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domingo, 14 de agosto de 2022

ERA UMA VEZ, NO PAÍS DAS MARAVILHAS...

 

Por ter exercido apenas cargos de gestão até 2010, Dilma adquiriu o hábito de mandar. No Planalto, incorporou novas "virtudes", como a soberba, a arrogância e a agressividade. Impaciente, queria tudo “para ontem”. Ignorante, posava de onisciente. Contrariada, atirava objetos nas pessoas — grampeadores eram repostos regularmente em seu gabinete. 


As folclóricas "pedaladas fiscais" foram apenas a justificativa mais à mão para o pé na bunda. A estrupícia foi defenestrada por não ter jogo de cintura no trato com o Congresso. Mas seu vice, que foi o grande mentor e o maior beneficiário do impeachment, tinha traquejo político de sobra. 

 

Caçula temporão de oito irmãos, Michel Miguel Elias Temer Lulia graduou-se em Direito pela USP em 1963 e ingressou na política no ano seguinte, mas só se filiou ao PMDB (hoje MDB), em 1981. Depois de ocupar os cargos de procurador-geral do Estado e secretário de Segurança Pública de São Paulo, o futuro vampiro do Jaburu foi deputado federal por seis mandatos e presidente do PMDB por mais de 15 anos. Em 2009, Temer foi o primeiro colocado entre os parlamentares mais influentes do Congresso. No ano seguinte, aceitou o convite de Lula para disputar a vice-presidência na chapa encabeçada por Dilma


No final de 2015, o nosferatu enviou à "chefa" uma carta (que ele próprio se encarregou de vazar para a imprensa) reclamando de ser um "vice decorativo" e dizendo que sempre teve ciência da desconfiança de Dilma e do PT em relação a ele e ao PMDB. Em resposta, a mandatária afirmou que “não via motivos para desconfiar um milímetro de seu vice, que sempre teve um comportamento bastante correto”, mas logo percebeu que estava enganada. 

 

Assim que a Câmara votou a admissibilidade do impeachment, Temer vazou um arquivo de áudio em que ele falava como se estivesse prestes a assumir o governo. No dia seguinte, Dilma esbravejou que "havia um golpe em curso, e que tinha chefe e vice-chefe" (referindo-se a Temer e a Eduardo Cunha, então presidente da Câmara). 


Madame foi afastada no dia 11 de maio e penabundada em 31 de agosto, quando então o "golpista" passou de presidente interino a titular. Os puxa-sacos de plantão convenceram-no a trocar o Jaburu pelo Alvorada, argumentando que "a mudança atribuiria legitimidade a seu mandato". E assim foi feito. Mas Temer voltou ao Jaburu depois de pouco mais de duas semanas; segundo ele próprio afirmou a VEJA, o Alvorada é assombrado


Como se vê, o Brasil é um país tão surreal que até vampiro tem medo de fantasma.

 

Inicialmente, a troca de comando foi como uma lufada de ar fresco numa catacumba. Depois de mais de 13 anos ouvindo garranchos verbais de um semianalfabeto e frases desconexas de uma destrambelhada, ter um presidente que não só sabia falar como até usava mesóclises foi um refrigério. Para além disso, Temer conseguiu reduzir a inflação, baixar a Selic e aprovar a PEC do Teto dos Gastos e a Reforma Trabalhista. Mas seu ministério de notáveis se revelou uma notável agremiação de corruptos. 

 

Em pouco mais de um mês de governo, caíram os ministros do Planejamento, da Transparência e do Turismo. O primeiro, Romero Jucá — que defendeu um pacto para “estancar a sangria” produzida pela Lava-Jato —, ganhou do presidente uma secretaria criada especialmente para evitar que ele perdesse o foro privilegiado.  Na sequência, caíram o Advogado-Geral da União e os ministros da Cultura e da Casa Civil (foi num apartamento deste último que a PF apreendeu R$ 51 milhões em dinheiro vivo, armazenados em malas e caixas de papelão). Temer se empenhou em preservar Eliseu Padilha e Moreira Franco, que, nas palavras de Joesley Batista, ajudavam o presidente a comandar “a quadrilha mais perigosa do Brasil”.

 

Temer almejava entrar para a história como “o cara que recolocou o Brasil nos eixos”. O sonho durou pouco. Depois que sua conversa de alcova com Joesley Batista foi revelada por Lauro Jardim, o presidente passou a ser lembrado pela célebre frase “tem de manter isso, viu”. O então procurador-geral Rodrigo Janot (outra aberração da natureza) ofereceu duas denúncias contra ele, que não se deu por achado: com a ajuda de sua tropa de choque (capitaneada Carlos Marun, o ridículo), montou sua tenda de mascate libanês na porta da Câmara e passou a oferecer cargos e verbas em troca dos votos das marafonas parlamentares. 


Observação: Nada muito diferente do que Lula tentou fazer durante o impeachment de sua deplorável sucessora. Mas o petralha malhou em ferro frio, e Temer conseguiu que a maioria do lupanar entoasse a marcha fúnebre enquanto as denúncias de Janot eram sepultadas.

 

Corta para julho de 2022:  Um petista habituado às negociações e articulações políticas afirmou em off que o ex-presidente estava propenso a trabalhar por uma aliança em torno de Lula ainda no primeiro turno, em detrimento da candidatura da senadora emedebista Simone Tebet. Como contrapartida, o vampiro pediu que o PT deixasse de se referir a ele como “golpista”. 


Apesar de ser um exímio estrategista, Temer não só deu com os burros n'água como provocou a ira de Dilma, a irascível, ao destacar durante uma entrevista que madame era “honestíssima”. Não use minha honestidade para aliviar sua traição”, reagiu a estocadora de vento, exsudando ressentimento. 


Embora pudesse render bons frutos eleitorais, a aliança era considerada improvável. Querer que o PT deixe de tratar o impeachment como um golpe seria exigir demais da patuleia.

 

Continua...

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS (PARTE XI)


Pessoas normais miram-se no espelho e veem a própria imagem. Ególatras, megalômanos e lunáticos veem aquilo que gostariam de ver — ou de ser. Eis o porquê de certo retirante pernambucano que vendeu laranjas, engraxou sapatos e trabalhou como office-boy antes de se tornar torneiro mecânico, eneadátilo, dirigente sindical, fundador de político e presidente da República se ver como “a alma viva mais honesta do Brasil”.

Os vampiros, como se sabe, não têm a imagem refletida em espelhos, e talvez por isso... bem, vamos por partes. Em dezembro de 2015, o então vice decorativo de Dilma enviou uma carta à chefa (que vazou por obra e graça do próprio missivista e foi largamente reproduzida na mídia) dizendo que “a palavra voa, mas o escrito fica” — daí ele preferir manifestar por escrito o "desabafo que devia ter feito muito antes" — e que sempre teve ciência da absoluta desconfiança da presidanta e do PT em relação a ele e ao PMDB

A nefelibata da mandioca disse que “não via motivos para desconfiar um milímetro de seu vice, que sempre teve um comportamento bastante correto”, mas não demorou a perceber que estava enganada. Depois que a Câmara votou a admissibilidade do impeachment, Temer enviou uma mensagem de voz a parlamentares peemedebistas em que falava como se estivesse prestes a assumir o governo. 

O áudio dava a impressão de ser um “comunicado" sobre como ele pretendia conduzir o país. Sua assessoria informou que a mensagem havia sido enviada por engano a um grupo de deputados do partido, mas a desculpa não colou. No dia seguinte, Dilma declarou que "havia um golpe em curso que tinha chefe e vice-chefe" (referindo-se a Temer e a Eduardo Cunha, então presidente da Câmara). Sábias palavras, majestade.

Quando foi promovido a titular, Temer relutou em deixar o Jaburu e se instalar no Alvorada, mas cedeu à pressão de aliados — segundo os quais a mudança “atribuiria legitimidade a seu mandato como presidente”. Só que não chegou a esquentar lugar: a despeito dos mais R$ 20 mil que foram gastos com a adaptação do palácio às necessidades de Michelzinho, o vampiro voltou de mala e cuia para o Jaburu. Segundo ele revelou entrevista à revista Veja, o Alvorada era assombrado. Vampiro com medo de fantasma era só o que nos faltava!

Num primeiro momento, a troca de comando foi como uma lufada de ar fresco numa catacumba. Após 13 anos e fumaça ouvindo os garranchos verbais de um semianalfabeto e as frases desconexas de uma destrambelhada que não era capaz sequer de juntar sujeito e predicado numa frase que fizesse sentido, um presidente que não só sabia falar como até usava mesóclises era um refrigério. Não seria de esperar que os problemas do país fossem solucionados da noite para o dia, mas o fato é que Temer conseguiu reduzir a inflação (que rodava pelos 10% quando ele assumiu) e baixar a Selic e aprovar a PEC do Teto dos Gastos e a Reforma Trabalhista, entre outros “prodígios”. No entanto, o ministério de notáveis que ele prometeu se revelou uma notável agremiação de corruptos — que foram caindo à razão de um por mês.

O primeiro a cair foi Romero Jucá, o “Caju”, colega de partido e amigo de longa data de Temer. Em conversa com o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado — gravada sem o conhecimento do interlocutor —, ouve-se Jucá dizer defendendo um pacto para “estancar a sangria” (referindo-se à Lava-Jato). Mesmo sem o status de ministro, o político pernambucano continuou no governo, ocupando uma secretaria criada especialmente para preservar seu direito ao foro privilegiado.

Uma semana depois que o caju caiu do pé foi a vez do ministro da Transparência, Fiscalização e Controle, que caiu devido a uma conversa — também gravada à sorrelfa por Machado — em que ele criticava a Lava-Jato e orientava Renan Calheiros sobre como se comportar em relação à PGR.  Junho levou embora o ministro do Turismo — que, segundo a delação premiada de Machado, teria recebido R$ 1,55 milhão em propina entre 2008 e 2014. 

Julho passou batido, mas agosto pegou no contrapé o então Advogado-Geral da União, que foi demitido por conta de uma discussão com o então todo-poderoso ministro-chefe da Casa Civil (o amigão de Temer em cujo apartamento a PF encontrou R$ 51 milhões em caixas de papelão). O imbróglio resultou também na demissão do ministro da Cultura — que alegou ter sido pressionado para aprovar o projeto imobiliário La Vue Ladeira da Barra, onde o chefe da Casa Civil tinha um apartamento. O desgaste decorrente do episódio levou à queda do próprio Geddel, que “se demitiu” uma semana mais tarde. Temer se empenhou em preservar Eliseu Padilha, o “Primo”, e Wellington Moreira Franco, o “Angorá”, que o ajudavam a comandar, nas palavras de Joesley Batista, “a quadrilha mais perigosa do Brasil”. Tutti buona gente!

Michel Temer, que aspirava a entrar para a história como “o cara que recolocou o Brasil nos eixos”, tornou-se o primeiro presidente no exercício do mandato a ser denunciado por crime comum. Mesmo assim, a nauseabunda tropa de choque do Planalto — capitaneada pelo abjeto Carlos Marun — recrutou um coro de 251 marafonas da Câmara para entoar a marcha fúnebre enquanto a segunda denúncia contra o presidente era sepultada, malgrado a caudalosa torrente de indícios de que ele havia mijado fora do penico. 

A honestidade e a lisura no trato da coisa pública — virtudes esperadas de presidentes, ministros, parlamentares, governadores e políticos em geral — há muito fizeram as malas e partiram do Brasil. Para onde? Ninguém sabe, ninguém viu. Prova disso é a sucessão de escândalos-nossos-de-cada-dia, de fazer corar santo de pedra, mas que a população transforma em anedota porque lágrimas não pagam dívidas e a vida precisa continuar. 

Continua...

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

FELIZ ANO NOVO. DE NOVO.


Em 2014, a reeleição da cria e pupila do criminoso de Garanhuns jogou o Brasil na pior recessão de sua história. Dentre outras desgraças, o fechamento de postos de trabalho empurrou milhões de brasileiros para o subsolo da linha de pobreza, os índices de mortalidade infantil dispararam e o Brasil se tornou um dos países mais perigosos do planeta.

Em 2015, tínhamos uma presidanta encurralada, sem autoridade, nexo ou respeito; um presidente da Câmara descrito como “homem de poderes sobrenaturais” e um ex-presidente da República picareta, sempre prestes a “virar o jogo” mediante conchavos milagrosos — que meses depois tentaria nomear a si próprio ministro da Casa Civil e, a partir daí, resolver a situação toda em seu próprio benefício. Tínhamos, ainda, um cangaceiro presidindo o Senado e atuando como marechal de campo na guerra para manter no comando a farsante que se autodeclarava “presidanta honesta, competenta e eleita democraticamente “.

Em dois mil e dezechega — como dizíamos no final daquele ano aziago — a anta incompetenta foi expelida (pelo conjunto de sua imprestável obra e falta de traquejo político para se relacionar com o Congresso; oficialmente, o motivo do impeachment foram as  pedaladas fiscais e maracutaias da ordem de R$ de 60 bilhões). Foi também em 2016 que o molusco abjeto se tornou réu pela primeira vez e o vice-presidente decorativo, visto como a ponte que poderia conduzir o país à salvação, foi promovido a titular. E assim a economia deu sinais de recuperação, a inflação e a taxa básica de juros começaram a recuar, os índices de desemprego pararam de crescer e reformas importantes para o país começaram a avançar.

Nem bem o calendário virou para 2017 — ano em que depositávamos esperanças de melhoras mais consistentes —, eclodiram rebeliões nos presídios e uma greve absurda da PM, que causou a morte de centenas de inocentesVale lembrar que até então ninguém imaginava que dali a três anos morreriam centenas de pessoas todos os dias, no Brasil, e que nosso arremedo de presidente daria de ombros, riria e diria: “E daí?”.

Ainda em janeiro de 2017 um trágico acidente aéreo vitimou o ministro Teori Zavascki e deixou o STF sem relator dos processos da Lava-Jato, às vésperas da homologação da Delação do Fim do Mundo. Ainda assim, a despeito do "fogo amigo", houve avanços na luta contra a corrupção. 

Foram em cana desqualificados como Rodrigo Rocha Loures — o “homem da mala”, ex-assessor e pessoa da mais estreita confiança do presidente Temer —, Geddel Vieira Lima o homem dos R$51 milhões e também amigão do peito do mandatário de turno —, os ex-governadores Sérgio Cabral e Anthony Garotinho, quase todos os membros do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro e do alto escalão da Alerj (a começar pelo presidente da Casa). Em abril, depois de ter a condenação ratificada pelo TRF-4 no processo sobre o folclórico tríplex no Guarujá, o picareta dos picaretas finalmente foi preso.

Em meados de maio, Lauro Jardim trouxe a lume uma conversa de alcova nada republicana entre Temer e o moedor de carne bilionário dono da JBS. O vampiro do Jaburu fechou-se em copas e cogitou de renunciar, mas foi demovido pelos puxa-sacos de plantão — com destaque para o aparvalhado Carlos Marun, que performou uma dancinha patética quando as marafonas do Congresso livraram o rabo sujo do Diphylla Ecaudata.

Temer ensaiou durante horas o papel de vestal ofendida, mas só se sentiu preparado para encená-lo na tarde do dia seguinte. Do Palácio do Planalto para o mundo e em rede nacional, dedicou-se sua insolência à inglória tarefa de explicar o inexplicável, e terminou o solilóquio lamentando que "fantasma da crise política" voltara a rondar o Planalto.

Não renunciarei. Repito: Não renunciarei. Sei o que fiz e sei da correção dos meus atos. Exijo investigação plena e muito rápida para os esclarecimentos ao povo brasileiro. Meu único compromisso é com o Brasil, e só este compromisso me guiará”, esbravejou o vampiro, com uma cara de pau de deixar Lula roxo de inveja. A certa altura chegou a dizer que a investigação no STF seria "o território onde aflorariam as provas de sua inocência". Mas o que a partir daí, na verdade, foi empenhar sua alma imortal para impedir que a Câmara autorizasse o STF a processá-lo.

Durante algum tempo dizia-se o tempo todo que o governo estava “com os dias contados”. Mas Temer, tal qual os cagalhões que flutuam no rios Pinheiros e no Tietê (verdadeiros esgotos a céu aberto que cortam São Paulo), não afundou nem com reza brava. 

Como na fábula do Menino e Lobo, a conversa de que “a qualquer momento...” acabou enchendo o saco, até porque o povo tem mais o que fazer para pôr comida na mesa — e sustentar a caterva de corruptos fantasiada de agentes públicos.

Ainda assim, aos trancos e barrancos o pato manco chegou melancolicamente ao final de seu funesto mandato e, em 1ª de janeiro de 2018, passou a faixa para sabe-se lá se uma versão revista e atualizada da Caixa de Pandora ou uma combinação dos quatro Cavaleiros do Apocalipse (Peste, Guerra, Fome e Morte), mas que se encalacrou no Palácio do Planalto e lá permanece até hoje, graças à inação, a pusilanimidade e o desinteresse dos Poderes Legislativo e Judiciário.

O ano seguinte teve “seus momentos” — que se podem conferir através do campo “arquivos do Blog” para revistar as postagens publicadas ao longo de 2018. Mas vale relembrar que foi no finalzinho de mais esse ano aziago que o ministro Marco Aurélio, cansado de esperar pela rediscussão da prisão após condenação em segunda instância, concedeu uma liminar que por pouco não resultou na soltura de quase 170 mil condenados que aguardavam presos o julgamento de seus recursos — entre eles o criminoso Lula.

Observação: No recesso de meio de ano um plantonista delirante do TRF-4, membro praticante da ospália petista, determinou a soltura do demiurgo de Garanhuns. A decisão desse desembargador (que deixou claro não ter juízo sequer para arbitrar pelada de várzea) gerou uma queda-de-braço que só terminou depois que o presidente do Tribunal, Carlos Eduardo Thompson Flores, restabeleceu a ordem no galinheiro.

Em outubro, para impedir o retorno do criminoso Lula e seus asseclas ao Palácio do Planalto, formos obrigados a apoiar um dublê de mau militar e parlamentar medíocre (como não havia alternativa, não há que falar em arrependimento) que sabíamos não ser grande coisa, mas jamais imaginamos que tê-lo como mandatário seria como enfrentar, a um só tempo e de uma só vez, as Sete Pragas do Egito.

O fim de 2018 trouxe um 2019 que começou com a posse do capitão-desgraça, os desmandos inadmissíveis (mas admitidos) de sua prole, a influência maléfica do guru de merda Olavo de Carvalho no governo, as intrigas do pitbull do papai (que levaram à demissão de Bebianno e dos generais Santos Cruz e Rego Barros), os rolos cada vez mais enrolados de Queiroz e Flávio “Rachadinha”, a fieira de promessas de campanha metidas em local incerto e não sabido (mas onde certamente o sol não bate), a quase derrubada do governo (ainda no primeiro semestre), a sucessão de crises que o capitão sem luz criava diuturnamente para desviar a atenção do cheiro de podre de seu governo impoluto, ilibado e incorruptível... Enfim, sugiro, mais uma vez, recorrer aos arquivos do Blog para repassar as postagens, pois tudo que houve de importante ao longo do 2019 foi discutido ou, no mínimo, mencionado de passagem.

Observação: Foi também em 2019 que a banda podre do STF restabeleceu (por 6 votos a 5) o império da impunidade sem que se ouvisse um pio daquele que nos prometeu travar uma cruzada contra a corrupção — nem de seu superministro da Justiça — que, convenhamos, não podia contrariar o chefe, sob sob pena de ser penabundado, mas que passou tempo demais engolindo sapos e bebendo a água da lagoa. O Posto Ipiranga foi outra decepção, apesar de não lhe caber toda a culpa pelo fiasco. Como já disse mais de uma vez, ser ministro desse governo de merda exige estômago de avestruz e vocação inata para lamber botas e dar o rabo pedindo desculpas por estar de costas. Simples assim.

E então veio 2020, que trouxe a Covid, a demissão de Mandetta em plena pandemia, a militarização da Saúde por um logístico ilógico, a saída de Moro, o inquérito no STF para investigar o mito mitômano, a subserviência do PGR, as licenças e subsequente aposentadoria do ministro Celso de Mello, a nomeação de (mais) um pau mandado para preencher sua vaga... enfim, isso tudo é história escrita tão recentemente que a tinta nem secou. Para não abusar da paciência do leitor (mais do que já abusei), encerro a bagaça com um texto de Dora Kramer:

Nos últimos acordes do atípico ano de 2020 o senso comum lançou em toda parte um sonoro “já vai tarde”, tentando semear a esperança de que em 2021 será tudo melhor. Que será, será, mas não necessariamente muito diferente, pois problemas não caminham sozinhos nem são subservientes ao calendário. Continuam aí, embora o mundo já receba, do esforço universal tão inédito quanto espetacular dos cientistas, instrumentos para enfrentar o maior deles a golpes de vacinas.

Para tudo, porém, há um contraponto. A pandemia tirou as coisas dos eixos tais como vinham girando até que um morcego do outro lado do planeta pusesse a humanidade à prova, entregue ao desafio de encontrar novos ou reencontrar antigos pontos de equilíbrio. A disfunção é universal e cada país ainda tem adversidades específicas — decorrentes voluntária e involuntariamente da ofensiva do vírus — para administrar.

Os Estados Unidos, por exemplo, livraram-se de uma dessas circunstâncias que deram um trabalho enorme: um presidente criador de casos, cujos métodos contribuíram ao longo do ano para o desvio do combate à crise sanitária.

Por aqui, junto com cargas pesadas a carregar e sapos robustos para engolir, temos esse tipo de governante, só que ainda com dois anos de mandato pela frente e sem dar sinal de que pretenda parar de criar caso com tudo e todos que lhe contrariem a ilusão de poder absoluto.

Ilusão porque Bolsonaro perdeu e continua perdendo todas as tentativas de dar contornos reais ao devaneio de mandar porque pode e daí fazer todos obedecer por ser, na visão dele, providos de juízo. Tenta compensar no grito as perdas que acumula no Judiciário, no Legislativo, na comunidade científica, entre governadores, na sociedade organizada (e na desorganizada também), na imprensa, nos desmentidos que lhe impõem os fatos.

Muito embora a banda da democracia não toque ao ritmo de marcha militar, o general da banda ganhou algumas paradas ao custo de enormes prejuízos ao país, levando-nos a perder lugar de destaque e respeito mundiais na cultura, no trato do meio ambiente, na diplomacia e, mais recente e de modo especialmente danoso, na política de imunização construída em bases exitosas nas últimas quatro décadas. Um legado que vai muito além de 2020, cuja marca foi a da ineficiência.

O que esperar então do amanhã mais imediato? O presidente continuará nessa toada de cavar chances para celebrar aqui e ali “mais uma que o Bolsonaro ganhou”, pouco se lhe importando o destino do coletivo. E o Brasil social e institucionalmente do outro lado seguirá empreendendo um esforço enorme para reagir e resistir às investidas... nem vou dizer contra a democracia por se tratar de uma ação inexequível, mas contra a normalidade da vida e da relação do governante com seus governados.

É toda hora uma declaração estapafúrdia ou uma ação descolada da realidade, coisas que exigem a mobilização de uma energia brutal dedicada ao acessório que, no entanto, se torna essencial porque não se pode deixar passar certas atitudes sob o risco de lá na frente o preço a pagar ficar muito mais alto.

Esse passivo particularmente brasileiro é que vamos carregar neste momento em que o combate da pandemia já não é uma hipótese, mas uma situação concreta na qual seria indispensável contar com uma governança concentrada na emergência. O plano anunciado é difuso. Os 20 bilhões de reais de aporte anunciados não ajudam quando se tem um presidente que põe dinheiro, mas não impõe moral e desqualifica a vacinação e se mostra incapaz de imunizar a população, a coisa tende a não funcionar.

Problema ainda agravado por dificuldades como a queda de renda dos mais pobres, a incerteza sobre o andamento dos trabalhos no Congresso para o que é fundamental na economia, a redução de leitos disponíveis seja pelo receio de se retomarem os hospitais de campanha devido às falcatruas ocorridas e/ou da necessidade de atendimento de doenças cuja demanda ficou reprimida pela prioridade dada à Covid.

Isso sem falar nos efeitos crescentes da tensão pré-eleitoral em cujas águas o presidente candidato à reeleição navega em clima de tormenta, donde a tendência de seus pretensos oponentes será a do jogo pesado, tendo a vacina como centro. Mas essa é outra história. Por ora, fica o desejo: que a realidade supere as más expectativas e tudo corra bem no ano que vem.

Boas entradas a todos.

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

RETROSPECTIVA 2021



Final de ano sem retrospectiva e resoluções de ano novo é como ceia de Natal sem peru e castanhas. Mas como falar em peru e castanhas quando 13 milhões de brasileiros não têm emprego e mais de 20 milhões não têm sequer o que comer? Quando a recessão bate à porta e as pesquisas indicam que um ex-presidiário será eleito presidente (de novo) com 171% dos votos válidos?

Resolução de ano novo é como promessa de político em campanha: zero chance de ser honrada. Já as retrospectivas servem, em anos aziagos, somente para botar sal na ferida. Parafraseando o mefistofélico mandatário de turno, "nada não está tão ruim que não possa piorar". Então, hope for the best but expect the worst.

Em 2014, a reeleição de Dilma jogou o Brasil na pior recessão da história recente do país — lembrando que até então não estavam no radar o SARS-CoV-2 e a praga negacionista que se alojaria no Palácio do Planalto dali a quatro anos

Encerramos 2015 com uma presidanta encurralada, sem autoridade, nexo ou respeito, com um presidente da Câmara descrito como “homem de poderes sobrenaturais”, um ex-presidente da República picareta, sempre prestes a “virar o jogo” mediante conchavos milagrosos e um cangaceiro presidindo o Senado e atuando como marechal de campo na guerra para manter no comando a “presidanta honesta, competenta e eleita democraticamente “. 

Em dois mil e dezechega — como se dizia no final de 2016 —, a anta incompetenta foi penabundada e o vice decorativo, tido e havido como "a ponte que poderia conduzir o país à salvação" foi promovido a titular. 

Nesse entretempo, o senhor das urnas capaz de eleger qualquer poste para qualquer cargo tornou-se réu pela primeira vez, e a economia deu sinais de recuperação. A inflação e a taxa básica de juros começaram a recuar, os índices de desemprego pararam de crescer e reformas importantes para o país começaram a avançar. Mas não há nada como o tempo para passar.

Nem bem o calendário virou para 2017 — ano em que esperávamos melhorias mais consistentes —, rebeliões eclodiram nos presídios e uma greve absurda da PM causou a morte de centenas de inocentes. Mas ninguém imaginava que dali a três anos milhares de brasileiros morreriam diariamente de Covid enquanto um psicopata genocida daria de ombros, riria e diria: “E daí?”.

Foi também em janeiro de 2017 que uma queda de aeronave matou o ministro Teori Zavascki, deixando os processos da Lava-Jato no STF sem relator às vésperas da homologação da Delação do Fim do Mundo. Ainda assim, houve avanços significativos na luta contra a corrupção. 

Foram para na cadeia elementos como Rodrigo Rocha Loures — o “homem da mala”, ex-assessor e pessoa da mais estreita confiança do presidente Michel Temer —, Geddel Vieira Lima — aquele dos R$51 milhões e também amigão do peito do mandatário de turno —, os ex-governadores Sérgio Cabral e Anthony Garotinho, quase todos os membros do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro e do alto escalão da Alerj (a começar pelo presidente da Casa) e, em abril, o picareta dos picaretas.

Em maio, uma conversa de alcova entre Temer e o moedor de carne bilionário dono da JBS veio a público. O país parou enquanto o vampiro do Jaburu ensaiava o papel de vestal ofendida — que ele só se sentiu preparado para encenar na tarde do dia seguinte, quando finalmente tentou explicar o inexplicável e justificar o injustificável. 

Em rede nacional, Temer disse que não renunciaria, lamentou que "o fantasma da crise política tivesse voltado a rondar o Planalto" e esbravejou — com uma cara de pau de deixar Lula roxo de inveja — que a investigação no STF seria "o território onde aflorariam as provas de sua inocência".

A partir de então, deu-se o que era previsto e esperado: o presidente empenhou sua alma imortal para impedir que a Câmara autorizasse o STF a processá-lo. Chegou-se a dizer que "o governo estava com os dias contados”, mas estamos no Brasil, onde é comum esses cagalhões se manterem na superfície, boiando como merda n'água, e terminarem melancolicamente suas desditosas gestões.

Em janeiro de 2019, após o maior estelionato eleitoral desde a reeleição de Dilma, a terrível, Temer transferiu a faixa presidencial à surreal combinação de Caixa de Pandora com os Cavaleiros do Apocalipse (PesteGuerraFome e Morte), eleito como solução "in extremis" para impedir que o país fosse governado por um criminoso condenado e preso. Mas a emenda ficou pior que o soneto, e o mau militar e parlamentar medíocre só continua à frente do Executivo graças à pusilanimidade e o espírito do corpo (ou porco?) dos Poderes Legislativo e Judiciário.

Sabíamos que nem a Velhinha de Taubaté esperaria grande coisa desse ser ignóbil, mas não se imaginava que tê-lo no comando da Nau dos Insensatos seria como enfrentar, a um só tempo e de uma só vez, as Sete Pragas do Egito.

Foi também em 2019 que o STF restabeleceu o império da impunidade sem que se ouvisse um único pio daquele que prometeu travar uma cruzada contra a corrupção.

Tampouco se insurgiu contra essa vergonha o superministro da Justiça, mas é preciso ter em mente que, se contrariasse o chefe, Moro seria prontamente exonerado. E como ele tinha um projeto (ou dois, melhor dizendo, pois Bolsonaro havia prometido indicá-lo para o STF), o ex-juiz da Lava-Jato passou os meses seguintes engolindo sapos e sorvendo a água da lagoa.

Paulo Guedes foi outra decepção, mas, de novo, seria injusto lhe atribuir toda a culpa, até porque integrar esse governo de merda exige dar o rabo e pedir desculpas por estar de costas.

Com o segundo ano de mandato de Jair Asmodeu Bolsonaro vieram a Covid, a demissão de Mandetta do Ministério da Saúde, a passagem-relâmpago de Teich e a subsequente militarização da pasta por um autoproclamado especialista em logística que não amarrava os próprios coturnos sem consultar seu dono (é simples assim, um manda e o outro obedece).

O desembarque de Moro resultou na abertura de um inquérito no STF para investigar a interferência do "mito" de pés de barro na PF, mas a subserviência do PGR, os constantes afastamentos e subsequente aposentadoria do ministro Celso de Mello e a nomeação de um pau mandado para preencher sua vaga não colaboraram para que coelhos saíssem daquele mato.

No que tange às agruras trazidas por 2021, a história foi escrita tão recentemente que a tinta ainda nem secou, e modo que encerro esta bagaça com um texto que Dora Kramer publicou em sua coluna no apagar das luzes de 2020.

Nos últimos acordes do atípico ano de 2020 o senso comum lançou em toda parte um sonoro “já vai tarde”, tentando semear a esperança de que tudo será melhor em 2021. Que será, será, mas não necessariamente muito diferente, pois problemas não caminham sozinhos nem são subservientes ao calendário. Continuam aí, embora o mundo já receba, do esforço universal tão inédito quanto espetacular dos cientistas, instrumentos para enfrentar o maior deles a golpes de vacinas.

Para tudo, porém, há um contraponto. A pandemia tirou as coisas dos eixos tais como vinham girando até que um morcego do outro lado do planeta pusesse a humanidade à prova, entregue ao desafio de encontrar novos ou reencontrar antigos pontos de equilíbrio. A disfunção é universal e cada país ainda tem adversidades específicas — decorrentes voluntária e involuntariamente da ofensiva do vírus — para administrar.

Os Estados Unidos, por exemplo, livraram-se de uma dessas circunstâncias que deram um trabalho enorme: um presidente criador de casos, cujos métodos contribuíram ao longo do ano para o desvio do combate à crise sanitária.

Por aqui, junto com cargas pesadas a carregar e sapos robustos para engolir, temos esse tipo de governante, só que ainda com dois anos de mandato pela frente e sem dar sinal de que pretenda parar de criar caso com tudo e todos que lhe contrariem a ilusão de poder absoluto.

Bolsonaro perdeu e continua perdendo todas as tentativas de dar contornos reais ao devaneio de mandar porque pode e daí fazer todos obedecer por ser, na visão dele, providos de juízo. Tenta compensar no grito as perdas que acumula no Judiciário, no Legislativo, na comunidade científica, entre governadores, na sociedade organizada (e na desorganizada também), na imprensa, nos desmentidos que lhe impõem os fatos.

Muito embora a banda da democracia não toque ao ritmo de marcha militar, o general da banda ganhou algumas paradas ao custo de enormes prejuízos ao país, levando-nos a perder lugar de destaque e respeito mundiais na cultura, no trato do meio ambiente, na diplomacia e, mais recente e de modo especialmente danoso, na política de imunização construída em bases exitosas nas últimas quatro décadas. Um legado que vai muito além de 2020, cuja marca foi a da ineficiência.

O que esperar então do amanhã mais imediato? O presidente continuará nessa toada de cavar chances para celebrar aqui e ali “mais uma que o Bolsonaro ganhou”, pouco se importando com o destino do coletivo. E o Brasil social e institucionalmente do outro lado seguirá empreendendo um esforço enorme para reagir e resistir às investidas... nem vou dizer contra a democracia por se tratar de uma ação inexequível, mas contra a normalidade da vida e da relação do governante com seus governados.

É toda hora uma declaração estapafúrdia ou uma ação descolada da realidade, coisas que exigem a mobilização de uma energia brutal dedicada ao acessório que, no entanto, se torna essencial porque não se pode deixar passar certas atitudes sob o risco de lá na frente o preço a pagar ficar muito mais alto.

Esse passivo particularmente brasileiro é que vamos carregar neste momento em que o combate da pandemia já não é uma hipótese, mas uma situação concreta na qual seria indispensável contar com uma governança concentrada na emergência. O plano anunciado é difuso. Os 20 bilhões de reais de aporte anunciados não ajudam quando se tem um presidente que põe dinheiro, mas não impõe moral e desqualifica a vacinação e se mostra incapaz de imunizar a população, a coisa tende a não funcionar.

Problema ainda agravado por dificuldades como a queda de renda dos mais pobres, a incerteza sobre o andamento dos trabalhos no Congresso para o que é fundamental na economia, a redução de leitos disponíveis seja pelo receio de se retomarem os hospitais de campanha devido às falcatruas ocorridas e/ou da necessidade de atendimento de doenças cuja demanda ficou reprimida pela prioridade dada à Covid.

Isso sem falar nos efeitos crescentes da tensão pré-eleitoral em cujas águas o presidente candidato à reeleição navega em clima de tormenta, donde a tendência de seus pretensos oponentes será a do jogo pesado, tendo a vacina como centro. Mas essa é outra história. Por ora, fica o desejo: que a realidade supere as más expectativas e tudo corra bem no ano que vem.

Como se vê, pouca coisa mudou de lá para cá. Talvez algumas moscas, mas a merda continuou basicamente a mesma. Que tudo realmente melhore em 2022. Afinal, para sonhar não se paga imposto. 

Ainda.

terça-feira, 9 de agosto de 2022

A VIDA TEM DE CONTINUAR

 

Pessoas normais miram-se no espelho e veem a própria imagem. Ególatras, megalômanos e lunáticos veem apenas o que gostariam de ver — ou de ser. Isso explica o fato de certo retirante pernambucano que vendeu laranjas, engraxou sapatos e trabalhou como office-boy antes de se tornar torneiro mecânico, eneadáctilo, dirigente sindical, fundador de político e presidente da República se ver como “a alma viva mais honesta do Brasil”. Vampiros, como se sabe, não aparecem em espelhos, e talvez por isso... bem, vamos por partes. 

Em dezembro de 2015, o então vice decorativo de Dilma enviou uma carta à chefa (que vazou por obra e graça do próprio) dizendo que “a palavra voa, mas o escrito fica” — daí ele manifestar por escrito o "desabafo que devia ter feito muito antes" e que sempre teve ciência da absoluta desconfiança da presidanta e do PT em relação a ele e ao PMDBDilma disse que “não via motivos para desconfiar um milímetro de seu vice, que sempre teve um comportamento bastante correto”, mas não demorou a perceber quão enganada ela estava. 

Depois que a Câmara votou a admissibilidade do impeachment da presidanta, o nosferatu enviou a parlamentares peemedebistas uma áudio em que ele falava como se estivesse prestes a assumir o governo. Sua assessoria informou que a mensagem fora enviada por engano, mas a desculpa não colou. No dia seguinte, a ficha caiu e Dilma gritou aos quatro ventos que "havia um golpe em curso, e que ele tinha chefe e vice-chefe" (referindo-se a Temer e a Eduardo Cunha, então presidente da Câmara). 
 
Quando foi promovido a titular, Temer relutou em deixar o Jaburu e se instalar no Alvorada, mas cedeu à pressão de aliados — segundo os quais a mudança “atribuiria legitimidade a seu mandato como presidente”. Só que não chegou a esquentar lugar. Segundo o nosferatu revelou à revista Veja, o Alvorada era assombrado. Vampiro com medo de fantasma era só o que faltava!
 
Num primeiro momento, a troca de comando foi como uma lufada de ar fresco numa catacumba. Após 13 anos, 4 meses e 12 dias anos ouvindo os garranchos verbais de um semianalfabeto e as frases desconexas de uma destrambelhada (que não era capaz sequer de juntar sujeito e predicado numa frase que fizesse sentido), um presidente que não só sabia falar como até usava mesóclises era um refrigério. 
 
Ninguém esperava que os problemas do país fossem solucionados da noite para o dia, mas o fato é que Temer conseguiu reduzir a inflação (que rodava pelos 10% quando ele assumiu), baixar a Selic e aprovar a PEC do Teto dos Gastos e a Reforma Trabalhista. Mas o ministério de notáveis que ele prometeu se revelou uma notável agremiação de corruptos

O primeiro a cair foi Romero Jucá (ou “Caju”, como ele figurava na planilha de propinas da Odebrecht).Em conversa com Sergio Machado, ex-presidente da Transpetro, o nobre político pernambucano defendeu um pacto para “estancar a sangria” (referindo-se à Lava-Jato). Mesmo sem o status de ministro, o caju que caiu do pé continuou no governo, ocupando uma secretaria criada especialmente para preservar seu direito ao foro privilegiado.
 
O segundo que sucumbiu à lei da gravidade foi ministro da Transparência, Fiscalização e Controle, que caiu devido a uma conversa — também gravada à sorrelfa por Sergio Machado — em que criticava a Lava-Jato e orientava Renan Calheiros sobre como se comportar em relação à PGR.  Depois foi a vez do ministro do Turismo — que, segundo a delação premiada de Machado, teria recebido R$ 1,55 milhão em propina entre 2008 e 2014. Na sequência, o Advogado-Geral da União foi exonerado por conta de uma discussão com o então todo-poderoso ministro-chefe da Casa Civil (o amigão de Temer em cujo apartamento a PF encontrou R$ 51 milhões em caixas de papelão. 
 
Esse imbróglio resultou na demissão do ministro da Cultura — que alegou ter sido pressionado para aprovar o projeto imobiliário La Vue Ladeira da Barra, onde Geddel tinha um apartamento. O desgaste decorrente do episódio levou à queda do próprio Geddel, que “se demitiu” uma semana mais tarde. Temer se empenhou em preservar Eliseu Padilha, o “Primo”, e Wellington Moreira Franco, o “Angorá”, que o ajudavam a comandar, nas palavras de Joesley Batista, “a quadrilha mais perigosa do Brasil”.
 
Temer, que aspirava a entrar para a história como “o cara que recolocou o Brasil nos eixos”, tornou-se o primeiro presidente no exercício do mandato a ser denunciado por crime comum. Mesmo assim, a nauseabunda tropa de choque do Planalto — capitaneada pelo abjeto Carlos Marun — recrutou um coro de 251 marafonas da Câmara para entoar a marcha fúnebre enquanto a segunda denúncia contra o presidente era sepultada, a despeito da caudalosa torrente de indícios de que ele havia mijado fora do penico. 
 
A honestidade e a lisura no trato da coisa pública — virtudes esperadas de presidentes, ministros, parlamentares, governadores e políticos em geral — há muito fizeram as malas e partiram do Brasil. Para onde? Ninguém sabe, ninguém viu. Prova disso é a sucessão de escândalos-nossos-de-cada-dia, de fazer corar santo de pedra, mas que a população transforma em anedota porque lágrimas não pagam dívidas e a vida precisa continuar. 

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

SOBRE JUSCELINO, A CONSTRUÇÃO DE BRASÍLIA E OTRAS COSITAS MÁS


Pessoas normais se miram no espelho e veem a própria imagem. Ególatras, megalômanos e lunáticos tendem a a enxergar quase sempre aquilo que gostariam de ver — ou de ser. Isso explica por que o retirante pernambucano que vendeu laranjas, engraxou sapatos e trabalhou como office boy antes de se tornar torneiro mecânico, eneadáctilo, dirigente sindical, fundador de partido político e, pasmem!, presidente da República — mesmo que desta República — comparar-se a Juscelino Kubitschek de Oliveira.

Conforme eu antecipei no post anterior, nem tudo foram flores no governo do mineiro de Diamantino. Houve erros, parcerias condenáveis, indiferença à cupidez das empreiteiras e menosprezo ao poder de fogo do dragão inflacionário. Mas a construção de Brasília, em que pesem todas as controvérsias (veremos isso em detalhes mais adiante) foi determinante para a ocupação do Centro Oeste e da Amazônia brasileira.

A despeito da dificuldade em convencer o PSD a abraçar sua candidatura, de ter sido eleito com o menor percentual de votos alcançado pelos presidentes brasileiros no pós-guerra e de sua posse ter sido contestada por adversários golpistas e se dado em pleno estado de sítio (decretado por Nereu Ramos; para mais detalhes, clique aqui), Juscelino entregou a Jânio um pais muito melhor do que recebeu de seus predecessores (no governo anterior, pela primeira vez na história, o Brasil teve três presidentes numa única semana). 

Se compararmos o legado de JK com o de seus sucessores, talvez fosse exagero dizer que um estadista do quilate de Winston Churchill governou o Brasil de 1956 a 1960, mas certamente seria injusto não reconhecer que seu governo merece mais elogios do que críticas.

Sem querer discutir aqui questões laterais de semântica, há caso em que o termo "melhor" não define necessariamente aquilo que possui o máximo de atributos para satisfazer certos critérios de apreciação, mas apenas "menos pior", ou seja, o menor dos males envolvidos numa comparação. Assim, a pergunta é: o que tivemos desde então?

A resposta é: arroubos autoritários do populista cachaceiro que renunciou após seis meses no cargo; uma tão curta quanto improdutiva experiência parlamentarista, que resultou na volta do presidencialismo sob Jango e culminou com o golpe de ’64 e os 21 anos de chumbo, e a tão sonhada volta da democracia, que desde então vem sendo sistematicamente surrada, violentada e vilipendiada por uma corja de políticos desprezíveis, eleitos por uma choldra de apedeutas incapazes de encontrar o próprio rabo usando as duas mãos e uma lanterna. Mas não vou me estender sobre esse assunto, até porque já o fiz na sequência iniciada por esta postagem

Sobre Brasília... bem, vamos por partes, começando por relembrar que primeira capital desta banânia foi Salvador, na Bahia, que sediou o governo federal até 1753, quando ele foi transferido para a cidade do Rio de Janeiro (no então chamado Estado da Guanabara), e lá permaneceu por até ser transferida para Brasília, em 21 de abril de 1960, que foi construído do nada no meio do nada durante a gestão de JK

Observação: Palácio do Planalto é a sede oficial do governo; o Palácio da Alvorada, a residência oficial do chefe do Executivo de turno; a Granja do Torto, a casa de campo oficial da Presidência, e o Palácio do Jaburu, a residência oficial do vice-presidente da vez (palácios e mordomias palacianas bancadas pela ospália, naturalmente). Em atenção a quem não é íntimo das sutilezas do idioma, "ospália" é o coletivo de palhaços, mas pode designar, por extensão, o conjunto dos pagadores de impostos, indevidamente chamados de "contribuintes", já que "contribuir" pressupõe espontaneidade, e não há nada menos espontâneo que o pagamento de tributos.

Curiosamente, Michel Temer, que era vice de Dilma, mas passou a titular quando a anta foi expelida da Presidência, voltou de mala e cuia para o Palácio do Jaburu após poucos dias no Alvorada, a despeito dos R$ 20 mil gastos com a adaptação da residência oficial às necessidades de Michelzinho. Em entrevista concedida à revista Vejao Vampiro do Jaburu confessou que tem medo de fantasmas:

"O Palácio da Alvorada tem um monte de quartos, uns oito, todos muito grandes. Tudo muito amplo, bonito, mas senti uma coisa estranha lá. Eu não conseguia dormir; Desde a primeira noite, senti que a energia não era boa. A Marcela sentiu a mesma coisa. Só o Michelzinho, que ficava correndo de um lado para outro, gostou. Chegamos a pensar: será que tem fantasma?"  

No Rio, o Palácio do Itamaraty foi a primeira sede do governo federal, que de lá se mudou para o Palácio do Catete em fevereiro de 1897. O que pouca gente sabe é que Curitiba, capital do Paraná, foi nomeada capital do Brasil por três dias, de 24 e 27 de março de 1969.

Continua...

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

SUTILEZAS DO UNIVERSO

A ÚNICA PERGUNTA IDIOTA É A QUE A GENTE NÃO FAZ.

Neste exato momento há um número imenso de partículas invisíveis atravessando você, os objetos a seu redor e o próprio planeta Terra. Chamadas "neutrinos", essas "partículas-fantasmas" se deslocam a uma velocidade próxima à da luz, mas raramente interagem com a matéria, razão pela qual sua
 detecção é baseada na probabilidade: dentre os incontáveis neutrinos que atravessam a matéria, uma quantidade ínfima se choca com os átomos, e o resultado desse choque pode ser registrado pelos equipamentos detectores. 
 
Foi com esse método que o neutrino teve sua existência provada em 1956 — antes disso, ele havia sido teorizado nos anos 1930 pelo físico austríaco Wolfgang Pauli e, logo após e com mais precisão, pelo italiano Enrico Fermi, que o batizou (traduzido do italiano, "neutrino" significa "pequeno nêutron", mas suas semelhanças com o nêutron não vão longe). 
 
Diferente dos prótons e nêutrons que fazem parte do núcleo atômico, o neutrino é uma partícula elementar. Isso significa que não se conhece nenhuma estrutura menor em sua composição (apesar de se parecer com o nêutron por não ter carga elétrica, ele é milhões de vezes menor e mais leve). Para cada elétron que existe no universo, estima-se que existam 10 bilhões de neutrinos (como eles não têm estrutura interna, os físicos os veem como partículas de dimensão zero, que não ocupam espaço).
 
Embora seja comum imaginarmos os elétrons como partículas pontuais de dimensão zero, eles são cercados por uma nuvem de outras partículas virtuais que piscam constantemente para dentro e para fora da existência. Se tivessem um polo ligeiramente positivo e um polo ligeiramente negativo, eles seriam levemente assimétricos e poderiam se comportar de maneira diferente de seus duplos de antimatéria — os pósitrons —, o que explicaria alguns mistérios que envolvem matéria e antimatéria. Mas os físicos mediram repetidamente sua forma e descobriram que eles são perfeitamente redondos.
 
Neutrinos, elétrons, múons e taus compõem uma categoria de partículas fundamentais chamadas léptons. Os múons são criados quando raios cósmicos de alta energia atingem o topo da atmosfera do nosso planeta. O taus são ainda mais raros e difíceis de produzir, pois são cerca de 3400 vezes mais pesados que os elétrons. Os Quarks — que compõem prótons e nêutrons — são outro tipo de partícula fundamental que, juntamente com os léptons, compõem o material que consideramos matéria.
 
Observação: Até o início do século passado, acreditava-se que os átomos eram os menores objetos possíveis, mas os cientistas descobriram que o núcleo atômico é formado por prótons e nêutrons. Mais adiante, os aceleradores de partículas revelaram a existência de partículas subatômicas exóticas, como os pions e os kaons. Em 1964, foi proposto um modelo que poderia explicar o funcionamento interno de prótons, nêutrons e o resto do zoológico de partículas.
 
As quatro forças fundamentais da natureza são o eletromagnetismo, a gravidade e as forças nucleares forte e fraca. Cada uma delas tem uma partícula fundamental associada. Os 
fótons carregam a força eletromagnética; os glúons carregam a força nuclear forte e residem com os quarks dentro de prótons e nêutrons. A força fraca, que medeia certas reações nucleares, é transportada por duas partículas fundamentais — os bósons W e Z. Os neutrinos, que apenas sentem a força fraca e a gravidade, interagem com esses bósons, e assim os físicos foram capazes de fornecer evidências de sua existência.
 
gravidade não está incorporada ao Modelo Padrão, mas ela deve ter uma partícula fundamental associada — que seria chamada de gráviton. Se os grávitons existem, é possível criá-los no Grande Colisor de Hádrons, mas eles desapareceriam rapidamente em dimensões extras, deixando para trás uma zona vazia onde teriam estado (até agora, o LHC não conseguiu observar evidências de grávitons ou dimensões extras).
 
Finalmente, há o bóson de Higgs — o "rei" das partículas elementares —, que é responsável por dar massa a todas as outras partículas. Quando ele foi finalmente descoberto, os físicos comemoraram, mas os resultados também os deixaram numa sinuca de bico: o Higgs parece exatamente como foi previsto, mas esperava-se mais, pois falta ao Modelo Padrão uma descrição da gravidade, e os pesquisadores imaginaram que o Higgs ensejaria outras teorias que substituíssem esse modelo. Quem sabe num futuro próximo...
 
Acreditou-se por décadas que, 
assim como os fótons, os neutrinos não possuíam massa, mas isso mudou por volta dos anos 2000. A descoberta da oscilação dos neutrinos — fenômeno que só pode ocorrer em partículas que têm massa — rendeu aos pesquisadores o Nobel de Física de 2015. Há três tipos de neutrinos na natureza, e o que se percebia era que os neutrinos elétron, produzidos massivamente no Sol, eram detectados em número abaixo do esperado nos experimentos. Por um tempo, o "desaparecimento" dos neutrinos foi um mistério, mas agora se sabe que eles oscilam, mudando de neutrinos múon para neutrinos tau. 
 
A massa exata de cada tipo de neutrino ainda é desconhecida, mas os físicos acreditam que ela seja composta pela sobreposição de três massas diferentes. O fenômeno, regido pela mecânica quântica, pode ser de difícil compreensão por quem não está familiarizado com a física de partículas, o que exige criatividade dos cientistas na hora de explicar seu trabalho à sociedade. 

Arthur Loureiro, pesquisador brasileiro da University College London e autor de um estudo recente que identificou o limite superior da massa do tipo mais leve de neutrino, compara os "sabores" dos neutrinos ao sorvete napolitano, onde cada massa da partícula é como uma porção de sorvete que contém uma certa combinação dos três sabores. 

Na última palestra que ofereceu ao público brasileiro, o professor Francesco Vissani apresentou três metáforas para falar sobre os neutrinos: vampiros, fantasmas e mutantes, esta última por conta da instabilidade da partícula e a oscilação que a leva de um "sabor" ao outro. Já o "fantasma", difícil de se detectado, atravessa paredes e o próprio Sol sem interagir com nada, enquanto o "vampiro", que não aparece no espelho, não possui uma imagem simétrica — daí existirem "neutrinos canhotos" e não existirem "neutrinos destros". Já com o antineutrino, que é a antipartícula correspondente ao neutrino no mundo da antimatéria, existem apenas os "destros".
 
O fato de neutrinos e antineutrinos terem cada qual apenas um tipo de spin sugere que eles também se comportam de maneira diferente em suas oscilações e, consequentemente, no modo pelo qual interagem com os componentes do universo. Outra hipótese é a de que o neutrino seja o chamado férmion de Majorana (partícula teorizada nos anos 1930 e que seria antipartícula de si mesma).
 
Ainda longe de serem comprovadas, essas possibilidades empolgam os físicos do mundo todo porque ajudam a entender o fato de termos tanta matéria no universo, mas tão pouca antimatéria.  Segundo a cosmologia, após o Big Bang deveria haver quantidades iguais das duas coisas, e elas deveriam ter se aniquilado mutuamente. Mas, por alguma razão, a matéria predominou, e o neutrino pode ser uma peça-chave para solucionar esse mistério.
 
Com Samuel Ribeiro dos Santos Neto.