Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta vampiro fantasma. Ordenar por data Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta vampiro fantasma. Ordenar por data Mostrar todas as postagens

domingo, 14 de agosto de 2022

ERA UMA VEZ, NO PAÍS DAS MARAVILHAS...

 

Por ter exercido apenas cargos de gestão até 2010, Dilma adquiriu o hábito de mandar. No Planalto, incorporou novas "virtudes", como a soberba, a arrogância e a agressividade. Impaciente, queria tudo “para ontem”. Ignorante, posava de onisciente. Contrariada, atirava objetos nas pessoas — grampeadores eram repostos regularmente em seu gabinete. 


As folclóricas "pedaladas fiscais" foram apenas a justificativa mais à mão para o pé na bunda. A estrupícia foi defenestrada por não ter jogo de cintura no trato com o Congresso. Mas seu vice, que foi o grande mentor e o maior beneficiário do impeachment, tinha traquejo político de sobra. 

 

Caçula temporão de oito irmãos, Michel Miguel Elias Temer Lulia graduou-se em Direito pela USP em 1963 e ingressou na política no ano seguinte, mas só se filiou ao PMDB (hoje MDB), em 1981. Depois de ocupar os cargos de procurador-geral do Estado e secretário de Segurança Pública de São Paulo, o futuro vampiro do Jaburu foi deputado federal por seis mandatos e presidente do PMDB por mais de 15 anos. Em 2009, Temer foi o primeiro colocado entre os parlamentares mais influentes do Congresso. No ano seguinte, aceitou o convite de Lula para disputar a vice-presidência na chapa encabeçada por Dilma


No final de 2015, o nosferatu enviou à "chefa" uma carta (que ele próprio se encarregou de vazar para a imprensa) reclamando de ser um "vice decorativo" e dizendo que sempre teve ciência da desconfiança de Dilma e do PT em relação a ele e ao PMDB. Em resposta, a mandatária afirmou que “não via motivos para desconfiar um milímetro de seu vice, que sempre teve um comportamento bastante correto”, mas logo percebeu que estava enganada. 

 

Assim que a Câmara votou a admissibilidade do impeachment, Temer vazou um arquivo de áudio em que ele falava como se estivesse prestes a assumir o governo. No dia seguinte, Dilma esbravejou que "havia um golpe em curso, e que tinha chefe e vice-chefe" (referindo-se a Temer e a Eduardo Cunha, então presidente da Câmara). 


Madame foi afastada no dia 11 de maio e penabundada em 31 de agosto, quando então o "golpista" passou de presidente interino a titular. Os puxa-sacos de plantão convenceram-no a trocar o Jaburu pelo Alvorada, argumentando que "a mudança atribuiria legitimidade a seu mandato". E assim foi feito. Mas Temer voltou ao Jaburu depois de pouco mais de duas semanas; segundo ele próprio afirmou a VEJA, o Alvorada é assombrado


Como se vê, o Brasil é um país tão surreal que até vampiro tem medo de fantasma.

 

Inicialmente, a troca de comando foi como uma lufada de ar fresco numa catacumba. Depois de mais de 13 anos ouvindo garranchos verbais de um semianalfabeto e frases desconexas de uma destrambelhada, ter um presidente que não só sabia falar como até usava mesóclises foi um refrigério. Para além disso, Temer conseguiu reduzir a inflação, baixar a Selic e aprovar a PEC do Teto dos Gastos e a Reforma Trabalhista. Mas seu ministério de notáveis se revelou uma notável agremiação de corruptos. 

 

Em pouco mais de um mês de governo, caíram os ministros do Planejamento, da Transparência e do Turismo. O primeiro, Romero Jucá — que defendeu um pacto para “estancar a sangria” produzida pela Lava-Jato —, ganhou do presidente uma secretaria criada especialmente para evitar que ele perdesse o foro privilegiado.  Na sequência, caíram o Advogado-Geral da União e os ministros da Cultura e da Casa Civil (foi num apartamento deste último que a PF apreendeu R$ 51 milhões em dinheiro vivo, armazenados em malas e caixas de papelão). Temer se empenhou em preservar Eliseu Padilha e Moreira Franco, que, nas palavras de Joesley Batista, ajudavam o presidente a comandar “a quadrilha mais perigosa do Brasil”.

 

Temer almejava entrar para a história como “o cara que recolocou o Brasil nos eixos”. O sonho durou pouco. Depois que sua conversa de alcova com Joesley Batista foi revelada por Lauro Jardim, o presidente passou a ser lembrado pela célebre frase “tem de manter isso, viu”. O então procurador-geral Rodrigo Janot (outra aberração da natureza) ofereceu duas denúncias contra ele, que não se deu por achado: com a ajuda de sua tropa de choque (capitaneada Carlos Marun, o ridículo), montou sua tenda de mascate libanês na porta da Câmara e passou a oferecer cargos e verbas em troca dos votos das marafonas parlamentares. 


Observação: Nada muito diferente do que Lula tentou fazer durante o impeachment de sua deplorável sucessora. Mas o petralha malhou em ferro frio, e Temer conseguiu que a maioria do lupanar entoasse a marcha fúnebre enquanto as denúncias de Janot eram sepultadas.

 

Corta para julho de 2022:  Um petista habituado às negociações e articulações políticas afirmou em off que o ex-presidente estava propenso a trabalhar por uma aliança em torno de Lula ainda no primeiro turno, em detrimento da candidatura da senadora emedebista Simone Tebet. Como contrapartida, o vampiro pediu que o PT deixasse de se referir a ele como “golpista”. 


Apesar de ser um exímio estrategista, Temer não só deu com os burros n'água como provocou a ira de Dilma, a irascível, ao destacar durante uma entrevista que madame era “honestíssima”. Não use minha honestidade para aliviar sua traição”, reagiu a estocadora de vento, exsudando ressentimento. 


Embora pudesse render bons frutos eleitorais, a aliança era considerada improvável. Querer que o PT deixe de tratar o impeachment como um golpe seria exigir demais da patuleia.

 

Continua...

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS (PARTE XI)


Pessoas normais miram-se no espelho e veem a própria imagem. Ególatras, megalômanos e lunáticos veem aquilo que gostariam de ver — ou de ser. Eis o porquê de certo retirante pernambucano que vendeu laranjas, engraxou sapatos e trabalhou como office-boy antes de se tornar torneiro mecânico, eneadátilo, dirigente sindical, fundador de político e presidente da República se ver como “a alma viva mais honesta do Brasil”.

Os vampiros, como se sabe, não têm a imagem refletida em espelhos, e talvez por isso... bem, vamos por partes. Em dezembro de 2015, o então vice decorativo de Dilma enviou uma carta à chefa (que vazou por obra e graça do próprio missivista e foi largamente reproduzida na mídia) dizendo que “a palavra voa, mas o escrito fica” — daí ele preferir manifestar por escrito o "desabafo que devia ter feito muito antes" — e que sempre teve ciência da absoluta desconfiança da presidanta e do PT em relação a ele e ao PMDB

A nefelibata da mandioca disse que “não via motivos para desconfiar um milímetro de seu vice, que sempre teve um comportamento bastante correto”, mas não demorou a perceber que estava enganada. Depois que a Câmara votou a admissibilidade do impeachment, Temer enviou uma mensagem de voz a parlamentares peemedebistas em que falava como se estivesse prestes a assumir o governo. 

O áudio dava a impressão de ser um “comunicado" sobre como ele pretendia conduzir o país. Sua assessoria informou que a mensagem havia sido enviada por engano a um grupo de deputados do partido, mas a desculpa não colou. No dia seguinte, Dilma declarou que "havia um golpe em curso que tinha chefe e vice-chefe" (referindo-se a Temer e a Eduardo Cunha, então presidente da Câmara). Sábias palavras, majestade.

Quando foi promovido a titular, Temer relutou em deixar o Jaburu e se instalar no Alvorada, mas cedeu à pressão de aliados — segundo os quais a mudança “atribuiria legitimidade a seu mandato como presidente”. Só que não chegou a esquentar lugar: a despeito dos mais R$ 20 mil que foram gastos com a adaptação do palácio às necessidades de Michelzinho, o vampiro voltou de mala e cuia para o Jaburu. Segundo ele revelou entrevista à revista Veja, o Alvorada era assombrado. Vampiro com medo de fantasma era só o que nos faltava!

Num primeiro momento, a troca de comando foi como uma lufada de ar fresco numa catacumba. Após 13 anos e fumaça ouvindo os garranchos verbais de um semianalfabeto e as frases desconexas de uma destrambelhada que não era capaz sequer de juntar sujeito e predicado numa frase que fizesse sentido, um presidente que não só sabia falar como até usava mesóclises era um refrigério. Não seria de esperar que os problemas do país fossem solucionados da noite para o dia, mas o fato é que Temer conseguiu reduzir a inflação (que rodava pelos 10% quando ele assumiu) e baixar a Selic e aprovar a PEC do Teto dos Gastos e a Reforma Trabalhista, entre outros “prodígios”. No entanto, o ministério de notáveis que ele prometeu se revelou uma notável agremiação de corruptos — que foram caindo à razão de um por mês.

O primeiro a cair foi Romero Jucá, o “Caju”, colega de partido e amigo de longa data de Temer. Em conversa com o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado — gravada sem o conhecimento do interlocutor —, ouve-se Jucá dizer defendendo um pacto para “estancar a sangria” (referindo-se à Lava-Jato). Mesmo sem o status de ministro, o político pernambucano continuou no governo, ocupando uma secretaria criada especialmente para preservar seu direito ao foro privilegiado.

Uma semana depois que o caju caiu do pé foi a vez do ministro da Transparência, Fiscalização e Controle, que caiu devido a uma conversa — também gravada à sorrelfa por Machado — em que ele criticava a Lava-Jato e orientava Renan Calheiros sobre como se comportar em relação à PGR.  Junho levou embora o ministro do Turismo — que, segundo a delação premiada de Machado, teria recebido R$ 1,55 milhão em propina entre 2008 e 2014. 

Julho passou batido, mas agosto pegou no contrapé o então Advogado-Geral da União, que foi demitido por conta de uma discussão com o então todo-poderoso ministro-chefe da Casa Civil (o amigão de Temer em cujo apartamento a PF encontrou R$ 51 milhões em caixas de papelão). O imbróglio resultou também na demissão do ministro da Cultura — que alegou ter sido pressionado para aprovar o projeto imobiliário La Vue Ladeira da Barra, onde o chefe da Casa Civil tinha um apartamento. O desgaste decorrente do episódio levou à queda do próprio Geddel, que “se demitiu” uma semana mais tarde. Temer se empenhou em preservar Eliseu Padilha, o “Primo”, e Wellington Moreira Franco, o “Angorá”, que o ajudavam a comandar, nas palavras de Joesley Batista, “a quadrilha mais perigosa do Brasil”. Tutti buona gente!

Michel Temer, que aspirava a entrar para a história como “o cara que recolocou o Brasil nos eixos”, tornou-se o primeiro presidente no exercício do mandato a ser denunciado por crime comum. Mesmo assim, a nauseabunda tropa de choque do Planalto — capitaneada pelo abjeto Carlos Marun — recrutou um coro de 251 marafonas da Câmara para entoar a marcha fúnebre enquanto a segunda denúncia contra o presidente era sepultada, malgrado a caudalosa torrente de indícios de que ele havia mijado fora do penico. 

A honestidade e a lisura no trato da coisa pública — virtudes esperadas de presidentes, ministros, parlamentares, governadores e políticos em geral — há muito fizeram as malas e partiram do Brasil. Para onde? Ninguém sabe, ninguém viu. Prova disso é a sucessão de escândalos-nossos-de-cada-dia, de fazer corar santo de pedra, mas que a população transforma em anedota porque lágrimas não pagam dívidas e a vida precisa continuar. 

Continua...

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

FELIZ ANO NOVO. DE NOVO.


Em 2014, a reeleição da cria e pupila do criminoso de Garanhuns jogou o Brasil na pior recessão de sua história. Dentre outras desgraças, o fechamento de postos de trabalho empurrou milhões de brasileiros para o subsolo da linha de pobreza, os índices de mortalidade infantil dispararam e o Brasil se tornou um dos países mais perigosos do planeta.

Em 2015, tínhamos uma presidanta encurralada, sem autoridade, nexo ou respeito; um presidente da Câmara descrito como “homem de poderes sobrenaturais” e um ex-presidente da República picareta, sempre prestes a “virar o jogo” mediante conchavos milagrosos — que meses depois tentaria nomear a si próprio ministro da Casa Civil e, a partir daí, resolver a situação toda em seu próprio benefício. Tínhamos, ainda, um cangaceiro presidindo o Senado e atuando como marechal de campo na guerra para manter no comando a farsante que se autodeclarava “presidanta honesta, competenta e eleita democraticamente “.

Em dois mil e dezechega — como dizíamos no final daquele ano aziago — a anta incompetenta foi expelida (pelo conjunto de sua imprestável obra e falta de traquejo político para se relacionar com o Congresso; oficialmente, o motivo do impeachment foram as  pedaladas fiscais e maracutaias da ordem de R$ de 60 bilhões). Foi também em 2016 que o molusco abjeto se tornou réu pela primeira vez e o vice-presidente decorativo, visto como a ponte que poderia conduzir o país à salvação, foi promovido a titular. E assim a economia deu sinais de recuperação, a inflação e a taxa básica de juros começaram a recuar, os índices de desemprego pararam de crescer e reformas importantes para o país começaram a avançar.

Nem bem o calendário virou para 2017 — ano em que depositávamos esperanças de melhoras mais consistentes —, eclodiram rebeliões nos presídios e uma greve absurda da PM, que causou a morte de centenas de inocentesVale lembrar que até então ninguém imaginava que dali a três anos morreriam centenas de pessoas todos os dias, no Brasil, e que nosso arremedo de presidente daria de ombros, riria e diria: “E daí?”.

Ainda em janeiro de 2017 um trágico acidente aéreo vitimou o ministro Teori Zavascki e deixou o STF sem relator dos processos da Lava-Jato, às vésperas da homologação da Delação do Fim do Mundo. Ainda assim, a despeito do "fogo amigo", houve avanços na luta contra a corrupção. 

Foram em cana desqualificados como Rodrigo Rocha Loures — o “homem da mala”, ex-assessor e pessoa da mais estreita confiança do presidente Temer —, Geddel Vieira Lima o homem dos R$51 milhões e também amigão do peito do mandatário de turno —, os ex-governadores Sérgio Cabral e Anthony Garotinho, quase todos os membros do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro e do alto escalão da Alerj (a começar pelo presidente da Casa). Em abril, depois de ter a condenação ratificada pelo TRF-4 no processo sobre o folclórico tríplex no Guarujá, o picareta dos picaretas finalmente foi preso.

Em meados de maio, Lauro Jardim trouxe a lume uma conversa de alcova nada republicana entre Temer e o moedor de carne bilionário dono da JBS. O vampiro do Jaburu fechou-se em copas e cogitou de renunciar, mas foi demovido pelos puxa-sacos de plantão — com destaque para o aparvalhado Carlos Marun, que performou uma dancinha patética quando as marafonas do Congresso livraram o rabo sujo do Diphylla Ecaudata.

Temer ensaiou durante horas o papel de vestal ofendida, mas só se sentiu preparado para encená-lo na tarde do dia seguinte. Do Palácio do Planalto para o mundo e em rede nacional, dedicou-se sua insolência à inglória tarefa de explicar o inexplicável, e terminou o solilóquio lamentando que "fantasma da crise política" voltara a rondar o Planalto.

Não renunciarei. Repito: Não renunciarei. Sei o que fiz e sei da correção dos meus atos. Exijo investigação plena e muito rápida para os esclarecimentos ao povo brasileiro. Meu único compromisso é com o Brasil, e só este compromisso me guiará”, esbravejou o vampiro, com uma cara de pau de deixar Lula roxo de inveja. A certa altura chegou a dizer que a investigação no STF seria "o território onde aflorariam as provas de sua inocência". Mas o que a partir daí, na verdade, foi empenhar sua alma imortal para impedir que a Câmara autorizasse o STF a processá-lo.

Durante algum tempo dizia-se o tempo todo que o governo estava “com os dias contados”. Mas Temer, tal qual os cagalhões que flutuam no rios Pinheiros e no Tietê (verdadeiros esgotos a céu aberto que cortam São Paulo), não afundou nem com reza brava. 

Como na fábula do Menino e Lobo, a conversa de que “a qualquer momento...” acabou enchendo o saco, até porque o povo tem mais o que fazer para pôr comida na mesa — e sustentar a caterva de corruptos fantasiada de agentes públicos.

Ainda assim, aos trancos e barrancos o pato manco chegou melancolicamente ao final de seu funesto mandato e, em 1ª de janeiro de 2018, passou a faixa para sabe-se lá se uma versão revista e atualizada da Caixa de Pandora ou uma combinação dos quatro Cavaleiros do Apocalipse (Peste, Guerra, Fome e Morte), mas que se encalacrou no Palácio do Planalto e lá permanece até hoje, graças à inação, a pusilanimidade e o desinteresse dos Poderes Legislativo e Judiciário.

O ano seguinte teve “seus momentos” — que se podem conferir através do campo “arquivos do Blog” para revistar as postagens publicadas ao longo de 2018. Mas vale relembrar que foi no finalzinho de mais esse ano aziago que o ministro Marco Aurélio, cansado de esperar pela rediscussão da prisão após condenação em segunda instância, concedeu uma liminar que por pouco não resultou na soltura de quase 170 mil condenados que aguardavam presos o julgamento de seus recursos — entre eles o criminoso Lula.

Observação: No recesso de meio de ano um plantonista delirante do TRF-4, membro praticante da ospália petista, determinou a soltura do demiurgo de Garanhuns. A decisão desse desembargador (que deixou claro não ter juízo sequer para arbitrar pelada de várzea) gerou uma queda-de-braço que só terminou depois que o presidente do Tribunal, Carlos Eduardo Thompson Flores, restabeleceu a ordem no galinheiro.

Em outubro, para impedir o retorno do criminoso Lula e seus asseclas ao Palácio do Planalto, formos obrigados a apoiar um dublê de mau militar e parlamentar medíocre (como não havia alternativa, não há que falar em arrependimento) que sabíamos não ser grande coisa, mas jamais imaginamos que tê-lo como mandatário seria como enfrentar, a um só tempo e de uma só vez, as Sete Pragas do Egito.

O fim de 2018 trouxe um 2019 que começou com a posse do capitão-desgraça, os desmandos inadmissíveis (mas admitidos) de sua prole, a influência maléfica do guru de merda Olavo de Carvalho no governo, as intrigas do pitbull do papai (que levaram à demissão de Bebianno e dos generais Santos Cruz e Rego Barros), os rolos cada vez mais enrolados de Queiroz e Flávio “Rachadinha”, a fieira de promessas de campanha metidas em local incerto e não sabido (mas onde certamente o sol não bate), a quase derrubada do governo (ainda no primeiro semestre), a sucessão de crises que o capitão sem luz criava diuturnamente para desviar a atenção do cheiro de podre de seu governo impoluto, ilibado e incorruptível... Enfim, sugiro, mais uma vez, recorrer aos arquivos do Blog para repassar as postagens, pois tudo que houve de importante ao longo do 2019 foi discutido ou, no mínimo, mencionado de passagem.

Observação: Foi também em 2019 que a banda podre do STF restabeleceu (por 6 votos a 5) o império da impunidade sem que se ouvisse um pio daquele que nos prometeu travar uma cruzada contra a corrupção — nem de seu superministro da Justiça — que, convenhamos, não podia contrariar o chefe, sob sob pena de ser penabundado, mas que passou tempo demais engolindo sapos e bebendo a água da lagoa. O Posto Ipiranga foi outra decepção, apesar de não lhe caber toda a culpa pelo fiasco. Como já disse mais de uma vez, ser ministro desse governo de merda exige estômago de avestruz e vocação inata para lamber botas e dar o rabo pedindo desculpas por estar de costas. Simples assim.

E então veio 2020, que trouxe a Covid, a demissão de Mandetta em plena pandemia, a militarização da Saúde por um logístico ilógico, a saída de Moro, o inquérito no STF para investigar o mito mitômano, a subserviência do PGR, as licenças e subsequente aposentadoria do ministro Celso de Mello, a nomeação de (mais) um pau mandado para preencher sua vaga... enfim, isso tudo é história escrita tão recentemente que a tinta nem secou. Para não abusar da paciência do leitor (mais do que já abusei), encerro a bagaça com um texto de Dora Kramer:

Nos últimos acordes do atípico ano de 2020 o senso comum lançou em toda parte um sonoro “já vai tarde”, tentando semear a esperança de que em 2021 será tudo melhor. Que será, será, mas não necessariamente muito diferente, pois problemas não caminham sozinhos nem são subservientes ao calendário. Continuam aí, embora o mundo já receba, do esforço universal tão inédito quanto espetacular dos cientistas, instrumentos para enfrentar o maior deles a golpes de vacinas.

Para tudo, porém, há um contraponto. A pandemia tirou as coisas dos eixos tais como vinham girando até que um morcego do outro lado do planeta pusesse a humanidade à prova, entregue ao desafio de encontrar novos ou reencontrar antigos pontos de equilíbrio. A disfunção é universal e cada país ainda tem adversidades específicas — decorrentes voluntária e involuntariamente da ofensiva do vírus — para administrar.

Os Estados Unidos, por exemplo, livraram-se de uma dessas circunstâncias que deram um trabalho enorme: um presidente criador de casos, cujos métodos contribuíram ao longo do ano para o desvio do combate à crise sanitária.

Por aqui, junto com cargas pesadas a carregar e sapos robustos para engolir, temos esse tipo de governante, só que ainda com dois anos de mandato pela frente e sem dar sinal de que pretenda parar de criar caso com tudo e todos que lhe contrariem a ilusão de poder absoluto.

Ilusão porque Bolsonaro perdeu e continua perdendo todas as tentativas de dar contornos reais ao devaneio de mandar porque pode e daí fazer todos obedecer por ser, na visão dele, providos de juízo. Tenta compensar no grito as perdas que acumula no Judiciário, no Legislativo, na comunidade científica, entre governadores, na sociedade organizada (e na desorganizada também), na imprensa, nos desmentidos que lhe impõem os fatos.

Muito embora a banda da democracia não toque ao ritmo de marcha militar, o general da banda ganhou algumas paradas ao custo de enormes prejuízos ao país, levando-nos a perder lugar de destaque e respeito mundiais na cultura, no trato do meio ambiente, na diplomacia e, mais recente e de modo especialmente danoso, na política de imunização construída em bases exitosas nas últimas quatro décadas. Um legado que vai muito além de 2020, cuja marca foi a da ineficiência.

O que esperar então do amanhã mais imediato? O presidente continuará nessa toada de cavar chances para celebrar aqui e ali “mais uma que o Bolsonaro ganhou”, pouco se lhe importando o destino do coletivo. E o Brasil social e institucionalmente do outro lado seguirá empreendendo um esforço enorme para reagir e resistir às investidas... nem vou dizer contra a democracia por se tratar de uma ação inexequível, mas contra a normalidade da vida e da relação do governante com seus governados.

É toda hora uma declaração estapafúrdia ou uma ação descolada da realidade, coisas que exigem a mobilização de uma energia brutal dedicada ao acessório que, no entanto, se torna essencial porque não se pode deixar passar certas atitudes sob o risco de lá na frente o preço a pagar ficar muito mais alto.

Esse passivo particularmente brasileiro é que vamos carregar neste momento em que o combate da pandemia já não é uma hipótese, mas uma situação concreta na qual seria indispensável contar com uma governança concentrada na emergência. O plano anunciado é difuso. Os 20 bilhões de reais de aporte anunciados não ajudam quando se tem um presidente que põe dinheiro, mas não impõe moral e desqualifica a vacinação e se mostra incapaz de imunizar a população, a coisa tende a não funcionar.

Problema ainda agravado por dificuldades como a queda de renda dos mais pobres, a incerteza sobre o andamento dos trabalhos no Congresso para o que é fundamental na economia, a redução de leitos disponíveis seja pelo receio de se retomarem os hospitais de campanha devido às falcatruas ocorridas e/ou da necessidade de atendimento de doenças cuja demanda ficou reprimida pela prioridade dada à Covid.

Isso sem falar nos efeitos crescentes da tensão pré-eleitoral em cujas águas o presidente candidato à reeleição navega em clima de tormenta, donde a tendência de seus pretensos oponentes será a do jogo pesado, tendo a vacina como centro. Mas essa é outra história. Por ora, fica o desejo: que a realidade supere as más expectativas e tudo corra bem no ano que vem.

Boas entradas a todos.

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

A CAIXA DE PANDORA — O MITO E A REALIDADE

NÃO ESPEREIS O JUÍZO FINAL; ELE SE REALIZA TODOS OS DIAS.

 

"Abrir a Caixa de Pandora" é uma metáfora para ações que desencadeiam consequências maléficas e irreversíveis. 

Segundo a mitologia grega, Pandora ("aquela que tem todos os dons") foi criada por Hefesto e Palas Atena a mando de Zeus, que queria castigar Prometeu ("aquele que pensa antes") por roubar o fogo dos deuses e dá-lo aos homens. 

Depois de ganhar um dom de cada divindade de Olimpo, Pandora recebeu de Zeus uma caixa que jamais deveria ser aberta e a missão de seduzir Epimeteu ("aquele que pensa depois"). Encantado com a beleza da moça e ignorando as advertências do irmão, Prometeu, sobre aceitar presentes do deus dos deuses, Epimeteu tomou a moça como esposa (e eu que achava que "presente de grego" tinha a ver com a lenda do Cavalo de Troia). 
 
Quando criou a mulher, Deus também criou a curiosidade. A curiosidade levou Pandora a abrir a caixa e libertar todos os males que recaíram sobre a humanidade. Mas a esperança, que é "a última que morre", ficou presa no fundo da caixa, talvez para nos dar forças para lutar contra as adversidades, mesmo que o mal muitas vezes vença o bem.
 
Revisito essa fábula por três motivos: 1) sempre gostei de mitologia; 2) muita gente usa essa metáfora sem saber sua origem; 3) insistir no erro esperando produzir um acerto é a melhor definição de imbecilidade que eu conheço. 
 
Em momentos distintos da ditadura, Pelé e o general Figueiredo alertaram para o perigo de misturar brasileiros com urnas em eleições presidenciais. Ambos foram muito criticados, mas o tempo provou que eles estavam certos. O eleitores fazem nas urnas, a cada dois anos, o que Pandora fez uma única vez. Só que não por curiosidade, e sim por ignorância. E como ensinou o Conselheiro Acácio (personagem do romance O Primo Basílio), as consequências vêm sempre depois. 
 
A ditadura militar resultante do golpe de 1964 durou 21 longos anos. A reabertura, lenta e turbulenta, não se deveu ao "espírito democrático" dos presidentes-generais Geisel e Figueiredo, mas ao ronco das ruas e à pressão da imprensa, que se intensificaram em 1984, depois que uma manobra de bastidor sepultou a emenda Dante de Oliveira

Em janeiro do ano seguinte, Tancredo Neves derrotou Paulo Maluf por 480x180 votos de um colégio eleitoral formado por 686 deputados, senadores e delegados estaduais. A exemplo da Viúva Porcina (aquela que foi sem nunca ter sido), Tancredo entrou para a história como nosso primeiro presidente civil desde João "Jango" Goulart, mas baixou ao hospital horas antes da cerimônia de posse e morreu 38 dias e 7 cirurgias depois.

A raposa mineira levou para a sepultura a esperança de milhões de brasileiros e deixou de herança um neto que envergonharia o país e um mix de puxa-saco dos militares, oligarca da politica de cabresto nordestina, escritor, poeta e acadêmico que se chamava José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, mas era conhecido como José Sarney

Sem o carisma e o traquejo administrativo do finado, Sarney tentou descascar o formidável abacaxi econômico (inflação, dívida externa e desemprego nas alturas) através de uma série de pacotes de medidas econômicas baseadas no congelamento de preços e salários. Ao final de sua aziaga gestão, a inflação estava em 4.853% ao ano, mas os prefeitos haviam voltado a ser eleitos diretamente, a Constituição Cidadã fora promulgada (aumentando de 4 para 5 a duração de seu mandato) e a primeira eleição presidencial direta desde 1960, realizada.   
 
Em 15 de novembro de 1989, o cardápio de postulantes ao Planalto oferecia 22 opões, incluindo Ulysses Guimarães, Mário Covas e Leonel Brizola. E o que fez esclarecido eleitorado ao quebrar o jejum de urna de 29 de urna? Escalou Lula e Fernando Collor para disputar o 2º turno. O caçador de marajás de mentirinha venceu o desempregado que deu certo, mas o envolvimento no esquema PC lhe rendeu um impeachment.
 
Observação: Em maio do ano passado, o STF condenou Collor a 8 anos e 10 meses de reclusão, mas ele continua livre, leve e solto graças a um pedido de vista apresentado pelo ministro Dias Toffoli na véspera do último carnaval. Em contrapartida, qualquer "reles mortal" que acessar o Xwitter durante a suspensão ordenada pelo ministro Alexandre de Moraes corre o risco de ser multado em R$ 50 mil. Dá para acreditar numa coisa dessas?
 
Com a deposição do Rei-Sol, o baianeiro e namorador Itamar Franco foi promovido a titular, nomeou Fernando Henrique ministro da Fazenda e editou o Plano Real, cujo sucesso pavimentou o caminho que levou o grão-duque tucano a vencer o pleito presidencial de 1994 no 1º turno. Em 1997, picado pela mosca azul, sua alteza comprou a PEC da reeleição

Como quem parte, reparte e não fica com a melhor parte é burro ou não tem arte, o tucano de plumas vistosas disputou a reeleição em 1998 e foi eleito no 1º turno, mas em 2002, sem novos truques para tirar da velha cartola, não conseguiu eleger seu sucessor.
 
Após três derrotas consecutivas, Lula venceu José Serra e deu início aos 13 anos, 4 meses de 12 dias de lulopetismo corrupto que só foi interrompidos em 2016, com o impeachment de Dilma Rousseff, a inolvidável gerentona de araque

Num primeiro momento, a troca de comando pareceu uma lufada de ar fresco numa catacumba: depois de mais de uma década ouvindo garranchos verbais de um ex-retirante semianalfabeto e frases desconexas de uma mandatária incapaz de juntar lé com cré numa frase que fizesse sentido, ter um presidente que sabia falar – e que até usava mesóclises – era um refrigério.
 
Temer conseguiu reduzir a inflação (que havia retornado firme e forte sob Dilma) e aprovar o Teto de Gastos e a Reforma Trabalhista, mas seu prometido "ministério de notáveis" se revelou uma notável agremiação de corruptos e sua "ponte para o futuro", uma patética pinguela. 

A conversa de alcova gravada à sorrelfa por Joesley Batista só não derrubou o vampiro do Jaburu porque sua tropa de choque – capitaneada pelo deputado Carlos Marun – comprou votos das marafonas da Câmara para escudá-lo das "flechadas de Janot". Apesar do desgaste, o nosferatu claudicou como "pato manco" até o final do mandato-tampão e transferiu a faixa para Jair Bolsonaro. 
 
Sem a proteção do manto presidencial, o vampiro que tinha medo de fantasma chegou a ser preso, mas foi socorrido pelo desembargador Ivan Athié, então presidente da 1ª Turma do TRF-2, que havia sido afastado do cargo durante 7 anos por suspeitas de corrupção e venda de sentenças, mas fora reintegrado em 2011, quando o STF trancou o processo contra ele. E viva a Justiça brasileira!
 
Ao acompanhar o golpe de Estado que levou Napoleão III ao poder, Karl Marx concluiu que a história acontece como tragédia e se repete como farsa. O Barão de Itararé dizia que político brazuca é um sujeito que vive às claras, aproveita as gemas não despreza as cascas, e o saudoso maestro Tom Jobim (que era brasileiro até no nome), ensinou que o Brasil não é para principiantes. E com efeito. 
 
Em 2018, havia 13 postulantes ao Planalto. Nenhum deles empolgava, é verdade, mas por que se arriscar a acertar com Geraldo Alckmin, Álvaro Dias, Henrique Meirelles ou João Amoedo quando se podia pode errar com certeza escalando para o embate final um mau militar e parlamentar medíocre travestido de "outsider antissistema" e um patético bonifrate do então ex-presidiário mais famoso do Brasil?

Em 2022, as opções era ainda menos atraentes, sobretudo depois que o "establishment" eliminou Sergio MoroJoão Dória e Eduardo Leite da quimérica "terceira via". Mas, de novo, por que correr o risco de acertar votando em Simone Tebet, em Felipe D'ávilaou mesmo em Ciro Gomes (situações desesperadoras justificam medidas desesperadas) quando se podia errar com certeza despachando Lula e Bolsonaro para o 2º turno?
 
Tanto num caso como no outro a maldita polarização fez com que tanto a merda quanto as moscas fossem as mesmas. A diferença foi que em 2018 a parcela minimamente pensante do eleitorado se viu obrigada a apoiar o ex-capitão para evitar que o país fosse presidido pelo fantoche do presidiário, e em 2022, embarcar na falaciosa "Frente Democrática", capitaneada pelo então ex-presidiário "descondenado" para evitar mais 4 anos (ou sabe Deus quantos) sob a batuta do refugo da escoria da humanidade.
 
Há males que tempo cura e males que vêm para pior e com o passar do tempo. Lula 3.0 é uma reedição piorada das versões 1 e 2, e como como nada é tão ruim que não possa piorar, o macróbio petista cogita disputar a reeleição em 2026 (que os deuses nos livrem tanto dessa desgraça quanto da volta do capetão-golpista).
 
As consequências da inconsequência do eleitorado tupiniquim são lamentados todos os dias, inclusive por quem abriu a Caixa de Pandora achando que estava escolhendo o menor de dois males, mas isso só se justifica quando e se não há outra opção. E tanto em 2018 quanto em 2022 havia alternativas; só não viu quem não quis ou não conseguiu porque sofre do pior tipo de cegueira que existe. 
 
Observação: Um levantamento feito pelo portal g1 apurou que 61 pessoas com mandados de prisão em aberto (leia-se fugitivos da polícia) se candidataram a prefeito ou a vereador nas eleições deste ano. A maioria dos casos envolve dívida de pensão alimentícia, mas há suspeitos de estelionato, roubo, homicídio e estupro. 
 
Reza uma velha (e filosófica anedota) que Deus estava distribuindo benesses e catástrofes naturais pelo mundo que acabara de criar, quando um anjo apontou para o que seria futuramente o Brasil e perguntou: "Senhor, por que destinastes a essa porção de terra clima ameno, praias e florestas deslumbrantes, grandes rios e belos lagos, mas não desertos, geleiras, vulcões, furações ou terremotos?" E Deus respondeu: "Espera para ver o povinho filho da puta que vou colocar aí."
 
Políticos incompetente e/ou corruptos que ocupam cargos eletivos não brotam nos gabinetes por geração espontânea; se eles estão lá, é porque foram eleitos por ignorantes polarizados, que brigam entre si enquanto a alcateia de chacais se banqueteia e ri da cara deles. 
 
Einstein achava que o Universo e a estupidez humana eram infinitos, mas salientou que, quanto ao Universo, ele ainda não tinha 100% de certeza. Alguns aspectos de suas famosas teorias não sobreviveram à passagem do tempo, mas sua percepção da infinitude da estupidez humana merece ser bordada com fios de ouro nas asas de uma borboleta. 
 
Não há provas de que boas ações produzam bons resultados – a "lei do retorno" é mera cantilena para dormitar bovinos – mas sabe-se que más escolhas costumam gerar péssimas consequências, como prova e comprova a história desta republiqueta de bananas: nossa independência  foi comprada, a Proclamação da República foi um golpe militar (o primeiro de muitos), o voto é um "direito obrigatório", nossa democracia é uma piada e o sistema político está falido. 
 
Desde 1889, 35 brasileiros alcançaram a Presidência pelo voto popular, eleição indireta, linha sucessória ou golpe de Estado (o número depende de como alguns casos específicos, como presidências muito breves ou interinas, mas isso não vem ao caso neste momento). Oito integrantes dessa seleta confraria – começando pelo primeiro, Deodoro do Fonseca – deixaram o cargo prematuramente, e dos cinco que foram eleitos pelo voto direto desde a redemocratização, dois acabaram impichados. 

Dos mais de 30 partidos políticos que mamam nas tetas dos fundos eleitoral e partidário (ou seja, são bancados pelo suado dinheiro dos "contribuintes"), nenhum representa os interesses da população, e alguns são verdadeiras organizações criminosas. 

O Brasil de hoje lembra aquelas fotos antigas de reis africanos, que imitavam os trajes e trejeitos dos governantes de nações mais evoluídas e recebiam aulas de civilização dos oficiais do Império Britânico, mas achavam que para se transformar em soberanos civilizados bastava copiar as vestes e adereços daqueles que lhes falavam das maravilhas da Rainha Vitória ou de Napoleão III. 

O resultado se vê nas fotografias. As mais clássicas mostram negros magros, ou gordíssimos, com uma cartola de segunda-mão na cabeça, calças rasgadas ou remendadas, pés descalços ou calçados com uma bota só, velha e sem graxa. Imaginavam-se nobres, esses coitados, iguais a seus pares europeus, mas, junto com as novas roupas e os acessórios, continuavam usando colares feitos de ossos, pulseiras de metal e argolas na orelha ou no nariz, enquanto eram roubados até o último papagaio pelos que supostamente vieram ensiná-los a ter valores cristãos, avançados e democráticos.
 
O Brasil aparece na foto como uma democracia de Primeiro Mundo, mas a realidade do dia a dia mostra pouco mais que uma cópia barata e malsucedida do artigo legítimo. Nossas eleições são subordinadas a todo tipo de patifaria, do voto obrigatório ao anacrônico horário eleitoral "gratuito", passando por deformações propositais que entopem a Câmara Federal com políticos das regiões que têm meia dúzia de eleitores. 

O resultado é um monumento à demagogia, à corrupção e à estupidez. Acordos políticos são urdidos na surdina por parlamentares que votam com base em seus interesses pessoais. Milícias e fações criminosas têm representantes no Congresso, nas Assembleias Legislativas estaduais e nas Câmaras Municipais. Candidatos só entram em algumas regiões se tiverem proteção dos criminosos, e os moradores são "convidados" a votar na "turma da casa".
 
Os direitos dos cidadãos representam a área mais notável das semelhanças com reis africanos. Nunca houve tantos direitos escritos nas leis nem o poder público foi tão incompetente para mantê-los. O Congresso não representa o povo que o elegeu para tal, e há uma recusa sistemática em combater o crime por parte de nove entre dez políticos com algum peso. Com quase 50 mil assassinatos por ano, o Brasil é um dos países onde a vida humana tem menos valor. 
 
Se nossas instituições funcionassem – e suas excelências não se cansam de dizer que elas funcionam –, a Câmara teria aberto pelo menos um dos quase 150 pedidos de impeachment contra Bolsonaro, e o Centrão não teria transformado a ocupação do Orçamento num processo de bolsonarização das instituições. Pode passar pela cabeça de alguém que exista democracia num país como esse? 
 
Quando nossos nobres parlamentares perderam a credibilidade e o mais alto cargo do funcionalismo público federal passou a ser ocupado por uma sequência de mandatários que, noves fora Fernando Henrique — já foram presos ou respondem a processos criminais, o Judiciário se tornou nosso último bastião. Mas faz tempo que as opiniões e os vieses político-partidários dos eminentes togados (que deveriam ser isentos, imparciais e apartidários) se tornaram públicos e notórios.
 
O Supremo poderia nos ter livrado do aspirante a golpista em diversas oportunidades (motivos para tal não faltaram), mas as excelências que tudo decidem – do destino dos presidentes ao furto de codornas — acharam melhor dar tempo ao tempo, apostando na sapiência inigualável dos eleitores. 

É fato que Alexandre de Moraes impediu a consumação do golpe, mas também é fato que ele já deveria ter tirado de circulação o "mito" dos extremistas de direita, que mesmo inelegível até 2030 faz pose de cabo eleitoral de luxo e articula com seus comparsas no Congresso uma improvável (mas não impossível) anistia a si e aos golpistas do 8 de janeiro. 
 
Como o chanceler Charles De Gaulle não disse, mas a frase lhe é atribuída, "le Brésil n’est pas un pays serieux". 
 
Continua...

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

RETROSPECTIVA 2021



Final de ano sem retrospectiva e resoluções de ano novo é como ceia de Natal sem peru e castanhas. Mas como falar em peru e castanhas quando 13 milhões de brasileiros não têm emprego e mais de 20 milhões não têm sequer o que comer? Quando a recessão bate à porta e as pesquisas indicam que um ex-presidiário será eleito presidente (de novo) com 171% dos votos válidos?

Resolução de ano novo é como promessa de político em campanha: zero chance de ser honrada. Já as retrospectivas servem, em anos aziagos, somente para botar sal na ferida. Parafraseando o mefistofélico mandatário de turno, "nada não está tão ruim que não possa piorar". Então, hope for the best but expect the worst.

Em 2014, a reeleição de Dilma jogou o Brasil na pior recessão da história recente do país — lembrando que até então não estavam no radar o SARS-CoV-2 e a praga negacionista que se alojaria no Palácio do Planalto dali a quatro anos

Encerramos 2015 com uma presidanta encurralada, sem autoridade, nexo ou respeito, com um presidente da Câmara descrito como “homem de poderes sobrenaturais”, um ex-presidente da República picareta, sempre prestes a “virar o jogo” mediante conchavos milagrosos e um cangaceiro presidindo o Senado e atuando como marechal de campo na guerra para manter no comando a “presidanta honesta, competenta e eleita democraticamente “. 

Em dois mil e dezechega — como se dizia no final de 2016 —, a anta incompetenta foi penabundada e o vice decorativo, tido e havido como "a ponte que poderia conduzir o país à salvação" foi promovido a titular. 

Nesse entretempo, o senhor das urnas capaz de eleger qualquer poste para qualquer cargo tornou-se réu pela primeira vez, e a economia deu sinais de recuperação. A inflação e a taxa básica de juros começaram a recuar, os índices de desemprego pararam de crescer e reformas importantes para o país começaram a avançar. Mas não há nada como o tempo para passar.

Nem bem o calendário virou para 2017 — ano em que esperávamos melhorias mais consistentes —, rebeliões eclodiram nos presídios e uma greve absurda da PM causou a morte de centenas de inocentes. Mas ninguém imaginava que dali a três anos milhares de brasileiros morreriam diariamente de Covid enquanto um psicopata genocida daria de ombros, riria e diria: “E daí?”.

Foi também em janeiro de 2017 que uma queda de aeronave matou o ministro Teori Zavascki, deixando os processos da Lava-Jato no STF sem relator às vésperas da homologação da Delação do Fim do Mundo. Ainda assim, houve avanços significativos na luta contra a corrupção. 

Foram para na cadeia elementos como Rodrigo Rocha Loures — o “homem da mala”, ex-assessor e pessoa da mais estreita confiança do presidente Michel Temer —, Geddel Vieira Lima — aquele dos R$51 milhões e também amigão do peito do mandatário de turno —, os ex-governadores Sérgio Cabral e Anthony Garotinho, quase todos os membros do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro e do alto escalão da Alerj (a começar pelo presidente da Casa) e, em abril, o picareta dos picaretas.

Em maio, uma conversa de alcova entre Temer e o moedor de carne bilionário dono da JBS veio a público. O país parou enquanto o vampiro do Jaburu ensaiava o papel de vestal ofendida — que ele só se sentiu preparado para encenar na tarde do dia seguinte, quando finalmente tentou explicar o inexplicável e justificar o injustificável. 

Em rede nacional, Temer disse que não renunciaria, lamentou que "o fantasma da crise política tivesse voltado a rondar o Planalto" e esbravejou — com uma cara de pau de deixar Lula roxo de inveja — que a investigação no STF seria "o território onde aflorariam as provas de sua inocência".

A partir de então, deu-se o que era previsto e esperado: o presidente empenhou sua alma imortal para impedir que a Câmara autorizasse o STF a processá-lo. Chegou-se a dizer que "o governo estava com os dias contados”, mas estamos no Brasil, onde é comum esses cagalhões se manterem na superfície, boiando como merda n'água, e terminarem melancolicamente suas desditosas gestões.

Em janeiro de 2019, após o maior estelionato eleitoral desde a reeleição de Dilma, a terrível, Temer transferiu a faixa presidencial à surreal combinação de Caixa de Pandora com os Cavaleiros do Apocalipse (PesteGuerraFome e Morte), eleito como solução "in extremis" para impedir que o país fosse governado por um criminoso condenado e preso. Mas a emenda ficou pior que o soneto, e o mau militar e parlamentar medíocre só continua à frente do Executivo graças à pusilanimidade e o espírito do corpo (ou porco?) dos Poderes Legislativo e Judiciário.

Sabíamos que nem a Velhinha de Taubaté esperaria grande coisa desse ser ignóbil, mas não se imaginava que tê-lo no comando da Nau dos Insensatos seria como enfrentar, a um só tempo e de uma só vez, as Sete Pragas do Egito.

Foi também em 2019 que o STF restabeleceu o império da impunidade sem que se ouvisse um único pio daquele que prometeu travar uma cruzada contra a corrupção.

Tampouco se insurgiu contra essa vergonha o superministro da Justiça, mas é preciso ter em mente que, se contrariasse o chefe, Moro seria prontamente exonerado. E como ele tinha um projeto (ou dois, melhor dizendo, pois Bolsonaro havia prometido indicá-lo para o STF), o ex-juiz da Lava-Jato passou os meses seguintes engolindo sapos e sorvendo a água da lagoa.

Paulo Guedes foi outra decepção, mas, de novo, seria injusto lhe atribuir toda a culpa, até porque integrar esse governo de merda exige dar o rabo e pedir desculpas por estar de costas.

Com o segundo ano de mandato de Jair Asmodeu Bolsonaro vieram a Covid, a demissão de Mandetta do Ministério da Saúde, a passagem-relâmpago de Teich e a subsequente militarização da pasta por um autoproclamado especialista em logística que não amarrava os próprios coturnos sem consultar seu dono (é simples assim, um manda e o outro obedece).

O desembarque de Moro resultou na abertura de um inquérito no STF para investigar a interferência do "mito" de pés de barro na PF, mas a subserviência do PGR, os constantes afastamentos e subsequente aposentadoria do ministro Celso de Mello e a nomeação de um pau mandado para preencher sua vaga não colaboraram para que coelhos saíssem daquele mato.

No que tange às agruras trazidas por 2021, a história foi escrita tão recentemente que a tinta ainda nem secou, e modo que encerro esta bagaça com um texto que Dora Kramer publicou em sua coluna no apagar das luzes de 2020.

Nos últimos acordes do atípico ano de 2020 o senso comum lançou em toda parte um sonoro “já vai tarde”, tentando semear a esperança de que tudo será melhor em 2021. Que será, será, mas não necessariamente muito diferente, pois problemas não caminham sozinhos nem são subservientes ao calendário. Continuam aí, embora o mundo já receba, do esforço universal tão inédito quanto espetacular dos cientistas, instrumentos para enfrentar o maior deles a golpes de vacinas.

Para tudo, porém, há um contraponto. A pandemia tirou as coisas dos eixos tais como vinham girando até que um morcego do outro lado do planeta pusesse a humanidade à prova, entregue ao desafio de encontrar novos ou reencontrar antigos pontos de equilíbrio. A disfunção é universal e cada país ainda tem adversidades específicas — decorrentes voluntária e involuntariamente da ofensiva do vírus — para administrar.

Os Estados Unidos, por exemplo, livraram-se de uma dessas circunstâncias que deram um trabalho enorme: um presidente criador de casos, cujos métodos contribuíram ao longo do ano para o desvio do combate à crise sanitária.

Por aqui, junto com cargas pesadas a carregar e sapos robustos para engolir, temos esse tipo de governante, só que ainda com dois anos de mandato pela frente e sem dar sinal de que pretenda parar de criar caso com tudo e todos que lhe contrariem a ilusão de poder absoluto.

Bolsonaro perdeu e continua perdendo todas as tentativas de dar contornos reais ao devaneio de mandar porque pode e daí fazer todos obedecer por ser, na visão dele, providos de juízo. Tenta compensar no grito as perdas que acumula no Judiciário, no Legislativo, na comunidade científica, entre governadores, na sociedade organizada (e na desorganizada também), na imprensa, nos desmentidos que lhe impõem os fatos.

Muito embora a banda da democracia não toque ao ritmo de marcha militar, o general da banda ganhou algumas paradas ao custo de enormes prejuízos ao país, levando-nos a perder lugar de destaque e respeito mundiais na cultura, no trato do meio ambiente, na diplomacia e, mais recente e de modo especialmente danoso, na política de imunização construída em bases exitosas nas últimas quatro décadas. Um legado que vai muito além de 2020, cuja marca foi a da ineficiência.

O que esperar então do amanhã mais imediato? O presidente continuará nessa toada de cavar chances para celebrar aqui e ali “mais uma que o Bolsonaro ganhou”, pouco se importando com o destino do coletivo. E o Brasil social e institucionalmente do outro lado seguirá empreendendo um esforço enorme para reagir e resistir às investidas... nem vou dizer contra a democracia por se tratar de uma ação inexequível, mas contra a normalidade da vida e da relação do governante com seus governados.

É toda hora uma declaração estapafúrdia ou uma ação descolada da realidade, coisas que exigem a mobilização de uma energia brutal dedicada ao acessório que, no entanto, se torna essencial porque não se pode deixar passar certas atitudes sob o risco de lá na frente o preço a pagar ficar muito mais alto.

Esse passivo particularmente brasileiro é que vamos carregar neste momento em que o combate da pandemia já não é uma hipótese, mas uma situação concreta na qual seria indispensável contar com uma governança concentrada na emergência. O plano anunciado é difuso. Os 20 bilhões de reais de aporte anunciados não ajudam quando se tem um presidente que põe dinheiro, mas não impõe moral e desqualifica a vacinação e se mostra incapaz de imunizar a população, a coisa tende a não funcionar.

Problema ainda agravado por dificuldades como a queda de renda dos mais pobres, a incerteza sobre o andamento dos trabalhos no Congresso para o que é fundamental na economia, a redução de leitos disponíveis seja pelo receio de se retomarem os hospitais de campanha devido às falcatruas ocorridas e/ou da necessidade de atendimento de doenças cuja demanda ficou reprimida pela prioridade dada à Covid.

Isso sem falar nos efeitos crescentes da tensão pré-eleitoral em cujas águas o presidente candidato à reeleição navega em clima de tormenta, donde a tendência de seus pretensos oponentes será a do jogo pesado, tendo a vacina como centro. Mas essa é outra história. Por ora, fica o desejo: que a realidade supere as más expectativas e tudo corra bem no ano que vem.

Como se vê, pouca coisa mudou de lá para cá. Talvez algumas moscas, mas a merda continuou basicamente a mesma. Que tudo realmente melhore em 2022. Afinal, para sonhar não se paga imposto. 

Ainda.