Há dias que venho ensaiando uma postagem sobre a colcha de
retalhos utópica e entumecida que atende por “Constituição Cidadã”, mas a
efervescência no cenário político me levou a adiar o projeto. Agora, a 18 dias do segundo turno, parece-me mais importante acompanhar os
novos e emocionantes capítulos da novela sucessória, sobretudo as negociatas de Bolsonaro e Luladdad em busca do apoio dos postulantes
defenestrados.
Colho o ensejo para adiantar que desde a
proclamação da independência o Brasil já teve sete constituições (ou
oito, já que muitos consideram a
Emenda
nº 1, outorgada pela junta militar em 1969, como a “Constituição
de 1969”). A mais recente, que acaba de completar 30 anos, não só é o
obelisco da prolixidade, mas também uma
colcha de retalhos, na medida em que foi remendada
mais de uma centena de vezes. A título de comparação, a constituição norte-americana, promulgada em 1787, tem apenas 7 artigos e recebeu 27 emendas nos últimos 220 anos.
Observação: A palavra “direito” é mencionada 76 vezes em nossa carta magna,
enquanto “dever” surge em míseras quatro oportunidades. “Produtividade” e “eficiência”
aparecem duas e uma vez, respectivamente, o que nos leva à seguinte pergunta: O que esperar de um país que tem 76
direitos, quatro deveres, duas produtividades e uma eficiência? A resposta
terá de ficar para uma das próximas postagens.
Antes de transcrever mais um
artigo magistral de J.R. Guzzo, publicado
originalmente no Blog Fatos sob o
título O PARTIDO ANTI-LULA, achei por bem tecer algumas considerações sobre o resultado das urnas no
último domingo.
Mesmo considerando o segundo turno como uma “nova eleição”, o
fato de Bolsonaro ter obtido quase o
dobro dos votos de Luladdad é significativo,
quando mais não seja porque nenhum candidato que passou para o segundo turno na
dianteira da disputa presidencial deixou de se eleger. Foi assim com o presidiário
de Curitiba em 2006 — que obteve 49% dos votos válidos no primeiro turno e
derrotou Alckmin no segundo (por 60,3%
a 39,2%) — e com a ex-grande-chefa-toura-sentada — que em 2014 venceu o mineirinho safado no primeiro turno por 41,6% a
33,6% e se reelegeu no segundo por 51,6% a 48,4%.
No último dia 7, o preposto-fantoche do demiurgo
de Garanhuns teve menos votos do que Aécio no primeiro turno das eleições de 2014 — aliás, faltou bem pouco
para Bolsonaro liquidar a fatura já
no primeiro turno, uma vez que obteve 46% dos votos válidos (contra 29% de Luladdad).
Volto a frisar que o capitão caverna jamais seria minha escolha se houvesse alternativa — e votar no PT não é alternativa, até porque acho inconcebível o Brasil ser governado de dentro da carceragem da PF em Curitiba (ou do Complexo Médico-Penal de Pinhais, da Papuda ou da ponte que partiu esse molusco abjeto). O fato de seu alter ego ir toda semana pedir-lhe a benção é um indicativo claríssimo da impostura de sua candidatura, que é tão falsa quanto uma nota de 3 reais. Lula disse que não é mais uma pessoa, e sim uma ideia, mas a história recente nos mostra tratar-se de uma péssima ideia, e o número de votos obtidos por Bolsonaro no último domingo deixa claro que uma parte da população já se deu conta disso. Portanto, torçamos para que o pulha vermelho apodreça na cadeia até o final de sua imprestável existência.
Resta saber como se posicionarão as demais legendas e
respectivos caciques. O petralha-aprendiz é capaz de atrair para si boa parte
dos votos dos eleitores de Ciro, Marina e Alckmin, mas não o bastante para se contrapor a Bolsonaro, já que, até por falta de
opções, o eleitorado de centro-direita, pulverizado entre candidaturas nanicas como
a de Álvaro Dias, Meirelles, Amoedo, além da parte minoritária que votou em Alckmin e Ciro, podem
escolher o deputado-capitão. Isso sem mencionar que essa “falta de opção” pode
gerar um índice maior de abstenções e votos brancos e nulos — no primeiro
turno, dos 147 milhões de eleitores aptos a votar, cerca de 40 milhões não
compareceram ou votaram em branco/anularam o voto —, o que favorece Bolsonaro, na medida em que ele precisará
conquistar menos votos derrotar seu adversário.
Fato é que as revelações da Lava-Jato sepultaram as pretensões eleitorais de notórios medalhões
petistas. Foi o caso de Dilma, a penabundada,
que concorreu a uma vaga para o Senado por Minas gerais e cuja vitória os institutos
de pesquisas davam como certa. Mas faltou combinar com o eleitorado: focada em
denunciar o “golpe” — como a ex-presidanta e seus comparsas se referem ao impeachment
—, a campanha da petista custou quase R$
4 milhões, superando até mesmo os gastos de presidenciáveis como Marina, Ciro e o próprio Bolsonaro.
Em contrapartida, a advogada Janaína
Pascoal, uma das signatárias do pedido de impeachment que defenestrou a
nefelibata da mandioca, elegeu-se deputada estadual com mais de 2 milhões de
votos, embora sua campanha tenha custado módicos R$ 44 mil.
Outro exemplo: entre os 70 parlamentares eleitos para compor
a bancada paulista na Câmara Federal, a jornalista, youtuber e antipetista Joice Hasselmann, que apoiou
Bolsonaro para presidente e conquistou uma cadeira na Assembleia Legislativa Paulista com invejáveis 1.064.047
votos, ficando atrás apenas de Eduardo Bolsonaro,
que obteve 1.814,443 votos.
Passemos ao texto de Guzzo:
Durante as próximas três semanas você vai ler, ver
e ouvir um oceano de explicações perfeitas sobre o que aconteceu nas eleições
deste domingo – e em todas elas, naturalmente, os cérebros da análise política
nacional dirão ao público o quanto acertaram nos seus pronunciamentos durante a
campanha eleitoral, embora tenha acontecido em geral o contrário de quase tudo
que disseram. A mesma cantoria, com alguns retoques, deve ser feita daqui para
frente para lhe instruir em relação ao desfecho do segundo turno, no próximo
dia 28 de outubro. Em favor da economia de tempo, assim, pode ser útil anotar
algumas realidades básicas que o primeiro turno deixou demonstradas.
1 – A grande força política que existe no Brasil de
hoje se chama antipetismo. É isso que deu ao primeiro colocado, Jair Bolsonaro,
18 milhões de votos a mais que o total obtido pelo “poste” do ex-presidente
Lula. Esqueça a “onda conservadora”, o avanço do “fascismo”, as ameaças de
“retrocesso” – bem como toda essa discussão sobre homofobia, racismo, machismo,
defesa da ditadura e mais do mesmo. Esqueça, obviamente, a força do PSL, que é
nenhuma, ou o esquema político do candidato, que não existe. O que há na vida
real é uma rejeição tamanho gigante contra Lula e tudo o que cheira a Lula.
Quem melhor soube representar essa repulsa foi Bolsonaro. Por isso, e só por
isso, ficou com o primeiro lugar.
2 – O PT, como já havia acontecido nas eleições
municipais de 2016, foi triturado pela massa dos eleitores brasileiros. Seu
candidato a presidente não conseguiu mais que um quarto dos votos. Os
candidatos do partido a governador nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro,
Minas Gerais e Rio Grande do Sul tiveram votações ridículas. Todos os seus
candidatos “ícone” ao Senado, como Dilma Rousseff em Minas Gerais, Eduardo
Suplicy em São Paulo e Lindbergh Farias no Rio de Janeiro foram transformados
em paçoca, deixando o PT sem um único senador nos três maiores colégios
eleitorais do Brasil. Mais uma vez, o partido só tem a festejar a votação no
Nordeste – e mais uma vez, ali, aparece aliado com tudo que existe de mais
atrasado na política brasileira.
3 – A força política de Lula, que continua sendo
descrito como um gênio incomparável no “jogo do poder”, é do exato tamanho dos
resultados obtidos nas urnas pelo seu “poste”. As mais extraordinárias
profecias vêm sendo repetidas, há meses, sobre a sua capacidade de “transferir
votos” e a sua inteligência praticamente sobre-humana em tudo o que se refere à
política. Encerrada a apuração, Lula continua exatamente onde estava – trancado
num xadrez em Curitiba e com muito cartaz do “New York Times”, mas sem força para mandar em nada.
4 – Os institutos de “pesquisa de intenção de
voto”, mais uma vez, fizeram previsões calamitosamente erradas. Dilma, segundo
garantiam, ia ser a “senadora mais votada do Brasil”. Ficou num quarto lugar
humilhante. Suplicy, uma espécie de Tiririca-2 de São Paulo, também era dado
como “eleito”. Foi varrido do mapa. Os primeiros colocados para governador de
Minas e Rio de Janeiro foram ignorados pelas pesquisas praticamente até a
véspera da eleição. Tinham 1% dos votos, ou coisa que o valha. Deu no que deu.
5 – O tempo de televisão e rádio no horário
eleitoral obrigatório, sempre tido como uma vantagem monumental — e sempre
vendido a peso de ouro pelas gangues partidárias — está valendo zero em termos
nacionais. Geraldo Alckmin tinha o maior espaço nos meios eletrônicos. Acabou
com menos de 5% dos votos. Bolsonaro não tinha nem 1 minuto. Foi o primeiro
colocado. Parece não valer mais nada, igualmente, a propaganda fabricada por
gênios do “marketing eleitoral” da modalidade Duda Mendonça-João Santana –
caríssima, paga com dinheiro roubado e criada numa usina central de produção. A
votação de Bolsonaro foi construída nas redes sociais, sem comando único e sem
verbas milionárias.
Daqui até 28 de outubro o público será apresentado
a outras previsões, teoremas e choques de sabedoria. É bom não perder de vista
o que acaba de acontecer antes de acreditar no que lhe anunciam para o futuro.