre a prisão preventiva do deputado Chiquinho Brazão. Com o adiamento, a "fervura" deve baixar, aumentado as chances de soltura do encrencado (para que o parlamentar continue preso, são necessários os votos de pelos menos 257 dos 513 deputados). Por conta de mais esse imbróglio, o STF começou a julgar na última sexta-feira (29) o endurecimento das do foro privilegiado dos parlamentares. No momento em que escrevo este texto, falta 1 voto para formar maioria pela manutenção da prerrogativa mesmo após o fim dos mandatos ou nos casos de renúncia, não reeleição ou cassação 

Pelo critério atualmente em vigor, os inquéritos contra Bolsonaro não deveriam (em tese) estar sob a pena de Alexandre de Moraes. Mas basta mais um voto para virar pó a alegação da defesa de que as encrencas estreladas por seu cliente — da falsificação dos cartões de vacina à tentativa de golpe — devem descer da cobertura para o térreo do Judiciário, com todo o horizonte de recursos protelatórios que os réus costumam manejar para evoluir da primeira instância até o Éden da prescrição. 
 
Em momentos distintos da ditadura militar, Pelé — o eterno rei do futebol — e o general Figueiredo — o ex-presidente-ditador que preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo — alertaram para o perigo de misturar brasileiros com urnas em eleições presidenciais. O tempo provou que eles estavam certos: dos cinco presidentes eleitos pelo voto direto desde a redemocratização, dois foram impichados — e só não foram três graças a conivência de Rodrigo Maia e a cumplicidade de Arthur Lira.
 
Nossa democracia lembra aquelas fotos antigas de reis africanos que imitavam os trajes, trejeitos e enfeites dos governantes de nações mais evoluídas, mas não aprendiam suas virtudes. Na fotografia, o Brasil aparece como uma democracia de Primeiro Mundo, não passa de uma cópia barata e malsucedida do artigo legítimo. As eleições são subordinadas a todo tipo de patifaria, começando pelo voto obrigatório, passando pelo horário eleitoral obrigatório no rádio e na tv e pelas deformações propositais que entopem a Câmara Federal com políticos das regiões que têm menor número de eleitores. 
 
Políticos demagogos e corruptos não brotam em seus gabinetes por geração espontânea, se estão lá, é porque foram votados (ao menos em tese). Mas o que esperar de um eleitorado formado majoritariamente por gente ignorante, desinformada e lobotomizado pela polarização disseminada pelo ex-retirante, ex-metalúrgico, ex-sindicalista, ex-presidiário e atual mandatário com seu deplorável "nós contra eles"? De uma horda de cegos mentais (o pior tipo de cegueira, como ensinou o Nobel de Literatura português José Saramago) repete os mesmos erros, eleição após eleição, na esperançada de obter um resultado diferente? 
 
Observação: Com a popularização da Internet e das redes sociais a mídia deixou de dominar as massas e passou a ser controlada por elas. Isso trouxe dois problemas: 1) as massas são despreparadas, ignorantes, rudes e perniciosas; 2) quando se dá voz a burros não se pode reclamar dos zurros. 
 
Os ministros do STF não são eleitos diretamente, mas o presidente responsável que os escolhe e os senadores que a chancelam sua indicação emergem das unas como a merda que brota de um cagadouro entupido. Aliás, há muito que esta banânia é governada como uma usina de processamento de esgoto, onde entra merda por um lado e sai merda pelo outro. E o que mais poderia sair? Entre a porta de entrada, aberta nas eleições, e a de saída, com a troca de comando, a merda muda de aparência e de nome e ganha nova embalagem, mas continua sendo merda.
 
Além de um eleitorado majoritariamente ignorante, desinformado e desinteressado — e contaminado pela polarização semeada por Lula com seu abjeto "nós contra eles" —, o Brasil tem uma Justiça Eleitoral que, em tese, deveria garantir eleições exemplares, mas, na prática, enseja a produção dos políticos mais ladrões do mundo, distribuídos por três dúzias de partidos cujo objetivo é encher as burras de seus caciques com a verba dos fundos partidário e eleitoral (que sai dos cofres públicos, ou seja, do dinheiro dos contribuintes) e, nos anos em que há eleições, bancar a "festa da democracia". 

Os direitos dos cidadãos representam a área mais notável das semelhanças entre a pseudodemocracia tupiniquim e os tais reis africanos que aparecem nas fotos-símbolo do colonialismo. Nunca houve tantos direitos escritos nas leis nem tão incompetente foi o poder público em mantê-los. Há uma recusa sistemática em combater o crime por parte de nove entre dez políticos com algum peso. Sob Bolsonaro, o "centrão" transformou a ocupação do Orçamento federal num processo de bolsonarização das instituições, e Lula, que escapou do mensalão e tropeçou no Petrolão, segue igualmente refém do Imperador da Câmara. 
 
Pode passar pela cabeça de alguém que existe democracia num país como esse?

domingo, 9 de junho de 2024

AINDA SOBRE AZEITE E ÓLEOS VEGETAIS

O ASSUNTO SÓ ACABA QUANTO TERMINA.

Vimos que o azeite é a escolha natural para regar saladas verdes e massas, preparar refogados e fazer frituras em fogo baixo, que seu preço anda pela hora da morte, e que substitui-lo por "óleos compostos" pode não ser uma boa ideia — apesar de a denominação sugerir que a tal composição seja 50% óleo de oliva e 50% óleos vegetais, da azeitona eles não tem nem o cheiro. 
 
Com a garrafinha de 500ml do azeite extravirgem custando entre R$ 40 e R$ 80 (conforme a marca e o estabelecimento), talvez seja o caso de considerar algumas alternativas que não têm o mesmo sabor, mas, em alguns casos, oferecem benefícios adicionais. 

O óleo de amendoim, por exemplo, se mantém estável quando aquecido a altas temperaturas e é rico em vitaminas E, B1 e B2. Já o óleo de gergelim se destaca pelo baixo custo de produção, por ser rico em ácidos graxos essenciais e bioativos (que ajudam a reduzir problemas cardiovasculares) e pela versatilidade, já que pode ser utilizado tanto para refogar quanto para agregar sabor a molhos e marinadas.

CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA

Em março de 2023, oito anos após se tornar réu por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, Fernando Collor de Mello — primeiro presidente eleito pelo voto direto desde a redemocratização e o primeiro a ser apeado do cargo por um processo de impeachment — foi condenado pelo STF8 anos e 10 meses de reclusão. Em fevereiro deste ano, os embargos procrastinatórios opostos por sua defesa começaram a ser apreciados no escurinho do plenário virtual, onde o escárnio às vezes adquire uma doce e hedionda naturalidade. 
Longe dos refletores da TV Justiça, desenvolve-se uma coreografia que retarda o check-in do autodeclarado caçador de marajás numa hospedaria do sistema prisional. O antepenúltimo movimento foi executado na véspera do Carnaval: tão logo o ministro Alexandre de Moraes votou pelo indeferimento do recurso, Dias Toffoli vestiu a fantasia de paladino, emperrou o julgamento com um pedido de vista e, ao cabo de 90 dias, presenteou o condenado com um voto generoso, no qual defende a redução da pena para menos da metade (que assim poderá cumprir a pena em regime aberto desde o início). O penúltimo movimento foi executado pelo nobre decano da Corte, que sacou de um pedido de vista obstrutiva para suspender, mais uma vez, o julgamento do recurso protelatório.
Gilmar dispõe de 90 dias para expor seu judicioso ponto de vista sobre uma encrenca que começou em 2010, sob Lula 1, virou escândalo em 2014, sob Dilma, e resultou no desvio de R$ 20 milhões dos cofres da BR Distribuidora — antiga subsidiária da Petrobras onde Collor acomodou seus prepostos. Enquanto suas excelências retardam a execução de sua pena, o condenado perambula pelos salões de Brasília com a maior naturalidade. Em fevereiro, ele não só esteve no Palácio do Planalto — na cerimônia de posse de Ricardo Lewandowski no cargo de ministro da Justiça — como no próprio STF — abrilhantando a posse de Flávio Dino. 
Quem observa de longe fica com a sensação de que a Justiça tarda, mas não chega para conduzir Collor à cadeia.

óleo de coco  favorito entre os veganos e conhecido por suas propriedades funcionais e ação antiviral e antibacteriana  é uma excelente fonte de ácidos graxos e antioxidantes e pode ser usado tanto em altas temperaturas quanto em temperos para saladas ou como substituto da manteiga em receitas de doces. Já o azeite de dendê — pilar da culinária afro-brasileira — suporta altas temperaturas, o que o torna excelente para refogar e fritar alimentos, e, por ser rico em ômega 6 e 9, e vitaminas A e E, ajuda a fortalecer o sistema imunológico e a prevenir o envelhecimento precoce.
 
Escolha óleos "prensados a frio" (ou "extraídos a frio"), pois esse método tende a preservar melhor os nutrientes e os sabores do produto, atente para a data de validade e compre somente a quantidade que você vai usar durante o mês, de modo a evitar rancidez. A exemplo do que ocorre com a azeite, a vida útil desses óleos se abrevia se eles não forem mantidos em locais frescos e abrigados da luz, preferencialmente em embalagens escuras (que preservam o sabor e as qualidades nutritivas do alimento). 
 
Como vimos nos capítulos anteriores, cada óleo tem um ponto de fumaça específico — o óleo de coco suporta temperaturas mais altas sem queimar, o que o torna ideal para frituras, enquanto o de gergelim é mais indicado para agregar sabor aos pratos já preparados. Todos vão bem em marinadas e molhos para saladas, onde suas propriedades são apreciadas sem aquecimento, mas, como nada é perfeito nesta vida, nenhum deles tem sabor tão marcante quanto o azeite extravirgem.

Bom apetite.

sábado, 9 de outubro de 2021

NÃO PODE DAR CERTO

 

"Tem de dar certo" é conselho de mãe de miss. Mas a expressão "dar certo" é usada também com a acepção de "produzir bons resultados". E foi com esse sentido em mente que eu intitulei esta sequência sobre o país do futuro que nunca chega porque tem um longo passado pela frente.

Tudo começou milhões de anos antes de Cabral — falo do navegante português, não do ex-governador carioca que por algum motivo continua preso (o fato de ter sido condenado a 400 anos de prisão não é motivo para mofar na cadeia; não no Brasil). 

Depois de transformar o Caos em ordem, criar o dia e a noite, separar as terras das águas, criar as plantas, as aves, os peixes, o Criador fez no sexto dia a maior de todas as burradas: “Agora vamos fazer os seres humanos, que serão como nós, que se parecerão conosco. Eles terão poder sobre os peixes, sobre as aves, sobre os animais domésticos e selvagens e sobre os animais que se arrastam pelo chão”, disse o Senhor das Esferas. E ao ver que "tudo era bom (?!)", Ele abençoou e santificou o sétimo dia e nele descansou. 

Comenta-se que, ao ser acusado de protecionismo devido ao tratamento dispensado à porção global que se tornaria o Brasil, Deus respostou: "vocês vão ver o povinho de merda que eu vou colocar lá". A meu ver, isso resume de maneira lapidar a história da nossa republiqueta de bananas. Mas nunca é demais relembrar alguns aspectos insólitos dessa tragicomédia, a começar pela chegada da esquadra de Cabral ao litoral do que estava destinado a ser a costa da Bahia.

Registram os livros de História que, aos 22 dias do mês de abril do Anno Domini 1.500, depois de ter sido desviada de seu destino original (Calicute, nas Índias Ocidentais), não se sabe ao certo se por uma tempestade ou uma calmaria, a esquadra cabrália aportou na costa brasileira. Em epístola endereçada a D. Manuel, "O Venturoso", comunicando a "descoberta" de terra brasilis, o escriba Pero Vaz de Caminha anotou que "em se plantando tudo dá", e aproveitou o ensejo para rogar a sua majestade que intercedesse em favor do marido da filha, inaugurando a corrupção em solo tupiniquim, ainda que na forma de nepotismo.

O Brasil foi colônia portuguesa até o início do século XIX, quando a família real, ameaçada pelo Tratado de Fontainebleau, mudou-se de mala e cuia para o Rio de Janeiro, depois de uma breve escala em Salvador (BA). Em 1822, D. Pedro I proclamou a independência, e dali a 67 anos o marechal Deodoro da Fonseca pôs fim à monarquia constitucional parlamentarista, apeou o monarca e implementou o presidencialismo republicano como forma de governo, protagonizando o primeiro dos muitos golpes de Estado que se sucederiam a partir de então.

Ao longo da história republicana do Brasil, ao menos quatro presidentes renunciaram — Deodoro da Fonseca, em 1891; Getúlio Dornelles Vargas, em 1945; Jânio da Silva Quadros, em 1960; e Fernando Affonso Collor de Mello, em 1992. Dos cinco que foram eleitos pelo voto direto desde o fim da ditadura militar, Collor e Dilma foram expulsos de campo antes do final do jogo. 

O pseudo caçador de marajás foi alvo de 29 pedidos de impeachment — mas nunca foi chamado de genocidaItamarFHCLula e Temer foram agraciados com 4, 27, 37 e 33 pedidos de impeachment, respectivamente, mas concluíram seus mandatos sem jamais ser chamados de genocidas. Madame foi alvo de 68 pedidos — e acabou penabundada porque estava quebrando o país —, mas ninguém jamais a acusou de genocídio.

Desde que se tornou um\ República, o Brasil amargou 38 presidentes (o número varia de 35 a 44, dependendo de como é feita a contagem). De 1926 para cá houve 25 mandatários, mas somente quatro dos que foram eleitos pelo voto popular concluíram seus mandatos — Eurico Gaspar DutraJuscelino KubitschekLula Fernando Henrique. Seriam seis se Collor e Dilma não tivessem ingressado na seleta confraria dos depostos, onde já se encontravam Washington LuísJúlio PrestesGetúlio Vargas, Carlos Luz, João Goulart.

Fosse esta banânia um país que se desse ao respeito e o mandatário de turno já teria sido devidamente despejado e internado. Pedidos de impeachment não faltam: em fevereiro, quando o deputado-réu Arthur Lira assumiu a presidência da Câmara, havia 60 petições protocoladas em desfavor da permanência do motoqueiro fantasma no Palácio do Planalto. Atualmente, são cerca de 140 — e contando.

Continua...

quinta-feira, 1 de abril de 2021

O ROQUE DO LEOPARDO DE FESTIM


Dizem que com a idade vem a sabedoria, mas não há sabedoria nas ações do pior líder mundial no combate ao coronavírus, que disputa localmente com Dilma Vana Rousseff, supostamente imbatível em incompetência, o título de pior presidente o Brasil amargou desde a redemocratização. E não foi por falta de concorrentes de peso.

No domingo retrasado (21), após comemorar seu 66º aniversário (mais um “6” e seria o número da besta) com um punhado de devotos, Jair Messias Bolsonaro colheu o ensejo para reiterar seus reptos à democracia, chamar os governadores de “tiranetes”, dizer que “estão esticando a corda”, e que fará “qualquer coisa pelo seu povo”. Dias depois, convocou uma reunião na Palácio da Alvorada com governadores, ministros e chefes de poderes e anunciou a criação de um comitê para definir medidas de combate à Covid. Ato contínuo, voltou a contestar a eficácia de vacinas, fazer campanha contra o uso de máscaras, desdenhar de doentes e colocar em dúvida o número de mortos e de ocupação de UTIs, além de entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no para questionar junto ao STF as medidas restritivas adotadas pelos governadores do Rio Grande do Sul, Bahia e Distrito Federal, notadamente o toque de recolher e o fechamento de atividades não essenciais.

Naquilo que lhe cabe, Bolsonaro é um retumbante fracasso: tardou a comprar vacinas, tardou mais ainda a liberar o urgente auxílio emergencial e pouco faz para abastecer hospitais de insumos necessários para o atendimento de doentes de Covid. Agora, pressionado pela queda acentuada de sua popularidade, tenta desesperadamente transferir a responsabilidade pela crise para os governadores — a quem acusou de estarem “matando a população de fome”.

Em seu palavrório, Bolsonaro suscitou medidas de exceção e seu poder de determiná-las. Disse que “seu Exército não vai para rua para cumprir decreto de governadores se povo começar a sair, entrar na desobediência civil” (como se falasse de uma milícia privada), levando ao delírio a camarilha de apoiadores aluados que aplaudem tudo que ele diz.  O que o povo quer a gente faz” disse o presidente, que ainda não percebeu que com o sistema de saúde em colapso, péssimas perspectivas econômicas e cansado de tanta confusão, o povo quer apenas ele pare de prejudicar o país.

Há tempos que o presidente vinha pressionando o agora ex-ministro da defesa a substituir o comandante do Exército, general Edson Pujol, que não escondia seu desconforto com suas insistentes tentativas de misturar a corporação com o governo, e por isso acabou demitido. Aliás, na esteira da demissão do chanceler de fancaria Ernesto Araújo, o Messias que não miracula promoveu uma dança das cadeiras em seu ministério, sendo a substituição do general Fernando Azevedo e Silva pelo também general Walter Braga Netto no comando da pasta da Defesa apenas uma delas.

Observação: Bolsonaro demitiu o ministro da Defesa porque ele não acatou sua ordem de incorporar as Forças Armadas a seu projeto político pessoal. Eliane Cantanhede escreveu o artigo “Basta!”, em que afirmou: “Demorou, mas Azevedo e Silva cansou e ele não está sozinho ao negar ao presidente um alinhamento automático que engula os brios e os princípios das Forças Armadas para participar de qualquer tipo de ameaça ao País. Além de agir em acordo com o comandante Edson Pujol e o Alto Comando do Exército, o general teve apoio durante todo esse tempo também das duas outras Forças.” Mesmo sem ter ideia de quem seja o príncipe di Salina, protagonista do romance Il Gattopardo (O Leopardo), de Giuseppe di Lampedusa, o presidente aprendeu mudar um pouco para não ter que mudar tudo.

As mudanças envolveram José Levi, que foi substituído na AGU por André Mendonça, e Anderson Torres, que passou de secretário da Segurança Pública do DF a ministro da Justiça. As coisas ainda estão confusas, mas, aparentemente, Bolsonaro quis mostrar a sua militância desvairada que continua firme e forte após a fragorosa derrota representada pela demissão do agora ex-chanceler Ernesto Araújo. Buscou também o presidente cercar-se de pessoas de sua absoluta confiança (não é esse o caso de Azevedo nem de Levi), bem fazer uma ameaça velada de que pode dar um autogolpe.

Colocando (mais) esse furdunço em perspectiva, fica evidente que o presidente está acuado, donde a necessidade de se cercar de pessoas que lhes prestem obediência cega. Mas sua suposta demonstração de força traduziu-se num movimento arriscado, que o fragiliza. A demissão repentina e imotivada de Fernando Azevedo não desgostou os militares, que, até onde se sabe, já se articulavam para apoiar outra candidatura em 2022. A demissão de Levi, que tem bom relacionamento com o STF, queima uma ponte importante com os supremos togados. Em suma, o pandemônio armado pelo capitão evidencia (ainda mais) que ele não tem condições de tocar o barco. Ao cercar-se de esbirros que lhe prestem vassalagem incondicional, priva-se de assessores que poderiam chamar sua atenção para os eventuais (e inevitáveis) erros que vier a cometer.

Bolsonaro nunca se destacou pela sensatez ou pelo tirocínio. Sempre comeu na mão dos filhos, que também estão pintados para a guerra e querem resistir. Afinal, Araújo e Filipe Martins representam a essência do bolsonarismo raiz, e entregar suas cabeças equivale a capitular diante do “sistema”, trazendo enorme desgaste junto ao “núcleo duro” bolsonarista, com o qual o presidente conta para se reeleger. Não é fácil prever o que o presidente, que é volúvel e incontrolável, vai fazer. Mas sairá mais fraco da crise, faça ele o que fizer.

Dos seis presidentes eleitos pelo voto direto desde a redemocratização desta banânia, dois foram impichados: Collor, em 1992, e Dilma, em 2016. No primeiro caso, o substituto constitucional e, portanto, maior interessado na queda do titular era o baianeiro Itamar Franco — que deixou a articulação no Legislativo com FHC, no Senado, e Roseane Sarney, na Câmara. Collor buscou apoio junto ao PTB de Roberto Jefferson, mas não conseguiu varrer para debaixo do tapete os indícios de envolvimento o esquema de corrupção capitaneado por seu dublê de tesoureiro de campanha e factótum, PC Farias. O relatório final da CPI (instaurada a pedido do PT) apontou que US$ 6,5 milhões haviam sido desviados para bancar gastos pessoais do mandatário — o que é dinheiro de pinga diante dos bilhões que o PT e seus acólitos roubaram no Mensalão e no Petrolão. E as famosas manifestações dos “caras-pintadas”, em apoio ao pedido de impeachment assinado pelos presidentes da ABI e da OAB selaram sua sorte. Ciente de que seria apeado do cargo, Collor renunciou às vésperas do julgamento (que ocorreu em 29 de dezembro de 1992), mas foi condenado por 441 dos 480 deputados presentes e, como manda a Lei, tornou-se inelegível por oito anos.

PC Farias foi indiciado em 41 inquéritos criminais e teve a prisão decretada, mas fugiu no lendário Morcego Negro, pilotado por Jorge Bandeira de Mello, desapareceu em Buenos Aires, ressurgiu em Londres quatro meses depois, 11 quilos mais magro e sem seus famosos bifocais. Enquanto se discutia sua extradição, PC tornou a fugir, mas foi capturado na Tailândia, depois que um turista brasileiro o viu andando pelas ruas de Bangcoc. Extraditado, julgado e condenado a 4 anos de prisão por sonegação fiscal e 7 por falsidade ideológica, o careca cumpriu um terço da pena e obteve liberdade condicional. Seis meses depois, foi assassinado, juntamente com a namorada Suzana Marcolino, em circunstâncias jamais esclarecidas, mas que sugerem claramente “queima de arquivo”. Os homicídios ocorreram na mansão de PC, numa praia de Maceió. Os corpos foram encontrados no dia 23 de junho de 1996 (com um tiro no peito de cada um). Ainda que a casa fosse guardada por 4 seguranças, ninguém ouviu os tiros “porque era época de festas juninas”.

Observação: A tese de homicídio seguido de suicídio foi endossada pelo legista Badan Palhares, mas desmontada por uma série de reportagens da Folha. Segundo o jornal, Suzana era mais baixa que PC, e a diferença de altura, associada à trajetória do tiro, inviabilizava a versão oficial (o próprio Palhares escrevera num artigo que, se a altura estivesse errada, seu laudo também estaria). Na avaliação do professor de medicina legal e coronel reformado da PM George Sanguinetti, um dos primeiros a contestar o suicídio, “passional não foi o crime, mas sim o inquérito”.

No caso de Dilma, que era ainda mais desastrada que Collor, tudo ficou nas mãos de Eduardo Cunha — o Caranguejo do propinoduto da Odebrecht no Mensalão. Toda a complicada conspiração que culminou com a deposição de Collor foi substituída por uma trama que o “quadrilhão” do MDB seria alçado ao poder na pessoa do vice escolhido por Lula para as chapas vencedoras de madame. A sólida aliança que havia evitado o impeachment de Lula e garantido sua reeleição em plena efervescência do mensalão derreteu no fogo ateado pelo então presidente do Senado Renan Calheiros, o cangaceiro das Alagoas,  e seu lugar-tenente preferido, o também senador Romero Jucá.

Observação: A aliança, que levou Temer ao cargo máximo da República e o manteve lá, a despeito dos esforços de Rodrigo Janot — um adversário institucionalmente poderoso, mas politicamente inofensivo —, que não alcançou a maioria de três quintos dos deputados federais para depor o vampiro do Jaburu. Anos depois o ex-PGR confessou que chegou a ir armado ao STF para matar o semideus togado Gilmar Mendes, mas uma “intervenção divina” o impediu de puxar o gatilho.

Dilma começou a complicar sua defesa ao comprar uma briga desnecessária com o Centrão, que aplicou na “presidenta” e no PT uma espetacular surra na disputa pela presidência da Câmara. Os processos investigados pela hoje finada Lava-Jato colocaram Cunha na cadeia, mas os piedosos desembargadores e ministros mandaram-no  para casa com um adorno no tornozelo. Seu lugar-tenente de todas as horas — Arthur Lira, que é réu no STF e atual presidente da Câmara — ascendeu à  presidência da Casa que tem a prerrogativa constitucional de dar início a um processo de impeachment do presidente de plantão (há pelo menos 70 pedidos criando pó sobre a mesa da presidência da Casa do Povo). Se Rodrigo Maia, que o antecedeu no cargo, não autorizou a abertura do processo contra Bolsonaro por medo de perder na hora da disputa do voto, não será o deputado alagoano, eleito ao lado do mineiro Rodrigo Pacheco com a ajuda de R$ 3 bilhões em emendas parlamentares, que se aventurará a tal ousadia. Ainda mais depois que foi aprovada uma manobra nas despesas obrigatórias para acomodar R$ 26 bilhões de quantias substanciais pelo relator-geral da Lei das Diretrizes Orçamentárias, o senador Márcio Bittar, que elevou o valor total do disponível para R$ 51,6 bilhões (o maior nível histórico), conforme levantamento recente do texto aprovado com muito atraso.

Na semana passada houve um frisson em Brasília depois que Lira deu a entender que poderia fazer com  os processos engavetados o que Maia nunca ousou. E o alarme subiu de tom com a publicação, em manchete no Estadão de domingo, 28, de reportagem de Felipe Frazão e André Shalders dando conta de que o aparente puxão de orelhas do presidente da Câmara fora articulado em oito reuniões com pesos pesados do PIB brasileiro. A notícia acendeu o sinal amarelo para os rompantes ditatoriais do ex-capitão terrorista no principal gabinete do Palácio do Planalto. Algo do gênero “cria juízo ou a casa cai”.

O roque de xadrez no Planalto na tarde de segunda, 29, confirma que Bolsonaro, como o retrocitado príncipe Don Fabrizio Salina, muda o time para ele mesmo não ter que mudar. Os ministros da Saúde e das Relações Exteriores continuam sendo Jair Bolsonaro. Ele é quem continua mandando, e mesmo quem obedece não tem o lugar assegurado, como se comprovou com o general Pesadelo, intendente incompetente, fiel vassalo confesso e ainda assim demitido. E o novo chanceler não terá como desafiar os caprichos negacionistas e a sólida ignorância presidencial sobre qualquer assunto que mereça um raciocínio mais complicado do que contar os dedos de uma das mãos.

Com José Nêumanne Pinto