Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta jânio neto. Ordenar por data Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta jânio neto. Ordenar por data Mostrar todas as postagens

domingo, 11 de outubro de 2020

A RENÚNCIA DE JÂNIO, SUAS CONSEQUÊNCIAS E OUTRAS CURIOSIDADES — FINAL



Há inúmeras teorias sobre a renúncia de Jânio, mas parece ser consenso que o ex-presidente apostava em fortes manifestações, com o povo clamando nas ruas por seu retorno ao poder. Não à toa, ele apresentou sua carta-renúncia e voou para São Paulo (levando a faixa presidencial), onde permaneceu durante horas, aparentemente esperando uma reação de apoio que não aconteceu — fala-se que um arranjo urdido nos bastidores teria impedido que a população soubesse onde ele estaria quando a notícia da renúncia fosse divulgada.

Aceita a renúncia, o presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli, assumiu interinamente a chefia do Executivo — já que os militares vetaram a ascensão do vice, João Goulart, devido a sua fama de “comunista”. Mazzilli foi apenas uma figura decorativa, já que os três ministros militares do governo Jânio formaram uma junta provisória e presidir o Brasil até a adoção do regime parlamentarista, que foi implementado duas semanas depois e reduziu os poderes presidenciais, levando os militares a permitir que Jango assumisse a presidência.

Curiosidades: 1) O primeiro Primeiro-Ministro do parlamentarismo tupiniquim foi o político mineiro Tancredo de Almeida Neves, que dali a 24 anos, seria eleito o primeiro presidente civil pós-ditadura militar. 2) No ano seguinte a sua renúncia, Jânio disputou novamente o governo de São Paulo, mas foi derrotado por seu velho desafeto Ademar de Barros.

A experiência parlamentarista foi revogada por um plebiscito em 6 de janeiro de 1963. Duas semanas depois, Jango assumiu a presidência — que era sua por direito desde a renúncia de Jânio —, mas foi deposto pelo golpe de 1964, que deu início à ditadura militar que só terminaria em janeiro de 1985, durante o governo do general João Figueiredo, com a vitória de Tancredo Neves (MDB) sobre Paulo Maluf (ARENA) por 480 a 180 votos de um colégio eleitoral composto de senadores, deputados federais e membros das assembleias legislativas estaduais.
 
Observação: Segundo a versão oficial, uma diverticulite obrigou Tancredo a ser submetido a uma cirurgia de emergência 12 horas antes da cerimônia de posse. Também oficialmente, o mineiro foi declarado morto 38 dias e sete cirurgias depois — por uma ironia do destino, no feriado de Tiradentes, o “mártir da independência”. Figueiredo se recusou a passar a faixa ao vice, José Sarney, de quem se tornara inimigo desde que o ex-presidente da ARENA e representante do regime militar no Congresso deixara o partido governista e se juntara à oposição. “Faixa a gente transfere para presidente. Não para vice, esse é um impostor”, dizia Figueiredo, que deixou o Planalto assim que a votação no Congresso foi encerrada. Por outro lado, a mágoa que o último presidente da ditadura militar guardava do político maranhense era bem menor que a resistência da caserna a Ulysses Guimarães.  

Com a eclosão da ditadura, Jânio teve os direitos políticos cassados e só tornou disputar uma eleição em 1985, quando derrotou o tucano Fernando Henrique Cardoso e o petista Eduardo Matarazzo Suplicy e se elegeu prefeito de São Paulo. Sua vitória surpreendeu a todos, inclusivo os institutos de pesquisa, tanto que o pomposo grão duque tucano se deixou fotografar aboletado na cadeira de prefeito, o que levou Jânio a desinfetá-la ao tomar posse, dizendo: "Estou desinfetando a poltrona porque nádegas indevidas a usaram".

Em sua derradeira empreitada político-administrativa, Jânio repetiu seus lances populistas habituais: pendurou uma chuteira em seu gabinete (para ilustrar o suposto desinteresse em prosseguir na política), proibiu jogos de sunga e de biquínis fio-dental no Parque do Ibirapuera, forçou a demissão de alunos homossexuais da Escola de Balé do Teatro Municipal, aplicou multas de trânsito pessoalmente e fechou os oito cinemas que exibiriam no ano seguinte (após o término de seu mandato, portanto) o filme A Última Tentação de Cristo, por considerá-lo desrespeitoso à fé cristã.

Ao mesmo tempo em que criava factoides midiáticos estapafúrdios, o ex-presidente investiu na iluminação e pavimentação de centenas de quilômetros de vias públicas, criou a Guarda Civil Metropolitana, abriu os túneis da Avenida Juscelino Kubitschek, inaugurou o Corredor Santo Amaro, reformou o Vale do Anhangabaú, restaurou bibliotecas públicas e teatros (entre eles o Teatro Municipal) e concebeu pessoalmente um sistema viário de múltiplos túneis que conectavam avenidas vitais de São Paulo — obras caríssimas e complexas que foram interrompidas por sua imprestável sucessora, mas retomadas e concluídas pelo alcaide seguinte. Nesse meio tempo, ele se licenciou diversas vezes para cuidar tanto de sua saúde quanto da de sua mulher, Eloá Quadros (falecida em 1990). 

Jânio terminou sua derradeira gestão com apenas 30% de aprovação e apoiou a candidatura de João Leiva (em detrimento de João Mellão Netto e Marco Antonio Mastrobuono, que integraram seu secretariado). Mas quem venceu o pleito foi a petista paraibana Luíza Erundina (que, juntamente com Celso Pitta e Fernando Haddad, compõe o trio dos piores alcaides da história de São Paulo). Visivelmente abalado com a vitória do PT, o prefeito em final de mandato viajou para Londres (a pretexto de passar as festas de final de ano na cidade que tanto admirava), deixado a cargo do secretário Claudio Lembo a incumbência de representá-lo na cerimônia de posse da petista.

Foi também devido à saúde debilitada que Jânio declinou do convite do PDS para disputar a presidência em 1989 e anunciou sua aposentadoria definitiva da política. Após a morte de dona Eloá, passou o tempo de vida que lhe restava entre casas de repouso e quartos de hospitais, e três derrames cerebrais mantiveram-no em estado vegetativo durante meses; Em 16 de fevereiro de 1992, ele finalmente passou desta para melhor, deixando de herança cerca de 70 imóveis — sua única filha, Dirce “Tutu” Quadros, chegou a denunciá-lo por corrupção, e ela parecia saber das coisas: durante a Operação Castelo de Areia, a PF revelou que Jânio tinha US$ 20 milhões depositados na Suíça em uma conta secreta.

Agora a cereja do bolo: Em agosto de 1991, exatos 30 anos após sua renúncia, sabendo que não lhe restava muito tempo de vida, o ex-presidente confidenciou ao neto os verdadeiros motivos de sua renúncia, e Jânio Quadros Neto os revelou em entrevista concedida ao Fantástico em 1999. 

Como quem acompanhou atentamente esta sequência deve ter concluído, a renúncia foi uma tentativa de golpe com o propósito de reassumir ungido pelo povo e, portanto, com mais poderes, mas as palavras que Jânio usou para explicá-la ao neto (depois de definir a presidência como “a suprema ironia, pois por um lado era um inferno, mas por outro era melhor que um orgasmo”) foram as seguintes:

“A minha renúncia era pra ter sido uma articulação. Eu nunca imaginei que seria de fato aceita. Tudo foi muito bem planejado, organizado. Eu mandei o vice-presidente [Jango] em uma visita oficial à China, o lugar mais longe possível. Assim ele não estaria no Brasil para assumir no meu lugar ou fazer articulações políticas.

Eu acreditava que não haveria ninguém para assumir a presidência e pensei que os militares, os governadores e principalmente o povo jamais aceitariam minha renúncia. Pensei que iriam exigir que eu ficasse no poder, porque Jango era inaceitável para a elite. Achei também que era impossível que ele assumisse porque todos iriam implorar para que eu ficasse.

Renunciei no Dia do Soldado porque queria sensibilizar os militares, conseguir o apoio deles. Imaginei que o povo iria às ruas seguido pelos militares. Os dois me chamariam de volta. Achei que voltaria para Brasília com glória.

Ao renunciar, eu pedi um voto de segurança a minha permanência no poder, porque isso é feito frequentemente pelos primeiros ministros lá na Inglaterra. E fui reprovado. Deu tudo errado.

A renúncia foi uma estratégia política que não deu certo e também foi o maior fracasso político da história republicana do país, o maior erro que cometi. E o país pagou um preço muito alto."

terça-feira, 11 de agosto de 2020

DA PRAGA DA CASERNA AO CAPITÃO CAVERNA — NONA PARTE

A título de contextualização, sugiro reler os dois capítulos anteriores desta sequência, começando por este e seguindo por este. Dito isso, vamos adiante.

Nos dias que sucederam ao golpe de 1964, uma violenta repressão atingiu os setores politicamente de esquerda. Centenas de Inquéritos Policiais-Militares para apurar atividades consideradas subversivas foram instaurados, e milhares de pessoas foram presas e torturadas. Parlamentares foram cassados, cidadãos tiveram seus direitos políticos suspensos e funcionários públicos civis e militares foram demitidos ou aposentados. 

Por outro lado, grande parte do empresariado, da imprensa, dos proprietários rurais e vários governadores de estados (como Carlos Lacerda, da Guanabara, Magalhães Pinto, de Minas Gerais, e Ademar de Barros, de São Paulo) festejaram a intervenção militar, que diversos setores de classe média pediam e estimulavam, talvez achando que essa seria a única maneira de pôr fim à ameaça de esquerdização do governo e de controlar a crise econômica. Mas o que era para ser transitório e durar poucos meses tornou-se provisoriamente (ou quase isso). Os fardados não eram imundes à picada da mosca azul, e cinco generais se revezaram no poder ao longo dos 21 anos seguintes.

Sem imaginar o que vinha pela frente, Jânio concorreu ao governo de São Paulo nas eleições de 1962, mas foi derrotado por Adhemar de Barros. Em 1964, com a tomada do poder pelos generais, teve os direitos políticos cassados e, embora os tenha recuperado graças à lei nº 6.683 (que ficou conhecida como Lei da Anistia), somente voltou a disputar uma eleição em 1982 (para governador de São Paulo), na qual foi derrotado por André Franco Montoro, seu antigo correligionário no PDC

Três anos depois, com o apoio de empresários, entidades conservadoras (como a TFP e Opus Dei) e políticos influentes, como Paulo Salim Maluf e Antonio Delfim NettoJânio se elegeu novamente prefeito de São Paulo, derrotando o tucano Fernando Henrique Cardoso e o petista Eduardo Matarazzo Suplicy.

ObservaçãoFHC, franco-favorito nas pesquisas, deixou-se fotografar sentado na cadeira de prefeito — a foto foi publicada pela Revista Veja —, que Jânio desinfetou no dia da posse, declarando: "Estou desinfetando a poltrona porque nádegas indevidas a usaram".

Em sua última empreitada político-administrativa, o velho manguaceiro repetiu os lances populistas de sempre: pendurou um par de chuteiras no gabinete (para ilustrar o suposto desinteresse em prosseguir na pública), proibiu o uso de sunga e biquínis fio-dental no Parque do Ibirapuera (onde ficava a sede da prefeitura), mandou publicar no Diário Oficial do Município os célebres bilhetinhos que enviava a seus assessores, obrigou a direção da Escola de Balé do Teatro Municipal a expulsar alunos tidos como homossexuais, aplicou multas de trânsito pessoalmente, posou para a imprensa com a camisa do Corinthians e fechou os oito cinemas que exibiriam A Última Tentação de Cristo (filme de Martin Scorsese), embora o longa só fosse entrar em cartaz após o término de seu mandato.

Nas eleições municipais de 1988, a despeito de os candidatos João Mellão Neto (PL) e Marco Antônio Mastrobuono (PTB) terem integrado seu secretariado, Jânio apoiou o peemedebista João Oswaldo Leiva (lançado pelo então governador Orestes Quércia). Por uma ironia do destino, quem venceu o pleito foi a calamidade petista Luíza Erundina de Souza (provando para além de qualquer dúvida razoável que São Paulo é a maior capital nordestina do país), amparada quase que exclusivamente por uma plataforma de esquerda antijanista. Para não pagar o mico de transferir o cargo para a musa de Uiraúna, Jânio encarregou seu Secretário de Assuntos Jurídicos de representá-lo na cerimônia e escafedeu-se para sua amada Londres, onde passou as festas de final de ano.

A saúde fragilizada levou Jânio a desistir de concorrer à presidência em 1989 — ironicamente, na primeira eleição direta desde aquela que ele próprio venceu em 1960 — e apoiou Fernando Collor, que derrotou o imprestável retirante nordestino que disputaria outros três pleitos presidenciais até finalmente ser eleito (em 2002). Depois da vitória de Collor, o velho tutumumbuca reuniu a imprensa para anunciar sua aposentadoria definitiva da política — com a morte da mulher, em 1990, seu já precário estado de saúde se agravou ainda mais. 

A partir de então, Jânio passou o resto de seus dias em casas de repouso e quartos de hospitais. Em fevereiro de 1992, ele bateu a cacholeta no Hospital Israelita Albert Einstein, onde vegetava após ter sofrido três derrames cerebrais. Seis meses antes, nesse mesmo quarto, ele havia confidenciado a Jânio Quadros Neto sua versão da renúncia (sobre a qual falaremos oportunamente).

Convém frisar que a célebre frase “fi-lo porque qui-lo” (ou “fi-lo porque o quis”, que seria a forma mais correta) não foi uma resposta a um jornalista que teria questionado o ex-presidente sobre a renúncia. Na verdade, Jânio a proferiu quando ainda ocupava o Palácio do Planalto, durante uma reunião com governadores e outras autoridades (como veremos numa próxima postagem). Ressalte-se que ele nunca disse que renunciou movido por “forças ocultas” ou “misteriosas”; essa expressão lhe foi atribuída pelo Repórter Esso.

Entre um sem-número de tiradas tão sarcásticas quanto ácidas do velho político, cito as seguintes:

O senhor sabe quem foi Benjamin Franklin? Pois bem! Ele ensinou que "intimidade pode gerar duas coisas: filhos e/ou aborrecimentos". Como eu não pretendo ter com o senhor nem uma coisa nem outra, exijo respeito (ao passar uma descompostura num jovem que se dirigiu a ele de forma desrespeitosa, tipo “ó Jânio!”, como se fossem íntimos).

— Os servidores públicos são mulher de César (a quem não basta ser honesto, é preciso parecer honesto).

— Aprendi no berço com minha mãe, que não há homem meio honesto e meio desonesto. Ou são inteiramente honestos ou não o são (frase autoexplicativa). 

Não vivo do governo: morro nele, na sobrecarga terrível das responsabilidades e das angústias (idem).

O PMDB é uma arca de Noé, sem Noé e sem a arca (idem).

Conta o professor Deonísio da Silva que Jânio, então candidato a governador de São Paulo, enfrentou em Ribeirão Preto uma autêntica armadilha que lhe fora preparada por seu notório adversário, Adhemar de Barros. Também candidato, Adhemar paga um repórter para que vá à entrevista coletiva de Jânio e lhe faça uma única pergunta.

— O senhor sabe que a família interiorana é moralista e conservadora. Gostaria de lhe perguntar: por que o senhor bebe?

A resposta veio bem ao estilo de Jânio:

— Bebo porque é líquido. Se fosse sólido, comê-lo-ia.

O flagrante revela um cuidado específico que Jânio tinha na colocação dos pronomes, um drama para jejunos em português. ‘Comê-lo-ia’ equivale a ‘o comeria’. A síntese, desjeitosa para a fala, que prefere ‘comeria ele’, soa pernóstica. Não em Jânio apenas, aliás.

Em outra ocasião, o humorista Leon Eliachar lhe pergunta:

— Se eleito, colocará os pronomes nos seus devidos lugares?

Sua resposta:

— Os pronomes não aguardam a minha eleição para que se coloquem nos seus lugares. Estão sempre neles. A boêmia dos verbos é que mutila a boa ordem das frases. Há que lhes perdoar. Não se desgrudam da ideia de movimento. (Atualmente, é mais usual boemia, sem acento).

E provocando o candidato, Leon alude a famoso comercial:

— Só ESSO dá ao seu carro o máximo?

Jânio:

— Não entendi a pergunta. Pressinto-a sutil como o próprio interpelante. Resta-me, pois, neste instante de perplexidade, o recurso à passagem de volta: só isso dá ao seu cargo o máximo?

Eliachar faz a última pergunta:

— O oval da ESSO é oval ou aval?

Jânio tira de letra:

— Sugiro-lhe, amistosamente, uma consulta a qualquer psicanalista. O Brasil é tão mencionado no seu questionário, quanto a ESSO.

Nélson Valente, autor do livro Luz… Câmera… Jânio Quadros em Ação (o avesso da comunicação), de onde foram extraídos os trechos aqui citados, conclui piedosamente: “Ele podia dormir sem essa”.

Amanhã a gente continua...

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

NÃO PODE DAR CERTO — QUINTA PARTE



Com o golpe de 1964, o AI-1 e Castello Branco no Planalto, iniciou-se a ditadura militar que só terminaria com a eleição indireta de Tancredo Neves (que foi hospitalizado horas antes da cerimônia de posse e declarado morto 38 dias e 7 cirurgias depois) e a posse do "coroné" José Sarney (a quem o general Figueiredo se recusou a transferir a faixa presidencial). Os 21 anos sob o comando dos fardados dividiram-se em três fase distintas: 1) O Disfarce Legalista para a ditadura (1964-1968), os Anos de Terror de Estado (1969-1978) e a Reabertura Política (1979-1985).

Vale destacar que o mundo vivia um clima de animosidade política devido à Guerra Fria, e que os EUA contribuíram sobremaneira para a deposição de Jango (tido e havido como comunista) e o término do curto período democrático (de 1946 a 1964) que o Brasil viveu com o fim do Estado Novo de Getúlio Vargas. Com a consolidação do golpe e a assunção do governo provisório, o presidente deposto se exilou no Uruguai. Sob a égide dos fardados, intensificam-se as perseguições políticas, a censura, as torturas e o desaparecimento de uma miríade de pessoas — assassinadas a mando dos milicos. 

O Ato Institucional nº 5, decretado em dezembro de 1968, deu início aos chamados "anos de chumbo" — período mais repressivo da ditadura militar, que se estendeu até o final do governo Médici, em março de 1974, durante o qual era comum jornalistas serem demitidos por criticarem o governo (alguns, como Vladimir Herzog, foram covardemente assassinados).

Observação: Limitados pela Constituição de 1946, os militares precisavam de instrumentos legais para aplicação de suas ações políticas, e assim surgiram os Atos Institucionais, que "pairavam" acima da própria Constituição. Entre os anos de 1964 e 1969, foram decretados nada menos que 17 atos institucionais. O AI-2 instituiu a eleição indireta para presidente e o AI-4 convocou o Congresso para a construção de uma nova Constituição, afinada com os ideais dos militares no poder, mas foi o AI-5 que conferiu ao presidente de turno o poder de suspender direitos políticos, cassar mandatos, fechar o Congresso, e por aí afora. Não à toa, o AI-5 foi considerado um “golpe dentro do golpe”, já que foi gestado e parido por segmentos específicos dentro das FFAA.

Uma parcela substantiva da imprensa apoiou o golpe de 1964, mas esse apoio foi se desvanecendo à medida em que o regime foi endurecendo. A Constituição de 1967, promulgada às vésperas da decretação do AI-5, instituiu o Ministério Público — o que poderia ser considerado um avanço não fosse o fato de o órgão ser subordinado ao Executivo Federal. Já a Constituição Cidadã, de 1988, mudou essa história, mas a dupla Bolsonaro/Aras reverteu-a ao status quo ante, ainda que de modo informal.

Durante a "longa noite de 21 anos" (de 1964 a 1985), governaram o Brasil cinco presidentes-generais. Humberto de Alencar Castello Branco, "eleito" no dia 11 de abril de 1965 e empossado no dia 15; Costa e Silva, que governou de 1967 a 1969; Médici, de 1969 a 1974; Geisel, de 1974 a 1979; e Figueiredo, de 1979 a 1985. Por ocasião da cassação de Jango, em 2 de abril de 1964, Ranieri Mazzilli foi reconduzido ao cargo, mas sua segunda passagem pela presidência durou míseros 13 dias.

Em 31 de agosto de 1969, Costa e Silva se afastou da presidência devido a uma trombose, mas os ministros militares impediram a posse do vice, Pedro Aleixo, que havia se posicionado contra a edição do AI-5 e elaborado uma revisão da Constituição de 1967 — seu mandato foi extinto pelo AI-16, decretado em 14 de outubro de 1969.

O descontentamento com a ditadura se intensificou em meados dos anos 1970, quando começaram a pipocar os primeiros movimentos pelo fim do regime de exceção (cito as greves operárias no ABC Paulista, de 1978 a 1980, e o movimento das Diretas Já, em 1983). Coube a Geisel dar início ao processo de reabertura política lenta, gradual e segura, que se consumou com a eleição indireta de Tancredo, em 1985, e a promulgação da Constituição Cidadã, em 1988.

Como o lobo, que perde o pelo mas não larga o vício, Jânio se candidatou ao governo de São Paulo no ano seguinte ao da sua renúncia, mas foi derrotado por Adhemar de Barros e teve seus direitos políticos cassados pela ditadura militar. Em 1978, já apto a disputar eleições, o ex-presidente manifestou a intenção de concorrer à sucessão de Paulo Maluf — gatuno de marca maior, que passou uma temporada na Papuda, mas foi despachado para casa graças ao bom coração do ministro Dias Toffoli — ao governo de São Paulo.

Jânio se filiou ao PTB, que deixou 7 meses depois, para ingressar no PMDB. Como sua filiação foi recusada pela executiva nacional da sigla, ele votou ao PTB e tornou a disputar o governo de São Paulo em 1982, quando foi derrotado por André Franco Montoro. Com o fim da ditadura, o manguaceiro declarou apoio a Tancredo Neves e venceu Fernando Henrique Cardoso e Eduardo Suplicy na disputa pela prefeitura de Sampa, contrariando os prognósticos dos institutos de pesquisa. FHC, na condição de primeiro colocado nas sondagens, chegou a tirar uma foto sentado na cadeira de prefeito (que foi publicada pela Revista Veja). Na cerimônia de posse, Jânio fez questão de ser fotografado com um tubo de inseticida nas mãos para, segundo ele, desinfetar a poltrona porque nádegas indevidas a usaram".

Em sua derradeira empreitada político-administrativa, Jânio repetiu seus lances populistas habituais: pendurou uma chuteira em seu gabinete (para ilustrar o suposto desinteresse em prosseguir na política), proibiu o uso de sunga e de biquini fio-dental no Parque do Ibirapuera (onde ficava a sede da prefeitura), obrigou a direção da Escola de Balé do Teatro Municipal a expulsar alunos tidos como homossexuais, mandou publicar no Diário Oficial do Município os “bilhetinhos” que enviava a seus assessores, aplicou multas de trânsito pessoalmente, posou para a imprensa com a camisa do Corinthians e fechou os oito cinemas que iriam exibir o filme A Última Tentação de Cristo, de Martin Scorsese, por considerar a obra desrespeitosa à fé cristã.

Jânio adotou posturas autoritárias em diversas situações. Seu governo foi marcado por insatisfações de vários setores do funcionalismo público, materializadas através de greves e protestos nas proximidades de seu gabinete, aos quais quase sempre respondia com demissões em massa. Também se mostrou inflexível diante de manifestações de movimentos sociais (como o MST). Por outro lado, ele criou a Guarda Civil Metropolitana — para reforçar o policiamento na cidade, embora seus adversários o acusassem de utilizá-la como mais um de seus instrumentos de repressão.

Jânio se afastou diversas vezes do cargo para cuidar tanto da própria saúde quanto da saúde da mulher, Dona Eloá (falecida em 1990). Ao fim de sua gestão, quando já se encontrava desgastado perante a opinião pública (apenas 30% dos paulistanos aprovaram sua administração), foi acusado pelo então vereador Walter Feldmann de manter uma conta bancária na Suíça. Nas eleições de 1988, apoiou João Leiva, embora Mellão Neto e Mastrobuono, integrantes de seu secretariado, disputassem a sucessão. Dada a vitória da então petista Luíza Erundina, ele deixou o cargo dias antes do final do mandato para passar o réveillon em Londres (cidade pela qual era apaixonado), mas não sem antes incumbir seu Secretário dos Negócios Jurídicos, Cláudio Lembo, de transferir o bastão para a maior calamidade travestida de alcaide paulistano que esta cidade já viu (noves fora Fernando Haddad).

Com a saúde debilitada — em parte devido à manguaça, da qual era fã incondicional —, Jânio declinou do convite do PSD para disputar a presidência da República em 1989, preferindo apoiar o pseudo caçador de marajás — um populista como ele, como viríamos a descobrir mais adiante, da pior forma possível. Naquele mesmo ano, Jânio anunciou sua aposentadoria definitiva da política. A morte de Dona Eloá, no ano seguinte, contribuiu para agravar ainda mais seu estado de saúde do velhote, que passou os últimos meses de vida entre casas de repouso e quartos de hospitais e acabou falecendo no Hospital Israelita Albert Einstein, em 16 de fevereiro de 1992, em estado vegetativo decorrente de três derrames cerebrais.

Jânio deixou de herança para a filha cerca de 70 imóveis. Ironicamente, Dirce “Tutu” Quadros chegou o pai por corrupção — e ela parecia saber das coisas: durante a Operação Castelo de Areia, a PF revelou que Jânio tinha US$ 20 milhões em uma conta secreta na Suíça. Em agosto de 1991, exatos 30 anos após abrir mão da Presidência, Jânio confidenciou ao neto (no mesmo leito do hospital onde viria a falecer dali a menos de 6 meses) os verdadeiros motivos de sua renúncia — não sem antes definir a presidência como “a suprema ironia, pois por um lado era um inferno, mas por outro era melhor que um orgasmo”). Em entrevista concedida ao Fantástico em 1999, Jânio Quadros Neto revelou o "segredo de Polichinelo". 

Continua...

quinta-feira, 23 de maio de 2019

ENTRE JÂNIOS E BOLSONAROS



Depois que Jair Bolsonaro desistiu de participar das manifestações que articulou com a mão do gato, o assunto meio que esfriou. O acordo entre o Planalto e a Câmara para a aprovação da medida provisória que reduziu o número de ministérios também botou água na fervura, a despeito de Rodrigo Maia e o líder do governo na Câmara terem ficado de mal. É curioso que fatos dessa natureza — que em outras circunstâncias não mereceriam sequer meia dúzia de linhas no jornal — assumam tamanhas proporções, derrubem o Ibovespa e façam a cotação do dólar disparar. Mas é o retrato do país em que vivemos; não há o que fazer senão esperar que seja uma fase passageira e que tudo volte ao normal em breve.

O folhetim Flávio Bolsonaro/Fabrício Queiroz também ganhou novas nuances em seus novos capítulos, notadamente após a autorização da quebra do sigilo bancário dos envolvidos. O filho do pai, que nega ter culpa nesse cartório, mostra-se inconformado com a investigação — o que é causa espécie, considerando que ela é fundamental para afastar quaisquer suspeitas de ilicitudes, como a prática da rachadinha em seu gabinete na Alerj e sua evolução patrimonial incompatível com seus proventos de parlamentar e sócio de uma lojinha de chocolates. Supondo que as investigações apontem Queiroz como o único responsável pelos malfeitos, tornar-se-á verossímil a alegação de que o erro de Flávio foi ter confiado demais no ex-auxiliar. Se nada existe que o desabone, ele deveria incentivar a devassa nas suas movimentações financeiras — quanto mais ampla, rigorosa e transparente ela for, mais convincentes serão seus resultados.

Segundo Ricardo Noblat, zero um anda uma pilha de nervos — o que é compreensível: para qualquer cidadão, mesmo que inocente, ser investigado é uma aporrinhação. Mas confrontar a Justiça certamente não é a melhor estratégia. Aliás, esse foi o maior erro cometido por Lula desde que seus rolos foram denunciados, e parece que o filho do capitão parece decidido a seguir o mesmo caminho trilhado pelo petralha.

Condenado em duas das oito ou nove ações criminais em que figura como réu — numa delas por oito juízes de três instâncias do Judiciário —, o sacripanta de Garanhuns segue preso em Curitiba, de onde comanda uma agremiação criminosa que chama de partido e, de uns tempos a esta parte, concede entrevistas a torto e a direito. Nem o próprio PT aguenta mais tanta parlapatice. Gente que cuida da comunicação no partido acha que é hora de Lula silenciar, sobretudo no que tange ao Judiciário e ao governo Bolsonaro.

Observação: Michel Temer também protestou inocência quando Lauro Jardim trouxe a lume sua conversa de alcova com o moedor de carne bilionário dono da JBS, disse que “o inquérito no STF seria o território onde surgiriam todas as explicações”, e que seria feita “uma investigação plena e muito rápida para os esclarecimentos ao povo brasileiro”. Ato contínuo, fez o diabo para barrar as investigações e penhorou até as cuecas (as nossas cuecas) para comprar votos das marafonas do Congresso. Isso impediu que ele fosse afastado, mas não de, cinco meses depois de transferir da faixa para o presidente do turno, tornar-se réu em seis processos e ser preso preventivamente em duas oportunidades (até agora). A diferença é que Lula tem um partido que o defende e algum apoio popular (menos do que imaginou, mas tem), ao passo que Michel Temer não tem ninguém que levante a voz para defendê-lo, a não ser seus (bem pagos) advogados.

Voltando a Flávio Bolsonaro, antes da quebra do seu sigilo, ele tentou por duas vezes barrar a investigação do Ministério Público alegando que ter privilegiado porque se elegeu senador. Não funcionou. Agora, tenta se esconder à sombra do pai ao afirmar que o verdadeiro alvo da Justiça não é ele, mas sim o presidente. É uma jogada primária que, além de falta de imaginação, denota fraqueza, embute um pedido de socorro à instância invocada e acarreta descrédito. Embora tenha afirmado ao filho que não o protegerá, o presidente costuma dizer que filho é filho, coisa de sangue, e que jamais conseguirão separá-los deles. Com tal comportamento, ele se arrisca a afundar seu governo — como se não bastasse tudo o mais que ele vem fazendo nesse sentido, a pretexto de testar seus limites, como no incitamento às manifestações convocadas por seus apoiadores, que, mesmo sob o manto da democracia e da liberdade de expressão, é mais condizente com ditadores que precisam mostrar força popular — como Nicolas Maduro na Venezuela. Mas parece ser da natureza do presidente esticar a corda e soltá-la quando sente que ela vai arrebentar, como comprovam suas constantes “idas e vindas” em relação a medidas polêmicas, rejeitadas pela opinião pública ou por líderes políticos (veja-se o recuo no decreto de liberação do porte de armas).

Nas visão de Merval Pereira, um presidente democraticamente eleito há cerca de cinco meses não precisa insuflar manifestações de apoio popular, a não ser que se sinta desconfortável com as limitações que as instituições democráticas lhe impõem. Daí a mobilização da militância ser contra o Congresso, o Judiciário e a Imprensa — justamente as instituições que têm como finalidade precípua impedir que o Executivo exorbite de seus poderes, sobretudo num regime presidencialista que dá preponderância quase imperial ao presidente da República.

Como macaco velho não mete a mão em cumbuca, Bolsonaro, apesar de avalizar publicamente os protestos, desistiu de participar pessoalmente e orientou seus ministros a fazerem o mesmo, retirando o comprometedor “ar oficialesco” da convocação. Desde o início, aliás, ele deveria ter se apartado de movimentos que querem emparedar os demais poderes do Estado. É certo que sua eleição deveu-se em grande medida a um nicho que se prepara para sair às ruas em sua suposta defesa, como se ele estivesse sendo submetido a “forças terríveis” — quiçá as mesmas que levaram à renúncia de Jânio, que a exemplo do capitão era um líder populista e não se enquadrava nas limitações que a democracia de então lhe impunha. Vamos aos detalhes.

Jânio da Silva Quadros teve uma carreira meteórica: em sete anos passou de obscuro advogado e professor de Português a prefeito de São Paulo (1953), a governador (1954) e a presidente (1960) — eleito com 48% dos votos (na época não havia segundo turno). Renunciou sete meses depois, alegando motivos que até hoje dão margem a toda sorte de teorias conspiratórias. Parece ser consenso entre os historiadores que sua ideia voltar ao poder por aclamação popular, só que a estratégia não funcionou, mas jogou o país numa crise política que só seria debelada com a adoção do parlamentarismo e, de quebra, abriu a janela de oportunidade para o golpe de estado e a subsequente instalação de uma ditadura militar que durou mais de duas décadas (a despeito de os que gostam de reescrever a história afirmarem que ela nunca existiu). 

Bolsonaro, por seu turno, tenta usar o povo para não ter que sair, mas falemos mais pouco sobre seu paradigma de outrora, que foi o primeiro político a transformar o combate à corrupção em plataforma eleitoral. Usando como símbolo era a vassoura — para dar a ideia de que varreria a corrupção — e dono de um gestual histriônico e um português recheado de formas oblíquas, o político mato-grossense transformava cada comício em show. Ao longo de sua trajetória política, abriu vários inquéritos para apurar supostas irregularidades das gestões anteriores, enquanto insistia na tese de que para ele a política era um enorme sacrifício pessoal. Pura encenação.

Eleito deputado federal pelo Paraná em 1958, Jânio não compareceu a nenhuma sessão do Congresso, deixando claro seu notório desdém pelo Legislativo. Dois anos depois, representando o mesmo papel de candidato solitário que recebia apoio de partidos, e não como representante de partido, derrotou Teixeira Lott e nacionalizou seu discurso, passando de fenômeno paulista a fenômeno nacional. Em seus sete meses na Presidência, reforçou suas características mais conservadoras. Não teve problemas com o Congresso — aprovou tudo o que considerava importante —, mas fez um governo bipolar, adotando um programa econômico conservador e desvalorizou a moeda (fazendo a inflação subir), ao mesmo tempo em que implantava a política externa independente, rompendo com o alinhamento automático com os EUA em plena Guerra Fria, quando a questão cubana estava no auge. Paralelamente, buscava estabelecer uma relação direta com os governos estaduais e se imiscuía em questões irrelevantes, como os biquínis e as brigas de galo que chegou a proibir.

Mas o que parecia novo estava eivado do velho golpismo latino-americano, do desejo pelo poder absoluto. Jânio abandonou a presidência — alegando “forças terríveis” — num autogolpe que surpreendeu até mesmo os ministros militares, que não foram consultados, apesar de suas simpatias pelo autoritarismo janista. Ele esperava que sua renúncia não fosse aceita, e que um clamor popular exigisse seu retorno à presidência com amplos poderes políticos — ou seja, sem o Congresso para incomodá-lo. Puro delírio. Jânio deixou a base aérea de Cumbica solitário e rumou — a bordo de um DKW — para o litoral, de onde partiu dias depois para a Inglaterra, deixando no seu rastro uma grave crise política, que só seria resolvida com a posse de Jango, em setembro de 1961, sob regime parlamentarista.

Como o lobo perde o pelo mas não larga o vício, Jânio se candidatou no ano seguinte ao governo de São Paulo, mas foi derrotado por Adhemar de Barros. Teve os direitos políticos cassados pela ditadura militar, mas recuperou-os em 1974. Em 1978, manifestou a intenção de concorrer à sucessão de Paulo Maluf (um gatuno de marca maior, que hoje cumpre pena em prisão domiciliar) ao governo do estado de São Paulo. Filiou-se ao PTB, mas deixou o partido sete meses depois para ingressar no PMDB. Como sua filiação foi recusada pela executiva nacional da sigla, voltou ao PTB, lançou-se candidato a governador de São Paulo em 1982, mas perdeu para Franco Montoro. Com o fim da ditadura, declarou apoio a Tancredo Neves e venceu Fernando Henrique Cardoso e Eduardo Suplicy na disputa pela prefeitura de São Paulo, contrariando os prognósticos dos institutos de pesquisa. FHC, na condição de primeiro colocado nas sondagens eleitorais, chegou a tirar uma foto sentado na cadeira de prefeito de São Paulo (que foi publicada pela Revista Veja). Na cerimônia de posse, Jânio fez questão de ser fotografado com um tubo de inseticida nas mãos para, segundo ele, desinfetar a poltrona porque nádegas indevidas a usaram".

Em sua derradeira empreitada político-administrativa, o homem da vassoura repetiu seus lances populistas habituais: pendurou uma chuteira em seu gabinete (para ilustrar o suposto desinteresse em prosseguir na política), proibiu o uso de sunga e de biquini fio-dental no Parque do Ibirapuera (onde ficava a sede da prefeitura), obrigou a direção da Escola de Balé do Teatro Municipal a expulsar alguns alunos tidos como homossexuais, mandou publicar no Diário Oficial do Município os “bilhetinhos” que enviava a seus assessores, aplicou multas de trânsito pessoalmente, posou para a imprensa com a camisa do Corinthians e fechou os oito cinemas que iriam exibir o filme A Última Tentação de Cristo, de Martin Scorsese, por considerar a obra desrespeitosa à fé cristã.  

Jânio adotou posturas autoritárias em diversas situações. Seu governo foi marcado por insatisfações de vários setores do funcionalismo público, materializadas através de greves e protestos nas proximidades de seu gabinete, aos quais quase sempre respondia com demissões em massa. Também se mostrou inflexível diante de manifestações de movimentos sociais (como o MST). Criou a Guarda Civil Metropolitana para, segundo ele, reforçar o policiamento na cidade, mas seus adversários o acusavam de utilizá-la como mais um de seus instrumentos de repressão. Afastou-se diversas vezes do cargo para cuidar tanto de sua saúde quanto da de sua mulher, Eloá Quadros (falecida em 1990). Ao fim da gestão, quando já se encontrava desgastado perante a opinião pública (apenas 30% dos paulistanos aprovaram sua administração), foi acusado pelo então vereador Walter Feldmann de manter uma conta bancária na Suíça. Nas eleições de 1988, apoiou João Leiva, embora Mellão Neto e Mastrobuono, integrantes de seu secretariado, disputassem a sucessão. Deixou o cargo dez dias antes do final do mandato para passar o réveillon em Londres (cidade pela qual ele era apaixonado), depois de incumbir seu Secretário dos Negócios Jurídicos, Cláudio Lembo, de transferir o bastão para a petista Luíza Erundina — talvez a maior calamidade travestida de alcaide paulistano que esta cidade já viu.

Com a saúde debilitada — em parte devido à manguaça, de que era fã incondicional —, Jânio declinou do convite do PSD para disputar a presidência da República em 1989 e apoiou o caçador de marajás — um populista como ele, como viríamos a descobrir mais adiante. Naquele mesmo ano, anunciou sua aposentadoria definitiva da política. No ano seguinte, a morte da esposa contribuiu para agravar ainda mais seu estado de saúde, levando-o a passar os últimos meses de vida entre casas de repouso e quartos de hospitais. Acabou falecendo no Hospital Israelita Albert Einstein, em 16 de fevereiro de 1992, em estado vegetativo decorrente de três derrames cerebrais.

terça-feira, 2 de abril de 2024

60º ANIVERSÁRIO DO GOLPE DE `64

 

O golpe de Estado que prefaciou a ditadura militar — aquela que Bolsonaro sempre negou, mas tentou ressuscitar em 2022, e que seu vice classificou de "ditamole" — completou 60 anos no último domingo. O senador Auro de Moura Andrade declarou vaga a Presidência da República em 1º de abril de 1964, mas episódio entrou para a História com data anterior para evitar associações jocosas com o "dia da mentira". 

Resumindo a ópera em poucas palavras, a renúncia de Jânio e a aversão dos militares a Jango pavimentaram o caminho do golpe, e os subsequentes 21 anos de ditadura deram azo ao surgimento do lulopetismo corrupto e do bolsonarismo boçal (mais detalhes na sequência O desempregado que deu certo). 

Para quem gazeteou as aulas de História, relembro que a Guerra Fria e a Revolução Cubana levaram o sistema político brasileiro do pluralismo moderado ao pluralismo extremamente polarizado, e a situação se agravou com a vitória chapa Jan-Jan (de Jânio e Jango) em 1960. Jânio se elegeu com a promessa de resolver miraculosamente todos os problemas ligados à corrupção e inflação no país, mas, alegando que "forças terríveis" se levantaram contra ele — e apostando que seria reconduzido ao cargo pelo "clamor popular" — despachou Jango para uma missão na China, apresentou sua carta-renúncia e voou para São Paulo levando a faixa presidencial.

Depois de esperar horas na base aérea de Cumbica pelas multidões não apareceram — talvez porque um arranjo urdido nos bastidores impediu que o povo soubesse onde ele estava, ou talvez porque o povo só poderia ser mobilizado por um partido janista se seu líder tivesse permitido sua existência — o populista cachaceiro embarcou para Europa, e o Brasil mergulhou na crise provocada pelo veto à promoção do "vice comunista" a titular.

Na qualidade de presidente da Câmara, o deputado Ranieri Mazzilli assumiu a chefia do Executivo, mas uma junta provisória formada pelos três ministros militares governou o país até 8 de setembro, quando foi implantado o sistema parlamentarista. Com os poderes limitados e tendo Tancredo Neves como primeiro-ministro, Jango foi autorizado a assumir a presidência como chefe de Estado. 

Curiosidades1) Dali a 24 anos, o primeiro-ministro de Jango se tornaria o primeiro presidente civil pós-ditadura militar. 2) Em 1962, Jânio concorreu ao governo de São Paulo, mas foi derrotado por seu velho desafeto Adhemar de Barros e só voltou a disputar um cargo público em 1985, quando derrotou o tucano Fernando Henrique e o petista Eduardo Suplicy e se elegeu prefeito da capital paulista.

Jango só assumiu o posto a que tinha direito desde a renúncia de Jânio depois que o referendo de 6 de janeiro de 1963 restabeleceu o presidencialismo, mas as tensões se intensificaram quando ele declarou que a reforma agrária era uma questão de honra em seu mandato. Embora não houvesse a menor possibilidade de uma vitória comunista — nem pela via reformista, nem pela luta armada —, parte da elite brasileira bateu às portas dos quartéis, e os militares atenderam prontamente (até porque a doutrina que aprendiam na caserna era a do Ocidente x Pacto de Varsóvia).

Quando a Marcha da Família com Deus pela Liberdade escancarou o apoio civil ao golpe, o Congresso, ameaçado de fechamento, chancelou a derrubada de Jango e a "eleição" do então chefe do Estado-Maior das Forças Armadas — o marechal Castello Branco —, que deixou o Planalto em 15 de março de 1967 e morreu quatro meses depois, vítima de um acidente de avião no Ceará. Outros quatro generais-ditadores — Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo , se revezaram no poder até 1985, num jogo um jogo de cartas marcadas em que o partido de oposição (MDB) era meramente figurativo. 

Observação: Muitos democratas e liberais apoiaram o golpe achando que os militares voltariam para os quartéis em 1965, quando haveria novas eleições e Juscelino (pelo lado reformista democrático) e Carlos Lacerda (conservador liberal, democrata) disputariam a Presidência. Mas eles não demoram a perceber que os militares, picados pela mosca azul, tencionavam se perpetuar no poder. 
 
A dança das cadeiras dos fardados terminou com a eleição indireta de Tancredo Neves, em janeiro de 1985, que reascendeu a chama da esperança no coração de 130 milhões de brasileiros. Mas a alegria durou pouco: por uma trapaça do destino, o presidente eleito baixou ao hospital horas antes da cerimônia de posse e bateu as botas 38 dias e 7 cirurgias depois, deixando de herança um neto que envergonhou o país e um vice que se tornou pai e avô do Centrão
O resto é história recente. 
 
Em 1989, já sob a égide da Constituição Cidadã, os brasileiros voltaram às urnas (depois de um jejum de 29 anos) para escolher seu presidente. Entre os 22 postulantes havia políticos do quilate de Ulysses Guimarães, Mario Covas, Leonel Brizola e Ciro Gomes e aberrações como Enéas Carneiro, Livia Maria Pio e Sílvio Santos, mas o eleitor tupiniquim, sempre pronto a fazer as piores escolhas, escalou Collor (com 30,5% dos votos) e Lula (com 17,2%) para disputar o segundo turno, quando então o pseudo caçador de marajás derrotou o desempregado que deu certo por 53% a 47%.
 
Durante a campanha, Collor prometeu alvejar o "tigre da inflação" com uma "bala de prata". Eleito, apertou o gatilho um dia antes da posse ao pedir a Sarney que decretasse feriado bancário para que o mercado se adequasse ao conjunto de medidas econômicas mais radical que o país já amargou. Além de congelar preços e salários — a exemplo dos planos Cruzado, Cruzado II e Verão, editados durante o governo Sarney—, o Plano Collor bloqueou todo o dinheiro depositado nos bancos e aplicado no mercado financeiro até o limite de Cr$ 50 mil. Como resultado, o PIB encolheu 4,5% e o número de falências, infartos e suicídios teve um aumento significativo.
 
Plano Collor II aumentou tarifas públicas, decretou o fim do overnight e criou a FAF (Fundo de Aplicações Financeiras) e a TR (Taxa de Referência de Juros), mas a inflação voltou a subir, o desemprego cresceu, estatais foram vendidas a preço de banana e houve um desmonte das ferrovias e cortes de investimentos federais em infraestrutura. Entre o fim do Plano Marcílio e o início do Plano Real a inflação baixou dos 2.000% a.a. para "apenas" 1119,91% a.a. — índice registrado no final de 1992, quando o
 Rei-Sol, autoritário como poucos e corrupto como muitos, foi chutado do Planalto pela porta dos fundos
 
Observação: Ciente de que sua deposição eram favas contadas, Collor renunciou às vésperas do julgamento de seu impeachment — que teve como estopim uma entrevista concedida por Pedro Collor à revista VEJA —, mas o Senado seguiu adiante e o condenou (por 76 votos a 3) à perda do cargo e suspendeu seus direitos políticos por 8 anos.   
 
Com a deposição do "Roxinho", o vice Itamar Franco passou a titular e nomeou Fernando Henrique ministro da Fazenda. Impulsionado pelo sucesso do Plano Real, o tucano se elegeu presidente em 1994, comprou a PEC da reeleição em 1997 e se reelegeu 1998. Como não lhe restavam novos coelhos para tirar da velha cartola, FHC não conseguiu eleger José Serra seu sucessor.A
 vitória de Lula em 2002 marcou o início à era lulopetista, que só foi interrompida em 2016, com o impeachment de Dilma

Com a deposição da gerentona de araque, seu vice foi promovido a titular e se mudou para a residência oficial da Presidência, mas voltou semanas depois para o Jaburu, porque, segundo ele, o Palácio da Alvorada é assombrado. Assim, Michel Temer se tornou o primeiro e único caso documentado de vampiro que tem medo de fantasma. 
 
A troca de comando foi como uma lufada de ar fresco numa catacumba: após 13 anos de garranchos verbais de um semianalfabeto e frases desconexas de uma anormal incapaz de juntar sujeito e predicado numa frase que fizesse sentido, um presidente que não só sabia falar como até usava mesóclises pareceu um refrigério. Demais disso, o vampiro do Jaburu
 conseguiu reduzir a inflação (que rodava pelos 10% quando ele assumiu), baixar a Selic e aprovar a PEC do Teto dos Gastos e a Reforma Trabalhista, mas o ministério de notáveis que prometeu se revelou uma notável agremiação de corruptos, e quando sua conversa de alcova com Joesley Batista veio a público, o sonho de entrar para a história como "o cara que recolocou o Brasil nos eixos" virou o pesadelo de vir a ser "o primeiro presidente no exercício do mandato denunciado por crime comum". 
 
Observação: A tropa de choque capitaneada por Carlos Marun contratou um coral de 251 marafonas para entoar a marcha fúnebre enquanto a segunda "flechada de Janot" era sepultada na Câmara, mas Temer terminou seu mandato-tampão como um "pato manco" — que é como os americanos se referem a políticos que chegam tão desgastados ao final do mandato que até os garçons lhes servem o café frio. 
 
Em 2018, uma extraordinária conjunção de fatores empurrou para o Planalto um combo de mau militar e parlamentar medíocre que atribuiu a vitória a uma "cagada do bem". Quatro anos depois, derrotado nas urnas, ele exortou seus paus-mandatos a "virar a mesa". Investigado em sete inquéritos, inelegível até 2030 e na bica de ver o sol nascer quadrado, esse dejeto da escória da raça humana aguarda a primeira condenação posando de perseguido. 
 
A retomada democrática instituída em 1985 com a eleição do presidente "Viúva Porcina" (que foi sem nunca ter sido) e sacramentada em 1988 pela promulgação da Constituição Cidadã não exorcizou os fantasmas da ditadura. No último dia 29, o STF começou a julgar em plenário virtual os limites da atuação das FFAA estabelecidos no Art. 142 da CF (o ministro Luiz Fux, relator da encrenca, já votou pelo sepultamento da tese de que os fardados são o "poder moderador" da República).

Para evitar atritos com as Forças Armadas, Lula vetou qualquer ação alusiva ao golpe de '64, mas sete dos 38 ministros foram às redes sociais prestar homenagens aos "desaparecidos" dos anos de chumbo
Lobotomizados pela polarização semeada pelo "nós contra eles" do xamã petista e estrumada pela extrema-direita radical que saiu do armário durante a campanha de 2018, os devotos do bolsonarismo, vítimas da pior espécie de cegueira, consideram seu "mito" um ex-presidente de mostruário perseguido injustamente por "Xandão", como deixou claro a manifestação de 25 de fevereiro passado.

Observação: Claro que muita gente reza (ou finge rezar) por essa cartilha devido a interesses escusos, da mesma forma e pelos mesmos motivos que muita gente finge acreditar que Lula é a alma viva mais honesta do Universo e que sua prisão "foi uma armação, um dos maiores erros judiciários da história do país". Mas isso é outra conversa. 
 
Em face de todo o exposto, não há o que celebrar em 31 de março (nem em 1 de abril, a não ser o "dia da mentira"). Comemorar a instalação de uma ditadura que fechou instituições democráticas e censurou a imprensa é permitir que ódios do passado envenenem (ainda mais) o presente e destruam o futuro. 

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

DA PRAGA DA CASERNA AO CAPITÃO CAVERNA — DUODÉCIMA PARTE

João Fernandes Café Filho — que era vice de Getúlio Vargas e figura em nossa lista de ex-presidentes que não concluíram seus mandatos (os anteriores foram abordados nos posts dos dias 21 e 22) — ascendeu ao cargo em agosto de 1954, quando o titular ”saiu da vida para entrar na história”, mas se afastou em novembro do ano seguinte, a pretexto de tratar um mal cardíaco, e jamais reassumiu o posto. Mas vamos por partes.

Em 3 de outubro de 1955, quando Juscelino Kubitschek se elegeu presidente, a ala conservadora (sobretudo ligada à UDN) e os militares, inconformados com o resultado das urnas, urdiram um golpe de Estado para impedir a posse de JK. Eles contavam com o apoio tanto de Café Filho quanto do presidente da Câmara, Carlos Luz, que assumiu interinamente quando do afastamento de Café — vale lembrar que, com o "suicídio" de Vargas e a promoção de Café a titular, os próximos na linha sucessória, segundo a Carta Magna de 1946, art.79, § 1º, eram os presidentes da Câmara Federal, do Senado e do STF (da mesma forma que acontece atualmente, à luz da CF de 1988).

Assim que subiu de posto, Luz substituiu o general Henrique Lott pelo também general Álvaro Fiúza de Castro no comando do Ministério da Guerra. Sentindo o cheiro do golpe, Lott depôs Luz (que ficou apenas 4 dias no cargo e foi impichado em 11 de novembro) e empossou Nereu Ramos, então presidente do Senado. E assim, pela primeira vez na história, o Brasil teve três presidentes numa única semana.

Visando evitar que Café Filho, àquela altura "miraculosamente restabelecido", reclamasse o posto e somasse forças com a ala que queria impedir a posse de JK, Lott mandou tanques de guerra cercarem a casa do desafeto, em Copacabana, e agilizou junto aos parlamentares o julgamento de seu impeachment, que foi aprovado em 22 de novembro. E para impedir novas tentativas de golpe, Nereu governou sob estado de sítio pelos dois meses seguintes, até entregar a faixa presidencial a JK, em 31 de janeiro de 1956.

Observação: Para que dois presidentes fossem impichados a toque de caixa no final de 1955, a Constituição precisou ser “rasgada” algumas vezes (a pretexto de salvar a democracia). Não fosse isso, JK não teria assumido a Presidência. Aliás, talvez fosse o caso de Maia e Alcolumbre relembrarem o que aprenderam (ou deveriam ter aprendido) nas aulas de história. Antes que o mal cresça, corta-se a cabeça.   

Ao final de sua gestão — em que prometeu realizar “cinquenta anos de progresso em cinco de governo” — JK, mui mineiramente, mudou a capital federal do Rio de Janeiro para o meio do nada, digo, para o centro do país, e transferiu a faixa para o presidente eleito Jânio Quadros, que tomou posse em 31 de janeiro de 1961 e renunciou 6 meses e 25 dias depois.

Como as consequências da renúncia de Jânio já foram esmiuçadas (e voltarão a sê-lo em momento oportuno), resta dizer apenas que depois de João Goulart — que foi vice de JK e de Jânio, acabou cassado pelo golpe de ’64, exilou-se no Uruguai e morreu na Argentina em 1976 —, o Brasil só voltou a ter um presidente civil em 1985, após um colégio eleitoral formado por deputados, senadores e governadores eleger Tancredo Neves, no apagar das luzes do governo Figueiredo

Quis o destino que a raposa mineira fosse internada 12 horas antes da posse e viesse a falecer 38 dias e sete cirurgias depois — ironicamente, no dia 21 de abril, feriado que homenageia Tiradentes, o Mártir da Independência, levando para o túmulo as esperanças de milhões de brasileiros e deixando de herança — além de um neto que anos depois envergonharia o país — um oligarca maranhense, escritor, poeta e acadêmico chamado José Sarney.

Coube a Sarney pilotar a Nau dos Insensatos até 1989, quando, na primeira eleição direta para presidente da República em 29 anos, diante de um cardápio composto por 22 candidatos — teriam sido 23 se Jânio não desistisse de participar por motivos de saúde —, o eleitorado tupiniquim descartou Ulisses Guimarães, Mario Covas, Ronaldo Caiado (e mais 17 postulantes que, juntos, não valiam dois mirreis de mel coado) e escalou para o segundo turno um caçador de marajás de araque e um sindicalista picareta. 

No dia 17 de dezembro, o engomado almofadinha populista de direita derrotou o mal-ajambrado e semianalfabeto populista de esquerda (dono de um carisma que lhe rendeu o honroso apelido de “encantador de burros”), e assim Fernando Affonso Collor de Mello entrou para a História não só como o primeiro presidente da Nova República eleito pelo voto direto, mas também como o primeiro presidente da Nova República condenado num processo de impeachment.

Observação: Obviamente, nenhum dos cinco generais que presidiram o Brasil durante os anos de chumbo (Castello Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo) foi deposto, renunciou ou morreu no exercício do cargo, mas isso é assunto para outra sequência.

Em 1992, Collor (clique aqui para acessar um breve resumo de seu atabalhoado governo), em meio a grandes manifestações populares pedindo sua cabeça, foi afastado do cargo e renunciou dois meses depois, às vésperas do julgamento de seu impeachment no Senado. Com a renúncia, a ação perderia o objeto (como cassar o mandato de alguém que já renunciou a ele?), mas o julgamento prosseguiu mesmo assim e o réu foi considerado culpado e condenado a oito anos de inelegibilidade (Collor recorreu, mas perdeu).

O segundo impeachment desde a redemocratização foi o de Dilma — a tragédia anunciada com que Lula empalou a brava gente brasileira em 2010 — que, mesmo sendo a pior presidente desde que Cabral aportou na costa da Bahia, conseguiu se reeleger em 2014, ser afastada em maio de 2016 e penabundada em 31 de agosto.

Discorrer sobre a trajetória política da gerentona de festim (que levou à falência duas lojinhas de badulaques importados) de seu tempo de guerrilheira de arque até o definitivo “tchau, querida”, passando pelo monumental estelionato eleitoral que resultou em sua reeleição (ela própria havia dito com todas as letras que “em ano eleitoral a gente faz o Diabo”) seria abusar da paciência do leitor. Mas basta retornar pelo blog até o ano de 2016 para encontrar posts sobre os detalhes sórdidos que abrilhantaram os 5 anos 4 meses e 12 dias em que essa senhora, verdadeiro rascunho do mapa do inferno em forma de gente, demoliu tijolo a tijolo a economia do país. Mesmo assim, não descarto a possibilidade de retomar esse assunto numa próxima oportunidade. De momento, limito-me a relembrar uma síntese inspirada, da lavra do jornalista Augusto Nunes:

Dilma, sem saber atirar virou modelo de guerrilheira; sem ter sido vereadora virou secretária municipal; sem passar pela Assembleia Legislativa virou secretária de Estado sem estagiar no Congresso virou ministra; sem ter inaugurado nada de relevante fez posse de administradora pública; sem saber juntar sujeito e predicado virou estrela de palanque e sem ter tido um único voto na vida, virou candidata à Presidência, foi eleita em 2010 e reeleita em 2014 e só não destruiu totalmente a economia tupiniquim porque foi providencialmente apeada do cargo em 2016

Antes de concluir, vale relembrar o comportamento vergonhoso dos presidentes do Senado e do STF (Renan Calheiros e Ricardo Lewandowski, respectivamente), que tramaram nos bastidores o fatiamento da votação — como se a perda do mandato e a inabilitação por oito anos para o exercício de cargos públicos fossem penas alternativas, quando na verdade a segunda é acessória da primeira — para preservar os direitos políticos da Bruxa Má do Oeste. Assim, ainda que a deposição da presidanta tenha sido confirmada por 61 votos a 20, somente 42 dos 81 senadores votaram pela cassação de seus direitos políticos (faltaram, portanto, 7 votos para que a maioria qualificada de 3/5 fosse alcançada). 

Observação: O artigo 52 da Constituição de 1988 reza que “Nos casos previstos nos incisos I (processo contra presidente da República) e II (processo contra STF), funcionará como Presidente o do STF, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis(o grifo é meu). Em outras palavras, a Lei não separa a inabilitação da perda do cargo.

Coube ao eleitorado mineiro terminar nas urnas o que o Congresso começou (isso comprova a teoria de que até um burro cego consegue eventualmente encontrar a cenoura). A despeito das expectativas da mídia “cumpanhêra” e dos institutos de pesquisa, que tinham como líquida e certa a vitória do egun mal despachado na disputa por uma vaga no Senado, a petista amargou um vergonhoso quarto lugar.