Desde o golpe de Estado de 1889 (que entrou para nossos livros de História com o pomposo nome de "Proclamação da República"), oito vice-presidentes terminaram os mandatos de seus titulares. Só no período pós-ditatura houve três casos. O primeiro se deu quando ainda se ouviam os vagidos da "Nova República". Mas a pergunta que se coloca é: será que a instituição da vice-presidência ainda se justifica — se é que algum dia se justificou?
Em dezembro de 2015, Michel Temer encaminhou a Dilma uma "carta pessoal" queixando-se de ser um vice-presidente meramente decorativo. A missiva vazou (dizem que por obra e graça do próprio Temer) e foi amplamente repercutida pela imprensa. Ato contínuo, o Vampiro do Jaburu se tornou o principal articulador (e maior beneficiário) do impeachment da gerentona de araque.
Pergunta-se: que falta fez um vice durante seu mandato-tampão? Será que os presidentes da Câmara, do Congresso e do STF (segundo a linha sucessória presidencial) não deram conta de cobrir as eventuais ausências do vampiro que tem medo de assombração? Para que serve um vice-presidente senão para sugar das tetas do Erário uma polpuda remuneração, morar num palácio à beira do lago, ter a sua disposição um batalhão de serviçais e assessores e não fazer nada de útil além de, nas horas vagas, conspirar contra o titular?
O cenário atual é ainda mais escabroso. O mandatário de
turno é investigado em 5
inquéritos, denunciado pela CPI por 9
crimes (denúncias que seu vassalo na PGR se esforça para matar no
peito) e alvo de 141
pedidos de impeachment (que o réu que preside a Câmara mantém sob seu
respeitável buzanfã). Antes mesmo de tomar posse, o vice do capetão, general Hamilton
Mourão, disse à Folha que o salário era "uma
palhaçada".
Observação: A partir de maio deste ano, Mourão passou a receber R$ 63.511 de remuneração bruta. Ele ganhou R$ 30.934 em fevereiro, último dado disponível, para exercer o cargo de vice-presidente, e mais R$ 32.577 da reserva remunerada (o abate-teto de R$ 24.311,71 deixou de existir com a publicação da portaria de 30 de abril).
Ainda durante a campanha, o duble mau militar e parlamentar medíocre — que, por alguma razão inexplicável, continua presidente — pegou em lanças contra a corrupção, excomungou a velha política do toma-lá-dá-cá e prometeu acabar com a reeleição. Eleito, enfiou o discurso de palanque em local incerto e não sabido. Em meio à pandemia, transformou a Saúde num grande quartel. Em meio à institucionalização da corrupção pela banda podre do Judiciário, fritou o ministro da Justiça, reconduziu o tal vassalo à PGR, comprou votos para eleger o tal réu que preside a Câmara, nomeou ministro do STF alguém comum currículo questionável, mas com quem ele "bebeu muita tubaína" e, mais recentemente, entregou a suprema toga a um pastor "terrivelmente evangélico".
Ao longo de três anos de gestão, Bolsonaro não só incentivou
como participou pessoalmente de inúmeras manifestações
golpistas. Transformou as comemorações do último 7 de setembro em balão
de ensaio para um autogolpe. Converteu o país que deveria presidir
(coisa que jamais fez, pois prefere fazer campanha e promover motociatas
durante o expediente) o populista cachaceiro que renunciaria antes de completar sete meses no cargo. Sem falar que é useiro e vezeiro em interferir
nas instituições para proteger sua prole — dos cinco filhos que teve em três
casamentos, somente
a caçula, de 11 anos não é alvo de investigações.
Observação: A tragédia que elegemos para evitar a volta do lulopetismo corrupto é mais inútil do que
qualquer vice poderia ser. Talvez estivéssemos numa situação melhor se o estrupício já
tivesse sido deposto, metido numa camisa-de-força e trancafiado num manicômio
judiciário. Mas isso é outra conversa.
Para entender por que as coisas são como são, faremos uma rápida viagem pelo passado recente desta republiqueta de bananas. Comecemos pela décima sétima eleição presidencial — a décima quinta pelo voto direto e a última antes do Golpe Militar de 1964 (a próxima ocorreria somente 29 anos depois) —, da qual saiu vitorioso o populista cachaceiro que renunciaria antes de completar sete meses no cargo.
Jânio só fez o que fez, dizem, porque estava bêbado. Verdade ou não, isso não muda o fato de que seu ato pavimentou o para os 21 anos de ditadura militar — que alguns lunáticos afirmam que nunca existiu, mas isso é outra conversa.
Falando em cachaceiro, a patuleia ignara, empolgada com os resultados das pesquisas, está convicta de que seu amado líder será novamente eleito presidente, e com mais de 200% dos votos válidos. Segundo a Genial/Quaest, o ex-presidiário dá duas voltas completas na pista enquanto o verdugo do Planalto liga o motor e o ex-juiz da Lava-Jato procura a chave do carro.
Dito de outra maneira, Lula tem 47% das intenções de voto — contra 24% de Bolsonaro e 11% de Moro —, e rejeição bem menor que a dos adversários. (Para não dizer que não falei das flores, Ciro Gomes, que concorrerá ao Planalto pela quarta vez, tem 7% das intenções de voto).
Retomando nossa breve viagem pelo tempo, voltemos (ou avancemos) para 15 de janeiro de 1985, data histórica em que Tancredo Neves derrotou Paulo Maluf por 480 a 180 votos de um colegiado formado por 686 "eleitores" (361 do PDS, 273 do PMDB, 30 do PDT, 14 do PTB e 8 do PT).
Não foi a eleição direta que todos desejavam, mas a perspectiva de voltar a ter um civil na Presidência encheu de esperança o coração dos brasileiros. Mas quis a sorte madrasta que o presidente eleito baixasse ao hospital 12 horas antes da cerimônia de posse e fosse sepultado 41 dias (e sete cirurgias) depois.
E assim Tancredo se foi, levando com ele nossas esperanças e nos deixando de herança ninguém menos que José Ribamar Ferreira de Araújo Costa (mais conhecido como José Sarney).
Continua na próxima postagem.