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sábado, 13 de janeiro de 2024

O 8 DE JANEIRO E A POLARIZAÇÃO (CONTINUAÇÃO)


Sir Winston Churchill ensinou que "a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos", e que "o melhor argumento contra a democracia é uma conversa de cinco minutos com um eleitor mediano." Anthony Downs ensinou que ganha a eleição quem conquista o eleitor mediano, pois os candidatos de esquerda e direita têm garantidos os votos dos eleitores que comungam de suas convicções político-ideológicas.
 
Conhecido como Teorema do Eleitor Mediano, esse axioma vicejou no Brasil de 1994 até 2014, quando então a reeleição de mulher sapiens gerou uma polarização que vazou da política para as ruas. Em 2016, a insatisfação popular deu azo ao impeachment da gerentona de araque e à ascensão de Michel Temer, que prometeu um ministério de notáveis e empossou uma notável confraria de corruptos. Sua "ponte para o futuro" era de vidro e se quebrou quando O Globo publicou uma conversa de alcova gravada à sorrelfa por certo moedor de carne bilionário travestido de x-9. 
 
Alvo de três "Flechadas de Janot" — o PGR que mais adiante reconheceu ter ido armado ao STF para matar o semideus togado e se suicidar —, 
vampiro que tem medo de fantasma empenhou nossas cuecas em troca de apoio das marafonas do Centrão, mas terminou sua gestão como um patético "lame duck" — termo usado pelos americanos para definir políticos que chegam tão desgastados ao final do mandato que até os garçons demonstram seu desprezo servindo-lhes o café frio.
 
Como desgraça pouca é bobagem, desse caldeirão infernal emergiu o amálgama mal ajambrado de mau militar e parlamentar medíocre que, em 2018, fantasiado de outsider antiestablishment e surfando na onda do antipetismo, impôs ao títere
 do então presidiário mais famoso do Brasil uma derrota acachapante. 
 
Observação: Como eu antecipei numa postagem de novembro de 2021, a maldita polarização transformou o pleito de 2022 em mais plebiscito, obrigando-nos (mais uma vez) a escolher o menor de dois males (lembrando que toda má escolha feita por falta de alternativa continua sendo uma má escolha). E não há nada como o tempo para passar. 
 
Sétimo filho (noves fora quatro que "não vingaram") de um casal de lavradores pernambucanos pobres e analfabetos, Luiz Inácio da Silva nasceu em 1945, conheceu o pai aos 5 anos e retirou para São Paulo aos 7, em 1952, onde morou com o pai, a mãe e os irmãos até que uma surra de mangueira levou dona Lindú a deixar o marido alcoólatra, rude e ignorante e se mudar para um cubículo nos fundos de um boteco do bairro paulistano do Ipiranga, onde Lula trabalhou como auxiliar de tinturaria, engraxate e office-boy até se formar torneiro mecânico e perder o dedo mínimo da mão esquerda num acidente pra lá de suspeito. 
 
Observação: Vale destacar que Aristides Inácio da Silva — que foi alcunhado de "homem das sete mulheres" pelos colegas estivadores, morreu de cirrose em 1978 e foi enterrado numa vala comum: nem dona Lindú, nem as amantes, nem os vinte e tantos filhos que ele espalhou Brasil afora lhe deram um túmulo e um epitáfio. 
 
Estimulado pelo irmão Frei Chico (que não era frade, mas ateu, não se chamava Francisco, mas José, e era membro do Partido Comunista Brasileiro), Luiz Inácio iniciou sua trajetória de sindicalista e ganhou o apelido pelo qual é conhecido até hoje, mas que só incorporou depois de fundar o PT e de ficar em 4º lugar na primeira eleição direta (pós-ditadura) para governador de São Paulo. 

Falando em apelidos, Brizola — que chamava Lula de "cachaceiro" — disse em 1989 que "política é a arte de engolir sapos" — daí o epíteto "sapo barbudo". Em 2002, quando se elegeu presidente pela primeira vez (após três tentativas fracassadas), o xamã do PT ficou conhecido como "Lulinha paz e amor"; em 2006, durante a campanha pela reeleição, ganhou da adversária Heloísa Helena a alcunha de "sua majestade barbuda"; nos bastidores do Planalto, era chamado de "chefe", "grande chefe" e "nine" (numa alusão ao dedo mindinho decepado em 1964, num acidente pra lá de duvidoso); nas planilhas de propina da Odebrecht, identificado como "Amigo" e "Brahma". 
 
Observação: Em meados dos anos 1980, Golbery do Couto e Silva — ex-chefe da Casa Civil em dois governos militares, idealizador do SNI da ditadura e arquiteto da "abertura lenta, gradual e segura" — confidenciou a Emílio Odebrecht que Lula nada tinha de esquerda, que não passava de 
um bon vivant

Em 1986, Lula foi o deputado federal mais votado do país; em 1989, no segundo turno da primeira eleição direta para presidente pós-ditadura, perdeu para Fernando Collor; em 1994, foi derrotado por Fernando Henrique, que tornou a vencê-lo em 1998, sempre no primeiro turno. Em 2002, sua vitória sobre José Serra deu início ao jugo lulopetista que só terminaria 13 anos 4 meses e 12 dias depois, com o afastamento da nefelibata da mandioca. Dois meses antes, ao ser conduzido coercitivamente à PF para depor, Lula esbravejou: "Quiseram matar a jararaca, mas bateram na cabeça, bateram no rabo, e a jararaca está viva como sempre esteve". 
 
Continua... 

terça-feira, 9 de maio de 2023

UM POUCO DE HISTÓRIA E A PERGUNTA QUE NÃO QUER CALAR

Ivan Lessa (1935-2012) dizia que "a cada 15 anos o brasileiro esquece o que aconteceu nos 15 anos anteriores". Se ainda caminhasse entre os vivos, o jornalista certamente reajustaria esse intervalo. Como faz BandNews FM  criada em 2005 com a proposta de oferecer um noticiário sempre atualizado , que mudou seu bordão "em 20 minutos, tudo pode mudar" para "em um segundo tudo pode mudar". 

 

Mudanças nem sempre são para melhor. Depois que Jânio renunciou e Jango foi deposto pelo golpe de 64, o Brasil amargou 21 anos de ditadura militar. A movimentação épica pelas "Diretas Já" não bastou para impedir o sepultamento da "emenda Dante de Oliveira, mas ensejou a convocação do Colegiado que elegeu Tancredo primeiro presidente civil da "Nova República"Lamentavelmente, um percalço do destino fez com que o político mineiro levasse para a tumba a esperança de milhões de brasileiros e deixasse de herança o oligarca maranhense  José Sarney, sob cuja batuta a restauração democrática assumiu ares de anarquia econômica e administrativa. 

 

Ainda assim, a Constituição Cidadã foi promulgada em 1988, ensejando a eleição solteira de 1989. Embora houvesse 22 postulantes ao Planalto no primeiro turno — entre os quais Mario Covas e Ulysses Guimarães — o segundo foi disputado pelo pseudo caçador de marajás o desempregado que deu certo, comprovando mais uma vez o que disseram Pelé e Figueiredo sobre o despreparo do eleitorado tupiniquim. 

 

Em 1992, o primeiro impeachment da "Nova República" apeou Fernando Collor, promoveu Itamar Franco presidente e transformou Fernando Henrique num duble de ministro da Fazenda de direito e Primeiro-Ministro de fato. Graças ao sucesso do Plano Real, que finalmente debelou a hiperinflação, o tucano de plumas vistosas foi eleito no primeiro turno do pleito presidencial de 1994 — o não teria sido ruim se a mosca azul não o levasse a  comprar a PEC da Reeleição e — como quem parte e reparte e não fica com a melhor parte é burro ou não tem arte — se reeleger (novamente no primeiro turno) em 1998.

 

Em 2002, após três tentativas frustradas, Lula finalmente foi guindado ao Planalto, e, a despeito de seu estilo de governar — baseado em alianças tóxicas financiadas à base de mensalões e petrolões —, foi reeleito em 2006. Após usufruir de seus dois mandatos, o petista deixou o governo enfiando os dedos no favo de mel de uma taxa de popularidade de 84% e, lambendo as mãos, fez eleger (e reeleger) uma aberração chamada Dilma. E fugiu das abelhas até abril de 2018, quando então acabou preso.
 
Dilma foi vendida como "mãezona" e "gerentona", mas se revelou um conto do vigário no qual o próprio Lula caiu. Entre 2013 e 2016, a economia encolheu 6,8% e o desemprego saltou de 6,4% para 11,2% (mandando para o olho da rua cerca de 12 milhões de trabalhadores). Lula fez sua sucessora, mas a criatura desfez a obra do criador. 


Com o impeachment de madame, Michel Temer prometeu um ministério de notáveis, mas escalou uma notável confraria de corruptos. O presidente que almejava ser lembrado como "um reformista" viu sua "ponte para o futuro" virar pinguela e ele próprio se transformar num pato manco — tradução de "lame duck", que é como os americanos se referem a políticos que chegam tão desgastados ao final do mandato que os garçons, de má vontade, lhes servem o café frio.

 

O antipetismo e a facada desfechada por um aloprado catapultaram Bolsonaro do baixo clero da Câmara para a Presidência desta banânia. Durante a campanha, para provar que era amigo do mercado e obter o apoio dos empresários, o estatista que acreditava em Estado grande e intervencionista, que sempre lutou por privilégios para corporações que se locupletam do Estado há décadas, foi buscar Paulo Guedes, que embarcou em uma canoa que deveria saber furada. 


Para provar que era inimigo da corrupção e obter o apoio da classe média, o deputado que, em sete mandatos, pertenceu a oito partidos diferentes, todos de aluguel, foi adepto das práticas da baixa política e amigo de milicianos, foi buscar Sergio Moro, que embarcou em uma canoa que deveria saber furada. 


E para obter o apoio das Forças Armadas, o oficial de baixa patente, despreparado, agressivo e falastrão, que foi enxotado da corporação por indisciplina e insubordinação, foi buscar legitimidade em uma fieira de generais, que embarcaram em uma canoa que deveriam saber furada.

 

Bolsonaro não só se tornou o pior mandatário desde Tomé de Souza como também chefiou o governo civil mais militar da história, consolidando a fama do Brasil de "gigante adormecido que se recusa a despertar" e de "país do futuro que nunca chega". E como uma borboleta que volta à condição de larva, esta republiqueta chegou a 2023 arrastando seu passado como um casulo pesado e pegajoso. Evitar a reeleição do capetão era imprescindível, disso não restam dúvidas. Mas a volta de Lula era opcional. 

 

Pesquisas apontam que 75% dos brasileiros acham a democracia a melhor forma de governo, mas 41% dos que votaram para presidente no primeiro turno, em 2022, escolheram Bolsonaro. Uma explicação possível, segundo Hélio Schwartsman, é que 16% ignoram o princípio da não contradição (quem é a favor da democracia não deve votar em quem a ameaça). 


Tão difícil quanto entender como alguém pode apoiar a reeleição do capitão depois de quase quatro anos sob sua abominável gestão é compreender por que diabos tanta gente achou que Lula era a única alternativa. Mas a pergunta que se coloca é: foi para isso que lutamos tanto pelas "Diretas Já"?

 

Triste Brasil. 

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

NÃO HÁ BEM QUE SEMPRE DURE NEM MAL QUE NUNCA TERMINE...

 


Depois de permanecer confinado no Alvorada por 19 dias, Bolsonaro deu o ar da (des)graça na manhã de ontem. Poder-se-ia atribuir seu ressurgimento à tentativa do PL de anular parte dos votos do segundo turno, mas é público e notório que essa estratégia é um "jogo de cena" — como reconheceu o próprio Valdemar Costa Neto (que foi acusado pela ex-esposa de ter sido amante de Micheque Bolsonaro) em conversa com o semideus togado Gilmar Mendes. 
 
Até as pedras portuguesas da Praça dos Três Poderes sabem que o discurso de que o verdugo do Planalto foi vítima do "sistema" não passa de uma estratégia do ex-presidiário do mensalão, que precisa se submeter aos caprichos golpistas do pato manco — ou lame duck, que é como os americanos se referem a políticos que chegam ao fim mandato desgastados a ponto de os garçons palacianos demonstrarem seu desprezo servindo-lhes o café frio — até a posse dos parlamentares eleitos no último dia 2 de outubro.
 
Observação: É com base na bancada do dia da posse (em fevereiro do ano que vem) que são calculados os fundos eleitoral e partidário a que as legendas terão direito nos próximos quatro anos. Dos 99 deputados eleitos pelo PL, cerca de 50 chegaram à Câmara na aba de Bolsonaro, e muitos ameaçaram bater em retirada se as birras do capetão não forem atendidas. Isso também explica o fato de a representação do PL limitar o questionamento das urnas ao segundo turno e de Alexandre de Moraes anotar em seu despacho que, "sob pena de indeferimento da inicial, deve a autora aditar a petição inicial para que o pedido abranja ambos os turnos das eleições..."
 
"Xandão" aplicou em Costa Neto uma espécie de xeque-mate: para sustentar a hipotética ilegitimidade das urnas, o PL corre o risco de ver anulada a eleição dos 99 deputados que farão do ex-presidiário mensaleiro o gestor das mais vistosa caixa eleitoral do mercado partidário. Como dizia Tancredo Neves, "a esperteza, quando é muita, vira bicho e come o dono".
 
Não é que o crime não compensa. No Brasil, ele muda de nome. No momento, chama-se Jair Messias Bolsonaro, que ora se dedica a presidir impunemente a organização criminosa do golpismo, mesmo sabendo que não conseguirá virar a mesa. Em termos jurídicos, a representação protocolada pelo igualmente vomitativo Valdemar Costa Neto flerta com a litigância de má fé — que se caracteriza quando alguém recorre à Justiça valendo-se de argumentos viciados e com objetivos escusos. 
 
O vício da petição do PL é a mentira sobre as urnas, e sua finalidade escusa é a fabricação de instabilidade política. Costa Neto é apenas mais um elo da corrente de transgressão que o imbrochável insuportável arrasta pela conjuntura, juntamente com o pedaço das Forças Armadas — que ele chama de "minhas" — e o agrogolpismo, a milícia digital e uma legião de inocentes inúteis.

Atualização: Cerca de 24 horas depois de anunciar o pedido de anulação dos votos depositados em urnas específicas, Costa Neto convocou uma nova coletiva para dizer que continuará restringindo seu pedido à disputa presidencial do segundo turno. Além de rejeitar a ação do pajé do PL, o ministro Alexandre de Moraes considerou que não há qualquer indício ou prova de fraude que justifique a reavaliação de parte dos votos, condenou a coligação da campanha de Bolsonaro a pagar uma multa de quase R$ 23 milhões por litigância de má-fé e determinou o bloqueio imediato do fundo partidário até que a multa seja paga. Moraes afirmou ainda que os argumentos do partido são absolutamente falsos, já que todas as urnas utilizadas nas eleições 2022 assinam digitalmente os resultados com chaves privativas de cada equipamento, e que essas assinaturas são acompanhadas dos certificados digitais únicos de cada urna. 

Com Josias de Souza

terça-feira, 22 de novembro de 2022

NÃO FOI DESTA VEZ, ALCKMIN

Após retirar uma leucoplasia da prega vocal esquerda, Lula recebeu alta nesta segunda-feira. Não foram detectados sinais de câncer — avisem ao vice Geraldo Alckmin que não vai ser desta vez —, mas a equipe médica recomendou ao palanque ambulante evitar excessos nas próximas duas semanas (o que é um refrigério para quem, como eu, não aguenta mais ouvir a voz dessa criatura).
 
Paralelamente, Bolsonaro segue encastelado no Alvorada, reclamando da "espera aflitiva” e de não ter mais “poder algum” (o que também é um refrigério para quem, como eu, não aguenta mais ouvir a voz dessa criatura). Com a agenda esvaziada e sem reconhecer a derrota, o lame duck (ou pato manco, que é como os americanos se referem a políticos que chegam ao fim mandato desgastados a ponto de os garçons palacianos demonstrarem seu desprezo servindo-lhes o café frio) tenta encontrar uma maneira de apoiar os atos golpistas em rodovias e defronte a quarteis sem ser responsabilizado judicialmente pela violência da caterva radical que o endeusa. 
 
A versão tropical da invasão do Capitólio ganhou ares de bolsoterrorismo graças a manifestantes lobotomizados pelas redes sociais bolsonaristas e financiados pelo agrogolpismo e outras fontes de fanatismo endinheirado. Novos bloqueios, ainda mais violentos do que os anteriores, desafiam a autoridade do STF e testam a resistência da democracia brasileira. Na manhã do domingo (20), a Polícia Rodoviária Federal informou que já havia dissolvido 1.207 manifestações em rodovias federais, mas que ainda restavam 11 bloqueios e 27 interdições (interrupção parcial do trânsito). Também no domingo, ataques desencadeados na BR-364 incendiaram pelo menos 12 caminhões, e um agente foi alvo de insultos racistas quando prendeu um manifestante que estava roubando a carga dos caminhões.
 
Mudando de um ponto a outro, o presidente eleito percorreu toda a campanha sem detalhar um plano econômico, relembra a Gazeta do Povo, e agora contraria apoiadores como Henrique Meirelles, que desejou “boa sorte” aos investidores, e Armínio Fraga, para quem o pajé petista se afastou daquilo em que ele (Fraga) acredita. Esses economistas parecem ter esquecido que o mal do populismo econômico são soluções simplistas e milagrosas que resultam invariavelmente em recessão e desemprego, sem nenhuma solução estrutural para o problema da miséria. Agora, eles podem voltar a seus vinhos de safra e a malhar o desempregado que deu certo, escreveu J.R. Guzzo em sua coluna. 
 
Depois da gritaria da Faria Lima, a proposta alternativa do senador Alessandro Vieira — que reduz o estouro do teto de gastos de R$ 190 bilhões para cerca de R$ 70 bilhões — espalhou algum alívio entre investidores, mas as incertezas sobre o novo ministro da Fazenda permanecem. A especulação de que o posto poderia ir para Fernando Haddad fez a bolsa fechar em queda na última sexta-feira. Lula não gostou da fala em que Simone Tebet recomendou-lhe escolher logo o ministro da Economia. A senadora é cotada para assumir um ministério, mas os petralhas temem que, se ela assumir o Ministério do Desenvolvimento Social (atual Cidadania), acabará turbinando suas chances eleitorais para 2026. 
 
Na manhã de ontem, o dólar apresentou uma leve queda em relação ao real, com investidores reagindo positivamente ao "recuo" de Lula sobre a futura postura fiscal do Brasil. Na semana passada, a moeda norte-americana fechou com alta semanal de 0,99% e o Ibovespa, com queda de 3%. Estima-se que a Selic avance a 15% no próximo ano, a depender dos rumos do debate fiscal. Ora sem penas, o ex-tucano Geraldo Alckmin afirmou na última quinta-feira que a reação do mercado à PEC da Transição é momentânea e será superada. 
 
Já o pajé do PT evita falar sobre a viagem ao Egito no jato do empresário Seripieri Filho. Advogados ouvidos pelo GLOBO avaliam que a “carona” em si não configura crime, mas afirma que a situação deveria ser evitada — até porque ilegal e imoral são conceitos distintos. Também apresentado por Alessandro Vieira, um projeto de lei visa garantir transporte nacional e internacional e segurança pessoal ao presidente e ao vice eleitos durante a transição.
 
Nova escalada da Covid aumentou as positivações de 3,7% para 23% em um mês no Brasil, mas um artigo publicado em VEJA afiram que esses surtos eram esperados e que não há motivo para pânico. Para além disso, a versão atualizada da vacina da Pfizer gerou nove vezes mais anticorpos contra ômicron BQ.1.1 em adultos acima de 55 anos (na comparação com o imunizante original), que vem sendo aplicada nos Estados Unidos, Canadá e Europa, mas ainda aguarda a aprovação da Anvisa.
 
Como desgraça pouca é bobagem, o banco internacional Citibank concluiu que o mercado pode ter se enganado em relação a Lula, e reviu sua projeção do "risco Brasil".  

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

AINDA A TERCEIRA VIA


A falta de nomes que empolguem o eleitorado "de centro" (não confundir com Centrão) é tão prejudicial quanto sua pluralidade, pois ambas as situações favorecem o dublê de ex-presidente e ex-presidiário — ora promovido a "ex-corrupto" — e o dublê de mau militar e parlamentar medíocre — ora promovido a pior mandatário desde a redemocratização. 

Na eleição solteira de 1989, o sempre esclarecidíssimo eleitor brasileiro voltou às urnas pela primeira vez desde a eleição de Jânio Quadros, em 1960, para descartar postulantes como Ulysses, Covas e Brizola e promover ao segundo turno dois demagogos populistas.

O caçador de marajás de festim derrotou o pai dos pobres de mentirinha e recebeu a faixa presidencial do oligarca maranhense que ascendeu ao Planalto, cinco anos antes, graças a uma trapaça do destino — e a quem o general Figueiredo se recusou a transferir a faixa: "Faixa a gente transfere para presidente, não para vice, e esse é um impostor".

Denunciado por corrupção, o "Rei-Sol" renunciou, mas foi impichado mesmo assim — e hoje é senador da República. O político baianeiro bon-vivant que lhe sucedeu nomeou Fernando Henrique ministro da Fazenda. O tucano emproado se autonomeou "primeiro-ministro informal" e, graças ao sucesso do Plano Real, foi eleito Presidente no primeiro turno do pleito de 1994. Em 1997, pariu a famigerada PEC da Reeleição e foi reconduzido ao cargo no ano seguinte, também no primeiro turno.

Os resultados sofríveis da segunda gestão de FHC botaram azeitona na empada do PT. Assim, após ser derrotado em 1989, 1994 e 1998, o ex-retirante, ex-engraxate, ex-mascate, ex-metalúrgico, ex-sindicalista, ex-decadátilo e fundador do partido dos trabalhadores que não trabalham, estudantes que não estudam e intelectuais que não pensam finalmente conquistou a Presidência

Como desgraça pouca é bobagem, a despeito do escândalo do mensalão o pseudo parteiro do Brasil maravilha não só conquistou seu segundo mandato como também elegeu um poste para manter aquecida a cadeira que ele pretendia voltar a ocupar em 2014.

À gerentona de araque não bastaram quatro anos para destruir a economia canarinha. Em 2014, inobstante a demonstração clara do descontentamento popular com sua abjeta gestão, a anta promoveu o (até então) maior estelionato eleitoral da história desta banânia — e foi reeleita (para ser escorraçada dois anos, quatro meses e 11 dias depois, mas isso é outra conversa).

O impeachment da Bruxa Má do Oeste guindou à Presidência o vice decorativo que prometeu nomear uma equipe de notáveis e empossou uma notável confraria de corruptos. Sua "ponte para o futuro" era de vidro e se quebrou quando uma conversa de alcova nada republicana mantida com o moedor de carne bilionário (que a gravou sem o conhecimento do vampiro do Jaburu) veio à luz num furo de reportagem Lauro Jardim.

O vampiro que tem medo de fantasmas foi alvo de três "Flechadas de Janot" — o então PGR que mais adiante reconheceria ter ido armado ao STF para matar o semideus togado e se suicidar em seguida. Mas empenhou nossas cuecas no aluguel de apoio das marafonas do Centrão e terminou sua insossa gestão como "pato-manco" — tradução literal da expressão "lame duck", que é como os americanos se referem a políticos que chegam tão desgastados ao final do mandato que até os garçons, de má vontade, lhes servem o café frio.

Tudo isso contribuiu para que um combo de mau militar e parlamentar medíocre fosse guindado ao Planalto, já que a alternativa que restou no segundo turno jamais foi uma opção. E a menos que a tal terceira via se consolide, o pleito de 2022 será novamente um plebiscito e nos obrigará novamente a escolher o menor de dois males (lembrando que toda má escolha feita por falta de alternativa continua sendo uma má escolha). 

Dito isso, pode ser útil anotar algumas realidades que a eleição presidencial passada deixou demonstradas:

A grande força política que culminou com a vitória de Bolsonaro chama-se antipetismo. Foi ela que deu a essa aberração que chamamos de "Presidente" os 10,8 milhões de votos a mais que o total obtido pelo “poste” que serviu de preposto e bonifrate ao então presidiário de Curitiba. 

Atualmente, o contexto é outro. Lula, que teve as condenações anuladas e a ficha-suja lavada na lavanderia imunda do STF, ainda é rejeitado por uma parcela significativa dos brasileiros. O problema que a rejeição a Bolsonaro é ainda maior. Em outras palavras, o capetão foi quem melhor soube representar o antilulopetismo em 2018, e por isso — e unicamente por isso — ficou em primeiro lugar. 

Lula é — até o presente momento — quem tem mais chances de defenestrar o pontífice da seita infernal que, a pretexto de defender o conservadorismo, disseminou o nazifascismo, o racismo, o machismo, o autoritarismo e a defesa da ditadura militar.  

PT foi triturado nas eleições municipais de 2016. Seus candidatos a governador em SP, RJ, MG e RS tiveram votações ridículas, e seus “ícones” ao Senado, como Dilma em MG, Suplicy em SP e Lindbergh no RJ foram transformados em pó, deixando a sigla sem um único senador nos três maiores colégios eleitorais do país.

Em 2018, a força política de Lula — que continua sendo descrito como um gênio incomparável no “jogo do poder” — era do exato tamanho dos resultados obtidos nas urnas pelo seu “poste”. As mais extraordinárias profecias sobre a sua capacidade de “transferir votos” e a sua inteligência praticamente sobre-humana em tudo o que se refere à política não se realizaram. Encerrada a apuração, o molusco abjeto continuava exatamente onde estava — trancafiado num xadrez em Curitiba.

Mais uma vez, os institutos de “pesquisa de intenção de voto” fizeram previsões calamitosamente erradas. A estocadora de vento, segundo garantiam, seria a “senadora mais votada do Brasil”, mas ficou num quarto lugar humilhante. Suplicy, uma espécie de Tiririca-2 de São Paulo, também era dado como “eleito”, mas foi varrido do mapa. Os primeiros colocados para governador de Minas e Rio foram ignorados pelas pesquisas praticamente até a véspera da eleição — tinham 1% dos votos, ou coisa que o valha. E deu no que deu.

O tempo de televisão e rádio no horário eleitoral obrigatório — tido e havido como uma vantagem monumental e vendido a peso de ouro pelas gangues partidárias — virou zero à esquerda em termos nacionais. O eterno picolé de chuchu, que tinha o maior espaço nos meios eletrônicos, acabou com menos de 5% dos votos. Em contrapartida, o candidato que as conjunturas transforariam no verdugo do Planalto não tinha nem 1 minuto, mas acabou sendo o primeiro colocado. Ficou claro, então, que a propaganda fabricada por gênios do “marketing eleitoral” da modalidade Duda Mendonça-João Santana — caríssima, paga com dinheiro roubado e criada numa usina central de produção — já não fazia tanta diferença: a votação do "mito" dos bolsomínions foi construída nas redes sociais.

Resumo da ópera: daqui até outubro de 2022 o público será apresentado a outras previsões, teoremas e choques de sabedoria. É bom não perder de vista o que aconteceu em 2018 antes de acreditar no que lhe anunciam para o futuro. Mesmo assim, uma coisa é certa: uma eleição com muitos candidatos, em meio a uma grave crise econômica e prenhe de descrença na política, pode resultar na volta de Lula (não à cadeia, de onde ele jamais deveria ter saído, mas ao Palácio do Planalto) ou na menos provável (mas não impossível) reeleição do "mito" (que Deus nos livres de ambas essas desgraças).

Como disse a infectologista Luana Araújo em outro contexto, "é como se a gente estivesse escolhendo de que borda da ‘Terra plana’ vai pular”. Nos últimos dias, Bolsonaro não reconheceu — e esnobou — o vice-primeiro-ministro alemão e pisou no pé da primeira-ministra daquele país. Confundiu o chanceler americano John Kerry com o comediante Jim Carrey. Esquivou-se da COP-26 e foi fazer turismo na Itália — onde chamou a Torre de Pisa de torre de pizza. E condecorou a si mesmo com a Ordem do Mérito Científico (todo presidente já é o Grão Mestre da Ordem, mas fazer questão de publicar isso no Diário Oficial é bem esquisito).

Observação: Há controvérsia sobre o que é mais espantoso, a auto honraria em si ou a suposição de que um negacionista como Bolsonaro possa ter mérito científico. Ao ser alertado que condecorara com a mesma Ordem um pesquisador responsável por demonstrar que a cloroquina não funciona para Covid, nosso indômito capetão o descondecorou, levando outros 21 próceres da ciência a renunciar à condecoração.  

Claro que o imprevisto sempre pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos. A pandemia continua fazendo vítimas, aviões continuam caindo, mortes naturais continuam acontecendo... Enfim, quem viver verá.

sexta-feira, 30 de julho de 2021

SE BEM O DIZ, MELHOR O FAZ


Em suas desvairadas parlapatices, Bolsonaro fez duas "promessas" para esta semana: vetar o fundão e apresentar provas de fraude nas eleições gerais de 2014. Como escrevi este texto ontem de manhã e a live presidencial hebdomadária vai ao ar no final da tarde, não sei que provas o presidente irá apresentar sobre a suposta fraude ou o que dirá acerca do veto.

Atualização: Surpreendentemente, sua alteza irreal falou durante horas. Como era esperado, não trouxe prova alguma de coisa nenhuma.

Em sua cruzada pelo retrocesso, Bolsonaro esgrime há mais de 500 dias o mantra de fraude na contagem dos votos na eleição de 2014. "Por 231 vezes ganhava Aécio, ganhava Dilma, ganhava Aécio. Esse então é o indício mais forte da probabilidade de o sistema não ser seguro”, disse ele no último dia 21, em entrevista à rádio Jovem Pan News Itapetininga.

O presidente se baseia numa entrevista da ex-candidata a deputada federal pelo PSL Naomi Yamaguchi (irmã da médica Nise Yamaguchi) com uma fonte anônima que apresenta supostos indícios de irregularidades na reeleição de Dilma, mas a CNN Brasil analisou a planilha do TSE — com as atualizações parciais entre as 17h01 de 26 de outubro de 2014 e as 02h13 da madrugada do dia 27 — e identificou uma única mudança na liderança, às 19h32, justamente quando a petista superou o tucano e seguiu na frente até o final da apuração.

Até agora, o capitão só granjeou o apoio de alguns militares com pendores golpistas — não por eles acreditarem na tese, mas por estarem dispostos a tudo para evitar a volta da camarilha petista ao poder. Já questão do fundão não passa de um jogo de cena, de mera cantilena para dormitar bovinos.

Quanto ao aumento do valor do fundão eleitoral, Bolsonaro se faz de desentendido e tenta terceirizar a responsabilidade pelo descalabro — usando o vice-presidente da Câmara como bode expiatório —, mas sabe que a maracutaia está eivada de digitais do próprio governo. Numa de suas narrativas, ele disse que seus aliados, afoitos apoiadores do reajuste, votaram a favor porque não leram bem o que estavam aprovando. Se assim foi, todos os bolsonaristas do serpentário candango — incluindo os filhos Flávio, no Senado, e Eduardo, na Câmara — são analfabetos, ingênuos, ou ambas as coisas. 

Inicialmente, ao ser questionado sobre a possibilidade de veto, Bolsonaro cogitou que, caso adotasse tal procedimento, estaria incorrendo em crime de responsabilidade. Em outra manifestação, por força de uma caudalosa torrente de críticas disse que limitaria o veto a "um excesso de R$ 2 bilhões", mas não deixou claro como fará isso, já que, tecnicamente, suas opções se resumem a sancionar ou vetar o descalabro. No entanto, um parecer da Consultoria de Orçamento da Câmara afirma que o presidente pode vetar o dispositivo sem incorrer em crime, desde que se atenha ao patamar mínimo a ser garantido no Orçamento, que é de cerca de R$ 800 milhões.

Mas nada disso mudo o fato de que o ominoso aumento do fundão foi uma obra coletiva do time bolsonarista e da oposição, todos mancomunados para "passar a boiada". E quem resolverá esse imbróglio — e os que surgirão de agora em diante — serão o presidente da Câmara, Arthur Lira, e o "primeiro-ministro" Ciro Nogueira, que mandam no país a partir daqui.

Bolsonaro, como o Vampiro do Jaburu — que terminou o mandato-tampão como pato-manco (tradução literal de lame duck, que é como os americanos se referem a políticos que chegam ao fim do mandato, mas tão desgastados que os garçons palacianos demonstrarem seu desprezo servindo-lhes o café frio) — e outros antes dele, tornou-se um mero espantalho espetado no jardim do Palácio do Planalto

Será interessante ver como o mandatário cuja língua é mais destrutiva que a própria caneta vai sair da sinuca de bico que ele mesmo criou com sua habitual inépcia na condução de dois assuntos que não têm nenhum ganho para lhe prover, apenas mais desgaste. 

Faz pena ver um presidente da República sujeitar-se a tão ridículo papel — pena do Brasil, bem entendido, por ter um mandatário dessa catadura.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

O PROBLEMA DA MIOPIA POLÍTICA


Constituição Cidadã pavimentou o caminho para o parlamentarismo. O Art. 2º Título X, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, diz o seguinte (litteris): “no dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no País.”

Quatro anos depois, a emenda constitucional nº 2, de 25 de agosto de 1992, antecipou o plebiscito para o dia 21 de abril de 1993 e determinou que seus efeitos vigessem a partir de 1º de janeiro de 1995. Só que faltou combinar com os burros, digo, com o esclarecidíssimo povo tupiniquim. E aí deu zebra, e a zebra emprenhou e pariu o presidencialismo de coalizão (ou de cooptação, como queiram).

Noves fora Fernando Henrique — e olhe lá —, nada que prestasse ocupou o gabinete mais cobiçado do Palácio do Planalto desde o final da ditadura. Tancredo baixou ao hospital 12 horas antes da cerimônia de posse, foi declarado morto 38 dias e 7 cirurgias depois e sepultado dali a 3 dias, levando consigo a esperança do povo brasileiro e deixando no ar uma pergunta que não quer calar: como estaríamos hoje se a velha raposa mineira tivesse efetivamente presidido o país?

A passagem de Sarney — o grande oligarca da política de cabresto nordestina — pela presidência desta Banânia foi um desastre; a de seu sucessor — o caçador de marajás de araque — terminou em impeachment, a exemplo do governo Dilma, 24 anos depois.

Do mandato tampão de Itamar resultou FHC em dose dupla, mas a empáfia comodista dos tucanos deu azo a 13 anos 4 meses e 12 dias do mais nefasto lulopetismo. Após a deposição Bruxa má do Oeste, o vampiro do Jaburu concluiu seu mandato tampão melancolicamente, no melhor estilo “Lame Duck” (como os americanos se referem a políticos que chegam ao fim mandato desgastados a ponto de os garçons palacianos demonstrarem seu desprezo servindo-lhes o café frio). E então vieram as dez pragas do Egito, encarnadas num egum mal despachado que urge exorcizar.       

O impeachment é um processo lento — e penoso, pois paralisa o país até sua resolução. Em tempos de crise, ele está longe de ser o instrumento apropriado para resolver problemas de governança e gestão temerária, mas o que fazer quando não existe outra opção?

No que tange ao impeachment, a Constituição Cidadã que gestou nosso “presidencialista de cooptação” pariu dois fenômenos: quando o presidente possui pouca interlocução no Congresso, torna-se presa fácil de um processo de impedimento (como aconteceu com Collor e Dilma). Mas se lotear o governo no parlamento, como fez Michel Temer, o chefe do Executivo dificilmente enfrentará o pior, mesmo que sua gestão seja temerária ou improba.

O parlamentarismo, longe de estar enraizado na sociedade, surge como a melhor opção, mas carece de apoio popular pela característica clássica do eleitor brasileiro em buscar um salvador da pátria a cada ciclo eleitoral. Para funcionar, uma reforma política como manda o figurino, que ataque também o modelo eleitoral, adotando o sistema distrital puro ou misto, ou mesmo eleição em lista fechada, teria de ser feita ontem, aprovada anteontem e começar a viger a partir do mês passado. Soluções como essa produzem bons resultados em regimes parlamentares europeus, como os da Alemanha, Espanha e Reino Unido, além de tornarem as campanhas mais baratas e reduzirem drasticamente o número de partidos políticos.

Uma mudança dessa magnitude no Brasil seria utópica. Uma alternativa seria limitar o tempo do mandatário de turno através do recall — um chamamento de votação suplementar no qual o eleitorado decide se o governante deve ou não concluir seu mandato —, mas poderia paralisar o país, já que produziria um novo ciclo eleitoral no meio do mandato.

As “idas e vindas” de Bolsonaro (bom seria se ele fosse e não voltasse nunca mais, mas enfim) me trazem à lembrança uma célebre frase do filósofo espanhol José Ortega y Gasset, que testemunhou a transfiguração radical das circunstâncias, no seu torrão natal, da monarquia para a República e desta para a ditadura: "Yo soy yo y mi circunstancia y si non la salvo a ella no me salvo yo."

Políticos costumam evocar a primeira parte desse aforismo para justificar mudanças bruscas de posição. No caso de Bolsonaro, todavia, a segunda parte do enunciado de Gasset é mais relevante. No português do asfalto, a mensagem de Gasset seria traduzida assim: para salvar a própria pele, mande à merda a coerência e vire-se como puder. Bolsonaro virou-se do avesso. Aturdido com a perda de popularidade, agarra-se ao jacaré imaginando que é um tronco. Difícil saber quanto tempo durará a hipotética conversão às vacinas. Quando está fora de si, nosso indômito capitão não consegue esconder por muito tempo o que tem por dentro.

O Brasil precisa repensar seu modelo político, torná-lo mais moderno, ágil e capaz de entregar soluções efetivas para a população. O impeachment não consegue ser um instrumento eficiente, não da forma como o conhecemos, visto que a eleição de um presidente pode se tornar a compra de uma agonia no médio prazo. Por outro lado, estelionatos passaram a ser uma prática recorrente no Brasil, e os eleitores tornaram-se reféns da traição por período longo demais. O país tem pressa em acertar, mas permanecerá nesse marasmo enquanto a população não exigir mudanças. A pandemia mostrou que não temos o direito de errar — mas, se errarmos, é fundamental dispormos de ferramentas eficazes, que nos permitam consertar a caga... a burrada com a devida prontidão

Com Marcos Coimbra

domingo, 8 de novembro de 2020

A NOVELA QUE SÓ ACABA QUANDO TERMINA


Impossível fugir a essa dura realidade: a eleição presidencial americana foi indubitavelmente o assunto da semana. Biden, ao longo da apuração dos votos, pediu paciência ao povo (e ao mundo). A minha, porém, já havia se esgotado.

Desde terça-feira, 3, que não se ouviu falar de outra coisa. Até a indefectível evolução da pandemia, que os telejornais parecem se comprazer em atualizar todas as noites, perdeu espaço para a contagem dos votos nos estados do Arizona, Geórgia, Nevada e Pensilvânia. E para as bravatas de Donald Trump, que se revela (mas não surpreende) um péssimo perdedor.

Eram cerca de 2h da tarde de ontem quando finalmente foi confirmada a vitória de Biden. Pela manhã, segundo as projeções da Associated Press, faltavam pelo menos 6 votos no colégio eleitoral para o democrata alcançar o "número mágico" (270 dos 538 votos possíveis) e sagrar-se vencedor. Com a vitória projetada na Pensilvânia, Biden obteve 284 votos. Outros veículos, como o "Times", ainda não haviam declarado sua vitória no Arizona, que tem 11 delegados, mas os 20 votos eleitorais da Pensilvânia liquidaram a fatura e a apuração no Arizona perdeu o protagonismo.

Para Vilma Gryzinski, o coronavírus já foi precificado e seu custo cruel, em doenças e fatalidades, absorvido. Basta olhar qualquer grande publicação nos países onde ele ainda persiste (ou tenta rebrotar). Só com muito esforço os veículos de comunicação conseguem “empurrar” o assunto para as manchetes — noves fora, evidentemente, a expectativa em relação à vacina, ou vacinas, o público já está em outra. E os motivos principais são dois: uma espécie de ressaca emocional com uma doença que só traz más notícias e os mecanismos de proteção psicológica acionados por grandes crises. 

O homem é uma criatura que se acostuma com tudo e acho que esta é a sua melhor definição”, resumiu Dostoievski ao retratar, de forma tão genial e tão dolorosa, a teia de relações humanas num campo de trabalhos forçados na Sibéria, onde ele próprio penou durante quatro anos.

Acostumar-se às adversidades é um ato de reafirmação da vida e não um desprezo pelos mortos. Comparar uma doença com letalidade relativamente baixa à Batalha da Inglaterra seria um despautério, não fosse o fato de os combates aéreos terem sido transmitidos ao vivo pela BBC, e a cobertura — minuto a minuto, inclusive pelas redes sociais — da disseminação do coronavírus e seus efeitos deletérios ter criado uma epidemia paralela: a do medo. Um medo tão intenso que virou um desafio aos governos que entendem a catástrofe da catatonia econômica. Nesse sentido, perder a paciência com tanta notícia ruim pode ser uma coisa boa.

Voltando às eleições americanas, Franklin D. Roosevelt dizia que o salão oval [da Casa Branca] oferece a quem o ocupa um “bully pulpit”, usando o termo “bully” como sinônimo de “notável”, “excelente”, e não com o sentido de “assédio”, que se popularizou entre nós nos últimos tempos. Josias de Souza acrescenta que “de um bom presidente espera-se que aproveite a vitrine do bully pulpit (que ele traduz como “vitrine privilegiada”) para irradiar confiança e bons exemplos”. Mas não é o que faz o candidato à reeleição naquele país.

Aparentemente acometido pela síndrome do que está por vir, o doidivanas trombeteia denúncias de fraude eleitoral — sem exibir uma mísera prova que embase tais acusações — e tacha de "ilegais" os votos que aproximam seu adversário da vitória. "Vão tentar roubar a eleição da gente", declarou Trump, antes de desqualificar a votação pelo Correio, prevista em lei. "É um sistema que torna as pessoas corruptas."

“O poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente”, ensinou o historiador britânico Lord Acton, para quem “a liberdade não é um meio para um fim político, mas o mais elevado fim político”. Abraham Lincoln, por seu turno dizia que “pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo; mas não se pode enganar a todos por todo o tempo”.

Os discursos de Trump exsudam derrota por todos os poros. Menos pelo que o lunático verbaliza expressamente e e mais pelo que fica implícito nas entrelinhas, isto é, que a reeleição está sendo roubada, que o sistema eleitoral da superpotência que ele preside há quatro anos está eivado de corrupção. Na prática, o ídolo de Bolsonaro nivela seu país a uma republiqueta do porte da Venezuela: ou as instituições reagem, ou Juan Guaidó acabará se autoproclamando presidente paralelo do país.

Com a vitória de Biden, começam dois novos problemas. Um deles vai durar dois meses e meio. O outro, quatro anos. A posse do presidente dos Estados Unidos ocorre em 20 de janeiro, e até lá Trump dá as cartas. Na transição de um governo para o outro, o presidente derrotado é chamado de “lame duck” (pato manco, que é como os americanos se referem a políticos que chegam ao final do mandato desgastados a ponto de os garçons palacianos demonstrarem seu desprezo servindo-lhes o café frio). 

Trump se parece mais com um elefante ferido, solto no salão oval. Abater o paquiderme não é fácil, mas mais difícil é remover o corpo. Sobretudo quando o bicho ainda respira — e espalha mentiras criminosas.

Vencida a fase das batalhas judicial e política, estreará a administração de quatro anos de Biden. Tomado pelo estilo, o personagem é o avesso de Trump. Mas a agenda de problemas e as obsessões do país serão as mesmas: a pandemia, a crise econômica, a encrenca da imigração, a guerra comercial com a China, a pinimba com a Venezuela, as pendências com o Irã...

O futuro dos EUA é feito das mesmas angústias do presente. Tudo isso num país polarizado, com metade da população odiando a outra metade e vice-versa. O resultado expresso nas urnas indica que o trumpismo continuará vivo e não há — pelo menos até onde a vista alcança — evidências de que Biden conseguirá unificar o país. O democrata terá de olhar para os devotos do antecessor sem preconceitos e — também até onde a vista alcança — sua capacidade gerencial não passa de uma promessa pendente de verificação. Submetido a desafios extraordinários, Biden terá de provar que não é um gestor ordinário.

Os Estados Unidos precisam civilizar a si mesmos. Uma parte do país parece considerar que o processo civilizatório passa pela retirada de Trump do poder, mas a ação de despejo vem a conta-gotas, expondo a decomposição de uma democracia.

segunda-feira, 9 de março de 2020

AINDA SOBRE O CAPITÃO CAVERNA (CONTINUAÇÃO)



Cotação do dólar chega aos R$ 4,78 na manhã desta segunda-feira Fico imaginando – ou melhor, tenho até medo de imaginar – como se comportará a Bolsa ao longo do dia. Enfim, bola pra frente, é vida que segue, o show tem que continuar. Vamos à postagem do dia.
 
Nunca antes na história deste país — como diria o criminoso de Garanhuns e ex-presidiário de Curitiba — presidente algum demonstrou tanta competência em degradar a função presidencial quanto Jair Bolsonaro, mestre em adaptar os usos e costumes republicanos a seu modo de vida à margem das instituições e PhD em utilizar essas mesmas instituições para tentar destruí-las.

Considerado pelo general-ditador Ernesto Geisel como um homem anormal e “mau militar”, o hoje presidente teve sua carreira no Exército abreviada por planejar atos terroristas à guisa de reivindicação salarial nos quartéis. Em 1986, o então capitão publicou na revista VEJA um artigo em que reclamava do soldo (a  matéria lhe rendeu 15 dias de prisão e um processo por indisciplina), e no ano seguinte, também em protesto contra os baixos salários, planejou explodir bombas de baixa potência em quartéis e academias. O assunto foi resolvido discretamente, e o insurreto foi absolvido de todas as acusações. Mas sua carreira militar terminou ali.

Eleito por uma maioria de mais de 57 milhões de votos — uma resposta que as urnas deram aos anos de governo petista, marcados por escândalos de corrupção e pela maior crise econômica da história do país —, Bolsonaro representa um núcleo extremista da sociedade que incentiva a ir às ruas contra as mesmas instituições que jurou proteger. Não tem noção do que venha a ser decoro, seja na vida privada, seja na pública, e tampouco respeita a “liturgia do cargo”. Anda às voltas com denúncias de divisões salariais ilegais em seus gabinetes e nos de seus filhos — a chamada “rachadinha” — e em 27 anos como deputado federal só aprovou dois projetos, mas colecionou quase 30 processos, alguns dos quais ainda tramitam no STF (embora tenham sido suspensos quando ele vestiu a faixa, já que o presidente da República não pode ser processado por atos anteriores ao mandato).

Nu como o rei da fábula, o presidente revela-se uma patética versão de Lula com sinal trocado, um populista manipulador que, embora não tenha o dom da retórica do arquirrival, alimenta um discurso extremamente sectário, persegue adversários políticos, ataca a imprensa e atribui a inimigos imaginários a culpa por seus próprios fracassos.

Graças à péssima qualidade do nosso eleitorado, o embate no segundo turno das eleições passadas se deu entre os dois extremistas extremados do espectro político-ideológico. Com isso, para evitar o mal maior, a direita chegou ao poder encarnada num pseudo conservador, ferrenho defensor de uma política econômica nacionalista e intervencionista, e que sequer conhece o conceito de “direita”.

A exemplo do que fez Lula em 2002, ao assinar a Carta ao Povo Brasileiro para acalmar o mercado — consta que o texto, supostamente da lavra do então candidato, foi na verdade redigido por Antonio Palocci, já que o pseudo signatário mal sabia ler, quanto mais escrever —, Bolsonaro, por puro pragmatismo, escalou um economista liberal para chefiar o ministério da Economia, um ex-juiz federal implacável com a corrupção e com os corruptos e mas meia dúzia (se tanto) de notáveis. Dos demais, notadamente entre os que foram indicados pelo guru de Virgínia (como as duas “sumidades” que chefiaram a pasta da Educação até agora, certa pastora evangélica e um chanceler de araque), poucos valem o tempo que eu gastaria discorrendo sobre sua total inadequação ao cargo.

Um conservador, ensina o deputado federal Kim Kataguiri, respeita as boas tradições e os principais frutos delas: As Instituições. Isso inclui o Parlamento, o Judiciário, a Imprensa, a Polícia Federal etc. Mas Bolsonaro deixa claro que não tem o menor apreço por nenhum desses órgãos.

Durante a reforma da Previdência — principal bandeira do governo —, o maior interessado em sua aprovação não só não colaborou como fez o que pode para atrapalhar, até que sumiu do debate público — e se reapareceu no final, foi para defender o destaque que garantiu privilégios aos policiais federais (o que desidratou ainda mais a PEC). E depois estrilou quando os presidentes da Câmara e do Senado, que tomaram para si a responsabilidade pela aprovação da emenda, avisaram ela se daria nos termos dos parlamentares.

Em agosto do ano passado, numa entrevista à revista Veja, o ministro Dias Toffoli (cuja passagem inglória pela presidência do STF felizmente termina em setembro próximo, quando assumirá o posto o atual vice, ministro Luiz Fux) que o Brasil esteve à beira de uma crise institucional entre abril e maio, e que sua (dele, Toffoli) atuação foi fundamental para pôr panos quentes numa insatisfação que se avolumava. 

O ministro não deu muitos detalhes, mas a combinação explosiva envolvia uma rejeição dos setores político e empresarial e até de militares a Bolsonaro, e o cenário, de fato, era preocupante naquele momento. No Congresso, a reforma da Previdência — principal e mais importante bandeira econômica da atual administração — não avançava, e o governo acusava os deputados de querer trocar votos por cargos e verbas públicas. O impasse aumentou quando um grupo de parlamentares resolveu desengavetar um projeto que previa a implantação do parlamentarismo, que, se aprovado, transformaria Bolsonaro numa figura meramente decorativa, um lame duck — termo usado pelos americanos para se referir a políticos desgastados, que perdem o protagonismo e se limitam a cumprir compromissos protocolares, a quem os garçons palacianos servem a água sem gelo e o café, frio.

No ano passado, os conflitos com o Congresso e a truculência de Bolsonaro não impediram o avanço da agenda de reformas. Agora, porém, os agentes econômicos e o mercado financeiro veem com preocupação as constantes quedas de braço entre o Executivo e o Legislativo. Um exemplo recente foram o impasse com o Legislativo sobre o controle de cerca de R$ 30,1 bilhões do Orçamento deste ano, que levou duas semanas para ser resolvido. Finalmente, após acordo com o governo, o Congresso manteve os vetos de Bolsonaro ao Orçamento impositivo, que devolve ao Executivo o controle de R$ 30,8 bilhões. Mas novos embates virão, até porque temos uma disputa institucional em curso.

Após a crise do presidencialismo de coalizão na era Dilma, o Legislativo ampliou o controle sobre o Orçamento da União e criou dificuldades para a edição de medidas provisórias. Mais recentemente, o Executivo — ou a maneira de governar de Bolsonaro, melhor dizendo — acelerou um processo que, no limite, poderá resultar num semiparlamentarismo de coalizão, em vez do presidencialismo de coalizão (ou seria presidencialismo de cooptação?). O Judiciário, por seu turno, se afirmou com a judicialização da política a partir do julgamento do mensalão.

Para não estender ainda mais este texto, volto ao assunto numa próxima oportunidade.