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quinta-feira, 20 de julho de 2023

TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO — CONTINUAÇÃO


O grupo que agrediu o ministro Alexandre de Moraes e seu filho no aeroporto de Roma tropeçou na tênue linha que separa audácia de estupidez e caiu no Código Penal. A despeito da crescente exposição dos pés de barro do mito, a raiva difundida por ele continua inspirando uma base eleitoral de fanáticos. Ao migrar das redes sociais para o mundo real, a insensatez bolsonarista aumenta na proporção direta do potencial econômico dos agressores, enquanto a valentia dos agressores diminui à medida quando a polícia chega.

O Ministério da Justiça requisitou as imagens do circuito de câmeras do aeroporto, e elas devem chegar ao Brasil antes do final de semana. Confirmando-se a agressão, é imperioso punir os agressores. Paralelamente, Moraes precisa acender a luz dos processos estrelados por Bolsonaro. A impunidade do capitão estimula em seus seguidores o comportamento de vale-tudo.

A consistência das conclusões da PF sobre o episódio crescerá na proporção direta da nitidez das imagens captadas pelas câmeras do aeroporto da capital italiana. No estágio atual, porém, os indícios não favorecem os suspeitos. O casal Roberto Mantovani Filho e Andréia Mantovani disse que foi ofendido pelo filho do ministro (que também se chama Alexandre). 

A mulher admite que criticou Moraes por ter entrado numa sala VIP na qual eles não puderam entrar, mas diz que só o fez quando ele já não estava no local. O marido reconheceu ter "afastado com o braço" o filho do ministro, mas apenas para defender a esposa. O genro do casal teria se juntado à sogra nos xingamentos, mas nega qualquer participação nas agressões. Em suma, os três apresentaram alegações com o mesmo selo de qualidade das versões de Bolsonaro e dos seus milicianos digitais.

Moraes relatou à PF que a confusão começou quando Andreia o chamou de "bandido, comunista e comprado"; que Mantovani deu um tapa nos óculos de seu filho; que os agressores os seguiram até a sala VIP, onde a discussão continuou; e que alertou o grupo de que tiraria fotos de todos eles e representaria à PF. Até onde se sabe, o ministro não tem motivo para trocar sua reputação por um enredo mentiroso.

Sempre que Bolsonaro e seus devotos se apropriam de uma notícia, os fatos costumam se perder para sempre. No caso do incidente em Roma, a versão dos acusados é gelatinosa como o próprio Bolsonarismo.

***

O deputado Luís Eduardo Magalhães — filho de Toninho Malvadeza e forte candidato para a sucessão de Fernando Henrique em 2002 — morreu de enfarte aos 43 anos, em 1998. Para os conspirólogos, o político tinha um "estilo de vida saudável", e foi vítima de sua declarada disposição de desbaratar esquemas de corrupção quando e se fosse eleito presidente. Na verdade, ele era hipertenso, fumava dois maços de Charm por dia e havia trocado o uísque — que alterava sua pressão — pelo vinho branco, este pela vodca sueca, e esta por champanhe. Mas bastou o fato de sua morte ter ocorrido no feriado de Tiradentes — como a de Tancredo Neves, 13 anos antes — para ambos terem sido (supostamente) eliminados pelas mesmas pessoas e da mesma forma. 

Ulysses Guimarães morreu em 12 de outubro de 1992 — a menos de três meses do julgamento final do impeachment de Fernando Collor. O helicóptero em que ele e o senador Severo Gomes viajavam com as respectivas esposas caiu no mar, próximo à Costa Verde fluminense. Todos morreram, incluindo o piloto, mas somente os restos mortais do Sr. Diretas não foram encontrados.
 
Diversos fatos ocorridos durante e depois do impeachment de Collor permanecem envoltos em brumas misteriosas, mas é mais apropriado falar "maldição" (mais detalhes na sequência "Collor lá..."). Elma Farias, mulher de PC, morreu em julho de 1994; Pedro Collor morreu no final 1994; Leda Collor (a matriarca do clã) morreu no início do ano seguinte (depois de passar 29 meses em coma); PC Farias e a namorada, Suzana Marcolino, foram assassinados em junho de 1996; e por aí segue o cortejo fúnebre.
 
Na noite de 16 setembro de 1992, a duas semanas de seu afastamento, Collor reuniu num jantar regado a leitão assado e uísque nada menos que 60 deputados e quatro senadores da base governista. Em seu discurso para a claque, chamou oposicionistas de "cagões" e "bundões", classificou Ulysses Guimarães de "senil, esclerosado e bonifrate de interesses de grupos econômicos de São Paulo", e o presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro, de "canalha, escroque e golpista imoral". Disse ainda que José Sarney e a filha, Roseana, eram "ladrões da história." Sobrou até para a imprensa: "Essa imprensa de merda. Esses cagalhões vão engolir pela boca e pelo outro buraco o que estão falando contra mim." Ulysses reagiu: "Quando acaba a razão começa o grito. É a insânia".
 
A história do Brasil elenca diversas mortes misteriosas, que instigam o imaginário popular. Tem gente que aposta que JK foi assassinado a mando dos militares (detalhes na postagem do último dia 6), a exemplo de outros políticos de destaque malvistos pelos fardados, como Tancredo NevesJoão "Jango" Goulart e Carlos Lacerda.  Mas chama a atenção o fato de essas três mortes terem ocorrido no espaço de poucos meses. 

Exilado no Uruguai desde a deposição, Jango morreu de ataque cardíaco em dezembro de 1976, quatro meses depois do acidente que matou JK — conspirólogos sustentam que o vice de Jânio teria sido envenenado para evitar que ressurgisse o cenário político e causasse embaraço aos militares. Cinco meses depois, foi a vez de Lacerda, vitimado por uma infecção generalizada cuja origem nunca foi descoberta. Tancredo que baixou ao hospital horas antes da cerimônia de posse e morreu 38 dias e 7 cirurgias depois (para os teóricos da conspiração, a causa mortis foi envenenamento, e não diverticulite).
 
Esses episódios foram esmiuçados no romance-reportagem O beijo da morte, de Carlos Heitor Cony e Anna Lee, lançado em 2003 pela Editora Objetiva. "Apesar das provas existentes, que dão como natural a morte dos três líderes, sempre duvidei das conclusões oficiais, e não apenas nesse assunto, mas na história em geral, que é uma sucessão de casos obscuros e mal resolvidos", disse Cony, um dos mais respeitados escritores brasileiros, à época do lançamento do livro.
 
Fato é que nem todas essas teorias são falsas. Chegamos a um ponto em que as verdades que nos são apresentadas não são confiáveis — talvez jamais tenham sido. A questão que se coloca é: onde encontrar a verdade?
 
Continua... 

sexta-feira, 24 de abril de 2020

SOBRE A RENÚNCIA DE MORO E DE VOLTA À RENÚNCIA DE JÂNIO, SUAS CONSEQUÊNCIAS E OUTRAS CURIOSIDADES — PARTE IV


Ontem, após ficar bastante volátil com notícias envolvendo o remédio Remdesivir, o Ibovespa passou a cair mais de 2% com a informação divulgada pela FOLHA, no meio da tarde, de que o ministro Sergio Moro havia pedido demissão após ser informado por Bolsonaro da iminente troca da diretoria-geral da Polícia Federal, atualmente ocupada por Maurício Valeixo. Ainda segundo a notícia, Bolsonaro estaria tentando reverter a situação e os ministros Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) foram escalados para convencer Moro a recuar da decisão.  Cerca de uma hora depois, a GloboNews noticiou que Moro não chegou a pedir demissão, mas ameaçou deixar o cargo caso o presidente realizasse a troca na PF. Oficialmente, o ministério da Justiça disse que o ministro não se demitiu.

ATUALIZAÇÃO: Bolsonaro demitiu Valeixo em plena madrugada. A exoneração foi publicada na manhã desta sexta-feira no D.O.U. Nela, consta que a demissão se deu "a pedido", mas não foi decisão de Valeixo deixar o cargo neste momento. Nos bastidores, comenta-se que dessa forma a demissão evitaria ainda mais desgastes a Sergio Moro, que deve se pronunciar sobre sua permanência ou não no cargo ainda nesta manhã (as 11h desta manhã). Especula-se que Moro tenha ficado extremamente incomodado com a ida de Bolsonaro à manifestação do último domingo e de o presidente abrir as portas de seu gabinete aos líderes do Centrão. A ingerência do capitão na PF foi apenas a gota que fez transbordar o copo. Especula-se também que o ministro ficará no governo caso possa escolher o substituto do agora ex-diretor-geral da PF.

Pelo visto (e pelos filhos), Bolsonaro é capaz de tudo. Até de pôr seu próprio governo em xeque (para o bem do Brasil, tomara que seja xeque-mate). Mas o presidente não terá vida fácil diante da PF depois de demitir seu diretor-geral. Sobretudo porque o verdadeiro motivo, como é público e notória, foi a PF cumprir seu trabalho em vez de proteger a família do presidente de investigações incômodas. A intenção do capitão é nomear um lambe-botas sob medida para seus objetivos. O problema é que, pela tradição da PF, o diretor-geral que sai indica uma série de nomes (em geral seus assessores mais próximos, superintendentes regionais ou adidos no exterior) ao ministro da Justiça, que leva o seu escolhido ao presidente da República, que chancela a indicação. A ideia de subverter esse jogo e a nomeação vir diretamente de Bolsonaro não é só uma humilhação (mais uma) que Moro não parece disposto a aceitar — mas é também algo que a corporação deve rejeitar com vigor.

Internamente, os delegados mais graduados lembram o desastre de uma tentativa recente de mudar a tradição na nomeação do diretor-geral. No início de 2018, Fernando Segóvia foi demitido do comando da PF, pelo recém empossado ministro Raul Jungmann, depois de apenas 99 dias no cargo. Segóvia fora escolhido por Michel Temer, atendendo à indicação de emedebistas enrolados na Lava-Jato e passando por cima da opinião do então ministro da Justiça, Torquato Jardim. Já na cerimônia de posse disse a que veio: botou em dúvida fatos das investigações sobre Rodrigo Rocha Loures, aquele assessor de Temer que foi filmado recebendo uma mala com R$ 500 mil das mãos de um diretor da JBS. A partir daí, foi crise em cima de crise. Segóvia tentou, mas nunca conseguiu liderar a PF nos três meses que esteve à frente dela. Durante o seu tempo como diretor-geral, não conseguiu controlar a PF do jeito que Temer e parte do MDB queriam.

Vamos aguardar para ver que bicho dá.

Quando cursava o primário — como eram denominados os primeiros quatro anos do que hoje se chama ensino fundamental —, aprendi uma forma verbal chamada "condicional", que mais adiante seria rebatizada de "futuro do pretérito", já que expressa tanto uma situação quanto uma condição. Um exemplo do primeiro caso é: “eu compraria aquele carro, se o preço fosse mais baixo”; e do segundo: “anos atrás eu não tinha certeza se compraria o carro que tenho hoje”.

Em ambos os casos o verbo se comporta da mesma forma, mas com sentidos diversos, o que não deixa dúvidas acerca da exatidão das duas designações. Ainda assim, há quem entenda que o condicional não indica uma condição

No primeiro exemplo, temos duas orações, e a condicional não é a primeira, onde está o verbo no modo condicional, mas a segunda, indicada pela conjunção subordinativa condicional ou causal “se”. Na esteira desse raciocínio, parece-me realmente mais apropriado chamar o tempo verbal em questão de “futuro do pretérito”.

Embora o termo pretérito seja usado como sinônimo de passado, ele não remete ao presente em que vivemos, mas a um presente em que viveríamos se, por exemplo, numa encruzilhada do passado, tivéssemos virado à esquerda em vez de à direita, ou retrocedido até a encruzilhada anterior. 

Nessa linha de raciocínio, a pergunta que se impõe é: como seria o Brasil de hoje se Tancredo tivesse tomado posse, governado pelos cinco anos que a Constituição de então lhe garantia e, ao final, passado a faixa para (aí, sim) o primeiro presidente escolhido pelo voto popular desde a eleição de Jânio em 1960 (que seria... ???). The answer, my friends, is blowing in the wind.

Muita coisa poderia dar errado no capítulo final da novela da transição da ditadura militar para a democracia. Em 1984, em conversa com o ex-secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger, o então presidente-general Figueiredo teria dito que, naquele momento, “as Forças Armadas estavam divididas em dois grupos: um que apoiava fortemente a volta do governo civil e outro que estava disposto a impedir o que via como um avanço da esquerda”. Kissinger questionou se algo poderia acontecer antes ou depois das eleições, em janeiro de 1985. Figueiredo respondeu: “Sim, dependendo do desenrolar dos acontecimentos”, e salientou que “as Forças Armadas não falhariam ao compromisso de impedir, nas palavras dele, que esquerdistas tomassem o país, e que, se os militares tivessem que intervir, o país poderia ser levado a uma guerra civil”. Figueiredo via Tancredo como “uma pessoa capaz e moderada”, mas “cercada e apoiada por muitos radicais de esquerda”, e tinha receio de que, quando assumisse o poder, se eleito fosse, o político mineiro “não conseguisse controlá-los”.

Muito se cogitou da hipótese de Tancredo ser assassinado, mas — eis aí a gargalhada do capeta —, pelo menos até onde eu sei, ninguém previu que ele seria internado 12 horas antes da cerimônia de posse e morresse 38 dias (e sete cirurgias) depois. Mesmo assim, essa ironia do destino deu margem a um sem-número de teorias conspiratórias, a exemplo do ocorrido com o Papa João Paulo I em 1978 — 33 dias depois de ser nomeado papa, o cardeal Albino Luciani foi encontrado morto em seus aposentos, na manhã do dia 28 de setembro daquele ano, depois de ter tomado uma inocente chávena de chá na noite anterior.

A posse de Sarney soou como a “gargalhada do diabo” nos estertores da ditadura militar (na prática, a Nova República só teria início três anos depois, com a promulgação da Constituição Cidadã — criada durante a ressaca dos 21 anos de ditadura; portanto, compreensivelmente apinhada de direitos em seus 250 artigos que são não apenas o obelisco da prolixidade, mas uma colcha de retalhos.

A Carta Magna promulgada em 1988 foi remendada mais de uma centena de vezes (a título de comparação, a constituição norte-americana, promulgada em 1787, tem apenas 7 artigos e recebeu 27 emendas nos últimos 220 anos), e distribuiu diretos a rodo, mas sem apontar de onde viriam os recursos para bancá-los. A propósito: a palavra “Direito” é mencionada 76 vezes, enquanto "Dever" surge apenas 4 oportunidades e "Produtividade” e “Eficiência” aparecem duas e uma vez, respectivamente. Daí a pergunta: o que esperar de um país que tem 76 direitos, quatro deveres, duas produtividades e uma eficiência? A resposta: na melhor das hipóteses, uma política pública de produção de leis, regras e regulamentos que quase nunca guardam relação com o mundo real.

Com a morte de Tancredo, o vice José Sarney — que estava no lugar certo na hora certa — assumiu a presidência, a despeito de Figueiredo se recusar a lhe passar a faixa (por considerar traição ele ter abandonado a ARENA e se filiado ao MDB para integrar a chapa de Tancredo). Como se vê, a mosca azul não perdoa ninguém. Mas o político maranhense jamais imaginou o tamanho da encrenca em que se metera ao assumir a presidência sem ter indicado os ministros ou tido qualquer tipo de ingerência no plano de governo, sem contar com o apoio do Congresso, e (a cereja do bolo) com o país amargando uma inflação galopante de 200% ao ano.

Cinco anos e quatro planos econômicos mais adiante, Sarney passou o cetro e a coroa ao caçador de marajás de araque, juntamente com uma inflação 80% ao mês (quase 1.800% ao ano, considerando os doze meses finais do seu governo). Durante sua desditosa gestão, enfrentou mais de 12 mil greves, foi vítima de pelo menos um atentado e, certa vez, um sequestrador tentou jogar um Boeing sobre o palácio. Mas teve jogo de cintura e sempre manteve diálogo com os militares, o Congresso e a oposição. Em recente entrevista a Veja, declarou: Na história do Brasil, muitos presidentes foram eleitos para ser depostos — e eu não podia ser mais um”.

Tivesse feito essa profecia durante seu governo, Sarney teria se revelado um profeta, pois seu vaticínio se materializaria dali a poucos anos, com impeachment de seu sucessor, Fernando Collor de Mello. Mas isso já é conversa para o próximo capítulo.

domingo, 17 de novembro de 2019

PRA QUEM GOSTA É UM PRATO CHEIO (CONTINUAÇÃO)


Falando em crimes, criminosos e em quem deveria inibi-los e combatê-los (mas faz exatamente o contrário, como bem salientou o juiz federal Marcelo Bretas, responsável pelo braço da Lava-Jato que atua no Rio de Janeiro), parlamentares do grupo Muda, Senado prometem intensificar a pressão sobre Davi Alcolumbre pela instalação da CPI da Lava-Toga e pela abertura de processos de impeachment contra ministros do STF.

A pressão aumentou depois que Dias Toffoli, que usurpou o poder de D. Bozo I, instituiu a ditadura da toga e sagrou-se tiranete (a coroação se deu quando ele ordenou que o Coaf lhe desse acesso a relatórios com dados sigilosos de cerca de 600 mil pessoas físicas e jurídicas), passando a presidir "de fato" esta republiqueta de bananas enquanto o "mito-late-mas-não-morde" cuida de interesse próprios, de seus filhos e da 33ª agremiação política que resolveu criar para si.


A política tupiniquim sempre foi um esgoto a céu aberto. Da feita que os candidatos se elegem para roubar e roubam para se reeleger, como nos sentirmos representados por essa caterva? No Executivo, perdemos a fé (se é que ainda nos restava alguma) antes mesmo de a renúncia de Jânio Vassoura Quadros abrir espaço para o golpe de Estado que resultaria em duas décadas de ditadura militar (aquela de que dizem sentir saudades saudades os que nasceram depois de 1985). E a morte de Tancredo Neves — eleito indiretamente, mas que representava a esperança dos brasileiros num futuro melhor — foi a gargalhada do diabo, pois promoveu de vice a titular o eterno donatário da capitania do Maranhão, um dos mais notórios ícones da abominável política coronelista tupiniquim.

As esperanças se renovaram em 1989, quando o autodeclarado Caçador de Marajás frustrou (ou retardou) a ascensão do eterno "presidente de honra" do partido dos trabalhadores que não trabalham, estudantes que não estudam e intelectuais que não pensam. Mas logo se viu que o santo de colhões roxos era de pau oco, tinha pés de barro e não passava de um populista tão desprezível quanto seu adversário, só que ocupava o outro extremo do espectro político-ideológico-partidário (e qualquer semelhança com o atual inquilino do Palácio do Planalto não é mera coincidência).

Daí veio Itamar, que, além de recriar o Fusca e posar para fotos ao lado da modelo sem calcinha Lilian Ramos, promulgou o Plano Real, cujo sucesso levou Fernando Henrique Cardoso a se eleger presidente, recriar a reeleição e se reeleger presidente desta republiqueta de Bananas, embora o número de coelhos que seria capaz de tirar da cartola tivesse se esgotado já em sua primeira gestão.

Depois vieram Lula e o mensalão do PT (edição revista, atualizada e aprimorada do mensalão tucano), que transformaram Judiciário, aos olhos dos desalentados cidadãos de bem deste desalentador país de merda, no último bastião das esperanças. Mas aí Lula, o podre, e Dilma, a quintessência da incompetência, nomearam os oito togados supremos que, somados aos ministros que ainda não haviam pedido o boné e pegado a bengala — Celso de Mello, que seus pares têm na condição de sapientíssimo e o ex-ministro Saulo Ramos, de um juiz de merdaMarco Aurélio, indicado por ninguém menos que seu primo Fernando Collor; e Gilmar Mendes, cuja indicação foi a obra prima ao contrário do grão duque tucano —, resultaram na pior composição de toda a história do tribunal (ainda pior depois que o dono da careca mais luzidia do planeta foi indicado pelo vampiro do jaburu para ocupara a vaga aberta com a morte de Teori Zavascki num mal explicado acidente aéreo).

O impeachment de Dilmanta, a inolvidável, e os avanços da Lava-Jato refrearam (em alguma medida e por um custo espaço de tempo) o apetite pantagruélico dos petralhas e companhia pelo dinheiro do Erário, mas as recentes investidas da fação pró-crime do STF em prol de seus bandidos favoritos ameaçam pôr a perder quase tudo que foi conquistado no último lustro.

Para Josias de Souza, a quem muito admiro e com cujas opiniões quase sempre concordo, foi constrangedora e triste a passagem por Brasília do grupo de trabalho da comissão antissuborno da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. A missão da OCDE constrange porque os representantes da entidade percorreram gabinetes dos três Poderes para manifestar preocupação com os retrocessos que observam no Brasil em relação ao combate à corrupção. A visita entristece porque representa, na prática, uma espécie de atestado de óbito da Operação Lava-Jato e suas congêneres.

A morte é anterior a si mesma. Ela começa muito antes da abertura da cova. Percorre um lento processo. No caso da Lava-Jato, a operação morreu e não sabe. Ninguém disse ainda, talvez por pena, mas aquela operação em que, pela primeira vez desde a chegada das caravelas, o braço do Estado investigou, enjaulou e puniu poderosos da oligarquia política e econômica do Brasil, essa operação não existe mais. Foi boa enquanto durou.

A missão da OCDE acabou se transformando num cortejo fúnebre. Os visitantes foram de autoridade em autoridade para lamentar iniciativas recentes patrocinadas pela turma do abafa. Coisas como a lei de abuso de autoridades, o fim da prisão na segunda instância e o congelamento das investigações municiadas com dados do antigo Coaf. A atmosfera é de velório.

O velório reúne gente importante. Seguram a alça do caixão Jair Bolsonaro, o Centrão, o PT… O Supremo envia uma sequência de coroas de flores enquanto prepara a última pá de cal. Ela virá na forma da anulação de sentenças.

A morte às vezes funciona como um grande despertar. Mas a sociedade brasileira emite sinais de cansaço. Um cansaço que se parece com saudade de quem não teve a oportunidade de dizer adeus.

domingo, 19 de setembro de 2021

COISAS DO BRASIL



O habito não faz o monge nem a faixa, o presidente. Há que haver conteúdo sob ou por detrás desses adereços indumentários. Notadamente o enfeite tiracolar transferido pelo ex-presidente a seu sucessor na cerimônia de posse — que, desde os idos de 1972, acontece sempre no dia 1º de janeiro do ano subsequente ao da eleição e tem início na Catedral de Brasília, a despeito do inciso VI do artigo 5º da Constituição. Coisas do Brasil.

Depois de desfilar no Rolls Royce Presidencial até o prédio do Congresso Nacional, Bolsonaro assinou o termo de posse, jurou "manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil" e recebeu de Michel Temer a faixa presidencial.

Bolsonaro jamais leu a Constituição que jurou defender e, como o escorpião da fábula, é incapaz de contrariar a própria natureza. Apesar de reconhecer que não nasceu para ser presidente, mas para ser militar, foi expelido da Escola de Oficiais do Exército por indisciplina e insubordinação (mas acabou sendo absolvido das acusações pelo STM). No ano seguinte, elegeu-se vereador e depois deputado federal por sete mandatos consecutivos, ao longo dos quais aprovou dois míseros projetos e colecionou mais de trinta ações criminais. Em 2018, foi alçado à Presidência por uma esdrúxula conjunção de fatores, entre os quais um mal explicado atentado que sofreu durante um ato de campanha em Juiz de Fora (MG). 

Bolsonaro disputa com Dilma — o poste com que Lula empalou os brasileiros em 2010 — o título de pior mandatário desde a redemocratização (e não por falta de concorrentes de peso). Com a autoridade de quem sabe das coisas, o general Ernesto Beckmann Geisel — penúltimo presidente da ditadura e mentor intelectual da reabertura política lenta, gradual e segura — definiu o então capitão da ativa comoum caso completamente fora do normal, inclusive mau militar”.

O último general-presidente, João Baptista de Oliveira Figueiredo que preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo (povo que, segundo ele, "não sabe nem escovar os dentes, quanto mais votar para presidente"), negou-se a passar a faixa presidencial a José Sarney (faixa a gente transfere para presidente, não para vice, e esse é um impostor). Coisas do Brasil.

A título de contextualização, vale lembrar que a Revolução de 1964 — cuja data “comemorativa” é 31 de março — foi um golpe de Estado desfechado na madrugada de 1º de abril, por líderes civis e militares conservadores, a pretexto de afastar do poder um grupo político que supostamente flertava com o comunismo.

Nos movimentos pró “Diretas Já”, pugnava-se pela aprovação da emenda constitucional Dante de Oliveira, que visava restaurar o direito às eleições diretas suspenso pelos militares. No dia da votação, exatos 20 anos depois do golpe, uma manobra de bastidores tirou da Câmara 112 deputados. A despeito do clamor das ruas, a emenda foi rejeitada — em outras palavras, o povo foi traído (mais uma vez) pela classe política, o câncer social que, infelizmente, é um mal necessário. Coisas do Brasil.

O desgaste do governo propiciou a vitória de Tancredo Neves em um colégio eleitoral — por 480 votos contra 180, a raposa mineira derrotou Paulo Maluf (que era apoiado pelos militares) depois de unir o PMDB à chamada Frente Liberal — formada por dissidentes do PDS, que dava sustentação ao governo militar. 

Em janeiro de 1985, o deputado federal Ulysses Guimarães — que chegou a ser cogitado para disputar a presidência da República pelo PMDB contra Maluf, mas acabou sendo preterido pela chapa “mista” formada com o PFL de Sarney — entregou a Tancredo o programa denominado Nova República, que previa eleições diretas em todos os níveis, educação gratuita, congelamento de preços da cesta básica e dos transportes, entre outras benesses.

Com esperança e ânimos redobrados, os brasileiros ansiavam pela chegada do dia 15 de março, data prevista para a posse do primeiro presidente civil após 21 anos de ditadura militar. Mas Tancredo foi hospitalizado 12 horas antes da cerimônia e teve o óbito declarado 38 dias e sete cirurgias depois — ironicamente, no feriado de 21 de abril, data em que o Brasil homenageia Tiradentes, o mártir da independência. Coisas do destino.

Tancredo levou para o túmulo a esperança de milhões de brasileiros, mas deixou de herança um neto que  envergonharia o país e um mix de oligarca maranhense, escritor, poeta e acadêmico chamado José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, mais conhecido como “Zé do Sarney”. A possibilidade de Ulysses Guimarães, então presidente da Câmara, ser guindado ao Palácio do Planalto chegou a ser cogitada, mas prevaleceu o entendimento de que caberia a José Sarney, vice na chapa de Tancredo e rebotalho do coronelismo nordestino, assumir a Presidência. E foi o que aconteceu, para o bem e para o mal.

Observação: A origem da alcunha — que o político maranhense usava para fins eleitorais desde 1958 e acabou incorporando oficialmente em 1964 — é atribuída ao fato de seu pai ter sido batizado Sarney de Araújo Costa em homenagem a um inglês de conhecido como Sir Ney, em cuja fazenda José Ribamar nasceu. Coisas do Maranhão.

Fisiologista como poucos e puxa-saco de carteirinha dos poderosos de plantão, Sarney (o filho) sobreviveu à ditadura, mas sua infausta gestão à frente da Presidência foi marcada pela hiperinflação. Tanto o Plano Cruzado quanto os "pacotes econômicos" que se lhe sucederam foram baseados no congelamento de preços e salários, e da feita que repetir o mesmo erro várias vezes esperando produzir um acerto é a melhor definição de idiotice que eu conheço, não causou estranheza o fato de todos fazerem água em questão de meses. 

Em 20 de fevereiro de 1987, pressionado pela queda nas reservas cambiais, Sarney fez um pronunciamento em rede nacional anunciando a suspensão, por tempo indeterminado, do pagamento dos juros da dívida externa — evitando usar a palavra "moratória", como se isso produzisse algum resultado positivo (ou menos negativo) na medida adotada. Coisas do Brasil.

Sarney deixou a Presidência com a popularidade em patamares abissais, tanto que transferiu seu domicílio eleitoral para o recém-criado Estado do Amapá, pelo qual teria chances de conseguir uma vaga no Senado. Como era esperado, seus adversários impugnaram se insurgiram contra o cambalacho, mas o STF o avalizou. Conta-se que o ministro Celso de Mello, que teve os ombros recobertos pela suprema toga graças ao oligarca maranhense, votou pela impugnação da candidatura do benfeitor. 

O ex-ministro da Justiça Saulo Ramos quis saber por quê. Mello respondeu que a Folha havia publicado que Sarney tinha os votos certos de vários ministros e citara seu nome como um deles. "E você votou contra porque a Folha noticiou que votaria a favor?", perguntou Saulo. "Exatamente", respondeu Mello. E Saulo: "Então você é um juiz de merda!"

Sarney deixou a vida pública em 2014, aos 83 anos, a pretexto de se dedicar à literatura em tempo integral. Conta-se que, após um dilúvio assolar o Maranhão, a então governadora Roseana Sarney — filha do macróbio — telefonou ao pai para informar que metade do Estado estava debaixo d’água. Sarney perguntou-lhe candidamente: "A sua metade ou a minha?

Nas eleições gerais de 2018, os pimpolhos do velho cacique maranhense foram penalizados na urnas: nem Zequinha se reelegeu deputado, nem Roseana — que governou o Maranhão por quatro legislaturas desde 1995 — conseguiu desbancar o pecedebista Flavio Dino — que se reelegeu governador com 59,29% dos votos válidos.

Como dito parágrafos acima, Figueiredo se recusou a transferir a faixa presidencial a Sarney. Não foi o primeiro nem o único caso na história republicana do Brasil. Coisa de país de terceiro mundo? Não necessariamente. Nos EUA, o ex-presidente Donald Trump, ídolo e muso inspirador do capitão-cloroquina, não só deu trabalho para ser desencalacrado do cargo como não compareceu à cerimônia de posse de Joe Biden, o que representa uma quebra de protocolo na tradição democrática americana, mas, como dito, encontra apoio na ala conservadora da política brasileira.

Na história do Brasil, o exemplo mais recente de um chefe do Executivo que se recusou a comparecer à posse de seu sucessor foi Figueiredo, conforme já foi dito nesta postagem. Sobre Sarney, o general disse à revista IstoÉ, pouco antes de sua morte, em 1999: "Sempre foi um fraco, um carreirista. De puxa-saco passou a traidor. Por isso não passei a faixa presidencial para aquele pulha. Não cabia a ele assumir a Presidência".

A quebra de protocolo em Brasília foi relembrada pelo neto do general, minutos depois de o presidente americano anunciar que não compareceria à posse do sucessor. "Meu avô também não compareceu à posse de seu sucessor, que chegava ao poder de forma ilegítima. Agiu conforme suas convicções. Assim devem fazer os homens de caráter!", postou no Twitter o empresário Paulo Figueiredo Filho. Coisas do Brasil.

Figueiredo não foi o único a se recusar a cumprir os ritos de transição no Brasil. A República ainda engatinhava quando Floriano Peixoto, que governou de 1891 a 1894, decidiu não comparecer à posse de Prudente de Morais porque não via com bons olhos a chegada de um civil ao poder. Afonso Pena também não passou a faixa a seu sucessor, Nilo Peçanha (e nem poderia, porque Nilo era vice de Pena, a quem substituir em virtude de sua morte, em 1909). Em 1954, Café Filho viu-se presidente do dia para a noite e começou a governar o país sem a bênção de seu antecessor, Getúlio Vargas, que "foi suicidado" com um tiro no peito em 24 de agosto de 1954.

Após o impasse entre Figueiredo e Sarney, somente dois presidentes eleitos diretamente (FHC e Lulareceberam e passaram a faixa a seus sucessores. O primeiro presidente eleito diretamente após a ditadura militar — o pseudo caçador de marajás Fernando Collor de Mello — recebeu a faixa de Sarney em março de 1990, mas renunciou ao mandato em dezembro de 1992 (e foi impichado mesmo assim, de modo que não passou a faixa a Itamar Franco).

Itamar, por sua vez, tomou posse em uma cerimônia breve e só usou a faixa presidencial no último de seus dois anos e três dias de governo, quando a colocou sobre os ombros de FHC. O tucano, presidente por dois mandatos, cumpriu o mesmo protocolo na posse de Lula, em 2003. Oito anos depois, foi a vez de Dilma ser destituída em um processo de impeachment — e não comparecer à posse de Michel Temer. Em janeiro de 2019, o vampiro do Jaburú repassou a faixa ao mandatário de fancaria que, por mal de nossos pecados, diz que "só Deus o tira da cadeira presidencial". Coisas do Brasil.

Bolsonaro na presidência era tudo de que o os brasileiros não precisavam, mas tornou-se a única alternativa válida depois que o ilustríssimo eleitorado tupiniquim o escalou para enfrentar o bonifrate do presidiário de Curitiba no segundo turno do pleito de 2018. Voltando à paráfrase de Bolsonaro a uma fala de Figueiredo, “plagiar é, implicitamente, admirar”, como bem disse o intelectual lusitano Júlio Dantas. Mas a pergunta que não quer calar é: se não nasceu para ser presidente, por que Bolsonaro fez da reeleição seu projeto de governo?

"Prometo que, se eleito, vou trabalhar noite e dia, durante os quatro anos do meu mandato… para ser reeleito”. Eis a promessa mais sincera e verdadeira feita pelo então candidato, como salientou o ex-delegado federal Jorge Pontes num artigo publicado em Veja. "Teremos um lapso de quatro anos praticamente jogados fora, destinados apenas à pavimentação de mais um — improvável — mandato presidencial", profetizou o policial, em agosto do ano passado.

Assim, graças à verdadeira herança maldita deixada pelo grão-duque do Tucanistão, assistimos a um mandatário eleito com juras de grandes mudanças e discursos anti-establishment emular Dilma, a inesquecível, e fazer o diabo para se reeleger.

A vitória de Bolsonaro foi um caso clássico de emenda pior que o soneto. Embora seja preferível acender a vela a amaldiçoar a escuridão, unir forças com os sectários do bolsonarismo boçal para evitar a volta da cleptocracia lulopetista foi como libertar da garrafa um gênio malfazejo e não saber como prendê-lo de volta. E urge fazê-lo, pois o Brasil dificilmente sobreviverá a mais cinco anos sob o descomando desse mafarrico.  

Segundo a revista eletrônica Crusoé, o presidente de fato desta banânia (falo do centrista Ciro Nogueira) disse a um empresário que Bolsonaro está "cada vez mais mercurial e incontrolável". O diagnóstico perturbador do ministro recém-empossado com promessas de carta branca jamais cumpridas reflete o estado de ânimo atual de setores do Centrão e de boa parte do Congresso. Embora estejam bem servidos em postos estratégicos e se lambuzando no poder desde que que o chefe do Executivo de festim lhes entregou a chave do cofre, a centralhada já entendeu que a aliança tem prazo de validade, e que esse prazo não é longo. Para as marafonas do parlamento, Bolsonaro é um político fadado ao infortúnio, seja pelo impeachment, pela cassação no TST ou derrota nas urnas. E convenhamos que não é preciso ser nenhum "Nostradamus" para fazer tal previsão.

Ainda segundo a reportagem, depois que o desembarque do governo passou a ser debatido a sério entre os partidos que compõem o Centrão, o presidente pato-manco enviou pelo líder do governo na Câmara — o ilibadíssimo Ricardo Barros, a quem o senador Omar Aziz, relator da CPI do Genocídio, se refere como responsável por um balcão de negócios com o Congresso que está a todo vapor — o recado de que continua em pé o esforço para conter possíveis defecções em sua base de apoio.

Entrementes, a despeito da carestia, a inflação oficial segue acima do esperado. O IPCA, medido pelo IBGE, acelerou para 9,68% no acumulado em 12 meses, levando a uma onda de revisões entre os economistas. Na segunda-feira, 13, o Boletim Focus, do Banco Central, registrou a 23ª alta consecutiva da mediana das projeções para o IPCA no fim de 2021, que agora está em 8%. Mas isso é assunto para uma próxima postagem.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

... E PODE PIORAR AINDA MAIS

 

Desde sempre que os brasileiros são vocacionados a eleger representantes ladrões e mandatários populistas e imprestáveis. Jânio Quadros é um bom exemplo. Sua renúncia levou ao golpe de 64 e aos subsequentes 21 anos de ditadura militar. Senão vejamos.

Eleito em outubro de 1960, no apagar das luzes do governo de Juscelino Kubitschek — que se notabilizou por construir Brasília do nada, no meio do nada, para suceder ao Rio como Distrito Federal —, o advogado, professor de português, político e cachaceiro inveterado “homem da vassoura” assumiu a Presidência em janeiro do ano de 1961, prometendo “varrer” toda a sujeira da vida pública brasileira. Depois de passar 206 dias mandando “bilhetinhos” para auxiliares e se preocupando com questiúnculas — como rinhas de galo, corridas de cavalo, biquinis nas praias e maiôs cavados em concursos de misses —, o demagogo, "movido por forças terríveis", renunciou ao cargo. 

Na manhã do dia 25 de agosto, após ser acusado por Carlos Lacerda — que viria a ser um dos articuladores civis do Golpe de 1964 e a ganhar o epíteto de “demolidor de presidentes” — de tramar um “golpe de gabinete”, Jânio informou à primeira-dama, dona Eloá, que deixariam Brasília naquela tarde. No Planalto, antecipou aos ministros-chefes das casas Civil e Militar a manchete dos jornais do dia seguinte: “Comunico aos senhores que renuncio, hoje, à Presidência da República. Ajustem o novo Brasil às exigências do Brasil novo. Com esse Congresso, eu não posso governar”.

Findo o desfile do Dia do Soldado, Jânio encarregou o ministro da Justiça de entregar ao presidente do Senado sua carta-renúncia e voou para a Base Aérea de Cumbica, levando consigo a faixa presidencial (que a essa altura não mais lhe pertencia) e a esperança de o pedido não ser aceito — ou de o renunciante de festim ser reconduzido ao cargo por uma manifestação de apoio popular, o que lhe permitira governar sem ser "incomodado pelo Congresso". Mas faltou combinar com os russos.

Mais preocupados em impedir a posse de Jango, os militares esqueceram Jânio, e o povo só poderia ser mobilizado por um partido janista se seu líder tivesse permitido sua existência. 

Assim, enquanto o país mergulhava na crise provocada pelo veto à promoção do vice a titular, o já ex-presidente embarcou com a mulher num cargueiro com destino à Europa, o presidente da Câmara assumiu (decorativamente) a chefia do Executivo e os ministros militares (que governaram de fato nas semanas seguintes) implementaram a toque de caixa o parlamentarismo. 

Com os poderes limitados e tendo Tancredo Neves como primeiro-ministro, o “vice comunista” foi autorizado a assumir a presidência como chefe de Estado. Mas a experiência parlamentarista foi tão conturbada quanto curta: um plebiscito realizado em 6 de janeiro de 1963 restabeleceu o presidencialismo. 

Jango finalmente assumiu o cargo que era seu por direito, mas foi deposto, quinze meses depois, pelo golpe de 1964. Fica evidente, portanto, que a incipiente democracia tupiniquim havia entrado em parafuso em 25 de agosto de 1961, com a renúncia do populista cachaceiro.

Sobre o golpe: Em 1964, partidos de esquerda, grupos comunistas e seus associados discutiam qual a maneira de derrubar o capitalismo burguês e implantar a ditadura do proletariado, se pela luta armada ou pelo caminho reformista. Naquela época, a ampla maioria da esquerda era reformista — pelas chamadas reformas de base, processo que começava com a agrária e incluía um amplo cardápio de estatizações. 

Jango, filiado ao PTB getulista, estava claramente no campo da esquerda. Ainda que houvesse comunistas em seu governo e no entorno, o presidente nada tivesse de comunista, a exemplo de ilustres membros do seu gabinete durante o curto período parlamentarista, como os primeiros-ministros Tancredo Neves e Santiago Dantas, que eram, no máximo, socialdemocratas, trabalhistas ou nacionalistas.

Como o grupo comunista era claramente minoritário, o sucesso de Jango levaria o Brasil a uma economia mais estatizada, com o aumento dos gastos públicos em todos os setores, dos sociais à infraestrutura (mais ou menos como aconteceu no governo ditatorial do general Ernesto Geisel, um nacionalista e estatizante da primeira linha, e no governo Lula, mas isso é outra conversa). 

Em 1964, no auge da “Guerra Fria” o mundo estava dividido entre os EUA e a URSS. As plataformas reformistas — aqui, no Chile, na Argentina etc. — procuravam se aproximar não propriamente da União Soviética, mas do “Bloco do Terceiro Mundo”, que se declarava independente, mas pendia para a esquerda, ou seja, era adversário dos EUA, que, nessa disputa, patrocinavam ditaduras direitistas para, como se dizia na época, evitar a ditadura comunista.

Não havia a menor possibilidade de uma vitória comunista. Nem pela via reformista, nem pela luta armada. A melhor chance de uma guerrilha no Araguaia ou no Vale do Ribeira era a de ser massacrada, como de fato aconteceu. Mas foi nesse quadro que parte da elite brasileira, representada por partidos e associações civis, bateu às portas dos quartéis. 

Os militares atenderam rapidamente, pois a doutrina que aprendiam era simplesmente Ocidente versus Pacto de Varsóvia (a frente militar da URSS). O Congresso chancelou a derrubada de Jango e elegeu presidente o então chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, marechal Humberto de Alencar Castello Branco. Mas só o fez porque a alternativa era o fechamento.

Muitos democratas e liberais apoiaram o golpe, achando que seria um interregno necessário para garantir a eleição presidencial de 1965, que seria disputada entre Juscelino Kubitschek (pelo lado reformista democrático) e Carlos Lacerda (conservador, liberal, democrata). Mas não tardaram a se arrepender, e foram abandonando o governo militar à medida que este radicalizava, transformava-se numa verdadeira ditadura e dava sinais de que tencionava se perpetuar no poder. Lacerda, apoiador do golpe, terminou cassado e se uniu a JK, também cassado, numa frente pela democracia.

O Congresso funcionou durante os 21 anos de ditadura — noves fora os breves momentos em que ousou discordar do regime — e “elegeu” todos os presidentes, mas somente depois que os generais de quatro estrelas decidiam quem seria o mandatário de turno. 

Partidos políticos foram proibidos, a imprensa, censurada, opositores — tanto democratas quanto comunistas —, presos, torturados e mortos. Quando a política econômica finalmente fracassou — com recessão, dívida externa explosiva e inflação —, a ditadura caiu e os militares se retiraram, liderados por colegas de bom senso num processo conduzido por políticos habilidosos.

Em 1985, Tancredo Neves (MDB) derrotou Paulo Maluf (ARENA) por 480 a 180 votos de um colégio eleitoral formado por senadores, deputados federais e membros das assembleias legislativas estaduais. Mas quis o destino o presidente eleito fosse internado 12 horas antes da posse e dado como morto 38 dias e 7 cirurgias depois — ironicamente, no dia 21 de abril, feriado que homenageia Tiradentes, o Mártir da Independência.  

ObservaçãoSegundo a versão oficial, uma diverticulite obrigou Tancredo a ser submetido a uma cirurgia de emergência horas antes da posse. Também oficialmente, sua morte se deu no dia 21 de abril, depois de outras sete cirurgias. O general João Figueiredo se recusou a passar a faixa ao vice, José Sarney — um reles traidor, segundo o fardado, já que o ex-presidente da ARENA e representante do regime militar no Congresso deixara o partido governista e se juntara à oposição. “Faixa a gente transfere para presidente. Não para vice, esse é um impostor”, disse o general, que deixou o Planalto assim que a votação no Congresso foi encerrada. Ainda assim, a mágoa que o último presidente da ditadura guardava do repulsivo oligarca maranhense era menor que a resistência da caserna ao deputado Ulysses Guimarães.

Continua...  

quinta-feira, 5 de maio de 2022

SOBRE CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS


Reza o bom senso que primeiro é preciso resolver o problema e depois apurar as responsabilidades. No entanto, quando a péssima qualidade dos postulantes à Presidência se soma à péssima qualidade do eleitorado, como acontece no Brasil, só resta rezar, já que o responsável por esse descalabro foi o próprio Criador.

Nossa primeira eleição presidencial aconteceu em 1891, mas de forma indireta. Três anos depois, o povo foi às urnas pela primeira vez e elegeu Prudente de Morais, pondo fim à República da Espada (um resumo do que aconteceu a partir de então pode ser lido nesta postagem e nas seguintes). O próximo pleito presidencial deve acontecer daqui a 5 meses. “Deve”, porque com Bolsonaro nada é impossível (noves fora um bom governo). 


Não fossem as peculiaridades mencionadas no primeiro parágrafo, o eleitorado teria chances reais de pôr fim esse infortúnio. E se Deus fosse ainda fosse o mesmo Deus do Velho Testamento, Ele certamente daria uma mãozinha, fulminando as candidaturas dos postulantes mais bem colocados nas pesquisas (ou os próprios candidatos, melhor ainda).

 

Observação: Segundo o Estadão, pesquisas internas da campanha de Lula mostram que Bolsonaro ganhou mais pontos entre os evangélicos, conquistando eleitores até então indecisos nesse segmento. Deve ter sido por isso que o petralha vem mencionando Deus em seus discursos. Um lulista disse para o jornal: “Lula acordou católico. Ou crente”.

 

No mundo real, o imprevisto sempre pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos (aliás, há que diga que “as coincidências nada mais são do que Deus agindo nos bastidores). 


Em 1961, a renúncia de Jânio Quadros deu azo ao golpe de 1964, que resultou em 21 anos de ditadura militar. Em 1985, a morte de Tancredo Neves mudou os rumos da Nova República. Em 2014, a morte de Eduardo Campos mudou os rumos da eleição presidencial. Em 2017, a morte de Teori Zavascki pavimentou o caminho o sepultamento em vida da Lava-Jato. 


Em 2018, a aversão ao lulopetismo corrupto resultou na vitória do pior mandatário desta banânia desde Thomé de Souza, e agora (valei-nos Deus!), ao que tudo indica, teremos um repeteco, mas com Lula disputando pessoalmente o butim e a rejeição ao bolsonarismo boçal ombreando com o repúdio ao lulopetismo corrupto.

 

Da quimérica terceira via, restaram João Dória e Simone Tebet — ela descarta a possibilidade de ser vice na chapa dele; ele não descarta nada, nem ser vice numa eventual chapa encabeçada por ela. No UB, o caviloso lançamento do nome de Luciano Bivar foi uma conspirata para sepultar a candidatura de Sergio Moro do páreo (e já tem gente falando em ressurreição). Segundo dados do Paraná Pesquisas, Dória superou Ciro Gomes (o cearense de Pindamonhangaba seria uma alternativa à polarização se ele não fosse quem é). 


Enfim, enquanto esperamos Deus fulminar os sacripantas de turno (dada a quantidade desses imprestáveis, seria melhor Ele cercar Brasília reeditar o Dilúvio), vejamos o que disse Josias de Souza em seu comentário da última terça-feira.

 

O poder não aceita desaforos. Quem tem poder precisa exercê-lo na medida exata. Quem exorbita erra o alvo. Quem claudica vira o alvo. Desacatado por Daniel Silveira, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes apresentou ao deputado bolsonarista, com pelo menos 16 dias de atraso, a conta do escracho: R$ 405 mil.


Moraes mirou o bolso de Silveira num instante em que a protelação já havia se transformado num fator de desmoralização de sua toga. O deputado desligara o equipamento que deveria monitorá-lo desde 17 de abril. Era como se o réu tivesse instalado sua tornozeleira no magistrado. O escárnio começara antes, como anotou Moraes em seu despacho: ‘Desde a decisão que fixou a multa diária, proferida em 30 de março de 2022, o réu desrespeitou flagrantemente várias das medidas’.


Na véspera, Silveira dizia que o perdão que obtive de Bolsonaro o livrou de responder por todas as culpas. Embora o decreto da graça continue sub judice, o deputado continuou fazendo graça: ‘Presidente perdoou, acabou!’ O restabelecimento da ordem está condicionado ao pagamento da conta.


Moraes determinou ao Bacen o bloqueio de R$ 405 mil nas contas de Silveira. Mandou notificar o réu que preside a Câmara para que providencie o desconto da dívida no contracheque, na proporção de 25% do salário até a quitação. Resta agora ressuscitar o axioma segundo o qual ordem judicial se cumpre.” 

quarta-feira, 22 de abril de 2020

BOLSONARO: AUTOGOLPE? — DE VOLTA À RENÚNCIA DE JÂNIO, SUAS CONSEQUÊNCIAS E OUTRAS CURIOSIDADES (CAPÍTULO 4)


A possibilidade de um suposto autogolpe urdido por Bolsonaro não explica satisfatoriamente o comportamento errático do capitão da caverna das trevas, mas certamente vai dar muito pano pra manga. A menos, naturalmente, que algo ainda mais relevante surja no cenário. E como estamos atravessando uma pandemia sanitária com vocês sabem quem na cabine de comando, é bem possível, infelizmente, que isso ocorra. Senão vejamos.

Paulo Guedes, por falta de alternativas, passou pano na estultice do chefe: "Bolsonaro é um democrata que 'sai correndo atrás' de passeata que tiver bandeira do Brasil. O governo tem compromisso com a democracia, um regime 'que faz barulho', e que o país vive um período de aperfeiçoamento institucional." Então tá.

A fala de Bolsonaro e sua participação na ato popular de domingo provocaram fortes reações no mundo jurídico e político. Rodrigo Maia disse ser uma “crueldade imperdoável com as famílias das vítimas” pregar uma ruptura democrática em meio às mortes da pandemia da Covid-19. Para Dias Toffolinão há solução para o país fora da democracia. Já o governador de São Paulo classificou como "lamentável" o fato de o presidente "apoiar um ato antidemocrático, que afronta a democracia e exalta o AI-5", e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi na mesma direção: chamou de "lamentável" a participação do capitão e disse que: "É hora de união ao redor da Constituição contra toda ameaça à democracia."

Bolsonaro amenizou o tom, mas a avaliação prevalente, segundo a Folhaé a de um paradoxo: a fraqueza política do presidente só tende a acirrar sua agressividade no embate, o que ocorreu no último final de semana. Mas é preocupante, a meu ver, a posição da ala militar do governo, que negou às cúpulas do Congresso e do Judiciário haver qualquer risco de ruptura democrática por parte de Jair Bolsonaro, mas também fez questão de dizer que considera que os Poderes têm agido de forma a cercear o presidente na crise do coronavírus. Preocupante, mas previsível. 

Mourão é vice-presidente, de modo que está sujeito à vergonhosa, mas poderosa, Bic de sua alteza. Mas o mesmo não se aplica ao ministério. Tanto auxiliares civis quanto militares podem ser exonerados por dá cá aquela palha, como descobriram o anjo da guarda de Bolsonaro, Gustavo Bebianno, o incompetente ministro da educação Ricardo Vélez, os amigos de longa data e ministros generais Santos Cruz e Floriano Peixoto, os não tão amigos de tão longa data, mas igualmente ministros Gustavo Canuto e Osmar Terra, o secretário nazista Roberto Alvim e mais duas dúzias de presidentes de órgãos federais e dezenas de secretários e diretores do segundo escalão do governo. Um levantamento do Estado de agosto do ano passado apontava que havia, em média, uma demissão a cada sete dias

Sobre o lamentável episódio de domingo passado, o próprio ministro da defesa, general Fernando Azevedo e Silva divulgou nota reiterando o comprometimento das Forças Armadas com a Constituição e priorizando o combate ao coronavírus "e suas consequências sociais" — uma deixa não casual, alinhada à ênfase que Bolsonaro faz do impacto econômico da pandemia. Por outro lado, interlocutores do ministro entendem que a ala militar do governo não reprova a irritação de Bolsonaro, ao contrário

Na avaliação dos fardados, o Congresso tem agido sistematicamente contra Bolsonaro, tolhendo suas iniciativas. O Supremo também colabora com o clima de cerco ao Planalto com suas decisões em prol dos governadores e prefeitos na emergência sanitária. Isso alarmou atores políticos em Brasília, que passaram a segunda trocando impressões sobre quais podem ser os próximos passos da crise. Afinal, esperar que Bolsonaro venha um dia a respeitar a liturgia do cargo e agir com bom senso e discernimento é o mesmo que acreditar que um macaco consiga ensinar boas maneiras à mesa a um urso.

Se a ala militar foi compreensiva com o gesto do chefe, o mesmo não se pode dizer da ativa das Forças Armadas. Alguns membros do Alto Comando do Exército, usualmente simpáticos a Bolsonaro, se disseram chocados com o uso simbólico do QG da Força para o proselitismo do presidente. Assim, é possível dizer que o delicado equilíbrio entre um governo loteado por militares e os fardados da ativa sofreu um abalo significativo. A defesa constitucional feita por Fernando Azevedo foi pactuada para acalmar ânimos, mas as fissuras devem continuar.

Ainda segundo a Folha, a inflexão da ala militar precisa ser acompanhada de perto. Desde que recuperou prestígio no governo, no começo do ano, ela servia mais de anteparo ao radicalismo de Bolsonaro do que de amplificador de crises. Do ponto de vista institucional, todos parecem convencidos de que não há riscos reais de ruptura, até porque o presidente não tem força para isso — não há amplo apoio social, empresarial ou de militares a quaisquer aventuras. Mas também é claro o método de Bolsonaro em seus flertes autoritários. O presidente faz um gesto, é repreendido e modera o tom no dia seguinte. Mas a corda foi esticada mais alguns centímetros. Caso o capitão se sinta amparado pelos militares do governo, novos episódios serão inescapáveis. Com o agravante de que os elementos de mediação evaporam aos poucos.

Feita essa atualização dos fatos, vamos à postagem do dia:

A Nau dos Insensatos, onde repousa eternamente em berço esplêndido o gigante adormecido, navega por águas revoltas e sob nuvens de tempestade desde a redemocratização. E o que começou mal, devido à frustração da população com o naufrágio da Emenda Dante de Oliveira, em 1984, foi piorando ao longo dos milhares de milhas náuticas percorridos nos últimos 35 anos. Senão vejamos.

A emenda em questão defendia a volta das eleições diretas para presidente da República, mas a pressão dos militares — que também são sujeitos à picada “mosca azul” — inibiu parte dos deputados, que acabou votando contra a proposta, se abstendo de votar ou mesmo não comparecendo a sessão. Sem votos necessários para aprová-lo, o projeto sequer foi encaminhado ao Senado. Mas àquela altura o processo de reabertura política já havia ultrapassado “ponto sem retorno”.

Em 15 de Janeiro de 1985, Tancredo Neves (MDB) foi escolhido em eleição indireta (por um colegiado formado por senadores, deputados federais e representantes dos Estados) o primeiro presidente civil desde o início da ditadura militar, derrotando Paulo Salim Maluf (ARENA), que era o candidato apoiado pelos militares, por 480 votos a 180. Por ocasião do golpe de 1964, o político mineiro era Ministro do Trabalho no governo de João Goulart, e foi deposto juntamente com o chefe. Mas seguiu na vida pública durante toda a ditadura, daí muitos considerarem-no um estadista e outros, um oportunista que lambeu as botas dos militares para não perder a “boquinha”.

Seja como for, o avô daquele que em 2014 disputaria a presidência com a anta pedanta, seria derrotado por um punhado de votos que muita gente atribui a urnas com vontade própria e tendências esquerdistas, e que mais adiante se revelaria mais um político corrupto, outra vergonha nacional entre tantas) ganhou, mas não levou. Na madrugada do dia da posse, Tancredo foi internado no Hospital de Base de Brasília, submetido a uma cirurgia de urgência e, 38 dias (e sete cirurgias) depois, vira a falecer em São Paulo, justamente  no 21 de abril, que, por ironia do destino, é a data em que o país homenageia Tiradentes, o Mártir da Independência.

A morte de Tancredo mudou radicalmente o destino do eterno donatário da capitania do Maranhão — não à toa o estado mais pobre da Federação. Falo do senador biônico oligarca José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, o cacique da velha política coronelista maranhense mais conhecido como José Sarney, a quem o general João Batista de Oliveira Figueiredo (que preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo e disse certa vez que daria “um tiro no coco” se fosse criança e seu pai ganhasse salário mínimo) se recusou a passar a faixa presidencial por considerá-lo um traidor por ter abandonado a ARENA e se filiado ao MDB para concorrer a vice na chapa de Tancredo. Como se vê, a mosca azul não perdoa ninguém.

Para não encompridar ainda mais esta postagem, o resto fica para amanhã