A falta de nomes que empolguem o eleitorado "de
centro" (não confundir com Centrão) é tão prejudicial quanto sua
pluralidade, pois ambas as situações favorecem o dublê de ex-presidente e
ex-presidiário — ora promovido a "ex-corrupto" — e o dublê de mau
militar e parlamentar medíocre — ora promovido a pior mandatário desde a
redemocratização.
Na eleição
solteira de 1989, o sempre esclarecidíssimo eleitor
brasileiro voltou às urnas pela primeira vez desde a eleição de Jânio
Quadros, em 1960, para descartar postulantes como Ulysses, Covas e Brizola e promover ao segundo turno dois demagogos populistas.
O caçador de marajás de festim derrotou o pai dos pobres de mentirinha e recebeu
a faixa presidencial do oligarca maranhense que ascendeu ao
Planalto, cinco anos antes, graças
a uma trapaça do destino — e a quem o general
Figueiredo se recusou a transferir a faixa: "Faixa
a gente transfere para presidente, não para vice, e esse é um impostor".
Denunciado por corrupção, o "Rei-Sol"
renunciou, mas foi impichado
mesmo assim — e hoje é senador da República. O político
baianeiro bon-vivant que lhe sucedeu nomeou Fernando
Henrique ministro da Fazenda. O tucano emproado se autonomeou "primeiro-ministro
informal" e, graças ao sucesso do Plano
Real, foi eleito Presidente no primeiro turno do pleito de 1994. Em 1997, pariu a famigerada
PEC da Reeleição e foi reconduzido ao cargo no ano seguinte, também no
primeiro turno.
Os resultados sofríveis da segunda gestão de FHC botaram azeitona na empada do PT. Assim, após ser
derrotado em 1989, 1994 e 1998, o ex-retirante, ex-engraxate, ex-mascate, ex-metalúrgico,
ex-sindicalista, ex-decadátilo e fundador do partido dos trabalhadores que não
trabalham, estudantes que não estudam e intelectuais que não pensam finalmente
conquistou a Presidência.
Como desgraça pouca é bobagem, a despeito
do escândalo
do mensalão o pseudo parteiro do Brasil maravilha não só conquistou seu
segundo
mandato como também elegeu
um poste para manter aquecida a cadeira que ele pretendia voltar a
ocupar em 2014.
À gerentona
de araque não bastaram quatro anos para destruir a economia canarinha.
Em 2014, inobstante a demonstração
clara do descontentamento popular com sua abjeta gestão, a anta promoveu o (até então) maior estelionato eleitoral da história desta
banânia — e foi reeleita (para ser escorraçada dois anos, quatro meses e 11 dias
depois, mas isso é outra conversa).
O impeachment da Bruxa Má do Oeste guindou à Presidência o vice decorativo que prometeu nomear uma equipe de notáveis e empossou uma notável
confraria de corruptos. Sua "ponte
para o futuro" era de vidro e se quebrou quando uma
conversa de alcova nada republicana mantida com o moedor de carne bilionário (que a gravou sem o conhecimento do vampiro do Jaburu)
veio à luz num furo de reportagem Lauro Jardim.
O vampiro
que tem medo de fantasmas foi alvo de três "Flechadas de Janot" — o então PGR que mais adiante reconheceria ter
ido armado ao STF para matar o semideus togado e se suicidar em seguida. Mas empenhou
nossas cuecas no aluguel de apoio das marafonas do Centrão e terminou sua insossa gestão como "pato-manco" — tradução literal
da expressão "lame duck", que é como os americanos se referem a
políticos que chegam tão desgastados ao final do mandato que até os garçons, de
má vontade, lhes servem o café frio.
Tudo isso contribuiu para que um combo de mau
militar e parlamentar
medíocre fosse guindado ao Planalto, já que a
alternativa que restou no segundo turno jamais foi uma opção. E a menos que a tal terceira via se consolide, o pleito de 2022 será novamente um plebiscito e nos obrigará novamente a escolher o menor de
dois males (lembrando que toda má escolha feita por falta de alternativa
continua sendo uma má escolha).
Dito isso, pode ser útil anotar algumas
realidades que a eleição presidencial passada deixou demonstradas:
A grande força política que culminou com a vitória de Bolsonaro
chama-se antipetismo. Foi ela que deu a essa aberração que chamamos de "Presidente" os 10,8 milhões de votos a mais que o total obtido pelo
“poste” que serviu de preposto e bonifrate ao então presidiário de Curitiba.
Atualmente, o contexto é outro. Lula, que teve as condenações anuladas e a
ficha-suja lavada na lavanderia imunda do STF, ainda é rejeitado por uma
parcela significativa dos brasileiros. O problema que a rejeição a Bolsonaro
é ainda maior. Em outras palavras, o capetão foi quem melhor soube representar o
antilulopetismo em 2018, e por isso — e unicamente por isso — ficou em primeiro
lugar.
Lula é — até o presente momento — quem tem mais
chances de defenestrar o pontífice da seita infernal que, a pretexto
de defender o conservadorismo, disseminou o nazifascismo, o racismo, o
machismo, o autoritarismo e a defesa da ditadura militar.
O PT foi triturado nas eleições municipais de
2016. Seus candidatos a governador em SP, RJ, MG e RS tiveram votações ridículas, e seus “ícones” ao Senado, como Dilma em MG, Suplicy em
SP e Lindbergh no RJ foram transformados em pó,
deixando a sigla sem um único senador nos três maiores colégios
eleitorais do país.
Em 2018, a força política de Lula — que continua
sendo descrito como um gênio incomparável no “jogo do poder” — era do exato
tamanho dos resultados obtidos nas urnas pelo seu “poste”. As mais
extraordinárias profecias sobre a sua capacidade de “transferir votos” e a sua
inteligência praticamente sobre-humana em tudo o que se refere à política não
se realizaram. Encerrada a apuração, o molusco abjeto continuava exatamente onde
estava — trancafiado num xadrez em Curitiba.
Mais uma vez, os institutos de “pesquisa de intenção de voto” fizeram previsões calamitosamente erradas. A estocadora de vento, segundo
garantiam, seria a “senadora mais votada do Brasil”, mas ficou num quarto lugar
humilhante. Suplicy, uma espécie de Tiririca-2 de
São Paulo, também era dado como “eleito”, mas foi varrido do mapa. Os primeiros
colocados para governador de Minas e Rio foram ignorados pelas pesquisas
praticamente até a véspera da eleição — tinham 1% dos votos, ou coisa que o
valha. E deu no que deu.
O tempo de televisão e rádio no horário
eleitoral obrigatório — tido e havido como uma vantagem monumental e
vendido a peso de ouro pelas gangues partidárias — virou zero à esquerda em
termos nacionais. O eterno picolé de chuchu, que tinha o maior espaço nos
meios eletrônicos, acabou com menos de 5% dos votos. Em contrapartida, o
candidato que as conjunturas transforariam no verdugo do Planalto não
tinha nem 1 minuto, mas acabou sendo o primeiro colocado. Ficou claro, então,
que a propaganda fabricada por gênios do “marketing eleitoral” da
modalidade Duda Mendonça-João Santana — caríssima, paga com
dinheiro roubado e criada numa usina central de produção — já não fazia tanta
diferença: a votação do "mito" dos bolsomínions foi
construída nas redes sociais.
Resumo da ópera: daqui até outubro de 2022 o público será apresentado a
outras previsões, teoremas e choques de sabedoria. É bom não perder de vista o
que aconteceu em 2018 antes de acreditar no que lhe anunciam para o futuro.
Mesmo assim, uma coisa é certa: uma eleição com muitos candidatos, em meio a
uma grave crise econômica e prenhe de descrença na política, pode resultar na
volta de Lula (não à cadeia, de onde ele jamais deveria ter saído, mas
ao Palácio do Planalto) ou na menos provável (mas não impossível) reeleição do "mito" (que Deus nos livres de ambas essas desgraças).
Como disse a infectologista Luana Araújo em outro contexto, "é como se a gente estivesse escolhendo de que borda
da ‘Terra plana’ vai pular”. Nos últimos dias, Bolsonaro não
reconheceu — e esnobou
— o vice-primeiro-ministro alemão e pisou no pé da primeira-ministra daquele
país. Confundiu o chanceler americano John Kerry com o comediante Jim
Carrey. Esquivou-se da COP-26 e foi fazer turismo na Itália — onde chamou
a Torre de Pisa de torre de pizza. E condecorou a si mesmo com a Ordem do
Mérito Científico (todo presidente já é o Grão Mestre da Ordem, mas
fazer questão de publicar isso no Diário Oficial é bem esquisito).
Observação: Há controvérsia sobre o que é mais
espantoso, a auto honraria em si ou a suposição de que um negacionista como Bolsonaro
possa ter mérito científico. Ao ser alertado que condecorara com a mesma Ordem um
pesquisador responsável por demonstrar que a cloroquina não funciona para Covid,
nosso indômito capetão o descondecorou, levando outros 21 próceres da ciência a
renunciar
à condecoração.
Claro que o imprevisto sempre pode ter voto decisivo na
assembleia dos acontecimentos. A pandemia continua fazendo vítimas, aviões
continuam caindo, mortes naturais continuam acontecendo... Enfim, quem viver
verá.