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sábado, 4 de maio de 2019

LULA, A CORAGEM DO JUDICIÁRIO DE MAMAR EM ONÇA E A FARRA SUPREMA COM DINHEIRO PÚBLICO NUMA REPUBLIQUETA À BEIRA DA FALÊNCIA



Considerando as decisões do juiz de primeiro grau, dos três desembargadores da 8ª Turma do TRF-4 e dos quatro da 5ª Turma do STJ, a derrota de Lula no tribunal superior fechou o placar em 8 para a Justiça e zero para o condenado. Mesmo assim, a autoproclamada alma viva mais honesta do Brasil continua batendo na mesma tecla — chegando mesmo a dizer que jamais trocaria “sua dignidade” pela liberdade. Que dignidade, cara pálida?

A despeito da culpabilidade chapada do ex-presidente — que, nunca é demais lembrar, é um político preso, e não um preso político —, a mudança na dosimetria causou espécie, até porque a turma do STJ que revisa as decisões do TRF-4 nos processos da Lava-Jato é conhecida como “câmara de gás”. Falou-se à boca pequena que os ministros foram pressionados por seus colegas supremos — capitaneados pelo infalível Gilmar Mendes — a “julgarem o recurso em vez de simplesmente chancelarem a decisão a quo.”

Em entrevista ao Blog do Nêumanne, ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior, componente do trio que preparou a acusação que levou ao impeachment de Dilma Rousseff, explicou que “o regime semiaberto deixou de ser aplicado, como preveem o Código Penal e a Lei de Execução Penal, pois, por incúria da administração, não há presídios semiabertos, como colônias agrícolas ou agroindustriais, sendo cumprida a pena como se fosse prisão albergue. Mas na falta de presídios semiabertos, a única forma é aplicar o sistema aberto”.

Essa perspectiva da margem a especulações não só sobre o abrandamento do “gás” empregado pela “câmara” na pena, mas também sobre uma eventual combinação prévia desta. A unanimidade dos quatro ministros da turma ao reduzir — na mesma medida — a pena de Lula teria sido acertada pelo relator Felix Fischer, segundo Carolina Brígido escreveu em O Globo. O relator tem negado repetidas vezes em decisões monocráticas recursos da defesa do senhor réu, mas percebeu que três colegas queriam diminuir a punição, e no caso, se ficasse vencido no julgamento, perderia a relatoria não só do processo do ex-presidente, mas de toda a Lava-Jato no STJ, conforme o regimento da Corte. Disse ainda a jornalista que “nos bastidores as conversas de integrantes da 5ª Turma, entre si e com ministros do STF, levaram meses. Outro ponto que teria pesado na decisão de Fischer seria o fato de que uma decisão unânime da turma fortaleceria o tribunal, porque ficaria para o público a imagem de uma corte harmoniosa em relação a um tema tão controvertido”. Completando o quadro, no Supremo, ao qual certamente a defesa recorrerá, há chance de reduzir mais a pena se os ministros eliminarem o crime de lavagem de dinheiro da condenação (roteiro inspirado em precedentes).

De acordo com José Nêumanne, uma rápida consulta ao noticiário da época poderá ser útil para lembrar que, em formação anterior, o mesmo tribunal reduziu penas de petistas condenados no mensalão. A “fala do trono”, publicada sábado com destaque pelos jornais Folha de S.Paulo e El País, por mercê de Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, contra despacho de outro ministro, Luiz Fux, pode também levar a uma consulta aos arquivos.

Comemorando seu feito profissional, o representante do jornal espanhol, Florestan Fernandes Júnior, registrou em post no Twitter que “nem a gaiola em que foi trancado fez a ‘águia’ do sertão pernambucano perder seu esplendor”. Talvez a definição fosse mais precisa para se referir ao teor de telefonema de Lula à então ainda presidente Dilma em 4 de março de 2016, e levado a conhecimento público 12 dias depois, quando ele afirmou a respeito do tribunal que acaba de julgá-lo e do outro ao qual recorrerá: “Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, nós temos um Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado”.

Passados três anos, o sumo pontífice da seita do inferno tem bons motivos para se agarrar à esperança de ter perdoado pelo “Pretório Excelso” o que precisar que seja para voltar para casa. E descobriu no passado do STF provas de coragem que relatou, após enfrentar galhardamente o "rígido esquema de segurança" e ter dado "forte abraço" em Florestan e Mônica Bergamo: "O STF já tomou decisão muito importante. Essa Corte votou, por exemplo, células-tronco, contra boa parte da Igreja Católica. Já votou a questão Raposa-Serra do Sol contra os poderosos do arroz no Estado de Roraima. Essa mesma corte votou união civil contra todo o preconceito evangélico. Essa corte votou as cotas para que os negros pudessem entrar. Ela já demonstrou que teve coragem e se comportou". Publicado o recado, resta-lhe esperar que os ministros, do qual o PT nomeou sete, tenham coragem. A palavra é essa mesmo. Coragem de mamar em onça, como diria meu avô.

Todo somado e subtraído, com a redução concedida pelos ministros superiores, a pena do condenado ficou próxima da que foi aplicada pelo então juiz Sérgio Moro em julho de 2017 (de 9 anos e 6 meses), e os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá restaram sobejamente comprovados (em que pesem as “dúvidas seriíssimas“ do ministro Marco Aurélio). Quanto à progressão para o regime semiaberto, não é certo que o molusco poderá deixar a prisão para trabalhar durante o dia e voltar para sua cela à noite, já que o TRF-4 julgará em breve um recurso impetrado pela defesa do ex-presidente contra a condenação a 12 anos e 11 meses imposta pela juíza federal Gabriela Hardt, à época substituta de Moro na 13.ª Vara Federal do Paraná, no processo referente ao sítio de Atibaia. Em caso de nova condenação em segunda instância, o ex-presidente continuará preso, segundo entendimento do STF, ainda válido.

Não fosse pelo fato de (mais) um recurso estar em via de ser apreciado pela 2ª Turma do STF, o Brasil, que tem mais com que se preocupar, segue sua vida política e institucional normalmente; apenas o PT manteria seu destino atrelado ao de seu amado líder e insubstituível presidente de honra. Isso porque há no Supremo ministros coçando a mão para libertar o sacripanta vermelho. Senão vejamos: À luz da jurisprudência ainda vigente na Suprema Corte, que permite o cumprimento antecipado da pena após decisão emanada de um juízo colegiado, a ministra Cármen Lúcia, relatora de uma ação que pleiteia a libertação de todos os condenados pelo TRF-4 que têm recursos pendentes de apreciação nas cortes superiores, determinou que julgamento fosse feito em plenário virtual, mas seu colega garantista (e petista de quatro costados) Ricardo Lewandowski, que acontece de ser o presidente da 2ª Turma, decidiu puxar a encrenca para uma sessão presencial.

Ora — pondera Josias de Souza —, se está autorizado, por que desautorizar prisões como a de Lula antes mesmo de o Supremo julgar em sessão plenária, diante das lentes da TV Justiça, as três ADCs que questionam as prisões em segunda instância? Certos ministros parecem decididos a conspirar contra a supremacia do Supremo. Mas convém não dizer isso em voz alta, sob pena de virar alvo do inquérito secreto — que Dias Toffoli abriu de ofício e nomeou Alexandre de Moraes relator — para investigar “fake news” e ameaças dirigidas à nossa Suprema Corte — que merece o maior respeito, embora o mesmo não se aplique a alguns togados que apitam por lá. Aliás, falando em desrespeito, o TCU quer saber por que o Supremo decidiu fazer uma licitação de R$ 1,3 milhão para comprar medalhões de lagosta e vinhos importados — e somente os premiados — para as refeições servidas pela Corte. A investigação se baseou em reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo no dia 26 de abril, segundo a qual a notícia teve "forte e negativa repercussão popular". O que não é de estranhar, convenhamos, considerando que os requintados itens que compõem as tais “refeições institucionais”, previstas no Pregão Eletrônico 27/2019, contrastam com a escassez e a simplicidade dos gêneros alimentícios acessíveis — ou nem isso — à grande parte da população brasileira que ainda sofre com a grave crise econômica que se abateu sobre o País há alguns anos.

O MP pede "medidas necessárias a apurar a ocorrência de supostas irregularidades nos atos da administração do Supremo Tribunal Federal que visam à 'contratação de empresa especializada para prestação de serviços de fornecimento de refeições institucionais, por demanda, incluindo alimentos e bebidas'". Da tribuna, o senador Jorge Kajuru criticou a proposta e informou que entregou duas representações ao TCU, uma para suspender o contrato imediatamente e outra para fazer uma auditoria nos últimos dez contratos firmados pelo STF. Na semana passada, o servidor público estadual Wagner de Jesus Ferreira, do TJ-MG, também entrou com uma ação popular na Justiça Federal do DF contra o pregão eletrônico do Supremo.

O menu exigido pela licitação dos ministros supremos — que sus excelências afirmam seguir o padrão do Itamaraty — inclui desde a oferta café da manhã, passando pelo "brunch", almoço, jantar e coquetel. Na lista estão produtos para pratos como bobó de camarão, camarão à baiana e "medalhões de lagosta". As lagostas, destaca-se, devem ser servidas "com molho de manteiga queimada". A corte exige ainda que sejam colocados à mesa pratos como bacalhau à Gomes de Sá, frigideira de siri, moqueca (capixaba e baiana) e arroz de pato. O cardápio ainda traz vitela assada, codornas assadas, carré de cordeiro, medalhões de filé e "tornedores de filé".

Os vinhos exigiram um capítulo à parte no edital. Se for tinto, tem de ser tannat ou assemblage, contendo esse tipo de uva, de safra igual ou posterior a 2010 e que "tenha ganhado pelo menos 4 (quatro) premiações internacionais". "O vinho, em sua totalidade, deve ter sido envelhecido em barril de carvalho francês, americano ou ambos, de primeiro uso, por período mínimo de 12 (doze) meses." Se a uva for tipo Merlot, só serão aceitas as garrafas de safra igual ou posterior a 2011 e que tenha ganho pelo menos quatro premiações internacionais. Nesse caso, o vinho, "em sua totalidade, deve ter sido envelhecido em barril de carvalho, de primeiro uso, por período mínimo de 8 (oito) meses". Para os vinhos brancos, "uva tipo Chardonnay, de safra igual ou posterior a 2013", com no mínimo quatro premiações internacionais.

Em sua representação, o subprocurador-geral do MP junto ao TCU, Lucas Rocha Furtado, afirma que a despesa "que se pretende realizar por meio daquela licitação encerra afronta ao princípio da moralidade administrativa" prevista na Constituição. "Não se pode exigir, pois, dos administradores públicos, simplesmente o mero cumprimento da lei. De todos os administradores, sobretudo daqueles que ocupam os cargos mais altos na estrutura do Estado, deve-se exigir muito mais. Dos ocupantes dos altos cargos do Estado, deve-se exigir conduta impecável, ilibada, exemplar, inatacável. A violação da moralidade administrativa importa em ilegitimidade do ato administrativo e, sempre que for constatada essa violação, deve ser declarada, quer pela via judicial, quer pela via administrativa, a nulidade do ato ilegítimo".

Os togados supremos costumam se colocar no Olimpo, mas precisam descer de lá. Alguém discorda?

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

NA MESMA CANOA...

Bolsonaro detesta Lula e vice-versa, diz Josias de Souza. Pode até ser. Mas há que considerar dois aspectos importantes: 1) O bolsonarismo e o lulopetismo se retroalimentam; 2) O bolsonarismo boçal só existe graças ao lulopetismo corrupto.

Apesar de as duas seitas ocuparem posições diametralmente opostas no espectro político-ideológico, há mais semelhanças entre elas do que supõe nossa vã filosofia, começando pelo fanatismo apedeuta dos respectivos sectários.

A compreensão do jogo bruto da política exige a sutileza de identificar as semelhanças que unificam os personagens diferentes, ensina Josias. No momento, Bolsonaro e Lula igualam-se na montagem do cenário para a disputa presidencial de 2022 e se tornam cabos eleitorais um do outro.

Na estratégia para lidar com processos por corrupção, ambos agem para matar provas. A 5ª Turma do STJ fez a festa de Bolsonaro ao anular a quebra dos sigilos bancário e fiscal de seu primogênito no caso da rachadinha, enquanto a 2ª Turma do STF ensaia a anulação da sentença referente ao caso do tríplex do Guarujá, que rendeu a Lula uma temporada na cadeia e um jejum de urnas. Nos dois casos, o sonho do extermínio de provas nunca foi tão palpável.

A eventual impunidade de zero um poupará Bolsonaro de explicar os depósitos de R$ 89 mil que Fabrício Queiroz e sra. borrifaram na conta da primeira-dama Michelle. A reversão da condenação de Lula envernizará a pose de vítima e abrirá o caminho para a lavagem da ficha-suja que mantém o abjeto sumo pontífice do PT longe das urnas.

O placar de 4 a 1 (vencido o ministro Felix Fischer) que favoreceu Flávio no STJ foi puxado pelo voto do ministro João Otávio Noronha, que cultiva em privado o desejo de ser indicado pelo pai de Flávio à poltrona que ficará vazia no Supremo com a aposentadoria iminente de Marco Aurélio Mello, e com quem Bolsonaro diz ter um caso de "amor à primeira vista".

Durante a cerimônia de posse de André Mendonça como ministro da Justiça e de José Levi como advogado-geral da União, Bolsonaro proferiu as seguintes palavras: "Prezado Noronha, permita-me fazer assim, presidente do STJ. Eu confesso que a primeira vez que o vi foi um amor à primeira vista. Me simpatizei com Vossa Excelência. Temos conversado com não muita persistência, mas as poucas conversas que temos o senhor ajuda a me moldar um pouco mais para as questões do Judiciário. Muito obrigado a Vossa Excelência". 

Além de conceder a Queiroz o mimo da prisão domiciliar — respaldando-se na pandemia e na “saúde debilitada” do velho amigo do pai, ex-assessor do filho e factótum do clã —, Noronha estendeu o benefício à Márcia Aguiar, que ficou foragida até o advento da prisão de Fabrício Gasparzinho, num imóvel do duble de advogado e mafioso de comédia Fred Wassef, então advogado de Flávio e consultor jurídico informal da Famiglia Bolsonaro. Voltando ao “love at first sight” de Bolsonaro por Noronha, já dizia Blaise Pascal que “o coração tem razões que a própria razão desconhece” — e um velho amigo meu, que “amor de p*** onde bate fica”.

Dá-se de barato que Nunes Marques presenteará Lula com o voto de minerva na sessão em que será revogada a sentença de Sergio Moro no caso do tríplex, já que a desqualificação do ex-juiz da Lava-Jato interessa a Bolsonaro, que, empenhado em retirar seu ex-ministro da Justiça do rol de alternativas presidenciais de centro-direita para 2022, cogita inclusive requisitar cópias de um papelório que o STF já repassou à defesa de Lula: as mensagens trocadas no aplicativo de celular entre Moro e os procuradores de Curitiba, especialmente Deltan Dallagnol.

Cavalgando o material roubado dos celulares pelos cibercriminosos de Araraquara — que o dublê de senador e cangaceiro das Alagoas quer inocentar e cujos “inestimáveis serviços prestados ao país” ele propõe homenagear —, Lula reitera o discurso da perseguição política. Algoz da família Bolsonaro, responsável pela abertura dos sigilos do zero um, o juiz Flávio Itabaiana, do Rio de Janeiro, não teve diálogos expostos nas manchetes. Mas isso não impediu a primeira-família de mimetizar a pregação petista do conluio. "É muito claro pra mim que há uma perseguição absurda no Rio de Janeiro, porque querem me atingir para atingir o presidente da República", já declarou Flávio Bolsonaro. "Há, sim, um conluio de várias pessoas poderosas para —dia sim, dia também— atacar o presidente da República, causar uma instabilidade e tentar tirá-lo na força".

Nem só de perseguição é feita a estratégia de Bolsonaro e Lula. Os dois não têm do que reclamar, por exemplo, da forma como o ministro Gilmar Mendes administra suas gavetas no Supremo. Graças a um pedido de vista obstrutiva de Gilmar, o julgamento do tríplex aguarda desde 2018 pelo surgimento das condições mais apropriadas para a anulação da sentença, e ao senso de oportunidade do semideus togado a protelação da análise do recurso em que o Ministério Público contesta a decisão judicial que concedeu a Flávio Bolsonaro o foro privilegiado do TJ-RJ.

Serão julgados na mesmíssima 5ª Turma do STJ outros recursos do primogênito do presidente, entre os quais um que reivindica o reconhecimento da incompetência do juiz de primeira instância Flávio Itabaiana para atuar no caso. Se for deferido, todos os atos praticados pelo magistrado irão para o beleléu.

Num país lógico, esse julgamento do STJ não poderia ocorrer antes que a Suprema Corte decidisse se o filho do presidente tem mesmo direito ao foro especial. A jurisprudência do STF indica o contrário, pois Flávio já não exercia o mandato de deputado estadual quando as investigações deixaram sua imagem rachadinha.

O processo político, sempre tão obscuro, fica subitamente clarificado quando se verifica que personagens como Bolsonaro e Lula não estão imunes às tentações um do outro. Nos meandros da estratégia eleitoral e das aflições criminais somem as pseudodiferenças. Só não desaparecem as provas.

O que fazer com a corrupção? Como apagar a confissão do empreiteiro que trocou o acesso aos cofres da Petrobras pelos confortos da família Lula da Silva? Que fazer com as evidências de que a empreiteira corrupta ajustou o tríplex ao gosto da ex-primeira-dama Marisa? Onde enfiar depoimentos, documentos e perícias?

Como esconder o vaivém de dinheiro vivo usado na aquisição de imóveis pelo primogênito do capitão? Onde enfiar as evidências de que a loja de chocolates virou lavanderia? Que borracha apagará os pagamentos de despesas familiares com verbas recolhidas pelo faz-tudo Queiroz? Quem levará à vitrine a explicação sobre a origem dos R$ 89 mil que gotejaram na conta da primeira-madame?

O desejo compartilhado de matar provas produz uma inusitada “despolarização” dos movimentos de BolsonaroLula. O enterro de evidências prossegue. Mas em algum momento será necessário responder às interrogações que se acumulam ao longo do cortejo fúnebre.

terça-feira, 2 de abril de 2019

TEMER, LULA E A DESALENTADORA JUSTIÇA BRASILEIRA — CONCLUSÃO


Vimos que a prisão após condenação na primeira ou na segunda instâncias vigeu no Brasil durante as últimas 8 décadas, exceto num curto período (entre 2009 e 2016), quando só se ia preso depois de a sentença condenatória transitar em julgado — e para que o leitor tire suas conclusões sobre os motivos que levaram a essa mudança na jurisprudência, em relembrei que o processo do Mensalão foi instaurado em 2007, começou a ser julgado em 2012 e terminou em 2014.

Em abril do ano passado, o eminente ministro Marco Aurélio Mello liberou para julgamento as ações diretas de constitucionalidade que questionam a prisão em segunda instância, mas a então presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, entendeu que rediscutir o tema pela terceira vez em menos de dois anos seria apequenar o tribunal. Diante do inconformismo de Mello, o atual presidente, Dias Toffoli (mais detalhes sobre esse nobre ministro nesta postagem), pautou o julgamento das ominosas ADCs para o próximo dia 10 (que acontece de ser quarta-feira que vem, daí eu estar revisitando este assunto). Mas isso não impediu que Marco Aurélio protagonizasse uma versão revista e atualizada do lamentável “caso Favreto”. Em 19 de dezembro do ano passado, minutos depois de o Judiciário entrar em recesso, o magistrado concedeu monocraticamente uma estapafúrdia liminar que só não libertou Lula e outros 170 mil condenados em segunda instância que aguardam presos o julgamento de seus recursos às instâncias superiores porque foi prontamente cassada por Toffoli.

Observação: Também para ajudar o leitor com suas conclusões, relembro que esse Marco Aurélio ascendeu ao Supremo por indicação do primo Fernando Collor (que dispensa apresentações) e foi brilhantemente definido por José Nêumanne como "um misto de Hidra de Lerna com o deus romano Jano”.

Para não espichar muito a conversa, relembro apenas que a polêmica gira em torno da seguinte questão: autorizar a prisão de alguém antes que todos os recursos sejam exauridos significa negar-lhe o direito constitucional da presunção de inocência? A pergunta é simples, mas a resposta nem tanto. O Supremo já mudou esse entendimento várias vezes, como vimos na postagem anterior. Em 2009, por 7 votos a 4, a Corte decidiu que o cumprimento provisório da pena (ou seja, a prisão antes do trânsito em julgado da condenação) era inconstitucional — note que isso nada tem a ver com a prisão preventiva, mas eu não vou entrar nesse mérito, ao menos nesta oportunidade. Votaram favoravelmente ao direito de recorrer em liberdade os ministros Eros Grau, Celso de Mello, Cezar Peluso, Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio (Menezes Direito, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie foram votos vencidos).

Em fevereiro de 2016, a Corte decidiu permitir o início do cumprimento da pena a partir da segunda instância, sob o argumento de que a regra anterior levava à impunidade (pausa para os aplausos, e digo isso sem qualquer ironia). O placar foi novamente de sete votos a quatro. Marco Aurélio, Celso de Mello, Lewandowski, que já haviam sido contrários à prisão em segunda instância em 2009, e a ministra Rosa Weber foram votos vencidos; Gilmar Mendes, contrário na primeira votação, Carmen Lúcia, favorável em 2009, Dias Toffoli, Edson Fachin, Teori Zavascki, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux — que não faziam parte no tribunal na primeira decisão — votaram a favor.

Em outubro daquele mesmo ano, durante o julgamento de outro habeas corpus, a nova jurisprudência foi confirmada por seis votos a cinco — a mudança do placar decorreu do voto de Dias Toffoli, que dessa vez se alinhou à ala “garantista”. O tema voltou à pauta em abril do ano passado, no julgamento do habeas corpus de Lula. Novamente, por seis a cinco, a tese favorável à prisão antecipada prevaleceu. Note que Mendes voltou a ser contra a antecipação da pena, mas a ministra Rosa Weber seguiu a maioria, argumentando que, embora fosse contra, não poderia contrariar a jurisprudência da corte. Alexandre de Moraes, que substituiu Zavascki, manteve o entendimento do antecessor.

Resta saber como a coisa vai ficar no próximo dia 10, quando será iniciado o julgamento das malditas ADC 43 e ADC 44, que o nobilíssimo ministro Marco Aurélio tanto insistiu para que fossem pautadas. Nesse tipo de ação, não é julgado um caso concreto, mas sim o entendimento que se tem sobre a regra, de modo que a decisão é vinculante. A mãe das crianças, em entrevista à jornalista Andréia Sadi, disse que “existe clima” no Supremo para a reversão da jurisprudência. O fiel da balança, por assim dizer, será Rosa Weber (pelos motivos mencionados linhas atrás). Se a ministra mudar de lado e os demais mantiverem suas posições, condenados em segunda instância com recursos pendentes na Justiça não poderão mais ser presos, o que seria trágico para a Lava-Jato e, por que não dizer, para o país como um todo (ou pelo menos para a parcela que engloba os brasileiros que estão até os tampos com tanta corrupção e impunidade na classe política).

STJ já poderia ter julgado a recurso de Lula contra a condenação no processo do tríplex, mas vem empurrando com a barriga. Ao contrário dos ministros supremos, os 33 membros dessa Corte são avessos às luzes da ribalta, daí ser mais difícil antecipar como votará a 5ª Turma, caso algum dia se digne de julgar o apelo do petralha. Para ser justo, é preciso mencionar que, no final do ano passado, o ministro Félix Fisher, relator da ação, negou monocraticamente o pedido da defesa e decidiu encerrar a questão no STF. Os advogados de Lula agravaram, mas ainda não foi definida uma data definida para o julgamento. Em mais e uma oportunidade o ministro Félix Fisher aventou que levaria o caso “em mesa” na sessão seguinte, mas mudou de ideia, talvez para não chamar a atenção da imprensa — se o STJ já é avesso à exposição na mídia, a 5ª Turma o é ainda mais, sobretudo depois que passou a receber os processos da Lava-Jato. Existe a possibilidade de Fisher levar o caso em mesa na sessão de hoje, mas, à luz de como ele vem procedendo desde o início do ano e pelo fato de o STF ter pautado julgamento das malditas ADCs para daqui a uma semana, é possível que o ministro prefira aguardar a decisão superior. Mas note que possível não é o mesmo que provável, e cabeça de juiz...

Atualizações: 1) Segundo informações do site Gaúcha ZH, os cinco ministros da 5ª Turma já estão com os votos prontos, mas aguardam parecer do MPF sobre o pedido da defesa do petralha para que a ação seja remetida à Justiça Eleitoral. É possível que o julgamento ocorra já nesta quinta-feira, em não havendo nenhum acidente de percurso. Torçamos, pois. 2) O STF pode adiar o julgamento da prisão em segundo grau, marcado para o próximo dia 10. Segundo o Antagonista, isso se deve a um pedido apresentado pela OAB, e significa que petistas devem ter sido informados de que a maioria dos ministros votaria contra a soltura de Lula (e de milhares de criminosos iguais a ele). Aparentemente, os seis magistrados que defenderam a legalidade em 2018 continuam a defendê-la em 2019.

Esse julgamento poderia encerrar o processo do tríplex no âmbito do STJ. Em sendo negado o recurso, Lula passaria à condição de "condenado em terceira instância" e não seria mais afetado no caso de o STF mudar a jurisprudência sobre prisão em segunda instância e decidir que as prisões só podem ser executadas a partir de decisão do STJ — que é a alternativa “quebra-galho” sugerida por Dias Toffoli e, ao que parece, vista como satisfatória pelos ministros garantistas.

Sobre Michel Temer e companhia

O MPF recorreu ao TRF-2 pedindo a restauração da prisão preventiva do ex-presidente, de Moreira Franco e dos outros seis denunciados por crimes ligados a contratos de Angra 3, usina da Eletronuclear em construção. Segundo a Procuradoria Regional da República da 2ª Região, as solturas afetam a investigação de crimes, a instrução do processo, a aplicação da lei e a recuperação de valores desviados. O Núcleo Criminal de Combate à Corrupção do MPF na 2ª Região concordou com a Lava-Jato/RJ que a prisão preventiva dos investigados segue amparada na legislação e na jurisprudência de tribunais, inclusive do próprio TRF-2

Os recursos foram protocolados na última segunda-feira e serão julgados pela 1ª Turma caso não sejam aceitos em decisão individual do desembargador-relator dos habeas corpus. “O julgamento monocrático de mérito em favor da parte é circunstância excepcional e rara, pois resulta na indesejável supressão das fases do contraditório prévio e do julgamento colegiado, os quais integram o devido processo legal regular", frisaram os procuradores regionais Mônica de Ré, Neide Cardoso de Oliveira, Rogério Nascimento e Silvana Batini, que ressaltaram a fartura do conjunto de provas da prática de corrupção, peculato e lavagem de dinheiro.

sábado, 20 de abril de 2019

O JULGAMENTO DE LULA NO STJ E O STF E A PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA.



Alan Garcia, que governou o Peru entre 1985 e 1990 e novamente de 2006 a 2011, ao saber que seria preso temporariamente por conta de investigação sobre propinas recebidas Odebrecht, preferiu antecipar sua entrevista com o diabo dando um tiro na própria cabeça. Garcia era um dos quatro ex-presidentes peruanos investigados por relações espúrias com a empreiteira-corruptora brasileira — que, dentre outros inestimáveis serviços prestados ao Brasil, incluiu a corrupção no portfólio de itens exportados por nosso país.  É lamentável que próceres da política tupiniquim, igualmente enrolados com a Justiça — sobretudo aqueles que foram diretamente responsáveis pelo empoderamento do cartel de empresa capitaneado pela Odebrecht —, não se espelhem no político peruano e continuem insistindo ad nauseam no seu pseudo vitimismo e soterrando os tribunais com suas chicanas jurídicas.

Falando na Justiça brasileira, nosso país é o 105º colocado no ranking de liberdade de imprensa da ONG Repórteres Sem Fronteiras. O resultado anunciado na última quinta-feira 18 é pior do que o de 2018, quando esta banânia ocupava a 102ª colocação. E ainda sobre o “cala boca já morreu, mas ressuscitou por obra e graça de dois ministros supremos”, Marco Aurélio Mello classificou de “mordaça" a decisão do colega Alexandre de Moraes, que determinou a retirada do ar de reportagens publicadas pela revista Crusoé e pelo site O Antagonista, que fazia referência a uma citação ao nome do presidente do STF em delação da Odebrecht. Confesso que não sou fã incondicional de Marco Aurélio, mas concordo com ele quando diz que “vivemos tempos estranhos”.

Mudando de um ponto a outro, pelo evangelho segundo Cármen Lucia, rediscutir o cumprimento da pena após condenação em segunda instância à luz da prisão de Lula seria “apequenar o Supremo”. Fiel a suas convicções, a ministra deixou a presidência da Corte, em setembro do ano passado, sem ter pautado o julgamento das furibundas ADC 43, do PENADC 44 , da OAB, e ADC 54, do PCdoB. Seu sucessor no cargo, ministro Dias Toffoli, incluiu, em dezembro, as tais ações na pauta do dia 10 de abril de 2019, acreditando que até lá o STJ teria julgado o REsp de Lula no caso do tríplex e, portanto, a polêmica do cumprimento da pena após condenação em segunda instância ficaria menos explosiva, facilitando o acolhimento de sua "proposta conciliatória" — de autorizar a prisão somente após o STJ (terceira instância) ratificar a condenação. Com isso, o STF evoluiria para uma posição mais “garantista”, como reclama a nata dos criminalistas, e Lula, com punição confirmada pelo STJ, continuaria preso. Mas faltou "combinar com os russos".

ObservaçãoReza a lenda que na copa de 58, o técnico Feola bolou um esquema infalível contra a seleção soviética: Nilton Santos lançaria a bola pela esquerda para Garrincha, que driblaria 3 russos e cruzaria para Mazzola marcar de cabeça. Depois de ouvir tudo atentamente Garrincha perguntou: "tá legal, seu Feola, mas o senhor combinou com os russos?".

Mesmo depois que as ADCs foram pautadas, seu relator surpreendeu a todos com uma liminar funambulesca publicada minutos após o início do recesso de final de ano do Judiciário — liminar essa que, se Toffoli não tivesse cassado prontamente, resultaria na libertação de Lula e de outros 169 mil condenados em segunda instância que aguardam presos o julgamento de seus recursos pelas instâncias superiores. Enfim, o ano virou, janeiro terminou, março sucedeu a fevereiro e o STJ ainda não julgou o REsp de Lula.

Para evitar que seu plano fosse a pique, Toffoli, “atendendo a uma solicitação da OAB”, retirou de pauta as ADCs e adiou sine die seu julgamento — que só deve acontecer no segundo semestre, a não ser que Marco Aurélio leve o tema em mesa (ou seja, coloque a questão em discussão durante uma sessão plenária, ainda que ela não tenha sido incluída na pauta). Se o presidente supremo empurrou a discussão com a barriga por receio de que a jurisprudência fosse mantida — contrariando os interesses da ala garantista e os advogados criminalistas —, ou se o fez por achar que uma eventual mudança pudesse inflamar as ruas, essa é uma questão que divide opiniões. Mas é consenso que, sem uma definição sobre a polêmica, os ministros garantistas seguirão forçando a rediscussão da antecipação da pena com decisões monocráticas que colidem com a jurisprudência colegiada (e o mesmo se aplica à segunda turma, com Gilmar MendesRicardo Lewandowski e Celso de Mello emparedando os colegas Edson Fachin e Cármen Lúcia).

Segundo Veja, um emissário de Toffoli procurou a OAB no final de março para sondar se a entidade concordaria em adiar a análise das ADCs. A OAB concordou, e assim foi feito. Na avaliação do ministro supremo Luís Roberto Barroso — que também integra o TSE —, o STF pode perder sua legitimidade e provocar “uma crise institucional” caso não consiga “corresponder aos sentimentos da sociedade”. Na sua avaliação, não faz o menor sentido mudar a jurisprudência se o Supremo reforma apenas 0,4% das decisões dos tribunais inferiores e o STJ, 1,2% dos casos.

Observação: Para Barroso, existe um certo ressentimento da elite do País contra a Lava-Jato, pois todo mundo tem algum conhecido envolvido. "Ninguém se arrepende de coisa alguma, todos dizem que estão sendo perseguidos, que são vítimas de uma conspiração, mesmo quando são fotografados ou  filmados." Luiz Fux, que acumula a função de ministro supremo e vice-presidente do TSE, não só segue a mesma cartilha como vai mais além, defendendo um mandato de 10 anos para os membros da nossa mais alta corte, e afirmando que “os juízes eleitorais não têm a menor condição de apurar esses crimes comuns, como corrupção etc." (confira a entrevista que o ministro concedeu a Andreia Sadi no “Em Foco” do último dia 10).
  
Além de questionar a prisão em segunda instância, a defesa de Lula quer que o STJ mande o caso do triplex para a Justiça Eleitoral. O recurso já foi negado monocraticamente pelo relator, ministro do STJ Felix Fisher, uma vez que o reexame de matéria fática (provas) se encerra na segunda instância. Nos bastidores, os advogados do petista buscam convencer o STJ a derrubar a punição por lavagem de dinheiro. Caso isso aconteça, mesmo que a condenação por corrupção passiva seja mantida, a pena seria reduzida para cerca de oito anos, e em breve o paciente poderia passar a cumpri-la no regime semiaberto ou em prisão domiciliar. Nos corredores do tribunal, a proposta é considerada uma solução salomônica entre as pressões feitas por defensores e opositores do ex-presidente — que, em tese, não deveriam interferir no processo, mas, na prática, têm guiado as decisões, dentro e fora dos autos.

Também como eu mencionei anteriormente, a ausência do ministro Marcelo Ribeiro Dantas na sessão da última quinta-feira no STJ fez com que o julgamento do REsp de Lula pela 5ª Turma ficasse para depois da Páscoa (mais detalhes nesta postagem). No último dia 12, o MPF em Brasília reforçou a denúncia por corrupção passiva apresentada no ano passado pela PGR contra Lula e os ex-ministros Paulo Bernardo e Antônio Palocci. O inquérito foi aberto inicialmente no STF porque, além dos três, a então senadora e ora deputada e presidente nacional do PTGleisi Hoffmann, também foi denunciada. O ministro Fachin decidiu fatiar o inquérito e enviar à primeira instância as menções a pessoas sem direito ao foro nefasto foro privilegiado, e se a denúncia for aceita, o ex-presidente corrupto se tornará réu mais uma vez.

Deu no Antagonista: A crise atual nem começou direito e a próxima estação desse funesto trem fantasma já está à vista: a discussão sobre a libertação de Lula pela 2ª Turma do STF. Segundo o site, está em formação uma maioria em favor do ex-presidente, o que alteraria todo o entendimento das coisas até aqui. A turma deve se reunir presencialmente em breve, a pedido de Gilmar Mendes, que não esconde o desconforto com a prisão do petista. Dois governadores contam que receberam a mesma avaliação de membros da cúpula das Forças Armadas: a exemplo do já histórico tuíte do general Villas Bôas em 2018, os militares não estão dispostos a bancar sem alertas antecipados o controle da balbúrdia social que creem ser inevitável no caso de soltura de Lula que tenha cheiro de casuísmo. A conferir.   

Em tempo: Os advogados de Lula afirmam que, desde o bloqueio das contas e dos bens do ex-presidente, decretado pelo ex-juiz Sérgio Moro no início de 2018, falta dinheiro para custear deslocamentos e até para contratar pareceristas. A página na internet que o escritório mantinha para divulgar as posições da defesa sobre os andamentos da Lava-Jato também saiu do ar, pois, sem verba, o contrato com a equipe que cuidava do site foi rescindido. Segundo Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, o petista já gastou cerca de R$ 5 milhões em sua defesa. E vai passar a Páscoa na cadeia.

quinta-feira, 11 de abril de 2019

LULA, AS MENINAS DO JÔ E A AVALIAÇÃO LAPIDAR DE CID GOMES, QUE CONTINUA VALENDO ATÉ PROVA EM CONTRÁRIO



Dias atrás, uma repórter da GloboNews e ex-integrante das “Meninas do Jô” me fez lembrar do próprio , que costumava responder ele mesmo as perguntas que dirigia aos entrevistados. A questão levantada por essa ex-menina (não só porque o “Programa do Jô” deixou de ir ao ar em dezembro de 2016, mas também porque a dita-cuja já colheu 61 primaveras nos jardins da existência) foi sobre como seria o cenário eleitoral em 2022. E sua resposta (dela, não do entrevistado) foi que Bolsonaro é candidatíssimo à reeleição, que João Dória e Luciano Huck provavelmente concorrerão, e que, pela esquerda, tudo depende do “presidente Lula”. Confesso que me senti tentado a ligar para 4002-2884 e deixar o mesmo recado (lapidar, diga-se) que o senador Cid Gomes deu a uma súcia de petistas, em outubro do ano passado: Lula está preso, babaca. (relembre no vídeo a seguir).


Especular sobre a sucessão presidencial quando a gestão atual começou há pouco mais de 3 meses (se começou mal ou não, isso é outra conversa) me parece um exercício de futurologia sem o menor sentido. Demais disso, Bolsonaro afirmou mais de uma vez ser contrário à reeleição — e que pretende propor sua extinção numa possível reforma política. Semana passada, em entrevista ao jornalista Augusto Nunes no programa “Pingos nos Is” da Jovem Pan, ele voltou a dizer que a reeleição é ruim para o Brasil porque “o prefeito, o governador, até o próprio presidente se endivida, faz barbaridades, dá cambalhotas, faz acordo com quem não interessa, para conseguir apoio político...". Na mesma oportunidade, porém, ele disse: “a pressão está muito forte para que, se eu tiver bem [em 2022], obviamente, me candidatar".

A contradição não chega a surpreender, não quando vem de alguém a quem falta coerência e sobram ideias abiloladas, mas isso também é outra conversa. O detalhe é que Bolsonaro disse isso logo após o Datafolha e o Ibope indicarem que ele é o presidente em primeiro mandato menos bem avaliado desde 1985. Pressão de quem, então, cara pálida?

Tenho comigo que Geraldo Alckmin prestou um desserviço ao país ao insistir em disputar a Presidência quando João Dória tinha chances reais de passar para o segundo turno — e, por que não dizer, de vencer a eleição. Doria não terá esse egun mal despachado a assombrá-lo em 2022, o que é um ponto a seu favor. Quanto a Luciano Huck, acho que o apresentador perdeu o bonde e a vez. É certo que teríamos votado no próprio capeta para impedir a vitória do boneco de ventríloquo comandado pelo presidiário de Curitiba (o que explica a vitória do capitão), mas isso se deu num cenário bastante peculiar, que dificilmente se repetirá em 2022.

O ex-presidente Lula (e não “presidente Lula”, como disse a infante sexagenária) foi condenado a 12 anos e 1 mês de prisão em segunda instância (no processo do tríplex no Guarujá) e começou a cumprir a pena no dia 7 de abril de 2018 (há um ano, portanto). Nesse entretempo, foi  sentenciado a mais 12 anos 11 meses de prisão pela juíza substituta Gabriela Hardt (no caso do sítio em Atibaia). Além disso, os autos do processo sobre o terreno do Instituto Lula e a cobertura em São Bernardo do Campo estão conclusos para sentença — o julgamento pode se dar a qualquer momento, a critério do juiz federal Antonio Bonat, que substitui Sérgio Moro no comando da 13ª Vara Federal do Paraná. Aliás, Bonat já negou um pedido de suspeição da defesa do ex-presidente contra o delegado federal Filipe Hille Pace, que investiga Lula no âmbito da Lava-Jato do Paraná. Para além desses processos, o petralha é réu em outros seis, sem mencionar que foi indiciado no início do mês passado, juntamente com o pimpolho Luiz Cláudio, pelos crimes de lavagem de dinheiro e tráfico de influência (clique aqui para mais informações sobre a capivara do eterno presidente de honra do PT),

Se ninguém botar jabuti em árvore, o REsp de Lula — que dentre outros absurdos pleiteia a anulação do processo do tríplex e o envio do caso à Justiça Eleitoral — será rejeitado pela 5ª Turma do STJ, como já o foi por uma decisão monocrática do ministro Félix Fisher, no final do ano passado. E agora que o presidente do Supremo despautou e adiou sine die o julgamento das ADCs que questionam a constitucionalidade da prisão após condenação por um juízo colegiado, não há por que o STJ continuar empurrando o julgamento barriga. Se o que faltava a Fisher para levar o caso em mesa era a manifestação do MPF sobre o pedido de remessa do processo à Justiça Eleitoral, agora não falta mais: o parecer (contrário ao pedido) foi encaminhado na última terça-feira

Voltando à resposta que a repórter da GloboNews deu a si mesma, segue um texto de Josias de Souza (os grifos são meus):

Lula tornou-se para o PT um personagem paradoxal. Preso há um ano, ele continua sendo a única liderança nacional do partido. Mas seu pesadelo criminal transformou-o num líder sem futuro. Hoje, Lula está inelegível até 2038, quando completará 92 anos. Ou seja, do ponto de vista estritamente eleitoral, é um passado que não passa para o partido que fundou. Para que Lula voltasse a ser candidato, como gostaria, seria necessário que a sentença que o condenou a 12 anos e um mês de cadeia fosse anulada nos tribunais superiores. Mas nem os mais fanáticos adeptos do bordão 'Lula Livre' acreditam nessa possibilidade

O petismo agarra-se a uma tênue esperança dos advogados de que a sentença seja pelo menos reduzida no julgamento de recurso no STJ — uma eventual redução da pena permitiria à defesa reivindicar uma progressão de regime prisional. Com sorte, Lula ganharia uma transferência do regime fechado para o semiaberto. Com muita sorte, iria para a prisão domiciliar. Seria um alívio para o preso, não para o PT. No momento, o grande desafio do petismo é o de se reinventar na oposição. 

Por ora, o partido repete o modelo de oposição agressiva que adotava no passado. Com uma diferença: o PT já não se encaixa no papel de virgem no bordel. Os adversários agora sabem o que os petistas fizeram nos verões passados, quando manusearam a chave do cofre. De resto, ser do contra sem dizer o que colocaria no lugar de projetos como a reforma da Previdência não estimula o eleitor a recolocar o PT na fila de alternativas caso Bolsonaro mantenha o país no caminho do brejo. 

O bordão 'Lula Livre' logo será um assunto chato até para o PT, se é que já não é. Ainda que se materializasse, o sonho de liberdade seria seguido de novos pesadelos. Há mais uma condenação de primeira instância. Há também meia dúzia de processos por julgar. Adepto da teoria da palmeira única, Lula jamais permitiu que brotassem outras lideranças no gramado do PT. Seu egocentrismo condenou o partido a administrar a decomposição do seu único líder rendido aos interesses dele.”


ATUALIZAÇÃO: Como eu disse linhas atrás, existe a possibilidade de a 5ª Turma do STJ julgar o recurso de Lula nesta quinta-feira (ou no próximo dia 23, já que Judiciário, trabalho e Semana Santa não se misturam). Em tese, o relator, ministro Felix Fisher, ainda não levou o assunto em mesa porque aguardava a manifestação do MPF — que foi encaminhada na última terça e é contrária ao pedido da defesa de levar o caso do tríplex do Guarujá para a Justiça Eleitoral. O colegiado, conhecido por manter as decisões das instâncias inferiores nos processos da Lava-Jato, é formado por cinco ministros, um dos quais (Joel Ilan Paciornik) se deu por impedido de participar desse julgamento. Fisher já havia negado o apelo monocraticamente, mas a defesa do petralha argumenta é que o recurso expõe dezoito teses jurídicas compatíveis com a jurisprudência do STJ que deveriam ser enfrentadas por todos os ministros da turma. Possíveis resultados são:

1) O apelo ser negado e a condenação ser mantida (caso em que Lula seguirá cumprindo a pena em regime fechado);

2) O reconhecimento de que as decisões inferiores desrespeitaram alguma lei federal — como o Código Penal ou o Código de Processo Penal —, o que levaria à declaração de nulidade do processo, que voltaria à instância em que a falha foi detectada (a defesa alega que a ação não poderia ter sido julgada pelo juiz Sergio Moro; que o magistrado foi parcial; que foi negada a produção de provas periciais, e por aí afora);

3) O reconhecimento da competência da Justiça Eleitoral para analisar ação, o que também levaria à anulação de todos os atos processuais na esfera da Justiça Federal — inclusive da ordem de prisão;

4) A redução da pena (que a defesa considera exagerada) ou a absolvição do réu quanto ao crime de lavagem de dinheiro — em qualquer dos casos, a redução da pena abriria espaço para que o condenado a cumprisse em regime semiaberto ou em prisão domiciliar;

Façam suas apostas (e cruzem os dedos).

quinta-feira, 14 de junho de 2018

STJ NEGA RECURSO DE LULA E STF MARCA JULGAMENTO DE GLEISI HOFFMANN





O ministro Felix Fischer, do STJ, negou na última segunda um pedido da defesa de Lula para atribuir efeito suspensivo a um recurso especial apresentado contra a condenação no caso do triplex de Guarujá

O objetivo era permitir que o criminoso condenado deixasse a prisão e participasse da campanha eleitoral, pelo menos até a 5ª Turma do STJ julgar o recurso especial. Na decisão, Fisher destacou que o recurso especial — apresentado perante o TRF-4 — ainda não chegou ao STJ e aguarda manifestação do MPF.

Além do pedido feito ao STJ, a defesa do molusco pediu ao Supremo a concessão de efeito suspensivo também ao recurso extraordinário. O ministro Edson Fachin, relator dos casos da Lava-Jato na nossa mais alta Corte, está aguardando o parecer da PGR para então decidir sobre o pleito.

Falando no Supremo, o julgamento da senadora petralha Gleisi Hoffmann e seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo, foi agendado para a próxima quarta-feira, 20. 

Narizinho” (ou Coxa, ou ainda Amante) será a segunda política a ser julgada pelo STF nos quatro anos de investigação da Lava-Jato — o primeiro, o deputado Nelson Meurer, foi condenado a 13 anos e 9 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

No que depender da PGR, a presidente do PT vai engrossar a lista: em manifestações finais na ação, a chefe do MPF pediu a condenação à prisão da petista e o pagamento de uma multa de 4 milhões de reais de indenização pelos danos.

A ação foi liberada para julgamento pelo revisor da ação, ministro Celso de Mello. Além dele, selarão a sorte de Gleisi o relator, Edson Fachin, e o trio assombro togado — Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Se for condenada pela 2ª Turma, mas obtiver ao menos 2 dos 5 votos a seu favor, a petralha poderá recorrer ao Plenário do Supremo.

Tomem tinta, petralhas!

EM TEMPO: O STF adiou para hoje a decisão sobre a condução coercitiva. Quatro ministros já votaram a favor e dois contra. Para a decisão final, são necessários os votos de 6 dos 11 ministros.

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sábado, 6 de abril de 2019

AS QUASE DECISÕES DE BOLSONARO, A LENTIDÃO NO STF E O REsp DE LULA NO STJ



Numa sexta-feira de quase decisões, Bolsonaro quase exonerou o ministro da Educação — segundo o presidente, “a aliança pode ir para a gaveta” na próxima segunda-feira” — e quase acabou com o horário de verão. Se nada mudar, ambas as decisões serão tomadas em caráter definitivo na semana que vem (e já não era sem tempo). O capitão também quase desidratou (ainda mais) a reforma da previdência mostrando as cartas antes que os adversários pagassem pra ver. Sobre o projeto de capitalização, que Paulo Guedes vem defendendo com unhas e dentes, Bolsonaro disse candidamente que "não é essencial no momento". Vélez, por seu turno, disse que não deixa o cargo, e o ministério de Minas e Energia, que foi pego de surpresa pela decisão sobre o horário de verão. E essa parece que já passou do quase, ou pelo menos foi isso que eu ouvi nos telejornais da noite de ontem.

O ex-ministro José Dirceu — considerado pela tigrada vermelha como “o guerreiro do povo brasileiro” — foi condenado duas vezes no âmbito da Lava-Jato, mas permanece solto graças à leniência do Judiciário, ao bom coração de certos ministros supremos e a dois diferentes recursos pendentes de julgamento. No caso mais antigo, a pena de 30 anos, 9 meses e 10 dias de prisão por corrupção, organização criminosa e lavagem de dinheiro foi ratificada pelo TRF-4 em meados de 2017, mas Dirceu foi solto por decisão da 2ª Turma do STF, que viu “plausibilidade jurídica” no recurso apresentado ao STJ. Assim, o petista só voltará para a cadeia quando e se esse apelo for negado. 

Em outra ação, o guerrilheiro de festim foi condenado a 8 anos de 10 meses por corrupção e lavagem de dinheiro, e a decisão foi ratificada pelo TRF-4 em novembro do ano passado. A corte já rejeitou os embargos infringentes da defesa, mas ainda cabem embargos de declaração, e somente depois que eles forem julgados é que serão considerados esgotados os recursos no âmbito da segunda instância (isso é Brasil, minha gente!).

Dirceu e seu rebento, que na última quarta-feira tirou do sério o ministro Paulo Guedes ao chamá-lo de tchutchuca, eram alvo de uma investigação no Supremo por corrupção e lavagem de dinheiro, mas o MPF apontou indícios de falsidade ideológica eleitoral (caixa 2) e o ministro Edson Fachin, respaldado na lamentável decisão suprema tomada por 6 votos a 5 no dia 14 do mês passado, determinou a remessa do caso à Justiça Eleitoral. Como se vê, a Operação Lava-Toga pode estar difícil de emplacar, a “Operação Esvazia-Gaveta” segue a todo vapor.

A uma corte constitucional, como é o caso do STF, cabe julgar a constitucionalidade de leis, mas ele também funciona também como suprema corte — ou seja, como a última instância de apelação —, além de investigar, processar e julgar deputados federais, senadores, ministros e outros políticos com direito a foro especial por prerrogativa de função. Mesmo contando com 222 servidores (em média) para cada um de seus 11 ministros, o Supremo não prima pela celeridade. E justiça tardia não é justiça. Em cinco anos de atividade, a despeito de ser constantemente bombardeada, a Lava-Jato produziu resultados impressionantes. Em contra partida, dos quase 200 casos que chegaram até o STF, 30% foram arquivados, tiveram denúncia rejeitada ou envolvidos absolvidos. Apenas 6 réus foram julgados e somente 2 restaram condenados sem prescrição.

Um bom exemplo de como as coisas caminham em nossa suprema corte é o ex-deputado Paulo Maluf, que em quase meio século de vida pública já figurou no topo da lista de políticos com mais processos judiciais. Em dezembro de 2017, quase duas décadas depois do início de um dos processos, o turco lalau foi condenado no STF a 7 anos, 9 meses e 10 dias de prisão, mas ficou preso por pouco mais de 3 meses, pois o ministro Dias Toffoli, atual presidente da corte, concedeu-lhe um habeas corpus de ofício, por razões humanitárias (o detento estaria à beira do desencarne), e o ex-deputado foi transferido para o Hospital Sírio Libanês e de lá para sua mansão nos Jardins (bairro nobre da capital paulista). Se ele realmente está morrendo, só se for de rir dos trouxas que acreditam na Justiça Brasileira.   

Outro exemplo emblemático de morosidade nas cortes superiores é o recurso especial do criminoso Lula no caso do tríplex do Guarujá. O petralha foi condenado a 9 anos e 6 meses de prisão, pena que o TRF-4 aumentou a pena de 12 anos e 1 mês, e que o réu vem cumprindo há um ano na Superintendência da PF em Curitiba (ao custo de R$ 10 mil reais por mês). Só nesse caso (Lula é réu em outras 9 ações criminais), seus advogados ingressaram com mais de 80 recursos, apelos e chicanas protelatórias. 

Espera-se que o STJ julgue na próxima terça-feira o recurso especial do prisioneiro de Curitiba. O apelo já foi rejeitado monocraticamente pelo desembargador Felix Fisher — até porque o STJ não pode reexaminar provas em recurso especial. A defesa alega que as decisões do TRF-4 contrariaram diversos dispositivos de leis federais, como a impossibilidade de o processo ser julgado por um juiz que perdeu a isenção, que a corte se recusou a analisar novos documentos que comprovam a inocência do petista, que "foi vítima de excesso de acusação" e julgado por um juiz de exceção.

Segundo Fischer, o STJ não tem como analisar se o acórdão do TRF-4 deixou de apontar ato de ofício de Lula que caracterizasse a corrupção passiva. Com a mesma justificativa, o magistrado apontou que não pode examinar se a pena aplicada foi exagerada, se o direito ao contraditório e à ampla defesa foi cerceado e se o ex-juiz federal Sergio Moro, responsável pela instrução do processo do tríplex e sua sentença, agiu de forma parcial (clique aqui para ler a íntegra da decisão).

Na semana passada, Fisher pediu ao MPF que se manifestasse sobre o pedido da defesa para encaminhar essa ação à Justiça Eleitoral, mas o parecer assinado pela subprocuradora-geral da República Áurea Lustosa Pierre recomendou apenas que o julgamento do recurso no STJ fosse suspenso até que o Supremo termine de analisar uma ação que questiona a condução do processo de Lula naquela corte. O magistrado pediu um complemento ao MPF, abordando o pedido relacionado à Justiça Eleitoral. De acordo como o vento soprar, o recurso será julgado na próxima terça-feira 9. E ainda que não seja essa a data, o julgamento certamente ocorrerá antes de o Supremo se debruçar sobre as ações que questionam a constitucionalidade de prisão após condenação em segunda instância, já que na última quinta-feira, atendendo a um pedido da OAB, o presidente supremo Dias Toffoli retirou as ADCs da pauta e adiou o julgamento sine die.

Observação: Em dezembro do ano passado, ao pautar as ADCs, Toffoli acreditava que o STJ já teria decidido sobre o recurso especial de Lula no próximo dia 10, data em que as tais ações seriam julgadas no Supremo. Mas isso não aconteceu, talvez porque o STJ preferiu empurrar a coisa com a barriga até o supremo decidir se mantém ou não a possibilidade da prisão em segunda instância. Nas últimas semanas, Gilmar Mendes e seus pupilos procuraram colegas da 5ª Turma do STJ para lhes pedir que julgassem as decisões da Lava-Jato e não apenas as homologassem. Ao longo dos anos, o colegiado manteve a maioria das decisões do então juiz Sergio Moro e do TRF-4, responsáveis pelos casos da força-tarefa nas instâncias inferiores. Torçamos para que pelo menos isso continue assim.

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

LULA TOMOU NA TARRAQUETA — CHUPA QUE É DOCE, JARARACA!



Como eu disse no post anterior, o julgamento do processo sobre o Sítio de Atibaia pelo TRF-4 chegou a ser suspenso, foi remarcado, e depois mantido por ordem do ministro Edson Fachin. A sessão começou na manhã da quinta-feira e se estendeu até o final da tarde. Afinal, vivemos tempos de votos intergalácticos, e o desembargador João Pedro Gebran Neto, relator da Lava-Jato no TRF-4, demorou horas para concluir a leitura do seu, que tinha mais de 350 páginas. Dias Toffoli, se lhe tivessem dado corda, provavelmente ainda estaria explicando o dele, no caso do compartilhamento de informações de transações suspeitas ligadas a investigações criminais sem prévia autorização judicial. Aliás, esse julgamento também teve prosseguimento na tarde de ontem, quando foram colhidos os votos faltantes e estabelecido o placar de 8 votos a 3 — ao final, o presidente da Corte e relator do processo aderiu à maioria e retificou seu voto, mudando o placar para 9 votos a 2 a favor do compartilhamento.

Com essa decisão, deixou de valer a liminar de Toffoli que, em julho, atendendo um pedido da defesa de Flávio Bolsonaro — feito dentro de um recurso apresentado por donos de um posto de gasolina em São Paulo — suspendeu ao menos 935 investigações. Em tese, foi esse recurso que os ministros julgaram, a despeito de a defesa do senador ter pegado carona no processo alegando que, a exemplo do que ocorreu em relação aos donos do posto, o MP-RJ teve acesso às informações de seu cliente sem autorização judicial. Toffoli, no entanto, parece achar que todo mundo é idiota, pois enfatizou diversas vezes que o caso do filho do pai não estava em discussão.

Os efeitos que a queda da liminar terá no governo é coisa que ainda iremos descobrir, já que o famigerado "Caso Queiroz" fede mais que peixe podre. Quanto à UIF (ex-Coaf), que Toffoli incluiu "de alegre" nesse julgamento, também se formou maioria a favor do compartilhamento dos dados, mas não ficou decidido se o Ministério Público pode encomendar ao órgão informações de pessoas específicas para fins de investigação. Dado o avançado da hora (devido, em grande medida, ao boquirrotismo dos eminentes ministros), a regulamentação ficou para a sessão da próxima quarta-feira, 4.

Segundo Josias de Souza, a suprema montanha pariu o óbvio ao reconhecer que os órgãos de controle foram criados para controlar, e que, quando submetidos a indícios de crimes, têm a obrigação de compartilhar os dados com as autoridades encarregadas de investigar e denunciar criminosos. Dizia-se que o STF cogitava restringir o compartilhamento para proteger o cidadão. Proteção do cidadão tornou-se um luxuoso eufemismo para conversa fiada. O texto da Constituição prestigia a privacidade do cidadão, mas o escudo constitucional não pode ser erguido para proteger criminosos. Sobretudo num país como o Brasil, em que a corrupção se tornou endêmica.

O resultado do julgamento precisa produzir pelo menos duas consequências. A primeira, inquestionável, é o reconhecimento de que Toffoli fez uma lambança ao congelar a investigação contra Flávio Bolsonaro e outros 935 inquéritos. Na semana passada, ao proferir o voto mais longo e confuso da história da Corte, seu presidente se referiu à Receita e ao Coaf como fornecedores de material para "investigações de gaveta, que servem apenas para assassinar reputações" (deveria se desculpar pela generalização). A segunda consequência, ainda pendente de verificação, é o descongelamento dos inquéritos — o que envolve Flávio Bolsonaro e todos os demais.

Toffoli chamou de "lenda urbana" a informação de que o julgamento diz respeito também ao filho do presidente da República. Não tem nada a ver, disse ele. No Supremo, nada virou sinônimo de tudo. Zero Um precisa abandonar o cinismo das firulas jurídicas. Passa da hora de o filho do presidente levar meio quilo de explicações à balança da Justiça.

Voltando ao caso da badalhoca vermelha e seu folclórico Sítio Santa Bárbara, a decisão unânime da 8ª Turma do TRF-4 me passou a impressão de que, ao contrário dos ministros do STJ, os desembargadores não se curvaram à pressão de Gilmar Mendes et caterva. Para quem não se lembra, no dia 23 de abril passado, a 5ª Turma do STJ, criticada pela Maritaca de Diamantino por "endossar as decisões dos desembargadores do TRF-4 nos casos da Lava-Jato", reduziu a pena do ex-presidente ladrão, antecipando sua progressão para o regime semiaberto. Mas a subserviência foi desnecessária, pois o próprio Supremo se encarregou de rever sua jurisprudência sobre a prisão após condenação em segunda instância, abrindo as portas das celas de Lula, Dirceu e milhares de condenados que aguardavam presos o julgamento de seus recursos nos tribunais superiores.

Com a decisão de ontem no TRF-4, o bocório de Garanhuns, que, além dos processos do tríplex e do sítio, responde a outras oito ações na Justiça Federal do Paraná, São Paulo e Distrito Federal, teve a pena aumentada pelo colegiado (de 12 anos e 10 meses para 17 anos, 1 mês e 10 dias). Não voltará para a prisão imediatamente, devido à estapafúrdia decisão do STF que passou a proibir o cumprimento da pena após condenação por uma juízo colegiado, mas basta o Supremo negar seus recursos para que ocorra o trânsito em julgado da sentença condenatória (isso se a suprema facção pró-crime não inventar moda, o que não é de todo impossível).

Cristiano Zanin, o engomadinho, deve embargar a decisão da 8ª Turma do TRF-4 e apelar ao STJ e STF, a exemplo do caso do tríplex, no qual impetrou mais de 100 recursos e chicanas protelatórias de todas as cores e sabores — e ainda alega que seu cliente não teve direito à ampla defesa naquele processo. Aliás, diante desse disparate, Raquel Dodge chegou mesmo a afirmar que o ex-presidente confunde “direito à ampla defesa” com “direito à defesa ilimitada, exercida independentemente de sua utilidade prática para o processo, em razão do mero ‘querer’ das partes”.

Fato é que, mesmo condenado em três instâncias no caso do tríplex e em duas no do sítio, o fiduma de Garanhuns, continua solto, debochando dos juízes de carreira que o apenaram, já que o STF, que articulou sua libertação, há muito que deixou de ser composto por juristas de renome. Segundo José Nêumanne, o que há por lá são empregadinhos que abrem portas e carregaram pastas dos chefões das organizações criminosas da política e da gestão pública, recompensando seus ex-superiores com a impunidade na prática. E é bem por aí.

Na visão sempre abalizada de Merval Pereira, o combate à corrupção ganhou duas batalhas judiciais na última quarta-feira. No TRF-4, a condenação de Lula por unanimidade, com aumento da pena e dos dias-multa determinados pela juíza substituta Gabriela Hardt, que respondeu temporariamente pela 13ª Vara Federal do Paraná até que o juiz federal Luiz Antônio Bonat fosse efetivado no posto. No STF, quando se formou maioria favorável ao compartilhamento de dados pelos órgãos de fiscalização com o Ministério Público e a Polícia federal sem prévia autorização judicial.

Os dois casos são emblemáticos, diz Merval, porque superam obstáculos impostos no embate que se trava há algum tempo sobre a amplitude ou limitação da Operação Lava-Jato e assemelhadas. O resultado do julgamento em Porto Alegre é mais importante, dada a decisão unânime de não fazer o processo retornar às alegações finais da primeira instância. Segundo os desembargadores, ainda que a decisão do STF sobre a ordem das alegações finais deva ser respeitada, é preciso demonstrar o prejuízo causado ao não permitir que os réus falem depois dos delatores. Ainda não foram definidos os limites dessa decisão. O procurador-geral Augusto Aras defende que ela não se estenda processos já encerrados, e ministra Cármen Lúcia, no seu voto, concordou com a tese de que os réus devem apresentar as alegações finais antes dos delatores, mas, para que haja nulidade em sentenças já proferidas, é preciso que demonstrem que foram prejudicados. Existe a possibilidade de o Supremo limitar o alcance da decisão, beneficiando somente réus que pediram, ainda na primeira instância, o direito de apresentar seus memoriais por último, e que provarem que foram prejudicados por não terem sido atendidos.

Cá entre nós e a torcida do Flamengo, querer que os juízes de primeira instância "adivinhassem" que um belo dia o Supremo tiraria da cartola uma aleivosia de tal calibre seria um completo absurdo, mesmo em se tratando a facção pró-crime dos togados supremos. Isso sem mencionar que o próprio ministro Dias Toffoli sugeriu a seus pares que os casos deveriam ser analisados individualmente e só haveria anulação da sentença quando e se os réus comprovassem prejuízo real ao exercício da ampla defesa — o que não aconteceu no processo do demiurgo de Garanhuns. O presidente do TRF-4, desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores, disse em seu voto que o STF terá de enfrentar uma questão que a Suprema Corte dos Estados Unidos já enfrentou, decidindo há anos que uma medida que atinja processos já concluídos só vale a partir da sua promulgação, sem retroceder, para não causar insegurança jurídica.

Observação: A insegurança jurídica criada pelas jurisprudências de ocasião de alguns ministros supremos é tão ou mais assustadora que os disparates de Jair Bolsonaro & Filhos. Felizmente, se Deus quiser o Diabo deixar, estaremos livres do decano no ano que vem, de Marco Aurélio Mello em 2020 e de Rosa Weber e Ricardo Lewandowski em 2023. Isso se a PEC da bengala não for revogada ou se o imprevisível tiver voto decisivo na assembleia dos acontecimentos; basta lembrar que Teori Zavascki, indicado por Dilma em 2012, continuaria ministro até 2023 se não tivesse morrido numa mal explicada queda de avião em janeiro de 2017.  

Enfim, caso o Congresso aprove a prisão após a condenação em segunda instância, o que parece bem encaminhado, o crápula de nove dedos voltará para a cadeia, pois os anos de condenação dos dois processos serão somados, e ele precisaria cumprir 1/6 do total antes de progredir para o regime semiaberto, sem mencionar os demais processos, cujas prováveis condenações podem elevar sua pena a mais de 200 anos. 

Na avaliação sempre ácida, mas eivada de um requintado senso de humor, do jornalista e comentarista político Josias de Souza, o TRF-4 foi implacável com Lula devido ao sem-número de evidências de que o ex-presidente petralha se corrompeu. Ao pendurar no pescoço da cascavel uma segunda medalha de corrupto, o colegiado deixou no ar uma dúvida incômoda quanto à adequação do nome do tribunal que representa a última instância do Judiciário brasileiro: STF ou STL? Supremo Tribunal Federal ou Supremo Tribunal do Lula? A dúvida não é impertinente. Ao contrário, é plenamente justificável.

Não fosse pela recente decisão do Supremo de revogar a regra que permitia a prisão de condenados na segunda instância, Lula estaria nesse momento fazendo a mala para retornar à cadeia. Graças ao Supremo, esse risco foi substituído pelo velho cenário em que os condenados com dinheiro para pagar advogados recorrem em liberdade até o infinito ou a prescrição dos crimes — o que chegar primeiro. Generoso, o pedaço do STF que compõe o STL ainda ofereceu à defesa do criminoso a possibilidade de requerer a anulação do processo. Fez isso ao determinar que réus delatados devem falar por último nos processos, depois de tomar conhecimento das alegações finais dos delatores. Os advogados pediram a anulação, mas o TRF-4 negou. Prevaleceu o entendimento segundo o qual os juízes não poderiam adivinhar que o Supremo criaria uma nova regra, que não estava prevista em nenhuma lei, para beneficiar os condenados.

Os advogados de Lula vão recorrer. Os recursos chegarão ao STF. Ou ao STL. Hoje, o combate à corrupção no Brasil depende dos humores do Supremo Tribunal do Lula.