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domingo, 17 de outubro de 2021

NÃO PODE DAR CERTO — OITAVA PARTE

Insistir no mesmo erro esperando produzir um acerto é um dos melhores exemplos de idiotice conhecidos. Como se sabe, o primeiro passo para alguém sair de um buraco é saber que está nele. E o segundo é parar de cavar. Mas Sarney e seu ministro da Fazenda, Dilson Funaro, pareciam acreditar que um simples decreto poria fim a uma inflação galopante e recolocaria nos trilhos a economia tupiniquim. Como também é sabido, premissas erradas raramente levam a bons resultados.

No dia 28 de fevereiro de 1986 os brasileiros conheceram o funéreo Plano Cruzado. A moeda nacional, que até então era o Cruzeiro, sofreu um corte de três zeros e foi rebatizada como Cruzado. Preços, tarifas públicas e salários foram congelados, levando à queda de produção, que levou ao desabastecimento, que levou ao ágio, que levou à volta da inflação. Greves eclodiam por todo o país. Pecuaristas escondiam os rebanhos, fazendo com que a carne desaparecesse dos açougues (picanha, só no câmbio negro e a peso de ouro), enquanto empresários cobravam ágio e políticos raspavam o tacho do erário para emplacar apaniguados na assembleia nacional constituinte.

ObservaçãoEssa não foi a primeira vez que esse expediente foi utilizado para resgatar a credibilidade do dinheiro brasileiro: ao real, herdado do padrão monetário português e que era mais usado no plural (“réis”, “mirréis”, “contos de réis”), sucedeu o cruzeiro (em 1942), que perdeu os centavos em 1964. O cruzeiro novo foi implementado em 1967 (depois de novo corte de 3 zeros). A moeda perdeu o "novo" em 1970, os centavos em 1984 e de 3 zeros em 1886, quando, como dito, passou a se chamar cruzado. Novo corte de zeros ocorreria em 1989, dando origem ao cruzado novo, que voltou a se chamar cruzeiro em 1990, foi promovido a cruzeiro real em 1993 e, após ter o valor nominal dividido por 2.750, voltou às origens — ou seja, tornou a se chamar real — em 1º de julho de 1994, durante o governo de Itamar Franco (veja a tabela de conversão na imagem que ilustra esta matéria).  

Seis dias depois das eleições de 1986 a dupla dinâmica Sarney & Funaro lançou o Plano Cruzado II, que reeditou os erros anteriores e adicionou mais alguns, como o aumento de impostos, tarifas e preços de produtos e a mudança na forma de cálculo do índice da inflação. Em meio a esse descalabro, CUT e CGT promoveram o maior protesto já visto em Brasília, com direito a saques e depredações. Em fevereiro de 1987, o Brasil anunciou a suspensão unilateral, por prazo indeterminado, do pagamento dos juros da dívida externa. Ao comunicar o calote, Sarney exigiu apoio da população: “Nada de traição ao país, sob o pretexto de criticar o governo". A inflação, que já rondava os 15% ao mês, voltou subir — devido, sobretudo, à volta da indexação generalizada, que causava a assim chamada inflação inercial

Funaro pediu o boné e... avisou o PMDB que era candidato à presidência da República. Seu substituto, Luiz Carlos Bresser Pereira, editou o Plano Bresser, que, a exemplo dos prodígios anteriores, resultou em muito peido e pouca bosta. Em 1988, nova troca de comando na Fazenda trouxe Maílson da Nóbrega, que trouxe o Plano Verão, que virou "Plano Veremos" em poucos meses, mais exatamente no momento em que o governo perdeu o controle da inflação.

Nenhum dos choques econômicos do governo Sarney trouxe bons resultados. Os produtos sumiram das prateleiras, os fornecedores passaram a cobrar ágio e a inflação sempre voltava a subir. Entre os 22 postulantes à Presidência na eleição solteira de 1989, nomes como os de Ulysses Guimarães (líder do PMDB), Leonel Brizola (PDT) e Mário Covas (PSDB) foram preteridos pelo eleitorado, que alçou ao segundo turno dois populistas demagogos. Pela direta, Fernando Collor de Mello, o caçador de marajás de araque, e pela esquerda, Luis Inácio Lula da Silva, o desempregado que deu certo, fundador e eterno presidente de honra do partido dos trabalhadores que não trabalham, dos estudantes que não estudam e dos intelectuais que não pensam.

Com a hiperinflação lhe servindo de palanque, Collor derrotou o demiurgo de Garanhuns e tomou posse em 15 de março de 1990, quando a inflação rondava 2.000% ao ano. Desacreditado em impopular, Sarney mudou seu domicílio eleitoral para o recém-criado estado do Amapá — se o tivesse mantido no Maranhão, seu estado natal e reduto político, ele dificilmente teria conquistado uma cadeira no Senado. 

Na véspera da posse, Collor pediu a Sarney que decretasse 3 dias de feriado bancário para dar ao mercado financeiro tempo de se adequar às novas medidas econômicas — que tiveram efeitos imediatos sobre a inflação, mas não tardaram a fazer água, a exemplo dos "planos caracu" (o governo entra com a cara e o povo...) da gestão anterior. O Plano Brasil Novo (ou Plano Collor, para os íntimos), decretado via medida provisória, foi gestado pela ministra Zélia Cardoso de Mello, que seria protagonista de um tórrido affair com o ministro Bernardo Cabral — conhecido como Boto Tucuxi — e desposaria Chico Anysio (que se tornou "o humorista que se casou com a piada"). 

Para reduzir a pressão inflacionária, a sumidade delirante "enxugou" a liquidez do mercado através de um formidável confisco de ativos financeiros (contas-correntes, cadernetas de poupança e demais investimentos) com bloqueio ao acesso a tudo que excedesse 50 mil cruzados novos (cerca de R$ 5 mil em valores atuais, quantia que a ministra admitiria, mais adiante, ter sido definida de forma aleatória). Os dinheiro retido foi convertido em cruzeiros (como voltou a se chamar a nossa moeda) e restituído 18 meses depois aos correntistas e investidores, em 12 parcelas mensais corrigidas e acrescidas de juros de 6% a.a., mas isso não evitou que uma brutal recessão (o PIB encolheu 4,5% em 1990) implicasse um aumento significativo no número de falências, infartos e suicídios.  

Entre os aspectos positivos do governo Collor, cito o início do processo de desestatização e a abertura comercial do país, que se deu com o fim da reserva de mercado e a redução gradual das tarifas de importação. Mas lembro que, durante a campanha, o candidato do PRN e sua equipe de lunáticos jamais revelaram suas desairosas intenções. O caçador de marajás de fancaria prometia acabar com a inflação e melhorar a economia, mas dizia que o faria através do combate à corrupção e da demissão de maus funcionários públicos.

Resumo da ópera: O Plano Collor I foi um fiasco, e sua versão 2.0 não foi muito melhor, pois aumentou tarifas públicas, decretou o fim do overnight e criou a FAF (Fundo de Aplicações Financeiras) e a TR (Taxa de Referência de Juros). Alguns economistas chegaram a dizer que o Brasil havia quebrado, pois os créditos ficaram mais caros e difíceis de obter. Isso sem mencionar que a inflação voltou a subir, o desemprego cresceu substancialmente, estatais foram vendidas a preço de banana e houve um desmonte das ferrovias e cortes de investimentos federais em infraestrutura.

Depois de míseros e miseráveis 5 meses, o Plano Collor II foi substituído pelo Plano Marcílio — assim chamado em "homenagem" ao economista Marcílio Marques Moreira, que sucedeu a Zélia como ministro da Fazenda. Em outubro de 1992, quatro dias antes de Collor ser afastado, Marcílio deixou o Ministério da Fazenda, que passou para o comando de Gustavo Krause

Entre o fim do Plano Marcílio e o início do Plano Real — lançado em julho de 1994, já na gestão de Itamar Franco e com Fernando Henrique Cardoso como dublê de ministro da Fazenda e primeiro-ministro informal — a inflação oscilou bastante, mas baixou dos 2.000% — patamar em que estava quando Collor assumiu — para "apenas" 1119,91% a.a. — índice registrado no final de 1229, quando o caçador de Marajás de fancaria deixou o Planalto pela porta dos fundos. 

Fernando Collor foi acusado de corrupção pelo irmão, Pedro, que, segundo se comentou na época, jogou merda no ventilador porque queria uma parte maior do butim e não foi atendido. Mas há quem diga que o furdunço foi deflagrado porque Fernandinho arrastou a asa para a cunhada Thereza (que, convenhamos, era muito mais atraente que a insossa primeira-dama).

Ao longo dos quatro meses que o processo de impeachment levou para ser instaurado e julgado, o autodeclarado homem macho de colhão roxo descobriu que a mão que afaga é a mesma que apedreja. Desgostosa com a petulância e o despreparo da equipe collorida — um bando de jagunços comandados por um mandatário investido da aura de salvador da pátria, mas que exsudava arrogância por todos os poros —, a opinião pública protagonizou uma verdadeira caça às bruxas. 

O clima de linchamento propiciou o afloramento dos sentimentos mais mesquinhos. Novos escândalos surgiam diuturnamente, como se não bastasse a mera exposição de um amplo esquema de propinas. Um dia era o Fernandinho do pó, no outro era o sujeito que fazia macumbas no porão da Casa da Dinda, que cantou a cunhada, que era maníaco-depressivo e que ficava em estado catatônico e precisava receber remédio na boca

Como diz o ditado, cada qual colhe o que planta, e quem semeia ventos colhe tempestades.

Continua...

domingo, 8 de janeiro de 2017

AINDA SOBRE O PERIGOSO SAUDOSISMO


Ontem, na abertura desta sequência, eu falei brevemente sobre o golpe de 1964, a ditadura militar, o processo de redemocratização do país, a campanha pelas Diretas Já, a eleição (indireta) do primeiro presidente civil após 21 anos e a posse do vice, José Sarney, devido à morte de Tancredo ― consequência de uma diverticulite aguda, embora não faltem teorias da conspiração que defendem outras versões). Disse também que se cogitou a possibilidade de Ulysses Guimarães assumir a presidência ― até porque ele havia sido indicado pelo PMDB para disputar com Maluf os votos do Colégio Eleitoral ―, mas o político paulista acabou preterido pela coligação PMDB/PFL, com o mineiro Tancredo candidato a presidente e o maranhense Sarney a vice. Mesmo assim, o Sr. Diretas ― como Ulysses ficou conhecido ― teve um papel preponderante na Nova República, sobretudo na liderança da Assembleia Nacional Constituinte que elaborou nossa Carta Magna de 1988 ―, até um trágico acidente de helicóptero, em 12 de outubro de 1992, pôr fim à carreira e à existência desse ícone da política tupiniquim (e dar margem a mais teorias da conspiração).

Observação: A Constituição Cidadã não foi exatamente uma pérola jurídica, como comprovam dezenas de emendas incorporadas ao texto nos anos subsequentes e a necessidade premente de reformas ― como a Política, a Trabalhista, a Tributária e a Previdenciária ― que nenhum presidente teve peito para fazer (com a possível exceção de Temer, que já conseguiu promulgar a PEC do teto dos gastos, mas isso é outra conversa). Aliás, ao discursar durante a promulgação da nova Constituição, o próprio Ulysses reconheceu as imperfeições da Lei, que contribuíram para elevar a carga tributária dos 22,4% do PIB, em 1988, aos atuais 36%, como forma de sustentar as novas obrigações do Estado (direitos básicos de cidadania, como educação, previdência social, maternidade e infância).

Retomando o fio da meada: Embora houvesse apoiado o regime militar e votado contra a emenda Dante de Oliveira (detalhes no capítulo anterior), Sarney procurou cumprir as promessas de campanha ― aliás, foi a partir do seu governo que os prefeitos dos municípios voltaram a ser escolhidos pelo voto popular. Mas faltavam-lhe o carisma e o traquejo administrativo da velha raposa mineira, e, para piorar, ele herdou dos 21 anos de ditadura um país arruinado, com inflação, desemprego e dívida externa nas alturas.

No início de 1986, Sarney implantou o primeiro de seus muitos “pacotes econômicos”, que ficou conhecido como Plano Cruzado. Nossa moeda, que até então era o cruzeiro, sofreu um corte de 3 zeros e foi rebatizada com o nome de cruzado, e tanto os preços quanto os salários foram congelados. Todavia, faltou a equipe econômica combinar o jogo com o “dragão da inflação”, que ignorou solenemente o decreto presidencial ― aqui entre nós, será que Sarney e o então ministro da Fazenda Dilson Funaro acreditavam mesmo que cortar 3 zeros, mudar o nome da moeda e congelar preços e salários e extinguir a correção monetária seria suficiente para extirpar o câncer inflacionário?

Observação: Essa não foi a primeira vez que se utilizou esse expediente para resgatar a credibilidade do dinheiro brasileiro: do real, herdado do padrão monetário português e que era mais usado no plural (“réis”, “mirréis”, “contos de réis”), passamos ao cruzeiro em 1942, que perdeu os centavos em 1964, ao cruzeiro novo em 1967 (depois de novo corte de 3 zeros) e voltamos ao cruzeiro em 1970. Em 1984, suprimiram-se os centavos, e dois anos depois, após novo corte de 3 zeros, a moeda passou a se chamar cruzado. Novo corte de zeros ocorreria em 1989, dando origem ao cruzado novo, que voltou a se chamar cruzeiro em 1990, foi promovido a cruzeiro real em 1993 e, após ter o valor nominal dividido por 2.750, voltou às origens, ou seja, tornou a se chamar real em 1º de julho de 1994, durante o governo de Itamar Franco (veja a tabela de conversão na imagem que ilustra esta matéria).     

O Plano Cruzado fez água em poucos meses, embora a população tenha apoiado a iniciativa do governo (o que faz o desespero, não é mesmo?), fiscalizado os aumentos e denunciado as remarcações de preços. Mas a euforia durou pouco: os produtos sumiram das prateleiras, os fornecedores passaram a cobrar ágio e a inflação voltou a subir. Sarney e seus notáveis responderam com outros “choques econômicos”, como os planos Cruzado II, Bresser e Verão, mas nenhum deles vingou. Depois de reinar por 5 anos (pois é, Sarney garantiu que a “Constituição Cidadã” estendesse de 4 para 5 anos a duração de seu mandato), o bode velho passou a faixa para Fernando Collor de Melo ― esse, sim, o primeiro presidente pós-ditadura eleito pelo voto popular. E deu no que deu.

Observação: No final de 1989, havia 22 candidatos à Presidência da Banânia, dentre os quais Ulysses Guimarães (líder do PMDB), Paulo Maluf (do PDS), Leonel Brizola (PDT), Mário Covas (PSDB) e o apresentador Silvio Santos, que acabou tendo a candidatura impugnada pelo TSE, por irregularidades no registro partidário. Mas os principais postulantes ao cargo acabaram sendo Collor, do nanico PRN, e Lula, do PT.

Collor derrotou Lula no segundo turno e herdou de Sarney um país com uma inflação de quase 2.000% ao ano. Um dia depois da posse, a pretexto de dar “o tiro certeiro no dragão da inflação”, o marajá caçador de marajás anunciou o Plano Brasil novo (ou Plano Collor, para os íntimos). Na concepção de sua equipe, capitaneada pela ministra Zélia Cardoso de Mello ― que, mais adiante, se casaria com Chico Anysio, que por seu turno, ficaria conhecido como “o humorista que casou com a piada” ―, conter a pressão inflacionária exigia reduzir a quantidade de dinheiro em circulação. Para tanto, o governo confiscou as economias dos brasileiros, bloqueando o acesso a tudo que excedesse 50 mil cruzados novos, tanto nas contas correntes quanto nas cadernetas de popança e outros investimentos. A moeda voltou a se chamar cruzeiro, mas os cruzados novos retidos continuaram a existir e foram devolvidos, mas em 12 parcelas, já na moeda nova, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de 6% a.a. ― o que acarretou perdas substanciais e provocou um aumento significativo nas taxas de suicídio. Do ponto de vista prático, todavia o Plano Collor serviu apenas para gerar uma brutal recessão (para se ter uma ideia, o PIB encolheu 4,5% no primeiro ano de seu governo).

Observação: Em valores atuais, os NCz$ 50 mil correspondem a R$ 5 mil ― quantia que Zélia admitiu, mais adiante, ter sido escolhida de forma aleatória (segundo alguns, por sorteio).   

O governo do hoje senador por Alagoas teve aspectos positivos, dentre os quais o início do processo de desestatização e a abertura comercial do país, com o fim da reserva de mercado e a redução gradual das tarifas de importação, Como eu costumo dizer, se não fosse por ele, talvez a gente ainda dirigisse “carroças” como as que eram fabricadas aqui nos 70 e 80, embora pagasse por elas preços de automóvel de primeiro mundo. Um bom exemplo é o Galaxie Standard ― versão empobrecida do luxuoso Landau, lançada pela Ford no início dos anos 1970 para fazer frente a concorrentes como o Opala, da GM, e o Dodge Dart, da Chrysler. Atualizado pelo IGP-DI/FGV, o preço daquela “carroça”, que era de NCr$ 25.950, corresponde atualmente a R$ 160 mil.    

Hoje, comparado ao petrolão, o “Esquema PC” ― que embasou o processo de impeachment contra Collor ― parece coisa de ladrão de galinha, de bandido pé-de-chinelo, mas levou o marajá dos marajás a renunciar, visando evitar a cassação de seus direitos políticos. Todavia, o Congresso julgou-o assim mesmo, e Collor ficou inelegível por 8 anos. Paulo César (PC) Farias, seu amigo pessoal e tesoureiro de campanha, morreu assassinado poucos anos depois, o que até hoje dá margem a diversas teorias da conspiração (eu, particularmente, acredito em “queima de arquivo”, mas até aí...). Com a deposição de Collor, Itamar Franco, que já era presidente interino desde 2 de outubro, foi efetivado no cargo. Mas isso já é conversa para a próxima postagem. Abraços e até lá.

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sábado, 16 de outubro de 2021

NÃO PODE DAR CERTO — SÉTIMA PARTE


Dias após o golpe militar de 31 de março de 1964, uma junta formada pelo tenente-brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo, pelo general Artur da Costa e Silva e pelo almirante Augusto Rademaker assumiu o poder e decretou o Ato Institucional nº 1, que contava com onze artigos e determinava que o governo militar poderia cassar mandatos legislativos, suspender os direitos políticos (por dez anos) ou afastar do serviço público todo aquele que pudesse ameaçar a segurança nacional.

As eleições indiretas convocadas pelo AI-1 alçaram à Presidência o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, que foi sucedido por Costa e Silva. Na sequência, ocuparam o Palácio do Planalto os generais Emílio Garrastazu MédiciErnesto Beckmann Geisel e João Baptista de Oliveira Figueiredo.

Médici manteve a postura “linha-dura” iniciada em 1968; Geisel, que assumiu em 1974 e governou até 1979, deu início a um processo de abertura (lenta, gradual e segura) que culminou na Lei de Anistia. "Se é vontade do povo brasileiro, eu promoverei a abertura política no Brasil. Mas chegará um tempo em que o povo sentirá saudade do regime militar, pois muitos desses que lideram o fim do regime não estão pensando no bem do povo, mas, sim, em seus próprios interesses", disse o "Alemão", que, pelo visto, sabia das coisas.

João Figueiredo — o "João do Povo", como os marqueteiros chapa-branca de então tentaram, sem êxito, alcunhar o militar casca-grossa — foi incumbido de concluir a transição política. "Estou fazendo uma força desgraçada para ser político, mas não sei se vou me sair bem: no fundo o que gosto mesmo é de clarim e de quartel", disse o presidente que preferia o cheiro dos cavalos ao do povo, e que, perguntado por uma criança o que ele faria se fosse criança e seu pai ganhasse salário-mínimo, respondeu candidamente: “daria um tiro no coco.

Entre 1983 e 1984, milhões de brasileiros saíram às ruas em prol das “Diretas Já” — para presidente da República; os governadores, que eram ”biônicos” (nomeados pelos militares) desde o golpe de 1964, voltaram a ser eleitos pelo voto popular em 1982. No apagar das luzes da gestão de Figueiredo, depois que a Emenda Dante de Oliveira foi rejeitada pelo Congresso, um colégio eleitoral composto por senadores, deputados federais e delegados da assembleias legislativas dos Estados guindou à Presidência Tancredo de Almeida Neves, que foi hospitalizado 12 horas antes da cerimônia de posse e  declarado morto 38 dias e sete cirurgias depois, torando-se uma espécie de Viúva Porcina — aquela que foi sem nunca ter sido. 

Tancredo é tido e havido por muitos como o melhor presidente que o Brasil já teve, embora não seja possível dizer com certeza como o país estaria se ele, e não o oligarca José Sarney — a quem Figueiredo se recusou a transferir a faixa presidencial: "Faixa a gente transfere para presidente, não para vice, e esse é um impostor" — tivesse assumido a Presidência. E a gestão do poeta e acadêmico maranhense, autor de Marimbondos de Fogo e um sem-número de contos, crônicas, ensaios e romances, foi bem menos profícua que sua obra literária.

Observação: Vale destacar que o primeiro presidente eleito pelo voto popular desde a Jânio, em 1960, foi o pseudo caçador de marajás Fernando Collor de Mello, que também entrou para história como o primeiro chefe do Executivo Federal condenado num processo de impeachment.

A gestão de Sarney ― um maiores expoentes da política de cabresto nordestina ― serviu de palco para a promulgação da Constituição de 1988. O então presidente da Câmara, deputado Ulysses Guimarães (que dorme com os peixes desde 12 de outubro de 1992, quando o helicóptero em que ele viajava com a mulher, dona Mora, explodiu misteriosamente), reconheceu, durante o discurso de promulgação da "Constituição Cidadã", que ela não era perfeita, o que ela própria confessava ao admitir reformas."

O também nada perfeito mandatário de fancaria (o "mito" que desafia a Lei da Gravidade todas as manhãs, quando desperta nos aposentos presidenciais do Palácio do Alvorada) se refere sim outro também às "quatro linhas da Constituição", talvez por jamais ter lido a Carta que jurou obedecer e defender em 2019, que é composta por 245 artigos e mais de 1,6 mil dispositivos.

Voltando à longa noite de 21 anos da ditadura, o AI-2, baixado em 1965 e, combinado com os dois atos institucionais subsequentes, todos decretados durante a gestão de Castelo Branco, estabeleceu eleições indiretas para presidente e artificializou as ações do Congresso. Sucederam-se muitas campanhas de lideranças políticas civis contra o regime (por conta, sobretudo, da demora em se realizar um novo pleito eleitoral democrático), como a de Carlos Lacerda, que apoiou o golpe em seu início. Ainda assim, o regime não perdeu força; pelo contrário: houve aquilo que os historiadores chamam de “Golpe dentro do Golpe” — um endurecimento um endurecimento ainda maior do regime, imposto pelo famigerado AI-5, baixado em 13 de dezembro de 1968, durante o governo do "linha dura" Costa e Silva

Observação: O AI-5 — cuja reedição os sectários do bolsonarismo boçal defendem em suas manifestações — cassou liberdades individuais e respaldou práticas eminentemente ditatoriais. Historiadores afiram que a “ditadura escancarada” resultante desse ato institucional deveu-se a pressões de ações armadas revolucionárias que estavam em curso no país, como a Ação Popular, responsável pelo atentado à bomba no Aeroporto de Guararapes em 1966.

Retomando a narrativa do ponto em que Sarney assumiu a presidência, o processo de reabertura política que, segundo o plano da Aliança Democrática, deveria acontecer sem traumas, iniciou-se com o trauma da doença e a sombra do desastre. O grande desafio do político maranhense (que sempre puxou o saco dos militares) foi resgatar as esperanças dos brasileiros. Foi durante sua gestão que os militares voltaram para os quartéis, os partidos políticos de esquerda saíram da clandestinidade, a imprensa recuperou a liberdade e os sindicados, o direito a greves e manifestações. Foi também durante sua gestão que a tal "Constituição Cidadã" foi gestada e parida — para o bem e para o mal.

Sarney herdou dos governos militares uma inflação desenfreada e uma recessão econômica difícil de mitigar. Visando pôr termo à escalada inflacionária, ele lançou o malsinado Plano Cruzado — no qual as medidas de maior destaque foram o congelamento de preços e salários, a adoção do "gatilho salarial" (reajuste automático dos salários sempre que os índices inflacionários ultrapassassem a marca dos 20% ao mês) e a concessão de um abono salarial de 12% aos assalariados. Inicialmente, houve uma explosão de consumo. Os próprios cidadãos, travestidos de "Fiscais do Sarney", passaram a controlar os preços e denunciar remarcações. O ministro da Fazenda, Dilson Funaro, tornou-se uma das figuras mais populares do país. 

Mas não há mal que sempre dure nem bem que nunca termine: o congelamento de preços e a distorção nas margens de lucro das empresas levaram à queda de produção, que levou ao desabastecimento, que levou ao ágio, que levou à volta da inflação, que levou ao... Plano Cruzado II...

... que fica para o próximo capítulo.

sábado, 3 de dezembro de 2016

DILMA PARA O BEM DO BRASIL

Coisa que não falta no Brasil é palpiteiro. De futebol, então, todo mundo entende. Mas daí a aparecer alguém competente para treinar a seleção vai uma longa distância.

Na política, a coisa é ainda pior. Talvez porque o quadro político seja mais dramático que o futebolístico. Mas o que tem de gente que confunde alhos com bugalhos, defende quem não presta, presta vassalagem a quem não merece e polui as redes sociais com o que um amigo meu classifica como “bostagens” não está no gibi. 

No âmbito da economia, então, a coisa é gritante. Gente que está com a corda no pescoço, com o cheque especial estourado e o cartão de crédito bloqueado ousa ensinar o padre-nosso ao vigário. E como economia e política se fundiram (leia direito antes de pensar bobagem) numa crise sem precedentes, gerada e parida pela mulher sapiens -- também conhecida por “Janete”, como nossa cara ex-presidanta se identifica ao atender ligações de telemarketing ―, o que não falta é ex-ministro da Fazenda, do Planejamento, da Economia ― ou seja lá que nome tivesse a pasta quando o palpiteiro a comandou ― dando pitacos. Resolver os problemas do país, que é bom, nenhum deles resolveu (ou até resolveu, se pensarmos no Plano Real de FHC, mas isso é outra história).

Seja como for, alguns pitacos merecem cuidadosa reflexão, como o de Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda no governo Sarney. (Lembra do Plano Cruzado? Pois é! Só que o “pai” desse desatino foi Dilson Funaro; Maílson sucedeu a Bresser e sob seu comando amargamos o igualmente desditoso Plano Verão, que cortou três zeros da nossa moeda e a rebatizou de Cruzado Novo, mas isso também é outra história).

Em seu artigo na edição de Veja desta semana, Maílson pondera que, mesmo sem ter intenção, a ex-grande-chefa-toura-sentada-ora-impichada acabou prestando ― com enormes custos, ressalva o economista paraibano ― dois favores ao Brasil. Primeiro, ela provou que ideias fracassadas de política econômica não se tornaram virtuosas sob gestão petista. Segundo, ela acelerou o encontro com uma dura realidade fiscal, o que antecipou uma agenda da qual o país não escaparia, talvez quando as contas estivessem mais fragilizadas. Confira um excerto do texto:

Em seu tempo, Dilma ressuscitou ações cuja época havia passado ou que foram malsucedidas em outros momentos. Na verdade, a adoção de medidas ‘desenvolvimentistas’ equivocadas teve início com Lula. Foi ele quem degradou a autonomia e a qualidade profissional das agências reguladoras. A desastrosa lei sobre a exploração do petróleo do pré-sal foi obra essencialmente lulista. Isso nos fez perder tempo e oportunidades, e, ao obrigar a Petrobras a assumir as respectivas obrigações, impôs à estatal um insano endividamento. A corrupção institucionalizada na empresa começou no governo dele”.

Outro trecho lapidar: 

Dilma continuou a marcha da insensatez. Restabeleceu a regra de conteúdo nacional mínimo, em especial na exploração do pré-sal. Desprezou lições da história, as quais haviam provado que o protecionismo inconsequente inibe a adoção de tecnologias avançadas, o que prejudica a produtividade e o potencial do crescimento. Ela reintroduziu o controle de preços de combustíveis, causando enorme prejuízo à Petrobras e aos produtores de etanol (...) e desarticulou o setor elétrico, com efeitos negativos ainda não de todo absorvidos” (...) Em seu período, a economia teve o pior desempenho em mais de 100 anos. Doze milhões de brasileiros estão sem emprego (...) a renda per capita voltará ao nível de 2013 somente em 2024”.

E mais outro: 

A síntese dos equívocos de Dilma foi a Nova Matriz Econômica, fonte básica de enormes disfunções. Essa matriz abandonou uma política econômica sensata que nos havia assegurado estabilidade econômica e previsibilidade. (...) A gestão de Dilma acarretou uma combinação fatídica de queda do PIB, desemprego, redução de receitas tributárias, inflação e elevação da dívida pública. (...) Dilma levou o Brasil à beira do precipício, mas, como no velho ditado, há males que vêm para o bem (...) Ao levar ao extremo a insensatez de políticas fiscais suicidas, a ex-presidente retroagiu à irresponsabilidade inaugurada com a Constituição de 1988. Isso nos pôs diante da hora da verdade. Desse modo, ainda que por vias tortas, ela terminou por prestar favores ao país.

Como se vê, no fundo, beeeeeeeem no fundo, tudo sempre tem um lado bom. Mas daí a ter saudades dessa sacripanta vai uma boa distância. Vade retro, Satanás! 

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sábado, 19 de fevereiro de 2022

NA RÚSSIA, COMO OS RUSSOS (OU NEM TANTO)



Depois de 3 décadas de paz, o que começou como uma troca de acusações entre a Rússia e a Ucrânia evoluiu para uma crise internacional. A principal exigência do governo russo é a de que o ocidente garanta que o país vizinho não adira à aliança militar liderada pelos EUA. 

A presença ostensiva da OTAN também é vista com desconfiança pelos russos — segundo o Kremlin, o apoio da organização aos ucranianos põe em risco a segurança da Rússia, embora diga que não tenciona invadir aquele país, que está agindo apenas para se proteger de uma possível ameaça externa.

Apesar da escalada de tensões, EUA e OTAN vêm articulando a solução da crise pela via diplomática, mas Biden disse na quinta-feira que “uma operação de bandeira falsa” pode servir de justificativa para a invasão. Já Bolsonaro — que fez um périplo pelo leste europeu não se sabe exatamente com que propósito — chamou o premiê da Hungria de "irmão" e teve o desplante de dizer que, “coincidência ou não”, a crise entre a Rússia e a Ucrânia arrefeceu após sua conversa com Putin

A questão é que nosso Messias não faz milagres — como ele próprio reconheceu em 2020, quando o Brasil superou a China em número de casos de Covid —, e uma possível invasão da Ucrânia pela Rússia continua no radar. Prova disso é que o receio de uma guerra fez o Dow Jones fechar com a maior queda do ano e Nasdaq perder quase 3% na última quinta-feira. No Brasil, o Ibovespa caiu mais de 1%, depois de ter fechado em alta por cinco dias consecutivos.  

Segundo deu na mídia, o morubixaba em final de mandato classificou a relação do Brasil com a Rússia como um "casamento perfeito" e elogiou o presidente daquele país dizendo que “Putin busca a paz". Disse ainda que, "pela fisionomia, pelo que foi tratado até fora da agenda oficial, com autoridades russas, em especial com o presidente Putin, que é esse o sentimento que ele também tem".

Observação: As viagens do capitão sem-noção me fazem lembrar duas charges do Casseta & Planeta Urgente (ou teria sido do Planeta Diário?). Numa delas, FHC dizia que o Plano Real fora um sucesso e que seu filho resolvera namorar Thereza Collor para provar que “depois do Plano Real, o brasileiro passou a comer melhor”. Na outra, publicada em plena vertigem do Plano Cruzado, lia-se o seguinte: "Presidente está indo longe demais — Depois de ir à China, Sarney irá à merda".

No início do mês, o Departamento de Estado americano divulgou uma nota afirmando que o Brasil tinha responsabilidade de "defender os princípios democráticos e proteger a ordem baseada em regras, e reforçar esta mensagem para a Rússia em todas as oportunidades". Bolsonaro disse que não teme reações dos EUA por conta da reunião com Putin em meio às tensões.

Dizem que o diabo sabe das coisas não por ser o diabo, mas por ser velho. Dizem também que o vinho melhora com o tempo, mas, nas pessoas, o principal efeito do tempo é o envelhecimento. Com a idade, vem a experiência, mas nem sempre experiência e sabedoria caminham de mãos dadas.

terça-feira, 2 de abril de 2024

60º ANIVERSÁRIO DO GOLPE DE `64

 

O golpe de Estado que prefaciou a ditadura militar — aquela que Bolsonaro sempre negou, mas tentou ressuscitar em 2022, e que seu vice classificou de "ditamole" — completou 60 anos no último domingo. O senador Auro de Moura Andrade declarou vaga a Presidência da República em 1º de abril de 1964, mas episódio entrou para a História com data anterior para evitar associações jocosas com o "dia da mentira". 

Resumindo a ópera em poucas palavras, a renúncia de Jânio e a aversão dos militares a Jango pavimentaram o caminho do golpe, e os subsequentes 21 anos de ditadura deram azo ao surgimento do lulopetismo corrupto e do bolsonarismo boçal (mais detalhes na sequência O desempregado que deu certo). 

Para quem gazeteou as aulas de História, relembro que a Guerra Fria e a Revolução Cubana levaram o sistema político brasileiro do pluralismo moderado ao pluralismo extremamente polarizado, e a situação se agravou com a vitória chapa Jan-Jan (de Jânio e Jango) em 1960. Jânio se elegeu com a promessa de resolver miraculosamente todos os problemas ligados à corrupção e inflação no país, mas, alegando que "forças terríveis" se levantaram contra ele — e apostando que seria reconduzido ao cargo pelo "clamor popular" — despachou Jango para uma missão na China, apresentou sua carta-renúncia e voou para São Paulo levando a faixa presidencial.

Depois de esperar horas na base aérea de Cumbica pelas multidões não apareceram — talvez porque um arranjo urdido nos bastidores impediu que o povo soubesse onde ele estava, ou talvez porque o povo só poderia ser mobilizado por um partido janista se seu líder tivesse permitido sua existência — o populista cachaceiro embarcou para Europa, e o Brasil mergulhou na crise provocada pelo veto à promoção do "vice comunista" a titular.

Na qualidade de presidente da Câmara, o deputado Ranieri Mazzilli assumiu a chefia do Executivo, mas uma junta provisória formada pelos três ministros militares governou o país até 8 de setembro, quando foi implantado o sistema parlamentarista. Com os poderes limitados e tendo Tancredo Neves como primeiro-ministro, Jango foi autorizado a assumir a presidência como chefe de Estado. 

Curiosidades1) Dali a 24 anos, o primeiro-ministro de Jango se tornaria o primeiro presidente civil pós-ditadura militar. 2) Em 1962, Jânio concorreu ao governo de São Paulo, mas foi derrotado por seu velho desafeto Adhemar de Barros e só voltou a disputar um cargo público em 1985, quando derrotou o tucano Fernando Henrique e o petista Eduardo Suplicy e se elegeu prefeito da capital paulista.

Jango só assumiu o posto a que tinha direito desde a renúncia de Jânio depois que o referendo de 6 de janeiro de 1963 restabeleceu o presidencialismo, mas as tensões se intensificaram quando ele declarou que a reforma agrária era uma questão de honra em seu mandato. Embora não houvesse a menor possibilidade de uma vitória comunista — nem pela via reformista, nem pela luta armada —, parte da elite brasileira bateu às portas dos quartéis, e os militares atenderam prontamente (até porque a doutrina que aprendiam na caserna era a do Ocidente x Pacto de Varsóvia).

Quando a Marcha da Família com Deus pela Liberdade escancarou o apoio civil ao golpe, o Congresso, ameaçado de fechamento, chancelou a derrubada de Jango e a "eleição" do então chefe do Estado-Maior das Forças Armadas — o marechal Castello Branco —, que deixou o Planalto em 15 de março de 1967 e morreu quatro meses depois, vítima de um acidente de avião no Ceará. Outros quatro generais-ditadores — Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo , se revezaram no poder até 1985, num jogo um jogo de cartas marcadas em que o partido de oposição (MDB) era meramente figurativo. 

Observação: Muitos democratas e liberais apoiaram o golpe achando que os militares voltariam para os quartéis em 1965, quando haveria novas eleições e Juscelino (pelo lado reformista democrático) e Carlos Lacerda (conservador liberal, democrata) disputariam a Presidência. Mas eles não demoram a perceber que os militares, picados pela mosca azul, tencionavam se perpetuar no poder. 
 
A dança das cadeiras dos fardados terminou com a eleição indireta de Tancredo Neves, em janeiro de 1985, que reascendeu a chama da esperança no coração de 130 milhões de brasileiros. Mas a alegria durou pouco: por uma trapaça do destino, o presidente eleito baixou ao hospital horas antes da cerimônia de posse e bateu as botas 38 dias e 7 cirurgias depois, deixando de herança um neto que envergonhou o país e um vice que se tornou pai e avô do Centrão
O resto é história recente. 
 
Em 1989, já sob a égide da Constituição Cidadã, os brasileiros voltaram às urnas (depois de um jejum de 29 anos) para escolher seu presidente. Entre os 22 postulantes havia políticos do quilate de Ulysses Guimarães, Mario Covas, Leonel Brizola e Ciro Gomes e aberrações como Enéas Carneiro, Livia Maria Pio e Sílvio Santos, mas o eleitor tupiniquim, sempre pronto a fazer as piores escolhas, escalou Collor (com 30,5% dos votos) e Lula (com 17,2%) para disputar o segundo turno, quando então o pseudo caçador de marajás derrotou o desempregado que deu certo por 53% a 47%.
 
Durante a campanha, Collor prometeu alvejar o "tigre da inflação" com uma "bala de prata". Eleito, apertou o gatilho um dia antes da posse ao pedir a Sarney que decretasse feriado bancário para que o mercado se adequasse ao conjunto de medidas econômicas mais radical que o país já amargou. Além de congelar preços e salários — a exemplo dos planos Cruzado, Cruzado II e Verão, editados durante o governo Sarney—, o Plano Collor bloqueou todo o dinheiro depositado nos bancos e aplicado no mercado financeiro até o limite de Cr$ 50 mil. Como resultado, o PIB encolheu 4,5% e o número de falências, infartos e suicídios teve um aumento significativo.
 
Plano Collor II aumentou tarifas públicas, decretou o fim do overnight e criou a FAF (Fundo de Aplicações Financeiras) e a TR (Taxa de Referência de Juros), mas a inflação voltou a subir, o desemprego cresceu, estatais foram vendidas a preço de banana e houve um desmonte das ferrovias e cortes de investimentos federais em infraestrutura. Entre o fim do Plano Marcílio e o início do Plano Real a inflação baixou dos 2.000% a.a. para "apenas" 1119,91% a.a. — índice registrado no final de 1992, quando o
 Rei-Sol, autoritário como poucos e corrupto como muitos, foi chutado do Planalto pela porta dos fundos
 
Observação: Ciente de que sua deposição eram favas contadas, Collor renunciou às vésperas do julgamento de seu impeachment — que teve como estopim uma entrevista concedida por Pedro Collor à revista VEJA —, mas o Senado seguiu adiante e o condenou (por 76 votos a 3) à perda do cargo e suspendeu seus direitos políticos por 8 anos.   
 
Com a deposição do "Roxinho", o vice Itamar Franco passou a titular e nomeou Fernando Henrique ministro da Fazenda. Impulsionado pelo sucesso do Plano Real, o tucano se elegeu presidente em 1994, comprou a PEC da reeleição em 1997 e se reelegeu 1998. Como não lhe restavam novos coelhos para tirar da velha cartola, FHC não conseguiu eleger José Serra seu sucessor.A
 vitória de Lula em 2002 marcou o início à era lulopetista, que só foi interrompida em 2016, com o impeachment de Dilma

Com a deposição da gerentona de araque, seu vice foi promovido a titular e se mudou para a residência oficial da Presidência, mas voltou semanas depois para o Jaburu, porque, segundo ele, o Palácio da Alvorada é assombrado. Assim, Michel Temer se tornou o primeiro e único caso documentado de vampiro que tem medo de fantasma. 
 
A troca de comando foi como uma lufada de ar fresco numa catacumba: após 13 anos de garranchos verbais de um semianalfabeto e frases desconexas de uma anormal incapaz de juntar sujeito e predicado numa frase que fizesse sentido, um presidente que não só sabia falar como até usava mesóclises pareceu um refrigério. Demais disso, o vampiro do Jaburu
 conseguiu reduzir a inflação (que rodava pelos 10% quando ele assumiu), baixar a Selic e aprovar a PEC do Teto dos Gastos e a Reforma Trabalhista, mas o ministério de notáveis que prometeu se revelou uma notável agremiação de corruptos, e quando sua conversa de alcova com Joesley Batista veio a público, o sonho de entrar para a história como "o cara que recolocou o Brasil nos eixos" virou o pesadelo de vir a ser "o primeiro presidente no exercício do mandato denunciado por crime comum". 
 
Observação: A tropa de choque capitaneada por Carlos Marun contratou um coral de 251 marafonas para entoar a marcha fúnebre enquanto a segunda "flechada de Janot" era sepultada na Câmara, mas Temer terminou seu mandato-tampão como um "pato manco" — que é como os americanos se referem a políticos que chegam tão desgastados ao final do mandato que até os garçons lhes servem o café frio. 
 
Em 2018, uma extraordinária conjunção de fatores empurrou para o Planalto um combo de mau militar e parlamentar medíocre que atribuiu a vitória a uma "cagada do bem". Quatro anos depois, derrotado nas urnas, ele exortou seus paus-mandatos a "virar a mesa". Investigado em sete inquéritos, inelegível até 2030 e na bica de ver o sol nascer quadrado, esse dejeto da escória da raça humana aguarda a primeira condenação posando de perseguido. 
 
A retomada democrática instituída em 1985 com a eleição do presidente "Viúva Porcina" (que foi sem nunca ter sido) e sacramentada em 1988 pela promulgação da Constituição Cidadã não exorcizou os fantasmas da ditadura. No último dia 29, o STF começou a julgar em plenário virtual os limites da atuação das FFAA estabelecidos no Art. 142 da CF (o ministro Luiz Fux, relator da encrenca, já votou pelo sepultamento da tese de que os fardados são o "poder moderador" da República).

Para evitar atritos com as Forças Armadas, Lula vetou qualquer ação alusiva ao golpe de '64, mas sete dos 38 ministros foram às redes sociais prestar homenagens aos "desaparecidos" dos anos de chumbo
Lobotomizados pela polarização semeada pelo "nós contra eles" do xamã petista e estrumada pela extrema-direita radical que saiu do armário durante a campanha de 2018, os devotos do bolsonarismo, vítimas da pior espécie de cegueira, consideram seu "mito" um ex-presidente de mostruário perseguido injustamente por "Xandão", como deixou claro a manifestação de 25 de fevereiro passado.

Observação: Claro que muita gente reza (ou finge rezar) por essa cartilha devido a interesses escusos, da mesma forma e pelos mesmos motivos que muita gente finge acreditar que Lula é a alma viva mais honesta do Universo e que sua prisão "foi uma armação, um dos maiores erros judiciários da história do país". Mas isso é outra conversa. 
 
Em face de todo o exposto, não há o que celebrar em 31 de março (nem em 1 de abril, a não ser o "dia da mentira"). Comemorar a instalação de uma ditadura que fechou instituições democráticas e censurou a imprensa é permitir que ódios do passado envenenem (ainda mais) o presente e destruam o futuro. 

terça-feira, 20 de junho de 2023

COLLOR LÁ...


Fernando Collor de Mello, o primeiro presidente eleito pelo voto popular desde Jânio Quadros (1960) e o primeiro a sofrer um processo de impeachment na "Nova República", tornou-se o primeiro ex-presidente desta banânia a ser condenado em última instância por corrupção


Da feita que o Brasil é um país de muitas leis e pouca vergonha na cara, o fato de o meliante ter presidido esta banânia — que deveria ser um agravante — funciona atenuante: na condição de "ex-comandante-em-chefe das Forças Armadas", o "Rei Sol" pode vir a cumprir a pena privativa de liberdade numa sala de Estado Maior.  

 

Regalia semelhante foi concedida a Lula. Em razão da "dignidade do cargo", o petista iniciou o cumprimento da pena numa "cela VIP" de 15 metros quadrados, com mesa redonda e quatro cadeiras, estante, TV de plasma, esteira ergométrica, frigobar, banheiro com pia, vaso sanitário e chuveiro elétrico. Diferentemente dos demais detentos, ele não era obrigado a varrer a cela, limpar o banheiro e recolher o lixo, daí alguns agentes o terem apelidado de “Lula Escobar” — numa alusão ao narcotraficante colombiano Pablo Escobar, que construiu uma mansão-presídio para nela cumprir sua pena.

 

Às 17h43 de 8 de novembro de 2019 — menos de 24 horas depois de o STF reverter seu entendimento sobre a prisão em 2ª instância — o petista deixou a carceragem da PF. Na sequência, também graças às togas camaradas, foi descondenado, reabilitado politicamente e, com mais de 60 milhões de votos no 2º turno no pleito de 2022, conduzido ao Palácio do Planalto pela terceira vez (fato inédito na história desta banânia). 

 

Observação: Nunca é demais lembrar que, se em 2018 o lulopetismo corrupto ensejou a vitória do bolsonarismo boçal, a execrável gestão do pior mandatário desde Tomé de Souza abriu as catacumbas e exumou o chefão petista em 2022. E viva o eleitorado brasileiro!

 

Aos 15 anos, Collor ouviu de uma vidente que seria presidente. Em 1979, entrou para a política como prefeito biônico (indicado pela ditadura) de Maceió. Dez anos depois, prometendo abater com um único tiro o “tigre da inflação” (que avançava a uma velocidade de 80% ao mês), derrotou Lula no 2º turno da primeira eleição presidencial direta desde 1960


Além de substituir o cruzado novo pelo cruzeiro, o “Plano Collor” incluiu ações de impacto  como a extinção ou fusão de ministérios e órgãos estatais, a demissão de funcionários públicos, o congelamento de preços e salários e o confisco dos ativos financeiros. A responsável pelo pacote de maldades foi a ministra da Fazenda Zélia Cardoso de Mello, que mais adiante teria um tórrido affair com o ministro Bernardo Cabral, conhecido como Boto Tucuxi e desposaria Chico Anysio — que ficou conhecido como "o humorista que casou com a piada"). 


Em janeiro de 1991, Zélia lançou o Plano Collor IICinco meses depois, ela e seu plano foram substituídos, respectivamente, por Marcílio Marques Moreira e pelo Plano Marcílio. Em outubro de 1992, dias antes de Collor ser afastado da presidência, Gustavo Krause assumiu o Ministério da Fazenda.

 

Continua... 

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

ELEIÇÕES 2018 ― TUDO COMBINADO E NADA RESOLVIDO



Nas próximas eleições, além da presidência da República, estarão em jogo os governos estaduais, 2/3 do Senado, e a totalidade da Câmara. Em 1989, disputava-se apenas a presidência ― o que dava mais força ao candidato do que ao partido que o apoiava ―, e todas as grandes lideranças políticas estavam na disputa. O embate final se deu entre os populismos de direita e de esquerda, com Brizola sendo expelido no primeiro turno e Collor derrotando Lula no segundo.

No pleito desse ano, os principais protagonistas são os populismos de esquerda e de direita, encarnados, respectivamente, em Lula e Bolsonaro. Isso se deve em parte ao fato de decadência moral e a crise econômica servirem de adubo para populistas radicais, mas também por não ter surgido, pelo menos até agora, um mísero candidato “de centro” que empolgue o eleitorado.

O último candidato não populista a presidente a derrotar um rival populista foi FHC ― que venceu Lula em dois pleitos consecutivos, sempre no primeiro turno ―, menos pelo seu estilo de fazer política e mais pelo Plano Real, que teve efeitos benignos sobre o eleitorado (nada mais popular do que garantir ao povo uma melhoria imediata de vida e uma moeda valorizada).

Melhorias de vida imediatas são geralmente produzidas por medidas populistas. O Plano Cruzado, por exemplo, garantiu a vitória dos acólitos de Sarney nas eleições majoritárias e proporcionais de 1986. Outro bom exemplo é o Bolsa Família, que alavancou o lulopetismo. Num país tão desigual quanto o Brasil, Getúlio sempre vencerá o Brigadeiro ―, lembra Merval Pereira, referindo-se às duas derrotas que Eduardo Gomes sofreu na década de 40; uma para Dutra, candidato de Getúlio, e outra para o próprio Getúlio.

Para Michel Temer e seu “legado”, o desafio será chegar às eleições sem se tornar a “Gení”, como aconteceu com Sarney em 1989. Ele aposta na melhora da economia e parece mesmo acreditar que seu apoio será decisivo em outubro, e em momentos de delírio explícito cogita até mesmo em se candidatar à reeleição.

Existe uma longa distância entre o que se deseja e o que se obtém, e nada indica que, nos próximos meses, a melhoria da economia será significativa a ponto o governo mais impopular da história num ativo eleitoral capaz de neutralizar a ânsia da população por um “salvador da pátria” ― papel que Lula e Bolsonaro representam, ainda que por razões distintas.

Em última análise, o momento é de incerteza. Tudo que se tem até agora não passa de mera especulação. O cenário só começará a se definir a partir do próximo dia 24 ― Deus permita que com Lula fora do páreo e, se possível, dentro de uma cela no presídio.

Geraldo Alckmin terá de “fazer o diabo” para crescer nas pesquisas e mostrar que foi acertada a decisão do partido [de escolhê-lo em detrimento de João Doria].  Não é à toa que Luciano Huck parece disposto a voltar ao páreo. Além disso, até abril o cenário pode mudar, com a entrada de nomes como Joaquim Barbosa, Henrique Meirelles, Marina Silva e outros quaisquer. 

Infelizmente, nenhum entusiasma, todos decepcionam. 

Pobre Brasil.

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