Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta posse de collor. Ordenar por data Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta posse de collor. Ordenar por data Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

CIRURGIA DE BOLSONARO E O BRASIL DAS PERGUNTAS SEM RESPOSTA



Antes de retomar o assunto do post anterior (encerrar é maneira de dizer, pois outros desdobramentos estão por vir), achei por bem publicar que o ministro Sérgio Moro criou um grupo de trabalho para reavaliar normas do Banco Central sobre o combate à lavagem de dinheiro. A determinação está na Portaria 82, e visa fazer alterações na comunicação entre os bancos e o Coaf sobre suspeitas de lavagem de dinheiro. O ministro tomou essa decisão diante da estapafúrdia proposta do BC de excluir parentes de políticos da lista de monitoramento obrigatório das instituições financeiras e derrubar a exigência de que todas as transações bancárias acima de R$ 10 mil sejam notificadas ao Coaf.

Resta saber o que será feito em relação ao igualmente estapafúrdio decreto assinado pelo general Hamilton Mourão durante a viagem de Bolsonaro a Davos. Afinal, permitir que servidores comissionados classifiquem dados públicos como sigilosos amplia o número de pessoas que podem pedir sigilo e limita o acesso à informação. Aliás, a lei de acesso à informação, sancionada pela ex-presidanta Dilma em 2011, foi um dos poucos pontos positivos de sua desditosa gestão; que isso não seja mudado, agora, por um governo que se elegeu batendo o bumbo do combate à corrupção.

Mudando de um ponto a outro, a expectativa de que a mídia focaria Brumadinho nos dias subsequentes à tragédia se confirmou plenamente, e com isso a situação cada vez mais complicada do primogênito do Presidente Bolsonaro saiu de cena (ao menos temporariamente). Volto a dizer que os rolos do Zero Um despertam mais atenção do que os de outros 26 deputados estaduais que também serão investigados pela Receita porque respingam no Presidente — que se declarava amigo de Queiroz e até admite ter emprestado dinheiro ao factótum do Clã —, dando dimensão nacional ao que, de outra forma, seria apenas um escândalo local. Mas isso não muda o fato de que há muitas perguntas sem respostas. E quem votou em Jair Bolsonaro o fez para evitar que o Brasil voltasse a ser governado por um criminoso condenado e sua quadrilha, e portanto tem o direito de saber a verdade.

A cirurgia a que restabeleceu o trânsito intestinal do Presidente demorou mais do que o previsto devido a problemas de aderência, mas, para o desgosto de seus detratores e opositores, tudo correu bem. Bolsonaro deverá despachar do hospital assim que deixar a UTI, e, se não houver complicações, ter alta em até 10 dias. Mas é no mínimo curioso que a mídia, a despeito de acompanhar de perto a internação do Presidente e divulgar os boletins médicos quase que em tempo real, não disse uma única palavra sobre o atentado, sobre quem estaria por trás do ajudante de pedreiro Adélio Bispo de Souza e sobre quem está pagando seus advogados. Nem a Velhinha de Taubaté acreditaria na balela de que Bispo era um "lobo solitário" e que agiu de moto próprio por inconformismo político, como apontou o primeiro inquérito — um segundo inquérito foi instaurado para dar continuidade às apurações, e investiga uma possível participação de terceiros ou grupos criminosos ligados a partidos de esquerda.

Falando na patuleia imprestável, relembro que, durante a campanha, Bolsonaro foi duramente criticado por não ter participado dos debates. Mas somente quem já usou uma bolsa de colostomia sabe os transtornos que a situação gera, inclusive do ponto de vista psicológico. Muitos dos que condenaram o condenam por ter faltado aos debates já faltaram ao trabalho devido a uma simples dor de garganta, mas pimenta no rabo alheio é refresco. Ou, como dizia Lenin: "O ódio é a base do comunismo; as crianças devem ser ensinadas a odiar seus pais se eles não são comunistas". 

Tomara que a investigação do atentado não tenha o mesmo desfecho dos assassinatos de Toninho do PT, em setembro de 2001, e de Celso Daniel, em janeiro de 2002. Ou ainda o de Paulo César Siqueira Cavalcante Farias  — mais conhecido como PC Farias — , em junho de 1996. Os dois primeiros casos, se bem investigados, certamente revelariam as digitais de próceres do próprio PT. Já o do ex-tesoureiro da campanha de Collor cheira a queima de arquivo, pois PC conhecia melhor que ninguém os malfeitos praticados durante a gestão do caçador de marajás de festim — como diz um velho ditado, antes que o mal cresça, corta-se a cabeça

Para quem não se lembra, PC Farias se tornou uma espécie de factótum de Collor (mais ou menos como Palocci durante a campanha e no início do primeiro governo de Lula). Collor derrotou Lula no pleito presidencial de 1989 e três meses depois da posse já surgiam denúncias de corrupção, primeiro envolvendo apenas o segundo escalão, mas, quatro meses mais tarde, alcançando pessoas próximas ao Presidente. Foi então que nome de Paulo César Farias apareceu como intermediário de negócios entre o empresariado e o governo.

Collor só foi atingido diretamente pelas denúncias em 24 de maio de 1992, depois que seu irmão Pedro o acusou publicamente de manter uma sociedade com PC Farias, que seria seu testa-de-ferro nos negócios. A PF instaurou um inquérito e a PGR determinou a apuração dos crimes atribuídos ao chefe na nação, a sua superministra Zélia Cardoso de Mello, ao pau-pra-toda-obra PC Farias e ao piloto de avião Jorge Bandeira de Melo, acusado de intermediar a liberação de verbas no Ministério da Ação Social.

Guardadas as devidas proporções, Zélia era uma espécie de Dilma, mas em edição melhorada, até porque nada supera a nefelibata da mandioca como calamidade em forma de gente. A ministra foi a mentora intelectual do confisco da poupança dos brasileiros, teve um escandaloso affair com o ministro Bernardo Cabral — conhecido como Boto Tucuxi (que segundo o folclore paraense se metamorfoseia à noite num homem dançador, bebedor, galante e sedutor que encanta as caboclas ribeirinhas —, acabou se casando com Chico Anysio, que passou a ser conhecido como “o humorista que casou com a piada”.

Em agosto de 1992 o relatório final da CPI (instaurada a pedido do PT) apontou as ligações de Collor com o esquema de corrupção. Estimava-se então que US$ 6,5 milhões foram desviados para bancar gastos pessoais do presidente, o que é dinheiro de pinga em comparação com o que o PT e seus acólitos roubaram no Mensalão e no Petrolão. Mas aí vieram as famosas manifestações dos “caras-pintadas”, em apoio ao pedido de impeachment assinado pelo presidentes da Associação Brasileira de Imprensa e da Ordem dos Advogados do Brasil. Collor renunciou às vésperas do julgamento (que ocorreu em 29 de dezembro de 1992), visando preservar seus direitos políticos, mas foi condenado por 441 dos 480 deputados presentes e, como manda a Lei, tornou-se inelegível por oito anos.

Indiciado em 41 inquéritos criminais, PC Farias teve sua prisão decretada, mas fugiu no Morcego Negro, pilotado por Jorge Bandeira de Mello. Depois de várias escalas, desapareceu em Buenos Aires e só reapareceu quatro meses mais tarde, em Londres — 11 quilos mais magro e sem seus famosos bifocais. Enquanto se discutia sua extradição, o fujão tornou a fugir, mas foi capturado dali a três meses, depois que um turista brasileiro o viu andando pelas ruas de Bangcoc, na Tailândia. Foi extraditado, julgado e condenado a 4 anos de prisão por sonegação fiscal e 7 por falsidade ideológica. Cumpriu um terço da pena e, seis meses depois de obter liberdade condicional, foi assassinado, juntamente com a namorada Suzana Marcolino, em circunstâncias jamais esclarecidas, mas que sugerem claramente “queima de arquivo”.

A tese de homicídio seguido de suicídio foi endossada pelo legista Badan Palhares, mas desmontada por uma série de reportagens da Folha. Segundo o jornal, Suzana era mais baixa que PC, e a diferença de altura, associada à trajetória do tiro, inviabilizava a versão oficial (o próprio Palhares escrevera num artigo que, se a altura estivesse errada, seu laudo também estaria). Na avaliação do professor de medicina legal e coronel reformado da PM George Sanguinetti, um dos primeiros a contestar o suicídio, “passional não foi o crime, mas sim o inquérito”.

Os homicídios ocorreram na mansão de PC, numa praia de Maceió. Os corpos foram encontrados no dia 23 de junho de 1996 (com um tiro no peito de cada um), e ainda que a casa fosse guardada por 4 seguranças, ninguém ouviu os tiros “porque era época de festas juninas”.

Amanhã voltamos ao imbróglio Flávio Bolsonaro. Até lá.

domingo, 8 de janeiro de 2017

AINDA SOBRE O PERIGOSO SAUDOSISMO


Ontem, na abertura desta sequência, eu falei brevemente sobre o golpe de 1964, a ditadura militar, o processo de redemocratização do país, a campanha pelas Diretas Já, a eleição (indireta) do primeiro presidente civil após 21 anos e a posse do vice, José Sarney, devido à morte de Tancredo ― consequência de uma diverticulite aguda, embora não faltem teorias da conspiração que defendem outras versões). Disse também que se cogitou a possibilidade de Ulysses Guimarães assumir a presidência ― até porque ele havia sido indicado pelo PMDB para disputar com Maluf os votos do Colégio Eleitoral ―, mas o político paulista acabou preterido pela coligação PMDB/PFL, com o mineiro Tancredo candidato a presidente e o maranhense Sarney a vice. Mesmo assim, o Sr. Diretas ― como Ulysses ficou conhecido ― teve um papel preponderante na Nova República, sobretudo na liderança da Assembleia Nacional Constituinte que elaborou nossa Carta Magna de 1988 ―, até um trágico acidente de helicóptero, em 12 de outubro de 1992, pôr fim à carreira e à existência desse ícone da política tupiniquim (e dar margem a mais teorias da conspiração).

Observação: A Constituição Cidadã não foi exatamente uma pérola jurídica, como comprovam dezenas de emendas incorporadas ao texto nos anos subsequentes e a necessidade premente de reformas ― como a Política, a Trabalhista, a Tributária e a Previdenciária ― que nenhum presidente teve peito para fazer (com a possível exceção de Temer, que já conseguiu promulgar a PEC do teto dos gastos, mas isso é outra conversa). Aliás, ao discursar durante a promulgação da nova Constituição, o próprio Ulysses reconheceu as imperfeições da Lei, que contribuíram para elevar a carga tributária dos 22,4% do PIB, em 1988, aos atuais 36%, como forma de sustentar as novas obrigações do Estado (direitos básicos de cidadania, como educação, previdência social, maternidade e infância).

Retomando o fio da meada: Embora houvesse apoiado o regime militar e votado contra a emenda Dante de Oliveira (detalhes no capítulo anterior), Sarney procurou cumprir as promessas de campanha ― aliás, foi a partir do seu governo que os prefeitos dos municípios voltaram a ser escolhidos pelo voto popular. Mas faltavam-lhe o carisma e o traquejo administrativo da velha raposa mineira, e, para piorar, ele herdou dos 21 anos de ditadura um país arruinado, com inflação, desemprego e dívida externa nas alturas.

No início de 1986, Sarney implantou o primeiro de seus muitos “pacotes econômicos”, que ficou conhecido como Plano Cruzado. Nossa moeda, que até então era o cruzeiro, sofreu um corte de 3 zeros e foi rebatizada com o nome de cruzado, e tanto os preços quanto os salários foram congelados. Todavia, faltou a equipe econômica combinar o jogo com o “dragão da inflação”, que ignorou solenemente o decreto presidencial ― aqui entre nós, será que Sarney e o então ministro da Fazenda Dilson Funaro acreditavam mesmo que cortar 3 zeros, mudar o nome da moeda e congelar preços e salários e extinguir a correção monetária seria suficiente para extirpar o câncer inflacionário?

Observação: Essa não foi a primeira vez que se utilizou esse expediente para resgatar a credibilidade do dinheiro brasileiro: do real, herdado do padrão monetário português e que era mais usado no plural (“réis”, “mirréis”, “contos de réis”), passamos ao cruzeiro em 1942, que perdeu os centavos em 1964, ao cruzeiro novo em 1967 (depois de novo corte de 3 zeros) e voltamos ao cruzeiro em 1970. Em 1984, suprimiram-se os centavos, e dois anos depois, após novo corte de 3 zeros, a moeda passou a se chamar cruzado. Novo corte de zeros ocorreria em 1989, dando origem ao cruzado novo, que voltou a se chamar cruzeiro em 1990, foi promovido a cruzeiro real em 1993 e, após ter o valor nominal dividido por 2.750, voltou às origens, ou seja, tornou a se chamar real em 1º de julho de 1994, durante o governo de Itamar Franco (veja a tabela de conversão na imagem que ilustra esta matéria).     

O Plano Cruzado fez água em poucos meses, embora a população tenha apoiado a iniciativa do governo (o que faz o desespero, não é mesmo?), fiscalizado os aumentos e denunciado as remarcações de preços. Mas a euforia durou pouco: os produtos sumiram das prateleiras, os fornecedores passaram a cobrar ágio e a inflação voltou a subir. Sarney e seus notáveis responderam com outros “choques econômicos”, como os planos Cruzado II, Bresser e Verão, mas nenhum deles vingou. Depois de reinar por 5 anos (pois é, Sarney garantiu que a “Constituição Cidadã” estendesse de 4 para 5 anos a duração de seu mandato), o bode velho passou a faixa para Fernando Collor de Melo ― esse, sim, o primeiro presidente pós-ditadura eleito pelo voto popular. E deu no que deu.

Observação: No final de 1989, havia 22 candidatos à Presidência da Banânia, dentre os quais Ulysses Guimarães (líder do PMDB), Paulo Maluf (do PDS), Leonel Brizola (PDT), Mário Covas (PSDB) e o apresentador Silvio Santos, que acabou tendo a candidatura impugnada pelo TSE, por irregularidades no registro partidário. Mas os principais postulantes ao cargo acabaram sendo Collor, do nanico PRN, e Lula, do PT.

Collor derrotou Lula no segundo turno e herdou de Sarney um país com uma inflação de quase 2.000% ao ano. Um dia depois da posse, a pretexto de dar “o tiro certeiro no dragão da inflação”, o marajá caçador de marajás anunciou o Plano Brasil novo (ou Plano Collor, para os íntimos). Na concepção de sua equipe, capitaneada pela ministra Zélia Cardoso de Mello ― que, mais adiante, se casaria com Chico Anysio, que por seu turno, ficaria conhecido como “o humorista que casou com a piada” ―, conter a pressão inflacionária exigia reduzir a quantidade de dinheiro em circulação. Para tanto, o governo confiscou as economias dos brasileiros, bloqueando o acesso a tudo que excedesse 50 mil cruzados novos, tanto nas contas correntes quanto nas cadernetas de popança e outros investimentos. A moeda voltou a se chamar cruzeiro, mas os cruzados novos retidos continuaram a existir e foram devolvidos, mas em 12 parcelas, já na moeda nova, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de 6% a.a. ― o que acarretou perdas substanciais e provocou um aumento significativo nas taxas de suicídio. Do ponto de vista prático, todavia o Plano Collor serviu apenas para gerar uma brutal recessão (para se ter uma ideia, o PIB encolheu 4,5% no primeiro ano de seu governo).

Observação: Em valores atuais, os NCz$ 50 mil correspondem a R$ 5 mil ― quantia que Zélia admitiu, mais adiante, ter sido escolhida de forma aleatória (segundo alguns, por sorteio).   

O governo do hoje senador por Alagoas teve aspectos positivos, dentre os quais o início do processo de desestatização e a abertura comercial do país, com o fim da reserva de mercado e a redução gradual das tarifas de importação, Como eu costumo dizer, se não fosse por ele, talvez a gente ainda dirigisse “carroças” como as que eram fabricadas aqui nos 70 e 80, embora pagasse por elas preços de automóvel de primeiro mundo. Um bom exemplo é o Galaxie Standard ― versão empobrecida do luxuoso Landau, lançada pela Ford no início dos anos 1970 para fazer frente a concorrentes como o Opala, da GM, e o Dodge Dart, da Chrysler. Atualizado pelo IGP-DI/FGV, o preço daquela “carroça”, que era de NCr$ 25.950, corresponde atualmente a R$ 160 mil.    

Hoje, comparado ao petrolão, o “Esquema PC” ― que embasou o processo de impeachment contra Collor ― parece coisa de ladrão de galinha, de bandido pé-de-chinelo, mas levou o marajá dos marajás a renunciar, visando evitar a cassação de seus direitos políticos. Todavia, o Congresso julgou-o assim mesmo, e Collor ficou inelegível por 8 anos. Paulo César (PC) Farias, seu amigo pessoal e tesoureiro de campanha, morreu assassinado poucos anos depois, o que até hoje dá margem a diversas teorias da conspiração (eu, particularmente, acredito em “queima de arquivo”, mas até aí...). Com a deposição de Collor, Itamar Franco, que já era presidente interino desde 2 de outubro, foi efetivado no cargo. Mas isso já é conversa para a próxima postagem. Abraços e até lá.

Confira minhas atualizações diárias sobre política em www.cenario-politico-tupiniquim.link.blog.br/

quinta-feira, 20 de julho de 2023

TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO — CONTINUAÇÃO


O grupo que agrediu o ministro Alexandre de Moraes e seu filho no aeroporto de Roma tropeçou na tênue linha que separa audácia de estupidez e caiu no Código Penal. A despeito da crescente exposição dos pés de barro do mito, a raiva difundida por ele continua inspirando uma base eleitoral de fanáticos. Ao migrar das redes sociais para o mundo real, a insensatez bolsonarista aumenta na proporção direta do potencial econômico dos agressores, enquanto a valentia dos agressores diminui à medida quando a polícia chega.

O Ministério da Justiça requisitou as imagens do circuito de câmeras do aeroporto, e elas devem chegar ao Brasil antes do final de semana. Confirmando-se a agressão, é imperioso punir os agressores. Paralelamente, Moraes precisa acender a luz dos processos estrelados por Bolsonaro. A impunidade do capitão estimula em seus seguidores o comportamento de vale-tudo.

A consistência das conclusões da PF sobre o episódio crescerá na proporção direta da nitidez das imagens captadas pelas câmeras do aeroporto da capital italiana. No estágio atual, porém, os indícios não favorecem os suspeitos. O casal Roberto Mantovani Filho e Andréia Mantovani disse que foi ofendido pelo filho do ministro (que também se chama Alexandre). 

A mulher admite que criticou Moraes por ter entrado numa sala VIP na qual eles não puderam entrar, mas diz que só o fez quando ele já não estava no local. O marido reconheceu ter "afastado com o braço" o filho do ministro, mas apenas para defender a esposa. O genro do casal teria se juntado à sogra nos xingamentos, mas nega qualquer participação nas agressões. Em suma, os três apresentaram alegações com o mesmo selo de qualidade das versões de Bolsonaro e dos seus milicianos digitais.

Moraes relatou à PF que a confusão começou quando Andreia o chamou de "bandido, comunista e comprado"; que Mantovani deu um tapa nos óculos de seu filho; que os agressores os seguiram até a sala VIP, onde a discussão continuou; e que alertou o grupo de que tiraria fotos de todos eles e representaria à PF. Até onde se sabe, o ministro não tem motivo para trocar sua reputação por um enredo mentiroso.

Sempre que Bolsonaro e seus devotos se apropriam de uma notícia, os fatos costumam se perder para sempre. No caso do incidente em Roma, a versão dos acusados é gelatinosa como o próprio Bolsonarismo.

***

O deputado Luís Eduardo Magalhães — filho de Toninho Malvadeza e forte candidato para a sucessão de Fernando Henrique em 2002 — morreu de enfarte aos 43 anos, em 1998. Para os conspirólogos, o político tinha um "estilo de vida saudável", e foi vítima de sua declarada disposição de desbaratar esquemas de corrupção quando e se fosse eleito presidente. Na verdade, ele era hipertenso, fumava dois maços de Charm por dia e havia trocado o uísque — que alterava sua pressão — pelo vinho branco, este pela vodca sueca, e esta por champanhe. Mas bastou o fato de sua morte ter ocorrido no feriado de Tiradentes — como a de Tancredo Neves, 13 anos antes — para ambos terem sido (supostamente) eliminados pelas mesmas pessoas e da mesma forma. 

Ulysses Guimarães morreu em 12 de outubro de 1992 — a menos de três meses do julgamento final do impeachment de Fernando Collor. O helicóptero em que ele e o senador Severo Gomes viajavam com as respectivas esposas caiu no mar, próximo à Costa Verde fluminense. Todos morreram, incluindo o piloto, mas somente os restos mortais do Sr. Diretas não foram encontrados.
 
Diversos fatos ocorridos durante e depois do impeachment de Collor permanecem envoltos em brumas misteriosas, mas é mais apropriado falar "maldição" (mais detalhes na sequência "Collor lá..."). Elma Farias, mulher de PC, morreu em julho de 1994; Pedro Collor morreu no final 1994; Leda Collor (a matriarca do clã) morreu no início do ano seguinte (depois de passar 29 meses em coma); PC Farias e a namorada, Suzana Marcolino, foram assassinados em junho de 1996; e por aí segue o cortejo fúnebre.
 
Na noite de 16 setembro de 1992, a duas semanas de seu afastamento, Collor reuniu num jantar regado a leitão assado e uísque nada menos que 60 deputados e quatro senadores da base governista. Em seu discurso para a claque, chamou oposicionistas de "cagões" e "bundões", classificou Ulysses Guimarães de "senil, esclerosado e bonifrate de interesses de grupos econômicos de São Paulo", e o presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro, de "canalha, escroque e golpista imoral". Disse ainda que José Sarney e a filha, Roseana, eram "ladrões da história." Sobrou até para a imprensa: "Essa imprensa de merda. Esses cagalhões vão engolir pela boca e pelo outro buraco o que estão falando contra mim." Ulysses reagiu: "Quando acaba a razão começa o grito. É a insânia".
 
A história do Brasil elenca diversas mortes misteriosas, que instigam o imaginário popular. Tem gente que aposta que JK foi assassinado a mando dos militares (detalhes na postagem do último dia 6), a exemplo de outros políticos de destaque malvistos pelos fardados, como Tancredo NevesJoão "Jango" Goulart e Carlos Lacerda.  Mas chama a atenção o fato de essas três mortes terem ocorrido no espaço de poucos meses. 

Exilado no Uruguai desde a deposição, Jango morreu de ataque cardíaco em dezembro de 1976, quatro meses depois do acidente que matou JK — conspirólogos sustentam que o vice de Jânio teria sido envenenado para evitar que ressurgisse o cenário político e causasse embaraço aos militares. Cinco meses depois, foi a vez de Lacerda, vitimado por uma infecção generalizada cuja origem nunca foi descoberta. Tancredo que baixou ao hospital horas antes da cerimônia de posse e morreu 38 dias e 7 cirurgias depois (para os teóricos da conspiração, a causa mortis foi envenenamento, e não diverticulite).
 
Esses episódios foram esmiuçados no romance-reportagem O beijo da morte, de Carlos Heitor Cony e Anna Lee, lançado em 2003 pela Editora Objetiva. "Apesar das provas existentes, que dão como natural a morte dos três líderes, sempre duvidei das conclusões oficiais, e não apenas nesse assunto, mas na história em geral, que é uma sucessão de casos obscuros e mal resolvidos", disse Cony, um dos mais respeitados escritores brasileiros, à época do lançamento do livro.
 
Fato é que nem todas essas teorias são falsas. Chegamos a um ponto em que as verdades que nos são apresentadas não são confiáveis — talvez jamais tenham sido. A questão que se coloca é: onde encontrar a verdade?
 
Continua... 

domingo, 10 de janeiro de 2021

QUEM NÃO APRENDE COM OS ERROS DO PASSADO...


Coube a José Sarney (nascido José Ribamar Ferreira de Araújo Costa) pilotar a Nau dos Insensatos até 1989, quando 22 candidatos disputaram a primeira eleição direta para presidente da República depois de 20 anos de jejum. E teriam sido 23 se, pasmem!, o próprio Jânio Quadros não desistisse de participar por motivos de saúde. 

Havia postulantes de peso entre essa ospália, como Ulisses GuimarãesMario Covas e Fernando Gabeira, mas o (invariavelmente brilhante) eleitorado tupiniquim escalou para embate final um caçador de marajás de araque e um molusco eneadáctilo socialista e picareta. Acabou que Collor derrotou Lula e foi empossado em 15 de março de 1990, prometendo abater com um único tiro o “tigre da inflação” (que mais adiante virou "dragão", e chegou a avançar a uma velocidade de 80% ao mês). 

Na véspera da posse, o alagoano carioca pediu a Sarney que decretasse feriado bancário, para o mercado financeiro ter melhores condições de se adequar às novas medidas econômicas — entre as quais o confisco dos ativos financeiros —, que teriam efeitos imediatos sobre a inflação, mas fariam água poucos meses depois, como ocorreu com todos os planos anteriores.

Na história do Brasil, muitos presidentes foram eleitos para ser depostos — e eu não podia ser mais um”, disse Sarney à revista Veja, muitos anos depois. Tivesse feito esse brilhante pronunciamento nos estertores de sua desditosa passagem pela Presidência e entraria para a história não como o mandatário inepto que foi, mas como vidente, pois tal vaticínio se cumpriu em 1992, com o impeachment de seu sucessor  que entrou para a história como o primeiro presidente da Nova República eleito pelo voto direto (coisa que não acontecia no Brasil desde a eleição de Jânio Quadros, em 1960) e por ter inaugurado a lista dos impichados. 

Mesmo depois de renunciar à presidência (visando preservar seus direitos políticos; a deposição do cargo era inevitável), Collor foi condenado por 76 votos a 3 e apenado com a perda do mandato e inabilitação para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, pelo período de oito anos, como determina a CF. Esse mesmo rigor na observância dos ditames constitucionais não se verificaria 24 anos depois. 

No julgamento final do impeachment de Dilma, uma vergonhosa tramoia urdida pelos então presidentes do Senado e do Supremo — respectivamente Renan Calheiros, alvo de 17 inquéritos, 13 deles na Lava-Jato, e Ricardo Lewandowski, que ganhou toga graças a sua devoção canina a Lula — “fatiou” a pena, defenestrando a presidanta sacripanta do cargo, mas preservando seus direitos políticos, ao arrepio do disposto no art. 52: “a perda do cargo com inabilitação, por oito anos para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”. 

Como dizia Maquiavel, “aos amigos, os favores; aos inimigos, a Lei”.

Oito anos são suficientes para o povo brasileiro, conhecido pela memória curta, esquecer as bordoadas e cusparadas que levou de políticos tão imprestáveis quanto aqueles que os elege. Aliás, político desonesto e eleitor burro são como a tampa e o penico. Quem vota nessa caterva jamais pode dizer que não está bem representado. 

Cada povo tem o governo que merece, e num país é mais feliz de cócoras e aprecia o avesso das coisas, a farsa se repete como farsa e a História faz de conta que é outra história. Mas Collor será sempre CollorLula, sempre Lula, Bolsonaro, sempre Bolsonaro, e a tropa asinina que votou nessa súcia (e votará novamente, se tiver chance) será sempre um bando de idiotas.

Depois de se reabilitar politicamente, Collor disputou o governo de Alagoas (que já havia exercido antes de ser eleito presidente), mas foi derrotado por Ronaldo Lessa. Elegeu-se senador em 2006, tornou a disputar o governo estadual em 2010 (e perdeu), reelegeu-se senador em 2015 e no ano seguinte entrou para a lista dos investigados da Lava-Jato. Foi denunciado por peculato em abril de 2017, virou réu em agosto e é investigado em outros seis inquéritos, todos oriundos da Lava-Jato e referentes ao escândalo do Petrolão.

Mancham a biografia desse nobilíssimo agente público teorias conspiratórias sobre o assassinato mal explicado de Paulo César Cavalcante Farias, o PC, seu coordenador e tesoureiro de campanha, amigo de fé, irmão e camarada, do qual suspeita-se que o ex-presidente tenha tido algum tipo de envolvimento (o motivo seria queima de arquivo). 

Em 2014, durante sessão que absolveu Collor dos crimes de corrupção supostamente cometidos durante sua presidência, a ministra Carmem Lúcia pontuou que o dito-cujo já havia sido alvo de 14 inquéritos e quatro ações penais no STF , e absolvido em todos "por falta de provas". Pelo andar da carruagem, o senador pastará capim pela raiz na chácara do vigário sem antes passar um mísero dia vendo o sol nascer quadrado.

Meses atrás, em entrevistas ao GLOBO e à revista Veja, Collor acusou Bolsonaro de cometer os mesmo erros que ele cometeu 30 anos atrás, e previu que o atual governo terá um final tão funesto quanto o seu. Mais um profeta de botequim cujo vaticínio tem chances reais de se concretizar.

Continua...

quarta-feira, 19 de maio de 2021

GOD SAVE THE QUEEN E LIVRE O BRASIL DO POPULISMO ABJETO


Questionado sobre as relações com a China, o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo negou que houve hostilidade em relação ao país asiático (confira mais trechos do depoimento clicando aqui). Perguntado se agradeceu à Venezuela pela doação de oxigênio em janeiro, quando o Amazonas vivia uma grave crise por falta do insumo, ele respondeu que não e que nem havia entrado em contato com o governo venezuelano (acesse outros trechos do depoimento clicando aqui), e foi duramente criticado por não ter intermediado uma viagem com aviões da FAB para agilizar a entrega dos cilindros — feita por terra, a viagem demorou muito mais, e pessoas morreram nesse entretempo.

O depoente desta quarta-feira será o o general Eduardo Pazuello, o mais longevo ministro da Saúde durante a pandemia, cuja gestão foi marcada por uma série de polêmicas. Entre outros pontos, os senadores deverão inquiri-lo sobre o colapso no sistema de saúde de Manausomissões do governo na compra de vacinas e insumos; orientações do ministério para produção,  compra e uso de medicamentos comprovadamente  medicamentos ineficazes contra a Covid, como a cloroquina

Originalmente, o depoimento estava marcado para 5 de maio, mas, um dia antes, Pazuello, que é “expert em logística”, saiu pela esquerda alegando ter tido contato com pessoas que contraíram Covid e que, portanto, deveria permanecer em quarentena. No dia seguinte, o Estadão noticiou que o general esteve reunido com o ministro Onyx Lorenzoni, além de ter sido flagrado transitando sem máscara pelo hotel onde mora. 

Na condição de testemunha, o deponente precisa falar a verdade, sob o risco de incorrer no crime de falso testemunho. O habeas corpus concedido pelo ministro Ricardo Lewandowski lhe dá o direito de ficar em silêncio apenas nos casos em que responder resultaria em autoincriminação (o ex-ministro é alvo de um inquérito criminal que investiga supostas omissões na crise que levou ao colapso de saúde em Manaus). 

Vale ressaltar que o mesmo benefício não foi concedido por Lewandowski à secretária de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde, Mayra Pinheiro — também conhecida como "Capitã Cloroquina" —  cujo depoimento está marcado para amanhã. Ao negar o pedido, o magistrado disse que, ao contrário de Pazuello, ela não é investigada na esfera criminal ou administrativa sobre os fatos apurados pela CPI, sendo chamada na condição de testemunha.  

Durante a gestão de Pazuello, militares escolheram, sem licitação, empresas para reformar prédios antigos no Rio de Janeiro. E, para isso, usaram a pandemia como justificativa para considerar as obras urgentes. A AGU identificou dispensas de licitação a duas empresas contratadas para reformas de galpões na Zona Norte da capital e na sede do Ministério da Saúde no estado do RJ.

Dito isso, passemos à postagem do dia.

As palavras têm poder. Tanto é que são o principal instrumento de populistas e vigaristas. Políticos demagogos utilizam-nas em promessas rocambolescas para obter votos e estelionatários, em suas narrativas para “depenar os patos” — sem a colaboração (ainda que involuntária) das vítimas, esses espertalhões estariam na roça. Não obstante, é preciso deixar claro que a culpa não é das palavras, mas de quem se serve delas de maneira criminosa e, em menor medida, dos inocentes úteis que dão ouvidos ao “canto da sereia”. Como se costuma dizer, armas não matam pessoas, pessoas matam pessoas.

Observação: A origem do termo “vigarista” advém de um episódio envolvendo a disputa de duas paróquias por uma imagem de Nossa Senhora. Reza a lenda que, para pôr fim à contenda, um dos vigários sugeriu amarrar a santa a um burro e soltá-lo no meio do caminho. O burro foi para uma das igrejas, que ficou com a imagem até que se descobriu que o dono do animal era o vigário daquela paróquia. Já as “sereias” são descritas como seres metade mulher e metade peixe (ou pássaro) que habitavam o Mar Tirreno e desorientavam os marinheiros com seu canto mavioso. Desgovernadas, as embarcações colidiam com os recifes e os marujos que conseguiam nadar até a praia eram devorados pelas sereias. Segundo a Odisseia (obra do poeta grego Homero), Odisseu ordenou à tripulação que tapasse os ouvidos com cera e, amarrado ao mastro do navio, resistiu ao canto das sereias. Uma delas, despeitada, atirou-se do alto do penhasco — a exemplo do que fez a Esfinge quando o Rei Édipo decifrou seu enigma.

Rivalidade na política sempre existiu, mas a polarização exacerbada que dividiu o Brasil remonta ao primeiro pleito presidencial pelo voto direto desde a eleição de Jânio Quadros em 1960. Vale lembrar que Tancredo Neves foi eleito indiretamente em janeiro de 1985, mas baixou ao hospital 12 horas antes da cerimônia de posse e morreu 38 dias e 7 cirurgias depois, sem jamais ter vestido a faixa.

Após uma gestão calamitosa do vice do político mineiro — falo do maranhense José Sarney —, o carioca-alagoano Fernando Collor de Mello — um populista de direita travestido de “caçador de marajás” — derrotou Lula — um semianalfabeto malandro, mas dono de um carisma invejável, na eleição “solteira” de 1989, convocada exclusivamente para a escolha do novo presidente. Nenhum dos 22 postulantes ao cargo obteve mais de 50% dos votos no primeiro turno e os dois mais votados se enfrentaram no segundo, que resultou na vitória de Collor

Ao ser empossado, o caçador de marajás de festim prometeu abater com um único tiro o “tigre da inflação” (que avançava a uma velocidade de 80% ao mês), mas o “Plano Collor”, que incluiu ações de impacto — como a redução da máquina administrativa com a extinção ou fusão de ministérios e órgãos públicos, a demissão de funcionários públicos, o congelamento de preços e salários e o confisco dos ativos financeiros pelo período de 18 meses — não demorou a fazer água. A mentora intelectual desse pacote de maldades foi a folclórica ministra da Fazenda que teria um tórrido affair com o ministro Bernardo Cabral — conhecido como Boto Tucuxi — e mais adiante desposaria Chico Anysio, “o humorista que se casou com a piada”. Em janeiro de 1991, Zélia lançou o Plano Collor II, que também não produziu resultados duradouros e foi substituído pelo Plano Marcílio — assim chamado numa alusão ao nome do economista Marcílio Marques Moreira, que assumiu o comando da pasta. 

A opinião pública já vinha desgostosa com a petulância e o despreparo da equipe collorida — um bando de jagunços comandados por um presidente tão investido da aura de salvador que exalava arrogância por todos os poros. Quando a caça às bruxa ganhou vulto, criou-se o clima de linchamento propício ao afloramento dos sentimentos mais mesquinhos. Os escândalos se sucediam em intervalos cada vez mais curtos, como se a mera exposição de um amplo sistema de propinas não fosse suficiente. Um dia era o Fernandinho “do pó”, no outro era o sujeito que fazia macumbas no porão da Casa da Dinda, que cantou a cunhada, que era maníaco-depressivo e que ficava em estado catatônico e precisava receber remédio na boca.

Observação: Entre o fim do Plano Marcílio e o início do Plano Real — deflagrado em 1994, sob a presidência de Itamar Franco e com Fernando Henrique Cardoso no comando da Economia — a hiperinflação finalmente começou a ser debelada.

O primeiro impeachment da Nova República foi julgado quatro meses depois que o homem macho de colhão roxo foi afastado do cargo. A despeito de ter renunciado horas antes da sessão no Senado, Collor foi condenado e teve os direitos políticos cassados por oito anos (pena prevista na Lei do Impeachment, que não seria aplicada em 2016, quando do impeachment de Dilma Rousseff, mas isso já é outra conversa). Ironicamente, a queda do caçador de marajás foi desencadeada por uma denúncia do próprio irmão, Pedro Collor, e pelo pagamento de um prosaico Fiat Elba com um “cheque fantasma”.

Seria improvável que um beócio se elegesse presidente da República, mesmo numa banânia como a nossa, e dois beócios conseguirem essa proeza seria virtualmente impossível. Só que não. Após ser derrotado mais duas vezes, o retirante nordestino que sempre ambicionou a vida fácil e se jactava de jamais ter lido um livro finalmente foi eleito Presidente. Mas vamos por partes.

Depois de decepar o dedo mínimo da mão esquerda num “acidente de trabalho” pra lá de suspeito, Lula deixou de ser torneiro mecânico e iniciou uma profícua carreira de sindicalista predador, iniciando e encerrando greves para ganhar dinheiro em acordos espúrios (detalhes no livro O Brasilianista Natural e o Petismo Era Lula - Volume I, escrito pelo ex-engenheiro sênior de metalurgia da CSN Lewton Verri, que conheceu o ex-metalúrgico na década de 70). 

Tão logo encontrou quem pagasse a conta, afirma o autor da obra, o petista trocou a pinga vagabunda e os cigarros baratos por vinhos premiados, uísques caríssimos e charutos de US$ 100. Em 1980, valendo-se de seu extraordinário carisma, o desempregado que deu certo — que já não sabia o que era chão de fábrica desde 1972 — fundou o PT e passou a se dedicar em tempo integral à “arte da política”. 

Observação: O general Golbery do Couto e Silva, ex-chefe da Casa Civil em dois governos da ditadura militar e arquiteto da “abertura lenta e gradual”, disse certa vez a Emílio Odebrecht que o pseudo militante comunista nada tinha de esquerda, que ele não passava de um “bon-vivant”. E o tempo provou quão acurada foi sua avaliação. 

Lula jamais foi o que a construção de sua imagem pretendia, mas sim alguém avesso ao trabalho, que vivia de privilégios e mordomias conquistados através de contatos proveitosos e a poder da total ausência do conjunto de valores éticos e morais que permitem distinguir o aceitável do inaceitável.

Como desgraça pouco é bobagem, um ex-capitão do Exército que o general-ditador Ernesto Geisel definiu como um caso completamente fora do normal de mau militar numa entrevista a historiadores da FGV em 1993, e que aprovou dois míseros projetos em 28 anos como deputado do baixo clero da Câmara Federal, foi eleito Presidente em 2018 graças à formidável conjunção de fatores que já detalhei ad nauseam em outras postagens. 

No primeiro turno do pleito de 2018 o esclarecidíssimo eleitorado tupiniquim eliminou Álvaro Dias, Henrique Meirelles, João Amoedo e Geraldo Alckmin — que não eram nosso “sonho de consumo”, mas que poderíamos ter experimentado — juntamente Vera Lucia, Eymael, Cabo Daciolo, João Goulart FilhoGuilherme Boulos e outras bizarrices explícitas. Acabou que, para impedir a volta daquele a quem nosso (ainda) presidente se referiu no último dia 12 como “ladrão de nove dedos”, fomos forçados a apoiar quem não queríamos para evitar a volta de quem queríamos menos ainda.    

Gustavo Bebianno, que passou de aliado a desafeto de Bolsonaro depois de ser penabundado do cargo de ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência em fevereiro de 2019 — disse em entrevista à Jovem Pan que foi demitido por Carlos Bolsonaro, a quem classificou de “destruidor de reputações”. Na mesma entrevista, o ex-amigo de fé, irmão, camarada e articulador da campanha chamou de psicopata o presidente que ajudou a eleger e disse se sentir “vulnerável e sob risco constante" por ter entrado em choque direto com o filho 02. No evento que marcou sua filiação ao PSDB, o ex-ministro declarou que “a democracia estava em risco devido à postura de Bolsonaro” e atribuiu o ambiente de “instabilidade política e econômica ao grau de loucura e irresponsabilidade capitaneado pelo próprio presidente”.

Bebianno tencionava disputar a prefeitura do Rio de Janeiro em 2020, mas foi fulminado por um infarte agudo do miocárdio seguido de queda, em março do ano passado, quando estava escrevendo um livro sobre os bastidores da campanha do capitão (cujo título seria “Uma Eleição Improvável”). Por motivos óbvios, ele era um arquivo vivo da campanha, e foi para Bolsonaro o que PC Farias foi para Collor e Antonio Palocci para Lula

Para os teóricos da conspiração, a morte de Bebianno foi tão suspeita quanto a de Ulysses Guimarães (o helicóptero em que o Sr. Diretas viajava de Angra dos Reis para a capital paulista mergulhou no mar próximo à Praia do Sono, poucos minutos após a decolagem), do ex-presidente Juscelino Kubitschek (no auge da ditadura militar, devido a um estranho acidente automobilístico na via Dutra), do então candidato à presidência Eduardo Campos (num acidente aéreo ocorrido em agosto de 2014) e do ministro Teori Zavascki (idem, em janeiro de 2017). Isso sem mencionar os assassinatos (jamais esclarecidos) dos prefeitos petistas Celso Daniel (de Santo André) e Toninho do PT (de Campinas).

Voltando o relógio até o tempo presente, muitos apostam que a eleição de 2022 será um repeteco de 2018 — noves fora o fato de o ex-presidiário petista, agora promovido à inusitada condição de “ex-corrupto”, poder disputá-la de corpo presente em vez de encarnar no preposto-bonifrate Fernando Haddad. Para que Lula fique novamente impedido de competir seria preciso que a Justiça Federal do DF o condenasse no processo do tríplex (ou no do sítio) em tempo recorde e o TRF-1 ratificasse a decisão com a mesma rapidez. Mas a possibilidade de isso acontecer é a mesma de alguém que disponha de dois neurônios funcionais engolir a narrativa de que “Lula é um democrata”.

Democratas não fraudam a democracia da forma como o petismo fez ao organizar os dois maiores esquemas de corrupção da história do país. O partido quis, por duas vezes, anular a separação de poderes por meio da compra de apoio no Legislativo, seja pela distribuição pura e simples de dinheiro, no caso do Mensalão, seja pela pilhagem das estatais com o apoio de partidos aliados e empreiteiras, no esquema desvendado pela (ora moribunda) Operação Lava-Jato

No julgamento do mensalão no STF, o então ministro Ayres Britto descreveu o esquema como “golpe nesse conteúdo da democracia, que é o republicanismo”, pois tratava-se de perpetuar “um projeto de poder (...). Não de governo, porque projeto de governo é lícito, mas um projeto de poder que vai muito além de um quadriênio quadruplicado, muito mais de continuidade administrativa”. E o Petrolão foi apenas a continuação do mensalão por outros meios, como ficou amplamente demonstrado pelas evidências levantadas pela Lava-Jato e nenhuma decisão judicial será capaz de apagar.

No poder, o PT tentou controlar a atividade jornalística ao pressionar pela criação de um Conselho Federal de Jornalismo; depois de alijado do Planalto, o partido lamentou, em resolução oficial que tentava explicar as razões para o impeachment de Dilma, não ter colocado um cabresto na imprensa, no MPF, na PF e nas Forças Armadas. Sem falar, evidentemente, dos vários episódios de hostilização de jornalistas por parte de militantes, incluindo o ataque à sede da Editora Abril às vésperas do segundo turno da eleição de 2014, após a publicação, pela revista Veja, de uma reportagem sobre o Petrolão. 

Em suma, a repetida tentativa de fraudar a democracia brasileira, o desejo de controlar a imprensa e a amizade íntima com as ditaduras mais nefastas do continente latino-americano não credenciam nenhum partido ou líder a se denominar “democrata”.

A narrativa de que 2022 será um embate polarizado não entre petismo e bolsonarismo, mas entre autoritarismo (representado por Bolsonaro) e democracia (representada por Lula), não passa de uma fraude dos defensores do petralha. Os brasileiros realmente comprometidos com a democracia, com as liberdades, com o combate à corrupção e que porventura estejam também descontentes com o atual governo não abraçarão o discurso de quem pode até estar juridicamente “limpo”, mas não tem como apagar a verdade sobre o que é, o que fez e o que defende.

Ricardo Rangel escreveu em sua coluna na revista Veja desta semana que Lula se assemelharia ao barítono da ópera da anedota, que, brutalmente vaiado, alerta: “Não gostaram do barítono? Esperem para ouvir o tenor!” O barítono Lula parece determinado a mostrar que não desafina, e, incansável, perambula por Brasília, conversa com todo mundo, lança pontes ao centro, busca vacinas, produz um discurso com começo, meio e fim. Diante da insuportável cacofonia produzida pelo tenor que ocupa o Planalto, o adversário surge com a maviosa voz de um Fischer-Dieskau redivivo. Mas quão afinado com a democracia está, de fato, o barítono Luiz Inácio? Foi ele quem criou a polarização e o ódio político.

De novo: o “nós x eles” que impede o país de se reconciliar consigo mesmo começou contra Collor em 1989, intensificou-se no Mensalão, chegou ao paroxismo na Lava-Jato e no impeachment de Dilma. O hábito petista de chamar qualquer não petista de fascista, racista, homofóbico etc. perdura até hoje. Fake news foram usadas para assassinar a reputação de Marina Silva em 2014, e foi Lula que iniciou a campanha de desmoralização e descredibilização da “mídia golpista”. 

Ao contrário do que diz a patuleia ignara, o esquema de corrupção centralizada, administrada pelo Planalto, não foi algo que “sempre existiu”. Foi algo novo: um método de governo que comprava em dinheiro vivo o apoio dos parlamentares e, assim, atentava contra um dos alicerces da democracia, a separação dos poderes, (o Tratoraço de Bolsonaro é parecido). E o dinheiro desviado foi também para a campanha eleitoral, reelegendo o PT mais três vezes, atentando contra outro pilar da democracia, a alternância no poder. Afora os ataques à democracia, ainda houve a “nova matriz econômica”, que provocou um descalabro econômico.

Da feita que Lula afirma que o Mensalão e o Petrolão nunca existiram e atribui o desastre econômico a Temer, é lícito supor que, eleito, vá fazer tudo igualzinho outra vez. Ainda que admitamos (por amor à argumentação) que ele seja menos ruim que Bolsonaro, é preciso ter em mente que, quando se escolhe o menor entre dois males, o que se escolhe é um mal. Portanto, é bom examinar bem para ver se essa escolha é mesmo inevitável. E por enquanto não é. 

O Brasil é um país onde terremotos políticos se multiplicam — há pouco mais de um mês, Lula era inelegível, a CPI da Covid não existia e nada se sabia sobre o Tratoraço do capitão, por exemplo —, e ainda faltam dezessete meses para a eleição. Quem vaticina que um segundo turno entre Lula e Bolsonaro é inevitável não está fazendo análise política, está contribuindo para criar uma profecia autorrealizável. E não é hora de crer em vaticínios e inevitabilidades, mas de criar alternativas.

É inaceitável para qualquer país minimamente civilizado o favoritismo do líder do maior esquema de corrupção da história mundial, afirma o jornalista, colunista e autodeclarado “contestador por natureza” Ricardo Kertzman. Você pode dar razão ao STF e considerar que houve excessos jurídicos por parte da Lava-Jato, mas negar o que ocorreu, você não pode. Ou não deveria. Igualmente inaceitável é o apoio com que o psicopata homicida ainda conta. Diante de tudo o que já sabemos e conhecemos, de tudo o que esse amigo de miliciano já fez de mal ao País e de tudo o que ainda pode fazer caso seja reeleito, 23% de apoio é um crime.

Para quem execra os extremos representados pelo lulopetismo e pelo bolsonarismo, o cenário que se descortina é mais que sombrio; é macabro e indiscutivelmente catastrófico — pior, só mesmo se Ciro Gomes estivesse no páreo. O lulopetismo aparelhou o Estado, corrompeu as Instituições, destruiu nossa economia e nos atirou nas mãos do devoto da cloroquina. O bolsonarismo, por seu turno, aparelhou o Estado, corrompeu as Instituições, destruiu a economia e ressuscitou, com os préstimos do STF, o meliante petista. 

O lulopetismo é autocrata e totalitário. O bolsonarismo, idem. O lulopetismo vive do populismo barato e de conchavos políticos espúrios. O bolsonarismo, idem. O lulopetismo é sócio dos piores políticos e empresários do Brasil. O bolsonarismo, idem. Ambos representam nosso desastre como nação.

Parte inferior do formulário

Em 2018, por absoluta falta de alternativa, elegemos um candidato que se revelou tão ou mais nocivo e grotesco que Lula, o PT e a corja que os cerca. Não podemos permitir que esse descalabro se repita em 2022. O pai do senador das rachadinhas e da mansão de R$ 6 milhões de reais reencontrou seu verdadeiro tamanho eleitoral (15% – 25%), ao passo que o ex-tudo (ex-presidiário, ex-corrupto, ex-lavador de dinheiro, ex-chefe de quadrilha) retomou o vigor político que sempre o levou ao menos até o 2º turno.

Esperar que uma “terceira via” alcance tais patamares de intenção de voto é esperar por um milagre que nunca aconteceu neste pobre pedaço de chão esquecido por Deus. Até porque, para que milagres aconteçam, é preciso acender velas e rezar. Mas não para os demônios da nossa política, como fazemos insistentemente a cada dois ou quatro anos. 

Acorda, povo!

domingo, 13 de janeiro de 2019

GLEISI HOFFMANN COM MADURO E RENAN CALHEIROS COM BOLSONARO


Gleisi Hoffmann, a abilolada, viajou à Venezuela para prestigiar a posse de Nicolás Maduro, reeleito em maio do ano passado num pleito boicotado pela oposição, com alta abstenção e denúncias de fraude, sem mencionar que o novo mandato do tiranete não é reconhecido pela Assembleia Nacional e por dezenas de países. Para a presidente nacional do PT, porém, o venezuelano foi eleito dentro do marco constitucional. À imprensa, ela disse que “não entraria no mérito” sobre a ditadura instalada naquele país, e que compareceu à posse para "marcar posição contra grosseira relação do governo Bolsonaro com a Venezuela". 

Relembro que o PT e seus satélites não compareceram à cerimônia de posse de Jair Bolsonaro. Gleisi alegou que a "lisura" do processo eleitoral deste ano foi "descaracterizada pelo golpe do impeachment, pela proibição ilegal da candidatura do ex-presidente Lula e pela manipulação criminosa das redes sociais para difundir mentiras contra o candidato Fernando Haddad", deixando claro que só reconhece a legitimidade de uma eleição quando o vitorioso teve o apoio do partido chefiado por um presidiário. O PSOL, através de comunicado assinado por sua executiva nacional, informou que os parlamentares da sigla não compareceriam à solenidade de Bolsonaro porque "não havia nada a comemorar". Eis aí a mentalidade da esquerda brasileira.

Mudando de pato pra ganso, Dias Toffoli revogou a decisão monocrática do ministro Marco Aurélio e manteve o voto secreto na eleição da mesa diretora do Senado — a exemplo do que havia feito antes em relação à da presidência da Câmara. Para quem não leu minha postagem da última sexta-feira, isso foi sopa no mel para Renan Calheiros, que é um exemplo pronto e acabado de tudo o que não presta na política tupiniquim e estava propenso a renunciar à candidatura no caso de o voto secreto não ser mantido, dada a possibilidade de seus pares não votarem abertamente nele. Quando mais não seja, porque o cara já foi alvo de 18 inquéritos no STF (9 deles arquivados), é “arroz de festa” em delações premiadas da Lava-Jato e exibe um currículo recheado de casos suspeitos. Eis aí um resumo da velha política, que boa parte do Congresso continua defendendo.

Já tentaram me matar muitas vezes, mas eu não sou morredor”, costuma dizer o cangaceiro das Alagoas. Relembrando: em 1989, Renan articulou a eleição de Collor a presidente e no ano seguinte rompeu com o governo e chegou a depor contra o caçador de marajás fajuto na CPI que investigou o esquema PC Farias. Em 2002, o nobre senador apostou em José Serra contra Lula, mas acabou apoiando a adesão do então PMDB ao governo petista, acumulando poder para se eleger presidente do Senado em 2005. Renan foi um aliado do PT até a véspera do impeachment de Dilma, quando pulou para o barco de Michel Temer — com quem romperia no ano seguinte para se aliar ao PT em prol de sua reeleição nas Alagoas, estado afinado com o lulismo. Passada a campanha, o camaleão do nordeste reatou com Temer e agora tenta se realinhar ao novo eixo de poder para se aproximar de Bolsonaro.

O sentimento do MDB é de ajudar o governo e fazer as mudanças de que o país precisa. Eu só posso ser produto da indicação da minha bancada se concordar com isso”, diz o sanfoneiro sem sanfona, que passou a usar as redes sociais para se adaptar aos novos tempos, fez ataques a indicações políticas para cargos públicos (compromisso de campanha de Bolsonaro) e até flexibilizou sua visão sobre pautas sociais: “Quando a sociedade muda os costumes, o Parlamento tem que atualizar as leis. Muitos itens da pauta de costumes do Bolsonaro eu vou ajudar”, afirmou sua excelência.

O velho Renan Calheiros, lulista, foi desautorizado pelo novo Renan Calheiros, bolsonarista. Ele disse para O Globo: “Não estou dando entrevista porque as pessoas querem perguntar ao velho Renan o que o novo senador Renan, que será empossado no dia primeiro, vai fazer. E o velho está se sentindo sem legitimidade para responder.” É uma das guinadas mais extraordinárias jamais vistas na política brasileira. O novo Renan se oferece a Bolsonaro exatamente da mesma maneira que o velho Renan se oferecia a Lula: “Tem que conversar e tentar, na complexidade que vivemos, construir convergências para o Brasil. Converso com ele (Bolsonaro) qualquer hora que for convidado. Jamais se pode ser presidente de um Poder sem conversar com o presidente da República. Isso é elementar. A hora que ele me chamar, eu vou.”

Ao contrário de Rodrigo Maia, que conseguiu a adesão do PSL à sua candidatura a presidente da Câmara, Renan não é bem visto por integrantes do governo, mas vem se esforçando para derrubar essas resistências e, principalmente, convencer seus pares de que não será um elemento de conflito com o Planalto caso seja eleito para comandar o Senado. Não vai ser fácil: o grupo de Bolsonaro demonstra hostilidade aberta ao alagoano, já que ele simboliza a “velha política” rejeitada na eleição. 

A conferir.

terça-feira, 2 de abril de 2024

60º ANIVERSÁRIO DO GOLPE DE `64

 

O golpe de Estado que prefaciou a ditadura militar — aquela que Bolsonaro sempre negou, mas tentou ressuscitar em 2022, e que seu vice classificou de "ditamole" — completou 60 anos no último domingo. O senador Auro de Moura Andrade declarou vaga a Presidência da República em 1º de abril de 1964, mas episódio entrou para a História com data anterior para evitar associações jocosas com o "dia da mentira". 

Resumindo a ópera em poucas palavras, a renúncia de Jânio e a aversão dos militares a Jango pavimentaram o caminho do golpe, e os subsequentes 21 anos de ditadura deram azo ao surgimento do lulopetismo corrupto e do bolsonarismo boçal (mais detalhes na sequência O desempregado que deu certo). 

Para quem gazeteou as aulas de História, relembro que a Guerra Fria e a Revolução Cubana levaram o sistema político brasileiro do pluralismo moderado ao pluralismo extremamente polarizado, e a situação se agravou com a vitória chapa Jan-Jan (de Jânio e Jango) em 1960. Jânio se elegeu com a promessa de resolver miraculosamente todos os problemas ligados à corrupção e inflação no país, mas, alegando que "forças terríveis" se levantaram contra ele — e apostando que seria reconduzido ao cargo pelo "clamor popular" — despachou Jango para uma missão na China, apresentou sua carta-renúncia e voou para São Paulo levando a faixa presidencial.

Depois de esperar horas na base aérea de Cumbica pelas multidões não apareceram — talvez porque um arranjo urdido nos bastidores impediu que o povo soubesse onde ele estava, ou talvez porque o povo só poderia ser mobilizado por um partido janista se seu líder tivesse permitido sua existência — o populista cachaceiro embarcou para Europa, e o Brasil mergulhou na crise provocada pelo veto à promoção do "vice comunista" a titular.

Na qualidade de presidente da Câmara, o deputado Ranieri Mazzilli assumiu a chefia do Executivo, mas uma junta provisória formada pelos três ministros militares governou o país até 8 de setembro, quando foi implantado o sistema parlamentarista. Com os poderes limitados e tendo Tancredo Neves como primeiro-ministro, Jango foi autorizado a assumir a presidência como chefe de Estado. 

Curiosidades1) Dali a 24 anos, o primeiro-ministro de Jango se tornaria o primeiro presidente civil pós-ditadura militar. 2) Em 1962, Jânio concorreu ao governo de São Paulo, mas foi derrotado por seu velho desafeto Adhemar de Barros e só voltou a disputar um cargo público em 1985, quando derrotou o tucano Fernando Henrique e o petista Eduardo Suplicy e se elegeu prefeito da capital paulista.

Jango só assumiu o posto a que tinha direito desde a renúncia de Jânio depois que o referendo de 6 de janeiro de 1963 restabeleceu o presidencialismo, mas as tensões se intensificaram quando ele declarou que a reforma agrária era uma questão de honra em seu mandato. Embora não houvesse a menor possibilidade de uma vitória comunista — nem pela via reformista, nem pela luta armada —, parte da elite brasileira bateu às portas dos quartéis, e os militares atenderam prontamente (até porque a doutrina que aprendiam na caserna era a do Ocidente x Pacto de Varsóvia).

Quando a Marcha da Família com Deus pela Liberdade escancarou o apoio civil ao golpe, o Congresso, ameaçado de fechamento, chancelou a derrubada de Jango e a "eleição" do então chefe do Estado-Maior das Forças Armadas — o marechal Castello Branco —, que deixou o Planalto em 15 de março de 1967 e morreu quatro meses depois, vítima de um acidente de avião no Ceará. Outros quatro generais-ditadores — Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo , se revezaram no poder até 1985, num jogo um jogo de cartas marcadas em que o partido de oposição (MDB) era meramente figurativo. 

Observação: Muitos democratas e liberais apoiaram o golpe achando que os militares voltariam para os quartéis em 1965, quando haveria novas eleições e Juscelino (pelo lado reformista democrático) e Carlos Lacerda (conservador liberal, democrata) disputariam a Presidência. Mas eles não demoram a perceber que os militares, picados pela mosca azul, tencionavam se perpetuar no poder. 
 
A dança das cadeiras dos fardados terminou com a eleição indireta de Tancredo Neves, em janeiro de 1985, que reascendeu a chama da esperança no coração de 130 milhões de brasileiros. Mas a alegria durou pouco: por uma trapaça do destino, o presidente eleito baixou ao hospital horas antes da cerimônia de posse e bateu as botas 38 dias e 7 cirurgias depois, deixando de herança um neto que envergonhou o país e um vice que se tornou pai e avô do Centrão
O resto é história recente. 
 
Em 1989, já sob a égide da Constituição Cidadã, os brasileiros voltaram às urnas (depois de um jejum de 29 anos) para escolher seu presidente. Entre os 22 postulantes havia políticos do quilate de Ulysses Guimarães, Mario Covas, Leonel Brizola e Ciro Gomes e aberrações como Enéas Carneiro, Livia Maria Pio e Sílvio Santos, mas o eleitor tupiniquim, sempre pronto a fazer as piores escolhas, escalou Collor (com 30,5% dos votos) e Lula (com 17,2%) para disputar o segundo turno, quando então o pseudo caçador de marajás derrotou o desempregado que deu certo por 53% a 47%.
 
Durante a campanha, Collor prometeu alvejar o "tigre da inflação" com uma "bala de prata". Eleito, apertou o gatilho um dia antes da posse ao pedir a Sarney que decretasse feriado bancário para que o mercado se adequasse ao conjunto de medidas econômicas mais radical que o país já amargou. Além de congelar preços e salários — a exemplo dos planos Cruzado, Cruzado II e Verão, editados durante o governo Sarney—, o Plano Collor bloqueou todo o dinheiro depositado nos bancos e aplicado no mercado financeiro até o limite de Cr$ 50 mil. Como resultado, o PIB encolheu 4,5% e o número de falências, infartos e suicídios teve um aumento significativo.
 
Plano Collor II aumentou tarifas públicas, decretou o fim do overnight e criou a FAF (Fundo de Aplicações Financeiras) e a TR (Taxa de Referência de Juros), mas a inflação voltou a subir, o desemprego cresceu, estatais foram vendidas a preço de banana e houve um desmonte das ferrovias e cortes de investimentos federais em infraestrutura. Entre o fim do Plano Marcílio e o início do Plano Real a inflação baixou dos 2.000% a.a. para "apenas" 1119,91% a.a. — índice registrado no final de 1992, quando o
 Rei-Sol, autoritário como poucos e corrupto como muitos, foi chutado do Planalto pela porta dos fundos
 
Observação: Ciente de que sua deposição eram favas contadas, Collor renunciou às vésperas do julgamento de seu impeachment — que teve como estopim uma entrevista concedida por Pedro Collor à revista VEJA —, mas o Senado seguiu adiante e o condenou (por 76 votos a 3) à perda do cargo e suspendeu seus direitos políticos por 8 anos.   
 
Com a deposição do "Roxinho", o vice Itamar Franco passou a titular e nomeou Fernando Henrique ministro da Fazenda. Impulsionado pelo sucesso do Plano Real, o tucano se elegeu presidente em 1994, comprou a PEC da reeleição em 1997 e se reelegeu 1998. Como não lhe restavam novos coelhos para tirar da velha cartola, FHC não conseguiu eleger José Serra seu sucessor.A
 vitória de Lula em 2002 marcou o início à era lulopetista, que só foi interrompida em 2016, com o impeachment de Dilma

Com a deposição da gerentona de araque, seu vice foi promovido a titular e se mudou para a residência oficial da Presidência, mas voltou semanas depois para o Jaburu, porque, segundo ele, o Palácio da Alvorada é assombrado. Assim, Michel Temer se tornou o primeiro e único caso documentado de vampiro que tem medo de fantasma. 
 
A troca de comando foi como uma lufada de ar fresco numa catacumba: após 13 anos de garranchos verbais de um semianalfabeto e frases desconexas de uma anormal incapaz de juntar sujeito e predicado numa frase que fizesse sentido, um presidente que não só sabia falar como até usava mesóclises pareceu um refrigério. Demais disso, o vampiro do Jaburu
 conseguiu reduzir a inflação (que rodava pelos 10% quando ele assumiu), baixar a Selic e aprovar a PEC do Teto dos Gastos e a Reforma Trabalhista, mas o ministério de notáveis que prometeu se revelou uma notável agremiação de corruptos, e quando sua conversa de alcova com Joesley Batista veio a público, o sonho de entrar para a história como "o cara que recolocou o Brasil nos eixos" virou o pesadelo de vir a ser "o primeiro presidente no exercício do mandato denunciado por crime comum". 
 
Observação: A tropa de choque capitaneada por Carlos Marun contratou um coral de 251 marafonas para entoar a marcha fúnebre enquanto a segunda "flechada de Janot" era sepultada na Câmara, mas Temer terminou seu mandato-tampão como um "pato manco" — que é como os americanos se referem a políticos que chegam tão desgastados ao final do mandato que até os garçons lhes servem o café frio. 
 
Em 2018, uma extraordinária conjunção de fatores empurrou para o Planalto um combo de mau militar e parlamentar medíocre que atribuiu a vitória a uma "cagada do bem". Quatro anos depois, derrotado nas urnas, ele exortou seus paus-mandatos a "virar a mesa". Investigado em sete inquéritos, inelegível até 2030 e na bica de ver o sol nascer quadrado, esse dejeto da escória da raça humana aguarda a primeira condenação posando de perseguido. 
 
A retomada democrática instituída em 1985 com a eleição do presidente "Viúva Porcina" (que foi sem nunca ter sido) e sacramentada em 1988 pela promulgação da Constituição Cidadã não exorcizou os fantasmas da ditadura. No último dia 29, o STF começou a julgar em plenário virtual os limites da atuação das FFAA estabelecidos no Art. 142 da CF (o ministro Luiz Fux, relator da encrenca, já votou pelo sepultamento da tese de que os fardados são o "poder moderador" da República).

Para evitar atritos com as Forças Armadas, Lula vetou qualquer ação alusiva ao golpe de '64, mas sete dos 38 ministros foram às redes sociais prestar homenagens aos "desaparecidos" dos anos de chumbo
Lobotomizados pela polarização semeada pelo "nós contra eles" do xamã petista e estrumada pela extrema-direita radical que saiu do armário durante a campanha de 2018, os devotos do bolsonarismo, vítimas da pior espécie de cegueira, consideram seu "mito" um ex-presidente de mostruário perseguido injustamente por "Xandão", como deixou claro a manifestação de 25 de fevereiro passado.

Observação: Claro que muita gente reza (ou finge rezar) por essa cartilha devido a interesses escusos, da mesma forma e pelos mesmos motivos que muita gente finge acreditar que Lula é a alma viva mais honesta do Universo e que sua prisão "foi uma armação, um dos maiores erros judiciários da história do país". Mas isso é outra conversa. 
 
Em face de todo o exposto, não há o que celebrar em 31 de março (nem em 1 de abril, a não ser o "dia da mentira"). Comemorar a instalação de uma ditadura que fechou instituições democráticas e censurou a imprensa é permitir que ódios do passado envenenem (ainda mais) o presente e destruam o futuro.