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segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

A MALDIÇÃO DA VICE-PRESIDÊNCIA — CONTINUAÇÃO


Desde o golpe de Estado de 1889 (que entrou para nossos livros de História com o pomposo nome de "Proclamação da República"), oito vice-presidentes terminaram os mandatos de seus titulares. Só no período pós-ditatura houve três casos. O primeiro se deu quando ainda se ouviam os vagidos da "Nova República". Mas a pergunta que se coloca é: será que a instituição da vice-presidência ainda se justifica — se é que algum dia se justificou?

Em dezembro de 2015, Michel Temer encaminhou a Dilma uma "carta pessoal" queixando-se de ser um vice-presidente meramente decorativo. A missiva vazou (dizem que por obra e graça do próprio Temer) e foi amplamente repercutida pela imprensa. Ato contínuo, o Vampiro do Jaburu se tornou o principal articulador (e maior beneficiário) do impeachment da gerentona de araque. 

Pergunta-se: que falta fez um vice durante seu mandato-tampão? Será que os presidentes da Câmara, do Congresso e do STF (segundo a linha sucessória presidencial) não deram conta de cobrir as eventuais ausências do vampiro que tem medo de assombração? Para que serve um vice-presidente senão para sugar das tetas do Erário uma polpuda remuneração, morar num palácio à beira do lago, ter a sua disposição um batalhão de serviçais e assessores e não fazer nada de útil além de, nas horas vagas, conspirar contra o titular?

O cenário atual é ainda mais escabroso. O mandatário de turno é investigado em 5 inquéritos, denunciado pela CPI por 9 crimes (denúncias que seu vassalo na PGR se esforça para matar no peito) e alvo de 141 pedidos de impeachment (que o réu que preside a Câmara mantém sob seu respeitável buzanfã). Antes mesmo de tomar posse, o vice do capetão, general Hamilton Mourão, disse à Folha que o salário era "uma palhaçada".  

Observação: A partir de maio deste ano, Mourão passou a receber R$ 63.511 de remuneração bruta. Ele ganhou R$ 30.934 em fevereiro, último dado disponível, para exercer o cargo de vice-presidente, e mais R$ 32.577 da reserva remunerada (o abate-teto de R$ 24.311,71 deixou de existir com a publicação da portaria de 30 de abril).

Ainda durante a campanha, o duble mau militar e parlamentar medíocre — que, por alguma razão inexplicável, continua presidente — pegou em lanças contra a corrupção, excomungou a velha política do toma-lá-dá-cá e prometeu acabar com a reeleição. Eleito, enfiou o discurso de palanque em local incerto e não sabido. Em meio à pandemia, transformou a Saúde num grande quartel. Em meio à institucionalização da corrupção pela banda podre do Judiciário, fritou o ministro da Justiça, reconduziu o tal vassalo à PGR, comprou votos para eleger o tal réu que preside a Câmara, nomeou ministro do STF alguém comum currículo questionável, mas com quem ele "bebeu muita tubaína" e, mais recentemente, entregou a suprema toga a um pastor "terrivelmente evangélico".

Ao longo de três anos de gestão, Bolsonaro não só incentivou como participou pessoalmente de inúmeras manifestações golpistas. Transformou as comemorações do último 7 de setembro em balão de ensaio para um autogolpe. Converteu o país que deveria presidir (coisa que jamais fez, pois prefere fazer campanha e promover motociatas durante o expediente) o populista cachaceiro que renunciaria antes de completar sete meses no cargo. Sem falar que é useiro e vezeiro em interferir nas instituições para proteger sua prole — dos cinco filhos que teve em três casamentos, somente a caçula, de 11 anos não é alvo de investigações.

Observação: A tragédia que elegemos para evitar a volta do lulopetismo corrupto é mais inútil do que qualquer vice poderia ser. Talvez estivéssemos numa situação melhor se o estrupício já tivesse sido deposto, metido numa camisa-de-força e trancafiado num manicômio judiciário. Mas isso é outra conversa.

Para entender por que as coisas são como são, faremos uma rápida viagem pelo passado recente desta republiqueta de bananas. Comecemos pela décima sétima eleição presidencial — a décima quinta pelo voto direto e a última antes do Golpe Militar de 1964 (a próxima ocorreria somente 29 anos depois) —, da qual saiu vitorioso o populista cachaceiro que renunciaria antes de completar sete meses no cargo.

Jânio só fez o que fez, dizem, porque estava bêbado. Verdade ou não, isso não muda o fato de que seu ato pavimentou o para os 21 anos de ditadura militar — que alguns lunáticos afirmam que nunca existiu, mas isso é outra conversa.

Falando em cachaceiro, a patuleia ignara, empolgada com os resultados das pesquisas, está convicta de que seu amado líder será novamente eleito presidente, e com mais de 200% dos votos válidos. Segundo a Genial/Quaest, o ex-presidiário dá duas voltas completas na pista enquanto o verdugo do Planalto liga o motor e o ex-juiz da Lava-Jato procura a chave do carro. 

Dito de outra maneira, Lula tem 47% das intenções de voto — contra 24% de Bolsonaro e 11% de Moro —, e rejeição bem menor que a dos adversários. (Para não dizer que não falei das flores, Ciro Gomes, que concorrerá ao Planalto pela quarta vez, tem 7% das intenções de voto). 

Retomando nossa breve viagem pelo tempo, voltemos (ou avancemos) para 15 de janeiro de 1985, data histórica em que Tancredo Neves derrotou Paulo Maluf  por 480 a 180 votos de um colegiado formado por 686 "eleitores" (361 do PDS, 273 do PMDB, 30 do PDT, 14 do PTB e 8 do PT). 

Não foi a eleição direta que todos desejavam, mas a perspectiva de voltar a ter um civil na Presidência encheu de esperança o coração dos brasileiros. Mas quis a sorte madrasta que o presidente eleito baixasse ao hospital 12 horas antes da cerimônia de posse e fosse sepultado 41 dias (e sete cirurgias) depois.

E assim Tancredo se foi, levando com ele nossas esperanças e nos deixando de herança ninguém menos que José Ribamar Ferreira de Araújo Costa (mais conhecido como José Sarney).

Continua na próxima postagem.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

... E PODE PIORAR AINDA MAIS

 

Desde sempre que os brasileiros são vocacionados a eleger representantes ladrões e mandatários populistas e imprestáveis. Jânio Quadros é um bom exemplo. Sua renúncia levou ao golpe de 64 e aos subsequentes 21 anos de ditadura militar. Senão vejamos.

Eleito em outubro de 1960, no apagar das luzes do governo de Juscelino Kubitschek — que se notabilizou por construir Brasília do nada, no meio do nada, para suceder ao Rio como Distrito Federal —, o advogado, professor de português, político e cachaceiro inveterado “homem da vassoura” assumiu a Presidência em janeiro do ano de 1961, prometendo “varrer” toda a sujeira da vida pública brasileira. Depois de passar 206 dias mandando “bilhetinhos” para auxiliares e se preocupando com questiúnculas — como rinhas de galo, corridas de cavalo, biquinis nas praias e maiôs cavados em concursos de misses —, o demagogo, "movido por forças terríveis", renunciou ao cargo. 

Na manhã do dia 25 de agosto, após ser acusado por Carlos Lacerda — que viria a ser um dos articuladores civis do Golpe de 1964 e a ganhar o epíteto de “demolidor de presidentes” — de tramar um “golpe de gabinete”, Jânio informou à primeira-dama, dona Eloá, que deixariam Brasília naquela tarde. No Planalto, antecipou aos ministros-chefes das casas Civil e Militar a manchete dos jornais do dia seguinte: “Comunico aos senhores que renuncio, hoje, à Presidência da República. Ajustem o novo Brasil às exigências do Brasil novo. Com esse Congresso, eu não posso governar”.

Findo o desfile do Dia do Soldado, Jânio encarregou o ministro da Justiça de entregar ao presidente do Senado sua carta-renúncia e voou para a Base Aérea de Cumbica, levando consigo a faixa presidencial (que a essa altura não mais lhe pertencia) e a esperança de o pedido não ser aceito — ou de o renunciante de festim ser reconduzido ao cargo por uma manifestação de apoio popular, o que lhe permitira governar sem ser "incomodado pelo Congresso". Mas faltou combinar com os russos.

Mais preocupados em impedir a posse de Jango, os militares esqueceram Jânio, e o povo só poderia ser mobilizado por um partido janista se seu líder tivesse permitido sua existência. 

Assim, enquanto o país mergulhava na crise provocada pelo veto à promoção do vice a titular, o já ex-presidente embarcou com a mulher num cargueiro com destino à Europa, o presidente da Câmara assumiu (decorativamente) a chefia do Executivo e os ministros militares (que governaram de fato nas semanas seguintes) implementaram a toque de caixa o parlamentarismo. 

Com os poderes limitados e tendo Tancredo Neves como primeiro-ministro, o “vice comunista” foi autorizado a assumir a presidência como chefe de Estado. Mas a experiência parlamentarista foi tão conturbada quanto curta: um plebiscito realizado em 6 de janeiro de 1963 restabeleceu o presidencialismo. 

Jango finalmente assumiu o cargo que era seu por direito, mas foi deposto, quinze meses depois, pelo golpe de 1964. Fica evidente, portanto, que a incipiente democracia tupiniquim havia entrado em parafuso em 25 de agosto de 1961, com a renúncia do populista cachaceiro.

Sobre o golpe: Em 1964, partidos de esquerda, grupos comunistas e seus associados discutiam qual a maneira de derrubar o capitalismo burguês e implantar a ditadura do proletariado, se pela luta armada ou pelo caminho reformista. Naquela época, a ampla maioria da esquerda era reformista — pelas chamadas reformas de base, processo que começava com a agrária e incluía um amplo cardápio de estatizações. 

Jango, filiado ao PTB getulista, estava claramente no campo da esquerda. Ainda que houvesse comunistas em seu governo e no entorno, o presidente nada tivesse de comunista, a exemplo de ilustres membros do seu gabinete durante o curto período parlamentarista, como os primeiros-ministros Tancredo Neves e Santiago Dantas, que eram, no máximo, socialdemocratas, trabalhistas ou nacionalistas.

Como o grupo comunista era claramente minoritário, o sucesso de Jango levaria o Brasil a uma economia mais estatizada, com o aumento dos gastos públicos em todos os setores, dos sociais à infraestrutura (mais ou menos como aconteceu no governo ditatorial do general Ernesto Geisel, um nacionalista e estatizante da primeira linha, e no governo Lula, mas isso é outra conversa). 

Em 1964, no auge da “Guerra Fria” o mundo estava dividido entre os EUA e a URSS. As plataformas reformistas — aqui, no Chile, na Argentina etc. — procuravam se aproximar não propriamente da União Soviética, mas do “Bloco do Terceiro Mundo”, que se declarava independente, mas pendia para a esquerda, ou seja, era adversário dos EUA, que, nessa disputa, patrocinavam ditaduras direitistas para, como se dizia na época, evitar a ditadura comunista.

Não havia a menor possibilidade de uma vitória comunista. Nem pela via reformista, nem pela luta armada. A melhor chance de uma guerrilha no Araguaia ou no Vale do Ribeira era a de ser massacrada, como de fato aconteceu. Mas foi nesse quadro que parte da elite brasileira, representada por partidos e associações civis, bateu às portas dos quartéis. 

Os militares atenderam rapidamente, pois a doutrina que aprendiam era simplesmente Ocidente versus Pacto de Varsóvia (a frente militar da URSS). O Congresso chancelou a derrubada de Jango e elegeu presidente o então chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, marechal Humberto de Alencar Castello Branco. Mas só o fez porque a alternativa era o fechamento.

Muitos democratas e liberais apoiaram o golpe, achando que seria um interregno necessário para garantir a eleição presidencial de 1965, que seria disputada entre Juscelino Kubitschek (pelo lado reformista democrático) e Carlos Lacerda (conservador, liberal, democrata). Mas não tardaram a se arrepender, e foram abandonando o governo militar à medida que este radicalizava, transformava-se numa verdadeira ditadura e dava sinais de que tencionava se perpetuar no poder. Lacerda, apoiador do golpe, terminou cassado e se uniu a JK, também cassado, numa frente pela democracia.

O Congresso funcionou durante os 21 anos de ditadura — noves fora os breves momentos em que ousou discordar do regime — e “elegeu” todos os presidentes, mas somente depois que os generais de quatro estrelas decidiam quem seria o mandatário de turno. 

Partidos políticos foram proibidos, a imprensa, censurada, opositores — tanto democratas quanto comunistas —, presos, torturados e mortos. Quando a política econômica finalmente fracassou — com recessão, dívida externa explosiva e inflação —, a ditadura caiu e os militares se retiraram, liderados por colegas de bom senso num processo conduzido por políticos habilidosos.

Em 1985, Tancredo Neves (MDB) derrotou Paulo Maluf (ARENA) por 480 a 180 votos de um colégio eleitoral formado por senadores, deputados federais e membros das assembleias legislativas estaduais. Mas quis o destino o presidente eleito fosse internado 12 horas antes da posse e dado como morto 38 dias e 7 cirurgias depois — ironicamente, no dia 21 de abril, feriado que homenageia Tiradentes, o Mártir da Independência.  

ObservaçãoSegundo a versão oficial, uma diverticulite obrigou Tancredo a ser submetido a uma cirurgia de emergência horas antes da posse. Também oficialmente, sua morte se deu no dia 21 de abril, depois de outras sete cirurgias. O general João Figueiredo se recusou a passar a faixa ao vice, José Sarney — um reles traidor, segundo o fardado, já que o ex-presidente da ARENA e representante do regime militar no Congresso deixara o partido governista e se juntara à oposição. “Faixa a gente transfere para presidente. Não para vice, esse é um impostor”, disse o general, que deixou o Planalto assim que a votação no Congresso foi encerrada. Ainda assim, a mágoa que o último presidente da ditadura guardava do repulsivo oligarca maranhense era menor que a resistência da caserna ao deputado Ulysses Guimarães.

Continua...  

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

SOBRE JUSCELINO, A CONSTRUÇÃO DE BRASÍLIA E OTRAS COSITAS MÁS


Pessoas normais se miram no espelho e veem a própria imagem. Ególatras, megalômanos e lunáticos tendem a a enxergar quase sempre aquilo que gostariam de ver — ou de ser. Isso explica por que o retirante pernambucano que vendeu laranjas, engraxou sapatos e trabalhou como office boy antes de se tornar torneiro mecânico, eneadáctilo, dirigente sindical, fundador de partido político e, pasmem!, presidente da República — mesmo que desta República — comparar-se a Juscelino Kubitschek de Oliveira.

Conforme eu antecipei no post anterior, nem tudo foram flores no governo do mineiro de Diamantino. Houve erros, parcerias condenáveis, indiferença à cupidez das empreiteiras e menosprezo ao poder de fogo do dragão inflacionário. Mas a construção de Brasília, em que pesem todas as controvérsias (veremos isso em detalhes mais adiante) foi determinante para a ocupação do Centro Oeste e da Amazônia brasileira.

A despeito da dificuldade em convencer o PSD a abraçar sua candidatura, de ter sido eleito com o menor percentual de votos alcançado pelos presidentes brasileiros no pós-guerra e de sua posse ter sido contestada por adversários golpistas e se dado em pleno estado de sítio (decretado por Nereu Ramos; para mais detalhes, clique aqui), Juscelino entregou a Jânio um pais muito melhor do que recebeu de seus predecessores (no governo anterior, pela primeira vez na história, o Brasil teve três presidentes numa única semana). 

Se compararmos o legado de JK com o de seus sucessores, talvez fosse exagero dizer que um estadista do quilate de Winston Churchill governou o Brasil de 1956 a 1960, mas certamente seria injusto não reconhecer que seu governo merece mais elogios do que críticas.

Sem querer discutir aqui questões laterais de semântica, há caso em que o termo "melhor" não define necessariamente aquilo que possui o máximo de atributos para satisfazer certos critérios de apreciação, mas apenas "menos pior", ou seja, o menor dos males envolvidos numa comparação. Assim, a pergunta é: o que tivemos desde então?

A resposta é: arroubos autoritários do populista cachaceiro que renunciou após seis meses no cargo; uma tão curta quanto improdutiva experiência parlamentarista, que resultou na volta do presidencialismo sob Jango e culminou com o golpe de ’64 e os 21 anos de chumbo, e a tão sonhada volta da democracia, que desde então vem sendo sistematicamente surrada, violentada e vilipendiada por uma corja de políticos desprezíveis, eleitos por uma choldra de apedeutas incapazes de encontrar o próprio rabo usando as duas mãos e uma lanterna. Mas não vou me estender sobre esse assunto, até porque já o fiz na sequência iniciada por esta postagem

Sobre Brasília... bem, vamos por partes, começando por relembrar que primeira capital desta banânia foi Salvador, na Bahia, que sediou o governo federal até 1753, quando ele foi transferido para a cidade do Rio de Janeiro (no então chamado Estado da Guanabara), e lá permaneceu por até ser transferida para Brasília, em 21 de abril de 1960, que foi construído do nada no meio do nada durante a gestão de JK

Observação: Palácio do Planalto é a sede oficial do governo; o Palácio da Alvorada, a residência oficial do chefe do Executivo de turno; a Granja do Torto, a casa de campo oficial da Presidência, e o Palácio do Jaburu, a residência oficial do vice-presidente da vez (palácios e mordomias palacianas bancadas pela ospália, naturalmente). Em atenção a quem não é íntimo das sutilezas do idioma, "ospália" é o coletivo de palhaços, mas pode designar, por extensão, o conjunto dos pagadores de impostos, indevidamente chamados de "contribuintes", já que "contribuir" pressupõe espontaneidade, e não há nada menos espontâneo que o pagamento de tributos.

Curiosamente, Michel Temer, que era vice de Dilma, mas passou a titular quando a anta foi expelida da Presidência, voltou de mala e cuia para o Palácio do Jaburu após poucos dias no Alvorada, a despeito dos R$ 20 mil gastos com a adaptação da residência oficial às necessidades de Michelzinho. Em entrevista concedida à revista Vejao Vampiro do Jaburu confessou que tem medo de fantasmas:

"O Palácio da Alvorada tem um monte de quartos, uns oito, todos muito grandes. Tudo muito amplo, bonito, mas senti uma coisa estranha lá. Eu não conseguia dormir; Desde a primeira noite, senti que a energia não era boa. A Marcela sentiu a mesma coisa. Só o Michelzinho, que ficava correndo de um lado para outro, gostou. Chegamos a pensar: será que tem fantasma?"  

No Rio, o Palácio do Itamaraty foi a primeira sede do governo federal, que de lá se mudou para o Palácio do Catete em fevereiro de 1897. O que pouca gente sabe é que Curitiba, capital do Paraná, foi nomeada capital do Brasil por três dias, de 24 e 27 de março de 1969.

Continua...

terça-feira, 2 de abril de 2024

60º ANIVERSÁRIO DO GOLPE DE `64

 

O golpe de Estado que prefaciou a ditadura militar — aquela que Bolsonaro sempre negou, mas tentou ressuscitar em 2022, e que seu vice classificou de "ditamole" — completou 60 anos no último domingo. O senador Auro de Moura Andrade declarou vaga a Presidência da República em 1º de abril de 1964, mas episódio entrou para a História com data anterior para evitar associações jocosas com o "dia da mentira". 

Resumindo a ópera em poucas palavras, a renúncia de Jânio e a aversão dos militares a Jango pavimentaram o caminho do golpe, e os subsequentes 21 anos de ditadura deram azo ao surgimento do lulopetismo corrupto e do bolsonarismo boçal (mais detalhes na sequência O desempregado que deu certo). 

Para quem gazeteou as aulas de História, relembro que a Guerra Fria e a Revolução Cubana levaram o sistema político brasileiro do pluralismo moderado ao pluralismo extremamente polarizado, e a situação se agravou com a vitória chapa Jan-Jan (de Jânio e Jango) em 1960. Jânio se elegeu com a promessa de resolver miraculosamente todos os problemas ligados à corrupção e inflação no país, mas, alegando que "forças terríveis" se levantaram contra ele — e apostando que seria reconduzido ao cargo pelo "clamor popular" — despachou Jango para uma missão na China, apresentou sua carta-renúncia e voou para São Paulo levando a faixa presidencial.

Depois de esperar horas na base aérea de Cumbica pelas multidões não apareceram — talvez porque um arranjo urdido nos bastidores impediu que o povo soubesse onde ele estava, ou talvez porque o povo só poderia ser mobilizado por um partido janista se seu líder tivesse permitido sua existência — o populista cachaceiro embarcou para Europa, e o Brasil mergulhou na crise provocada pelo veto à promoção do "vice comunista" a titular.

Na qualidade de presidente da Câmara, o deputado Ranieri Mazzilli assumiu a chefia do Executivo, mas uma junta provisória formada pelos três ministros militares governou o país até 8 de setembro, quando foi implantado o sistema parlamentarista. Com os poderes limitados e tendo Tancredo Neves como primeiro-ministro, Jango foi autorizado a assumir a presidência como chefe de Estado. 

Curiosidades1) Dali a 24 anos, o primeiro-ministro de Jango se tornaria o primeiro presidente civil pós-ditadura militar. 2) Em 1962, Jânio concorreu ao governo de São Paulo, mas foi derrotado por seu velho desafeto Adhemar de Barros e só voltou a disputar um cargo público em 1985, quando derrotou o tucano Fernando Henrique e o petista Eduardo Suplicy e se elegeu prefeito da capital paulista.

Jango só assumiu o posto a que tinha direito desde a renúncia de Jânio depois que o referendo de 6 de janeiro de 1963 restabeleceu o presidencialismo, mas as tensões se intensificaram quando ele declarou que a reforma agrária era uma questão de honra em seu mandato. Embora não houvesse a menor possibilidade de uma vitória comunista — nem pela via reformista, nem pela luta armada —, parte da elite brasileira bateu às portas dos quartéis, e os militares atenderam prontamente (até porque a doutrina que aprendiam na caserna era a do Ocidente x Pacto de Varsóvia).

Quando a Marcha da Família com Deus pela Liberdade escancarou o apoio civil ao golpe, o Congresso, ameaçado de fechamento, chancelou a derrubada de Jango e a "eleição" do então chefe do Estado-Maior das Forças Armadas — o marechal Castello Branco —, que deixou o Planalto em 15 de março de 1967 e morreu quatro meses depois, vítima de um acidente de avião no Ceará. Outros quatro generais-ditadores — Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo , se revezaram no poder até 1985, num jogo um jogo de cartas marcadas em que o partido de oposição (MDB) era meramente figurativo. 

Observação: Muitos democratas e liberais apoiaram o golpe achando que os militares voltariam para os quartéis em 1965, quando haveria novas eleições e Juscelino (pelo lado reformista democrático) e Carlos Lacerda (conservador liberal, democrata) disputariam a Presidência. Mas eles não demoram a perceber que os militares, picados pela mosca azul, tencionavam se perpetuar no poder. 
 
A dança das cadeiras dos fardados terminou com a eleição indireta de Tancredo Neves, em janeiro de 1985, que reascendeu a chama da esperança no coração de 130 milhões de brasileiros. Mas a alegria durou pouco: por uma trapaça do destino, o presidente eleito baixou ao hospital horas antes da cerimônia de posse e bateu as botas 38 dias e 7 cirurgias depois, deixando de herança um neto que envergonhou o país e um vice que se tornou pai e avô do Centrão
O resto é história recente. 
 
Em 1989, já sob a égide da Constituição Cidadã, os brasileiros voltaram às urnas (depois de um jejum de 29 anos) para escolher seu presidente. Entre os 22 postulantes havia políticos do quilate de Ulysses Guimarães, Mario Covas, Leonel Brizola e Ciro Gomes e aberrações como Enéas Carneiro, Livia Maria Pio e Sílvio Santos, mas o eleitor tupiniquim, sempre pronto a fazer as piores escolhas, escalou Collor (com 30,5% dos votos) e Lula (com 17,2%) para disputar o segundo turno, quando então o pseudo caçador de marajás derrotou o desempregado que deu certo por 53% a 47%.
 
Durante a campanha, Collor prometeu alvejar o "tigre da inflação" com uma "bala de prata". Eleito, apertou o gatilho um dia antes da posse ao pedir a Sarney que decretasse feriado bancário para que o mercado se adequasse ao conjunto de medidas econômicas mais radical que o país já amargou. Além de congelar preços e salários — a exemplo dos planos Cruzado, Cruzado II e Verão, editados durante o governo Sarney—, o Plano Collor bloqueou todo o dinheiro depositado nos bancos e aplicado no mercado financeiro até o limite de Cr$ 50 mil. Como resultado, o PIB encolheu 4,5% e o número de falências, infartos e suicídios teve um aumento significativo.
 
Plano Collor II aumentou tarifas públicas, decretou o fim do overnight e criou a FAF (Fundo de Aplicações Financeiras) e a TR (Taxa de Referência de Juros), mas a inflação voltou a subir, o desemprego cresceu, estatais foram vendidas a preço de banana e houve um desmonte das ferrovias e cortes de investimentos federais em infraestrutura. Entre o fim do Plano Marcílio e o início do Plano Real a inflação baixou dos 2.000% a.a. para "apenas" 1119,91% a.a. — índice registrado no final de 1992, quando o
 Rei-Sol, autoritário como poucos e corrupto como muitos, foi chutado do Planalto pela porta dos fundos
 
Observação: Ciente de que sua deposição eram favas contadas, Collor renunciou às vésperas do julgamento de seu impeachment — que teve como estopim uma entrevista concedida por Pedro Collor à revista VEJA —, mas o Senado seguiu adiante e o condenou (por 76 votos a 3) à perda do cargo e suspendeu seus direitos políticos por 8 anos.   
 
Com a deposição do "Roxinho", o vice Itamar Franco passou a titular e nomeou Fernando Henrique ministro da Fazenda. Impulsionado pelo sucesso do Plano Real, o tucano se elegeu presidente em 1994, comprou a PEC da reeleição em 1997 e se reelegeu 1998. Como não lhe restavam novos coelhos para tirar da velha cartola, FHC não conseguiu eleger José Serra seu sucessor.A
 vitória de Lula em 2002 marcou o início à era lulopetista, que só foi interrompida em 2016, com o impeachment de Dilma

Com a deposição da gerentona de araque, seu vice foi promovido a titular e se mudou para a residência oficial da Presidência, mas voltou semanas depois para o Jaburu, porque, segundo ele, o Palácio da Alvorada é assombrado. Assim, Michel Temer se tornou o primeiro e único caso documentado de vampiro que tem medo de fantasma. 
 
A troca de comando foi como uma lufada de ar fresco numa catacumba: após 13 anos de garranchos verbais de um semianalfabeto e frases desconexas de uma anormal incapaz de juntar sujeito e predicado numa frase que fizesse sentido, um presidente que não só sabia falar como até usava mesóclises pareceu um refrigério. Demais disso, o vampiro do Jaburu
 conseguiu reduzir a inflação (que rodava pelos 10% quando ele assumiu), baixar a Selic e aprovar a PEC do Teto dos Gastos e a Reforma Trabalhista, mas o ministério de notáveis que prometeu se revelou uma notável agremiação de corruptos, e quando sua conversa de alcova com Joesley Batista veio a público, o sonho de entrar para a história como "o cara que recolocou o Brasil nos eixos" virou o pesadelo de vir a ser "o primeiro presidente no exercício do mandato denunciado por crime comum". 
 
Observação: A tropa de choque capitaneada por Carlos Marun contratou um coral de 251 marafonas para entoar a marcha fúnebre enquanto a segunda "flechada de Janot" era sepultada na Câmara, mas Temer terminou seu mandato-tampão como um "pato manco" — que é como os americanos se referem a políticos que chegam tão desgastados ao final do mandato que até os garçons lhes servem o café frio. 
 
Em 2018, uma extraordinária conjunção de fatores empurrou para o Planalto um combo de mau militar e parlamentar medíocre que atribuiu a vitória a uma "cagada do bem". Quatro anos depois, derrotado nas urnas, ele exortou seus paus-mandatos a "virar a mesa". Investigado em sete inquéritos, inelegível até 2030 e na bica de ver o sol nascer quadrado, esse dejeto da escória da raça humana aguarda a primeira condenação posando de perseguido. 
 
A retomada democrática instituída em 1985 com a eleição do presidente "Viúva Porcina" (que foi sem nunca ter sido) e sacramentada em 1988 pela promulgação da Constituição Cidadã não exorcizou os fantasmas da ditadura. No último dia 29, o STF começou a julgar em plenário virtual os limites da atuação das FFAA estabelecidos no Art. 142 da CF (o ministro Luiz Fux, relator da encrenca, já votou pelo sepultamento da tese de que os fardados são o "poder moderador" da República).

Para evitar atritos com as Forças Armadas, Lula vetou qualquer ação alusiva ao golpe de '64, mas sete dos 38 ministros foram às redes sociais prestar homenagens aos "desaparecidos" dos anos de chumbo
Lobotomizados pela polarização semeada pelo "nós contra eles" do xamã petista e estrumada pela extrema-direita radical que saiu do armário durante a campanha de 2018, os devotos do bolsonarismo, vítimas da pior espécie de cegueira, consideram seu "mito" um ex-presidente de mostruário perseguido injustamente por "Xandão", como deixou claro a manifestação de 25 de fevereiro passado.

Observação: Claro que muita gente reza (ou finge rezar) por essa cartilha devido a interesses escusos, da mesma forma e pelos mesmos motivos que muita gente finge acreditar que Lula é a alma viva mais honesta do Universo e que sua prisão "foi uma armação, um dos maiores erros judiciários da história do país". Mas isso é outra conversa. 
 
Em face de todo o exposto, não há o que celebrar em 31 de março (nem em 1 de abril, a não ser o "dia da mentira"). Comemorar a instalação de uma ditadura que fechou instituições democráticas e censurou a imprensa é permitir que ódios do passado envenenem (ainda mais) o presente e destruam o futuro. 

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

VERGONHA NACIONAL

A ONU foi crida em 1954, após o término da 2º Guerra Mundial, em 1945. Como nenhum país membro reivindicou o privilégio de ser o primeiro a discursar nas cerimônias de 1949, 1950 e 1951, o Brasil preencheu essa lacuna e, desde 1955 — exceção feita aos anos de 1983 e 1984, em cujas sessões Ronald Reagan falou primeiro —, nosso representante fala depois do Secretário-Geral da ONU e do Presidente da Assembleia, antes do presidente dos EUA (país sede). Já os demais líderes discursam numa ordem estabelecida por um algoritmo que leva em conta o nível de representação do orador, pedido de fala, entre outros.

Esse privilégio permitiu que, em 2011, durante a 66ª assembleia da ONU, a calamidade em forma de gente nos envergonhasse em "dilmês" castiço. Mas poucos imaginariam, então, que a gerentona fosse superada com folga pelo mandatário que, na última terça-feira (21), em seu terceiro discurso de abertura (o segundo presencial, já que no ano passado o G20 se reuniu por videoconferência), desmoralizou mais uma vez o país que foi eleito não para governar — achar que esse indigitado seja capaz de governar é o mesmo que acreditar que vacas voem e porcos assoviem —, mas para evitar a volta da cleptocracia lulopetista.

Em 2019, Bolsonaro subiu na tribuna para atacar críticos de sua política ambiental, a imprensa e países como Cuba e Venezuela. Em tom agressivo, disse que, antes de sua posse, o Brasil estava à beira do socialismo. No ano passado, disse que o Brasil era vítima de mentiras sobre as queimadas na Amazônia e que boa parte delas seria motivada por "causas naturais inevitáveis". Também defendeu suas ações na pandemia e acusou a imprensa de disseminar pânico sobre a doença.

Na última segunda-feira, sem saber que Bolsonaro já estava em Nova Iorque, o prefeito Bill de Blasio lhe mandou o seguinte recado: "se você não quer se vacinar, nem precisa vir". Depois, nas redes sociais, marcou-o num post indicando locais de vacinação. Mas o grande estadista brazuca havia iniciado seu périplo de vexames no domingo, ao ser recepcionado por um punhado de manifestantes que seguravam faixas com as frases "Stop Bolsonaro" e "You are not welcome here", enquanto gritavam "criminoso" e "genocida".

A condição de "líder mundial", que assegurou ao presidente a prerrogativa de ingressar da sede da ONU (considerada território internacional) não evitou que ele e seus puxa-sacos jantassem pizza em pé, na rua, na noite de domingo ou que almoçassem na calçada, no dia seguinte, num puxadinho armado pela filial novaiorquina da churrascaria Fogo de Chão.

Obviamente, fotos foram tiradas e postadas nas redes sociais, objetivando mostrar um presidente humilde, cioso dos recursos públicos, tal como já fora feito em outras oportunidades. A título de curiosidade, nos comícios da campanha de 1960 o populista cachaceiro Jânio Quadros interrompia suas perorações pernósticas, vasadas num português castiço, inacessível para a maioria dos presentes, para mordiscar um sanduíche de mortadela que tirava e tornava a guardar no bolso do paletó.

Ao lado dos manifestantes estava um caminhão com um telão que havia circulado exibindo frases como Bolsonaro is burning the Amazon. O presidente interrompeu sua comitiva e começou a gravar um vídeo, com a ajuda de um auxiliar, mostrando os ativistas ao fundo e apontando para eles, o que irritou o grupo. Membros da comitiva responderam aos manifestantes antes de entrar nos veículos, fazendo gestos com as mãos e batendo nos vidros enquanto um dos automóveis ia embora. O ministro Marcelo Queiroga, de dentro de uma van, chegou a se levantar do assento e mostrar o dedo do meio para os manifestantes que retribuíram a cortesia. Pelo visto, após o "surto bolsonarista" que o levou a suspender a vacinação de adolescentes, o dublê de jaleco do general Pazuello finalmente assumiu seu lugar no pelotão ideológico dos negacionistas.

Observação: Por determinação da prefeitura de NYC, somente pessoas vacinadas podem ir a eventos em lugares fechados e comer na área interna de restaurantes. Houve ao menos um caso de Covid na comitiva brasileira — um funcionário do cerimonial, que viajou para os EUA cerca de 10 dias antes dos demais, para organizar a visita, e testou positivo para o vírus no sábado 18. Não há detalhes sobre quantas pessoas estiveram com ele nos últimos dias, nem quantas delas estiveram com o infectado e depois com o presidente ou seus ministros.

Bolsonaro não falou com a imprensa. Pouco depois da confusão, ele publicou no Facebook o vídeo que gravou na saída do jantar, com o título "meia dúzia de acéfalos protesta contra Jair Bolsonaro para delírio de parte da imprensa brasileira". O mandatário mostra a cena e narra que os manifestantes faziam um "escarcéu" e estavam "fora de si". "Esse bando nem sabe o que está falando. Deviam estar num país socialista, não aqui nos EUA", disse o "mito" dos bolsomínions. Depois, em conversa com um apoiador e uma terceira pessoa, relativizou o protesto afirmando que havia mais repórteres do que manifestantes.

No mesmo dia, Eduardo Bananinha, o Zero Três, foi hostilizado em uma loja da Apple em Nova Iorque. Em um vídeo divulgado pelo jornalista Ancelmo Gois, ouve gritos de "Fora, Bolsonaro" e "vergonha" de um frequentador da loja. O deputado apenas se retira do local fazendo um sinal de positivo.

O discurso do estadista canarinho durou certa de 12 minutos e, recheado de meias-verdades, levou ao delírio a turma do chiqueirinho. Entre outras falácias, Bolsonaro disse que a Amazônia tem muita mata preservada — o que é verdade —, mas não comentou sua conivência criminosa com a depredação do que o que ainda está inteiro. Nem comentou que todas as leis e ações que preservam a Mata Atlântica foram afrouxadas na boiada que o ex-ministro Ricardo Salles passou, para que a área seja explorada pelo agronegócio ilegal. O Brasil já foi um símbolo de preservação ecológica, mas o desgoverno Bolsonaro está destruindo tudo isso. E assim foi em todas as questões. Chega a ser impressionante a capacidade do (ainda) presidente de se colocar como pária e levar a reboque o país que representa. 

Acabou que Queiroga testou positivo para a Covid na última terça, 21, e deve cumprir 15 dias de quarentena na suíte do hotel onde está hospedado. A expensas do dinheiro dos contribuintes tupiniquins, naturalmente. Em comunicado posterior, a Secom informou que Pazuello 2.0, versão de jaleco, passa bem e deve permanecer em quarentena nos EUA. “Informamos, ainda, que os demais integrantes da comitiva realizaram o exame e testaram negativo para a doença”, diz a nota. Mais cedo, como publicou O Antagonista, já havia sido divulgada a informação de que uma segunda pessoa na comitiva presidencial havia testado positivo para a doença. Queiroga confirmou no Twitter o diagnóstico e disse que ficará em quarentena nos EUA, "seguindo todos os protocolos de segurança sanitária".

Também segundo O Antagonista, o sentimento predominante dos brasileiros sobre o circo bolsonarista em NYC foi o de "vergonha". O termo foi compartilhado antes de ontem nas redes sociais e reapareceu nesta quarta-feira no editorial do Estadão. Na verdade, o Brasil inteiro é uma vergonha. Apesar de todos os crimes do sociopata, que acarretaram 600 mil mortes, falhamos miseravelmente como país, porque fomos incapazes de afastá-lo do cargo e trancá-lo na cadeia. A culpa é coletiva.

Observação: Até a manhã desta quarta-feira não havia mudança na agenda oficial do presidente, que deve se reunir às 16h com Pedro Cesar Sousa, subchefe para assuntos jurídicos da Secretaria-Geral da Presidência da República. É bem provável que nós o vejamos no chiqueirinho defronte ao Alvorada, no final da tarde. Até quando? Só Deus sabe.

segunda-feira, 5 de julho de 2021

A DESGRAÇA VEM DE LONGE


Não sei quanto a vocês, mas eu estou até os tampos de ouvir falar em (e escrever sobre) cloroquina, Bolsonaro, corrupção, Bolsonaro, Covaxin, Bolsonaro, genocídio, Bolsonaro, Centrão, Bolsonaro, corrupção, Bolsonaro... Como a CPI do Genocídio só retoma as sessões presidenciais amanhã, resolvi aproveitar a trégua para dar uma espiadela no retrovisor. Até porque à frente, em meio a brumas, vislumbra-se apenas o iceberg gigante contra o qual a Nau dos Insensatos colidirá se a tripulação não se amotinar e botar a ferros o capitão aluado, que por alguma razão continua na cabine de comando. Antes, porém, cumpre dedicar algumas linhas à reação do presidente às manifestações contra o governo que eclodiram no último sábado nas capitais dos 26 estados, no DF e em um sem-número de outros municípios.

Bolsonaro compartilhou nas redes sociais uma publicação associando as manifestações a atos de violência e fazendo provocações implícitas, mas claríssimas, ao STF e à CPI do Genocídio: “Nenhum genocídio será apontado. Nenhuma escalada autoritária ou 'ato antidemocrático' será citado. Nenhuma ameaça à democracia será alertada. Nenhuma busca e apreensão será feita. Nenhum sigilo será quebrado. Lembrem-se: nunca foi por saúde ou democracia, sempre foi pelo poder!”. Junto ao texto, o capitão publicou imagens de violência nas manifestações, entre as quais a depredação de um ponto de ônibus e de uma agência bancária.

Foi a primeira mobilização desde que o superpedido de impeachment foi protocolado (na última quarta-feira) e após novas denúncias de corrupção na compra de vacinas pressionarem o Executivo. As alegadas irregularidades ganharam destaque na pauta dos atos, com faixas, cartazes e camisetas afirmando “Bolsonaro corrupto” e “Sua vida vale um dólar”, além de réplicas de cédulas de US$ 1 manchadas de vermelho.

Na última quinta-feira (1), o ministro Alexandre de Moraes determinou o arquivamento do inquérito dos atos antidemocráticos, mas abriu um novo inquérito para investigar uma organização criminosa digital que vem atacando as instituições. O ministro mencionou 12 vezes o deputado Eduardo Bolsonaro e anotou em seu despacho que é necessário aprofundar as investigações para verificar se aliados do presidente usaram estrutura pública do Palácio do Planalto, da Câmara e do Senado para propagar ataques às instituições nas redes sociais. Também foram mencionados nominalmente o presidente e seus filhos Zero Um e Zero Três. Dito isso, sigamos em frente.

Quem controla o passado controla o presente, e quem controla o presente controla o futuro”, escreveu George Orwell em 1940, como parte do slogan do Partido — que, no universo distópico do livro “1984”, representa o Estado totalitário num universo distópico. Por uma série de razões cuja obviedade dispensa detalhamento, a epigrama do escritor anglo indiano continua atual. Dito isso, sigamos adiante em nossa breve viagem ao passado (parece um contrassenso, mas não é).

Depois de eleger um cachaceiro populista que renunciou 6 meses e 25 depois após a posse — pavimentando o caminho que levaria a 21 anos de ditadura militar — a récua de muares que no Brasil se convencionou chamar de “eleitorado” guindou à presidência o pseudo caçador de marajás Fernando Collor de Mello, que renunciou em dezembro de 1992, horas antes do julgamento de seu impeachment, mas apenas para não ser inabilitado politicamente. Mesmo assim, Collor foi inabilitado politicamente por oito anos, ao contrário do que aconteceria com Dilma, a inolvidável, em agosto de 2016: graças a uma manobra espúria orquestrada pelos então presidentes do STF e do Senado, a eterna estocadora de vento foi apeada do cargo, mas preservou seus direitos políticos (ao arrepio da Lei do Impeachment). Nas eleições de 2018, o povo se encarregou de completar o que os senadores não haviam concluído: Postulante a uma cadeira no Senado por Minas Gerais, a ex-presidanta pedanta amargou um melancólico 4º lugar.

Observação: Duas décadas depois do apagão energético havido durante o segundo mandato de FHC — que foi um dos responsáveis pela derrota dos tucanos no pleito presidencial de 2002 —, a seca por que passam algumas regiões do Brasil, somada a problemas relacionados à transmissão de energia elétrica, delineia um cenário nada alvissareiro. Em 2014, durante sua irresponsável campanha pela reeleição, Aladilma e sua Lâmpada Nada Maravilhosa ocuparam espaço em rede nacional de rádio e televisão para dizer que “no caso da energia elétrica, as perspectivas são as melhores possíveis (...) o Brasil vai ter energia cada vez melhor e mais barata, o Brasil tem e terá energia mais que suficiente para o presente e para o futuro, sem nenhum risco de racionamento ou de qualquer tipo de estrangulamento no curto, no médio ou no longo prazo”. Como se vê, se tivesse que ganhar a vida como cartomante a ex-presidanta anta já teria morrido de fome.

O fato de alguém com antecedentes como os de Collor se eleger senador nos leva a pelo menos três conclusões tão lamentáveis quanto inevitáveis: 1) O Brasil não passa de uma republiqueta de bananas; 2) Em Alagoas, a pobreza, o apedeutismo e a política de cabresto andam de mãos dadas; 3) A alta cúpula do Judiciário tupiniquim abusa da hermenêutica para legislar em favor de seus bandidos de estimação (vejam o caso do ex-presidente presidiário que teve a ficha lavada e agora posa de “ex-corrupto”).

A renúncia do autodeclarado homem macho de colhão roxo guindou Itamar Franco ao comando de um país com uma taxa de inflação em torno de 80% ao mês (ou 1.191,09% a.a.). Ao contrário do que muitos dizem — aos quais peço vênia para discordar —, os maiores feitos do presidente mineiro (que nasceu à bordo de um navio de cabotagem em algum ponto entre a Bahia e o Rio de Janeiro) não foram estimular a VW a retomar a fabricação do fusca e ser fotografado ao lado de uma modelo avessa ao uso da calcinha. Foi durante a “Republica do Pão de-Queijo” que o PIB cresceu 10%, a renda per capita, 6,78% e Fernando Henrique Cardoso e sua “equipe de notáveis” criaram o Plano Real.

Nomeado ministro da Fazenda, FHC se tornou presidente “de fato” e transformou o presidente “de direito” numa versão tropicalizada da Rainha da Inglaterra. Mesmo assim, historiadores do quilate do Professor Marco Antonio Villa consideram Itamar o mandatário “menos pior” entre todos que o Brasil amargou desde a redemocratização. Graças ao sucesso do Plano Real, o grão duque tucano foi eleito presidente no primeiro turno do pleito de 1994.

FHC manteve a estabilidade econômica, privatizou empresas estatais, criou as agências regulatórias, alterou a legislação que rege o funcionalismo público e implementou programas de transferência de renda como o Bolsa Escola, precursor do Bolsa-Família do PT. O PIB cresceu 19,39% (média de 2,42% ao ano) e a renda per capita, 6,99% (média de 0,87% ao ano). Em 2003, quando Lula assumiu a presidência, a inflação havia baixado para 12,53% ao ano — donde a tal “herança maldita”, cantada em prosa e verso pelo PT, jamais passou de folclore.

Constituição Cidadã de 1988 não autorizava a reeleição do chefe do Executivo, mas uma estratégia que começou a ser articulada no governo Itamar acabou mudando as regras do jogo. E muita sujeira foi varrida para baixo do tapete: menos de quatro meses depois da aprovação da PEC da reeleição na Câmara, a Folha publicou uma reportagem com a seguinte chamada (em duas linhas e na primeira página): “Deputado conta que votou pela reeleição por R$ 200 mil”.

Observação: Uma semana depois da publicação da denúncia, dois parlamentares envolvidos renunciaram por “motivos de foro íntimo” (mediante ofícios idênticos enviados ao Presidente da Câmara) e outros três foram absolvidos pela CCJ em processo relatado por um deputado governista

Em 4 de junho de 1997, a malfadada emenda foi aprovada pelo Senado e imediatamente promulgada, garantindo sua vigência na eleição do ano seguinte, da qual FHC sairia como primeiro presidente reeleito. Apesar da abundância de provas documentais, o então procurador-geral Geraldo Brindeiro não acolheu nenhuma das representações que pediam o envio de denúncia ao STF. Ao fim e ao cabo, ninguém foi preso. No dia 27 de julho daquele ano, FHC reconduziu o engavetador-geral ao cargo (que Brindeiro acabou exercendo por oito anos, de julho de 1995 a junho de 2003).

Em 2014, quando FHC criticou o PT pelo baixo nível da campanha de Dilma, o bocório de Garanhuns respondeu: “Vi o ex-presidente falar com a maior desfaçatez: ‘É preciso acabar com a corrupção’. Ele devia dizer quem é que estabeleceu a maior promiscuidade entre Executivo e Congresso quando ele começou a comprar voto para ser aprovada a reeleição”. (Cá entre nós, Lula reclamar de corrupção em governo alheio é o mesmo que Marcola, chefe do PCC, imputar crimes ao arquirrival Comando Vermelho.)

FHC sempre negou o esquema, mas mudou um pouco a história em 2007: “O Senado votou [a reeleição] em junho [de 1997] e 80% dos parlamentares aprovaram. (…) Houve compra de votos? Provavelmente. Foi feita pelo governo federal? Não foi. Pelo PSDB: não foi. Por mim, muito menos”. 

Anos depois, em delação premiada, o ex-deputado Pedro Corrêa disse aos investigadores que se envolveu em crimes desde seu primeiro mandato parlamentar — em 1978, pela extinta Arena —, e que “a aprovação da PEC da reeleição foi um dos momentos mais espúrios” que ele presenciou em toda sua vida pública. Segundo o delator, houve uma disputa de propinas entre FHC, pela aprovação, e Paulo Maluf  que havia deixado a prefeitura de São Paulo com alta aprovação e com sua candidatura à Presidência da República cogitada , pela rejeição. Da parte do governo federal, a iniciativa da reeleição foi liderada pelos (hoje falecidos) Ministro das Comunicações (Sérgio Motta) e presidente da Câmara (Luiz Eduardo Magalhães), e contou com o apoio do deputado Pauderney Avelino, dos governadores do Amazonas e do Acre e de outras lideranças governistas, que compraram os votos de mais de 50 deputados

Corrêa disse que participou pessoalmente desse episódio, mas de forma contrária, tentando subornar parlamentares em desfavor da emenda constitucional, com recursos de Maluf, que visava à Presidência e sabia que, se o governo conseguisse passar a emenda da reeleição, seu maior concorrente seria FHC. Disse ainda que ele os deputados Severino Cavalcanti e Salatiel Carvalho foram convocados pelo turco lalau “para se contraporem ao governo e cooptar, com propina, deputados que estivessem se vendendo ao governo FHC”. 

Na versão do hoje nonagenário e eterno presidente de honra do tucanato, Corrêa apenas repetiu o que a imprensa veiculou na época. Em sua biografia (Diários da Presidência), FHC relata que o episódio foi uma “questão do Congresso”. Em um dos “diários”, ele diz que foi informado por Luis Eduardo Magalhães de que Maluf ofereceu R$ 1 milhão ao deputado Fernando Brandt, da comissão da Câmara que analisava a PEC, para votar contra a medida, mas não cita outros parlamentares nem os detalhes relatados por Corrêa.

ObservaçãoSegundo a Gazeta do Povo, a assessoria de Maluf alega que “o favorecido no episódio foi Fernando Henrique com a sua reeleição, sendo ele, portanto, quem deveria ser ouvido”. Pauderney Avelino, em nota, rechaçou as acusações do delator e afirmou que não responderia a “bandidos e ladrões do dinheiro público”. ACM Neto, da família de Luis Eduardo Magalhães, não se manifestou, a exemplo dos demais políticos citados na delação que ainda estão vivos.