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sábado, 20 de novembro de 2021

PARA MIM ESTÁ DE BOM TAMANHO


Faz parte do "American Dream" ver um filho presidente, daí as famílias americanas de classe média hipotecarem a casa e as cuecas para mandar os filhos para Harvard, Columbia, Stanford, Princeton, enfim, para universidades que lhes assegurem melhores oportunidades profissionais. 

Tanto lá como cá o contrato de locação da residência oficial da Presidência é de quatro anos, prorrogáveis por mais quatro, mas aqui as exigências são low profile. Aqui, cinco inquilinos foram avalizados pelas urnas desde a redemocratização. 

O primeiro se formou em Ciências Econômicas, estagiou no Jornal do Brasil e dirigiu a empresa da família antes de ingressar na vida pública e, mais adiante, mudar-se de mala cuia para o Planalto. O segundo era um sociólogo e cientista político com mestrado e reeleição; o terceiro, o desaculturado exótico que, 8 anos e um mensalão depois, se fez suceder por uma pseudogerentona de araque, dona de um currículo anabolizado que deixaria certo ex-ministro da Educação verde de inveja; e o inquilino da vez...

... O inquilino da vez é o dublê de mau militar e deputado medíocre que, na definição lapidar do senador Omar Aziz, "por onde passa espalha fezes". Um lunático sem condições de presidir coisa alguma — nem carrinho de pipoca em porta de cinema —, mas que, graças à inércia dos brasileiros, não só continua no Palácio (onde raramente é encontrado, mas enfim...) como pugna pela prorrogação do contrato por mais quatro anos (que Deus nos livre e guarde dessa desgraça).   

Diz um ditado português que "em casa onde falta o pão todos gritam e ninguém tem razão". Outra pérola da sabedoria popular ensina que dar voz a burros implica aturar os zurros. E o que não falta ao Brasil, além de governo e agentes públicos sérios, é espaço para a discussão de bobagens. No contexto atual, repercutir as falas do pajé da cloroquina, como a mídia tem feito dia sim outro também, é desperdiçar boa vela com mau defunto.

Governar esta banânia talvez não seja um bicho-de-sete-cabeças. Tanto que o desaculturado retrocitado e sua deplorável cria e sucessora somaram 13 anos, 4 meses e 12 dias no Planalto. Mas requer um mínimo de bom senso, coisa que o mandatário de turno não tem. Aliás, ele próprio reconheceu que não nasceu para ser presidente, mas, sim, para ser militar. 

Fosse o Brasil uma democracia consolidada, a pergunta que se colocaria seria: por que diabos Bolsonaro não desce do palanque, pega o boné e vai passear de motocicleta em outra freguesia? Como vivemos num arremedo de republiqueta de bananas, a resposta é: porque isto aqui não passa de uma republiqueta de bananas.

A esta altura, já cumprimos 32 meses e meio da pena de 48 meses que nos foi imposta pelas urnas em 2018. A despeito de quase 140 pedidos de impeachment, o carcereiro continua na porta da cela, ensinando-nos da pior maneira que suas promessas de campanha eram meras falácias de palanque. 

Menos de um mês depois e assumir a Presidência, o "mito" foi questionado acerca das estripulias de Zero Um/Fabrício Queiroz. Sua resposta foi: "se ele errou e isso ficar provado, eu lamento como pai, mas ele vai ter que pagar." E foi então que a Velhinha de Taubaté se revirou na tumba.     

De novo: se vivêssemos num país sério, há muito que Bolsonaro seria uma página virada da desditosa história de Pindorama. Mas, como vivemos no país do futuro que nunca chega e onde passado é incerto, periga termos de escolher novamente, daqui a 11 meses, se continuamos a fritar na frigideira do bolsonarismo boçal ou pulamos no fogo do lulopetismo ladrão. 

Até onde a vista alcança, nossa única esperança  é a consolidação da tão falada terceira via — até porque a falta de candidatos que empolguem o eleitorado "nem-nem" (nem Bolsonaro nem Lula) é tão prejudicial quanto sua pluralidade.

Gente incompetente, ímproba e mal-intencionada vem alardeando o descabimento da candidatura de Sergio Moro. O cara tem voz de pato, dizem uns. Falta-lhe experiência política, afirmam outros. As esquerdas o acusam de parcialidade no julgamento do redentor dos pobres (e tiveram seus queixumes agasalhados pela banda podre do STF), sustentam que ele mandou prender a "alma viva mais honesta desta galáxia" para impedir o povo de ser feliz de novo, e por aí vai. Já os bolsomínions e convertidos acusam-no de ter "traído" o imbrochável, incomível e imorrível que lhe deu um ministério para chamar de seu, dizem que o ex-juiz entrou para a política de olho numa suprema toga, e por aí segue a procissão de asneiras.

Raciocinar nunca foi o esporte nacional dos brasileiros. Isso resulta em más escolhas nas urnas. Como bem disse o último general-presidente da ditadura militar, "um povo que não sabe escovar os dentes não está preparado para votar". 

Na última quarta-feira, em entrevista a Pedro Bial, o ex-juiz da Lava-Jato disse que, para levar seu projeto adiante, ele depende apenas da confiança do povo, e que está preparado para presidir o país. Moro ainda está escolhendo sua equipe, mas adiantou na entrevista que Affonso Celso Pastore deverá cuidar da área econômica, e que seu plano de governo vai muito além do combate à corrupção. Que assim seja!

No final de 2018, a promessa de uma vaga no STF foi decisiva para o então juiz abandonar 22 anos de magistratura. Mas a pergunta é: quem do ramo do Direito não sonha com a suprema toga? Isso não muda o fato de que, como ministro da Justiça, Moro teria melhores condições de combater a corrupção e a criminalidade. Demais disso, ao aceitar o convite do então presidente eleito, nem ele nem ninguém fazia ideia do antro de corrupção que seria a gestão do "mito" dos bolsomínions.

Bolsonaro obrigou Moro a engolir todos os sapos e beber toda a água da lagoa. Quando finalmente conseguiu a demissão do auxiliar, sua alteza irreal "acabou com a Lava-Jato" porque, "não havia mais corrupção no governo". Esse pronunciamento do lunático levou a récua de bolsomínions a bater os cascos até perderem a ferradura, indiferentes ao fato de que, dos cinco rebentos que o Messias teve em três casamentos, somente a filha de 11 anos não é alvo de investigações.

Mais malfeitos de Bolsonaro et caterva foram trazidos à luz pela CPI do Genocídio, cujas sessões televisionadas e transmitidas ao vivo e em cores deixaram evidente que o ministério da Saúde foi cooptado por negacionistas, oportunistas, corruptos e vendilhões da pátria. Mesmo assim, o general Pesadello vai muito bem, agora exercendo o cargo de "aspone". Embora o fardado fosse passível de punição à luz do Código Penal Militar por sua participação em atos políticos, a investigação deu em nada e os detalhes envolvendo a farsa foram sepultados sob 100 anos de sigilo.

Observação: No auge da pandemia, o capitão-caverna demitiu Luiz Henrique Mandetta (porque o médico “estava se achando estrela”). Quando se deu conta de que seu substituto — o oncologista Nelson Teich — não se converteria ao negacionismo, sua alteza fritou o ministro e nomeou o general "um manda e o outro obedece". O expert em logística que não sabia amarrar os próprios coturnos militarizou a pasta, transformou-a em cabide de farda para os "amigos do rei" e lambeu as botas do suserano durante dez meses. Quando sua permanência no cargo se tornou insustentável, o capitão o substitui pelo cardiologista Marcelo Queiroga, que hoje segue alegremente os passos do esbirro que o antecedeu. 

O candidato que apoiamos para evitar a volta da roubalheira lulopetista ora envergonha, dia sim outro também, localmente e no exterior. A falta de compostura do capetão transformou-o em pária aos olhos do mundo — condição vexatória que o povo brasileiro é forçado a compartilhar. Inobstante a péssima qualidade de seu eleitorado, o Brasil não merece um mandatário desequilibrado, que profere discursos golpistas, regurgita aleivosias na ONU e no G20 e conspurca a imagem do país no exterior, como fez no passeio turístico pela Europa — que teve até agressão física a jornalistas — e em sua viagem a Dubai, onde despejou uma narrativa ficcional sobre os investidores árabes, e ao Catar, onde promoveu mais uma de suas ridículas motociatas. Vá se catar!

Moro não terá dificuldade em administrar a massa falida herdada da pior gestão de todos os tempos (incluindo a de Dilma) se compuser um ministério competente e probo. Como cachorro picado por cobra tem medo de linguiça, não custa relembrar que o vampiro do Jaburu prometeu um ministério de notáveis e entregou uma notável confraria de corruptos, transformando sua "ponte para o futuro" numa patética pinguela e pavimentando o caminho para a vitória do motoqueiro fantasma.

Oportuno relembrar também que a campanha do capitão-demagogo à Presidência se equilibrou em três pilares: 

1) Para provar que era amigo do mercado e obter o apoio dos empresários, o estatista que acreditava em Estado grande e intervencionista, que sempre lutou por privilégios para corporações que se locupletam do Estado há décadas, foi buscar Paulo Guedes, que embarcou em uma canoa que deveria saber furada; 

2) para provar que era inimigo da corrupção e obter o apoio da classe média, o deputado que, em sete mandatos, pertenceu a oito partidos diferentes, todos de aluguel, e sempre foi adepto das práticas da baixa política e amigo de milicianos, foi buscar Sergio Moro, que embarcou em uma canoa que deveria saber furada; 

3) para obter o apoio das Forças Armadas, o oficial de baixa patente despreparado, agressivo e falastrão, condenado por insubordinação e indisciplina e enxotado da corporação, foi buscar legitimidade em uma fieira de generais, que embarcaram em uma canoa que deveriam saber furada.

A esse festival de horrores soma-se a conversão do pajé de Chicago ao negacionismo tresloucado do chefe despirocado. Ao invés de ensinar noções de liberalismo ao presidente, o superministro de festim absorveu como uma esponja o que há de pior no bolsonarismo-raiz. 

Tivesse um mínimo de autoestima, o cheerleader do governo Bolsonaro enfiaria o ego no saco, pegaria o boné e iria se catar nas Ilhas Virgens Britânicas, onde mantém sua offshore. Em vez disso, o luminar da economia continua insultando nossa inteligência ao afirmar que o PIB brasileiro "está crescendo acima da média mundial" e que quem não vê isso está "maquiando os números com variáveis 'fictícias'".

Contaminado pelo sumo pontífice da nova seita do inferno, o Posto Ipiranga sem combustível insiste na potoca da recuperação em "V". Para este ano, a estimativa do ministro sonhador para o crescimento do PIB é de 5,1% — um pouco menos que os 5,3% divulgados em setembro, mas ainda acima dos 4,88% previstos pelo mercado financeiro —, e de 2,1% para o ano que vem — o mercado ainda fala de 0,93%, mas já há quem preveja recessão.

Entrementes, a corja de ladrões que tomou de assalto (sem trocadilho) o Congresso Nacional busca novas maneiras de assaltar o erário. A despeito de o STF ter barrado as famigeradas "emendas de relator", o governo continua liberando verbas para parlamentares afinados com o general da banda. 

Nos dias que antecederam a votação da PEC do CALOTE, foram gastos R$ 1,3 bilhão com as tais emendas. No despacho que suspendeu a maracutaia, a ministra Rosa Weber anotou: “Causa perplexidade a descoberta de que parcela significativa do Orçamento da União Federal esteja sendo ofertada a grupo de parlamentares, mediante distribuição arbitrária entabulada entre coalizões políticas. Triste Brasil.

Enquanto Bolsonaro gargalha de suas piadas homofóbicas (sua marca registrada), a obstinação do Planalto em gastar por antecipação (com propósitos nitidamente eleitoreiros) derrubou o Ibovespa por quatro dias consecutivos. Na quarta-feira 17, a B3 fechou aos 102.498 pontos — a última vez que o índice ficou abaixo dos 103 mil pontos foi em novembro do ano passado, e na quinta, aos 102.426 pontos).

Observação: Alguns senadores contrários à farra do deputado-réu que preside a Câmara querem canalizar para programas sociais os bilhões resultantes da PEC do Calote, fechando de vez a porta para a promessa feita pelo capitão-falastrão — que deixou o mercado em polvorosa — de reajustar os salários de todos os servidores.  

Questionado por Bial sobre declarações que jamais seria candidato, Sergio Moro ponderou que o contexto mudou completamente depois que Bolsonaro boicotou o projeto de combate à corrupção no país. 

Em 2018, eu vi a oportunidade de me tornar ministro da Justiça e levar essa reforma que estava sendo feita nos casos judiciais para Brasília, para consolidar leis e avanços e principalmente impedir esses retrocessos. Eu encarava como missão por um propósito maior. Quando, depois, o governo boicotou o projeto de combate à corrupção, não deu o apoio necessário para que fossem aprovadas as reformas no Congresso, passou a adotar um comportamento de, ao invés de coibir a corrupção, praticamente abandonar essa agenda, inclusive interferir em órgãos de controle, saí do governo. Tenho visto desde que saí do governo um progressivo desmantelamento do combate à corrupção. Estamos perdendo aquilo que construímos a duras penas durante a Operação Lava Jato”, disse o ex-ministro.

Para mim está de bom tamanho. E para você?

sábado, 23 de outubro de 2021

A HORA DO IMPEACHMENT DE BOLSONARO

Sabemos que os políticos são eleitos, ou seja, que não brotam em seus gabinetes por geração espontânea. Também sabemos que a "qualidade" do eleitorado tupiniquim é a pior possível, e que quem vota em candidatos ímprobos e incompetentes não pode se queixar de estar mal representado. Mas a minoria mais esclarecida sabe quão mal representada esteve desde a primeira vitória de Lula (não que estivesse bem representada durante aos dois mandatos de FHC), e sabe também quão pior ficou a situação do país sob o mandatário de turno. A questão que se coloca é: o que fazer para mudar isso?

A resposta é: com esse Congresso, sem chance. Basta observar o comportamento dos parlamentares para inferir que as necessidades da nação e os anseios da população não são prioridades para essa caterva (com raras e honrosas exceções). E isso vale também para o chefe do Executivo Federal, que se elegeu porque muitos de nós teríamos teria votado no Demo em pessoa para impedir a volta do lulopetismo corrupto — e sabemos agora que foi quase isso que fizemos.

As promessas de campanha do "mito" jamais subiram a rampa do Planalto, ao passo que o dito-cujo, o Messias que não miracula, jamais desceu do palanque. Sua vitória decorrou da mais absoluta falta de alternativa, mas não imaginávamos, em 2018, que seu (des)governo seria algo como a emenda pior que o soneto.

Dormitam nos escaninhos da presidência da Câmara quase 140 pedidos de impeachment em desfavor de Bolsonaro. Mas foi graças a Bolsonaro e a bilhões de um orçamento paralelo que não ficou bem explicado (até porque não há como explicar o inexplicável) que a Câmara é presidida por um deputado-réu que, juntamente com o atual chefe da casa-civil da Presidência, dita as regras no famigerado Centrão

Enquanto estiverem lucrando com a permanência de Bolsonaro no cargo, os parlamentares centristas continuarão a desempenhar o papel que desempenham desde 1987 — de "marafonas do Congresso" — e seus líderes, a blindar o execrável chefe do Executivo. Como desgraça pouca é bobagem, comanda a Procuradoria-Geral da República uma versão revista, atualizada e piorada do engavetador-geral da República Geraldo Brindeiro — que foi guindado ao cargo pelo então presidente FHC.

A CPI do Genocídio concluiu seu relatório. A despeito da cisão do G7 na reta final, será pedido o indiciamento de Bolsonaro e outros investigados que transformaram em política pública o tratamento da Covid com remédios ineficazes, apostaram na imunização coletiva pelo contágio, negligenciaram o colapso hospitalar de Manaus, retardaram a compra de vacinas da Pfizer e do Butantan, firmaram contrato irregular para a compra da vacina indiana Covaxin e abriram as portas do Ministério da Saúde para picaretas que ofereciam vacinas inexistentes. Ou seja, a Comissão pretende acusar Bolsonaro tanto pela prática de crimes comuns quanto de crimes de responsabilidade, e o dito-cujo, escudado por Augusto Aras e Arthur Lira, dá-se ao luxo de dizer que está cagando e andando para a CPI

Renan Calheiros, por sua vez, tornou-se a personificação do paradoxo vivido pela CPI. Há dois anos, quando o Senado aprovou a nomeação de Aras, o senador alagoano não conseguiu conter o entusiasmo. Naquela época, ele estava ao lado do primeiro-filho do Presidente — outro entusiasta da escolha de Aras. Freguês de caderneta da Lava-Jato, o Cangaceiro das Alagoas queria acertar as contas com a força-tarefa de Curitiba; denunciado pelo MP-RJ por peculato e lavagem de dinheiro, Flávio "Rachadinha" Bolsonaro estava à procura de blindagem.

PGR — e, por extensão, o Ministério Público Federal — vive um apagão mental. Já se sabia que Aras trata o Messias que não miracula como um ser inviolável e imune (eufemismos para intocável e impune). Descobriu-se mais adiante que, para livrar o suserano de incômodos judiciais, o procurador-vassalo e sua equipe enquadraram-no na categoria dos seres inimputáveis. Bolsonaro obteve da PGR um salvo-conduto para delinquir. Pode tudo, inclusive arrancar máscara da cara de criancinha. PT e PSOL pediram no STF a abertura de inquéritos para apurar a violação de leis estaduais e federal em aglomerações promovidas pelo mandatário durante passeios de moto com seus devotos no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Norte. A subprocuradora-geral Lindôra Araújo (braço direito de Aras), a quem coube formular a manifestação da PGR, sustentou que Bolsonaro não infringiu medidas sanitárias nem colocou a vida de ninguém em risco.

Bolsonaro fez uma opção preferencial por exercer o cargo de presidente à margem da lei. Transgride até leis que ele próprio sancionou. Como há males que vêm para pior, Aras e sua equipe promovem uma junção da ilegalidade com a impunidade. Resta saber até quando um país inteiro terá de passar vergonha para que um procurador-geral e sua equipe ofereçam blindagem a um presidente da República que se converteu num infrator serial.

Vivo, Darwin diria que a atuação da PGR não é apenas uma prova de que o ser humano parou de evoluir. Trata-se de uma evidência de que ele já faz o caminho de volta. No momento, o melhor lugar para se proteger de Bolsonaro é uma caverna nas montanhas do Afeganistão. Aliás, se o homem de Neandertal desconfiasse que o resultado da evolução seria bolsonaros, talvez não tivesse saído da caverna. Teria optado por uma versão pré-histórica do isolamento social.

Tudo indica que o capitão continuará destruindo o país — com fez Dilma até maio de 2016, quando foi afastada do cargo e substituída pelo vice decorativo (o folclórico vampiro que tem medo de fantasma) — até o mais amargo fim. Como a almejada reeleição fica mais distante a cada dia (embora política seja como as nuvens no céu; a gente olha e ela está de um jeito, olha de novo e o cenário já mudou), a intenção do mandatário de fancaria parece ser a de entregar terra arrasada a seu sucessor. Vire-se (para não dizer "foda-se"), dirá sua alteza irreal a quem lhe suceder em janeiro de 2023.

Também mais distante a cada dia torna-se a possiblidade de o negacionismo em forma de gente (?!) ser apeado do cargo (para o qual reconheceu não ter sido talhado), e periga o Posto Ipiranga caminhar a seu lado até o mais amargo fim. No final da última quarta-feira, devido ao "furo no teto dos gastos", quatro integrantes do primeiro escalão do Ministério da Economia pediram demissão.

Afere-se o grau de degradação da República entre nós tomando o pulso do organismo capaz de produzir a baixaria em que rasteja a indicação de André Mendonça ao STF. O senador Davi Alcolumbre, que foi guindado à presidência do Senado como representante do que seria a nova política — em contraposição a Renan Calheiros, que representava a velha —, comanda hoje Comissão de Constituição e Justiça da Casa como um dono de repartição consciente dos próprios direitos, controlando a agenda de sabatinas e empurrando para as calendas a de André Mendonça, dublê de ex-ministro da Justiça, ex-AGU e pastor presbiteriano, que Bolsonaro indicou (há mais de 3 meses) para ocupar a vaga do ora ex-decano Marco Aurélio.

Chegou-se à altura do buraco, ainda muito a descer, em que as pelejas por uma cadeira em corte constitucional converteram-se em “guerra religiosa” — contribuição particular de Bolsonaro, com sua promessa de ministro “terrivelmente evangélico”, a essa vala. O exercício da autonomia pelo presidente da CCJ é ato político. Nisso não vai qualquer problema intrínseco. A questão é outra.

O senador não segura a submissão de Mendonça ao Senado para proteger “a legítima autonomia do presidente da CCJ”. Não é uma batalha em defesa da independência do Congresso, nem contra o aparelhamento bolsonarista das instituições — ou não teriam reconduzido Augusto Aras à PGR. Por que, então, a segura? Bolsonaro já explicou: "[Alcolumbre] Teve tudo o que foi possível durante os dois anos comigo e, de repente, ele não quer o André Mendonça".

Bolsonaro, com sua objetividade de autocrata, é transparente sobre os orçamentos secretos. Rei morto, rei posto. Enquanto presidiu a Câmara Alta, Alcolumbre "teve tudo o que foi possível" e não criou embaraços. Era sócio. Ao passar a cadeira, perdeu graças. E decerto terá sido traído pelo morubixaba de festim, notório descumpridor de promessas, acordos e tal e coisa. Em suma: o senador amapaense estica a corda por interesses pessoais, e em nome deles, para fazer barganha, exerce, perverte e privatiza uma prerrogativa, músculo do equilíbrio republicano, do Senado.

Eis a República entre nós: Alcolumbre, autodeclarado alvo de “intolerância religiosa” (por ser judeu), não agenda a sabatina porque perdeu boquinha; Bolsonaro, o que “não tem ideia”, acusa Alcolumbre de reclamar de barriga cheia; o pastor Silas Malafaia ataca graúdos (de súbito dóceis) do Centrão para reivindicar a propriedade evangélica da cadeira vaga no STF; e o futuro de André Mendonça como membro da corte depende de tudo, menos da avaliação sobre se estará à altura de integrar o Supremo.

E viva o povo brasileiro!

Com Carlos Andreazza

terça-feira, 2 de abril de 2024

60º ANIVERSÁRIO DO GOLPE DE `64

 

O golpe de Estado que prefaciou a ditadura militar — aquela que Bolsonaro sempre negou, mas tentou ressuscitar em 2022, e que seu vice classificou de "ditamole" — completou 60 anos no último domingo. O senador Auro de Moura Andrade declarou vaga a Presidência da República em 1º de abril de 1964, mas episódio entrou para a História com data anterior para evitar associações jocosas com o "dia da mentira". 

Resumindo a ópera em poucas palavras, a renúncia de Jânio e a aversão dos militares a Jango pavimentaram o caminho do golpe, e os subsequentes 21 anos de ditadura deram azo ao surgimento do lulopetismo corrupto e do bolsonarismo boçal (mais detalhes na sequência O desempregado que deu certo). 

Para quem gazeteou as aulas de História, relembro que a Guerra Fria e a Revolução Cubana levaram o sistema político brasileiro do pluralismo moderado ao pluralismo extremamente polarizado, e a situação se agravou com a vitória chapa Jan-Jan (de Jânio e Jango) em 1960. Jânio se elegeu com a promessa de resolver miraculosamente todos os problemas ligados à corrupção e inflação no país, mas, alegando que "forças terríveis" se levantaram contra ele — e apostando que seria reconduzido ao cargo pelo "clamor popular" — despachou Jango para uma missão na China, apresentou sua carta-renúncia e voou para São Paulo levando a faixa presidencial.

Depois de esperar horas na base aérea de Cumbica pelas multidões não apareceram — talvez porque um arranjo urdido nos bastidores impediu que o povo soubesse onde ele estava, ou talvez porque o povo só poderia ser mobilizado por um partido janista se seu líder tivesse permitido sua existência — o populista cachaceiro embarcou para Europa, e o Brasil mergulhou na crise provocada pelo veto à promoção do "vice comunista" a titular.

Na qualidade de presidente da Câmara, o deputado Ranieri Mazzilli assumiu a chefia do Executivo, mas uma junta provisória formada pelos três ministros militares governou o país até 8 de setembro, quando foi implantado o sistema parlamentarista. Com os poderes limitados e tendo Tancredo Neves como primeiro-ministro, Jango foi autorizado a assumir a presidência como chefe de Estado. 

Curiosidades1) Dali a 24 anos, o primeiro-ministro de Jango se tornaria o primeiro presidente civil pós-ditadura militar. 2) Em 1962, Jânio concorreu ao governo de São Paulo, mas foi derrotado por seu velho desafeto Adhemar de Barros e só voltou a disputar um cargo público em 1985, quando derrotou o tucano Fernando Henrique e o petista Eduardo Suplicy e se elegeu prefeito da capital paulista.

Jango só assumiu o posto a que tinha direito desde a renúncia de Jânio depois que o referendo de 6 de janeiro de 1963 restabeleceu o presidencialismo, mas as tensões se intensificaram quando ele declarou que a reforma agrária era uma questão de honra em seu mandato. Embora não houvesse a menor possibilidade de uma vitória comunista — nem pela via reformista, nem pela luta armada —, parte da elite brasileira bateu às portas dos quartéis, e os militares atenderam prontamente (até porque a doutrina que aprendiam na caserna era a do Ocidente x Pacto de Varsóvia).

Quando a Marcha da Família com Deus pela Liberdade escancarou o apoio civil ao golpe, o Congresso, ameaçado de fechamento, chancelou a derrubada de Jango e a "eleição" do então chefe do Estado-Maior das Forças Armadas — o marechal Castello Branco —, que deixou o Planalto em 15 de março de 1967 e morreu quatro meses depois, vítima de um acidente de avião no Ceará. Outros quatro generais-ditadores — Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo , se revezaram no poder até 1985, num jogo um jogo de cartas marcadas em que o partido de oposição (MDB) era meramente figurativo. 

Observação: Muitos democratas e liberais apoiaram o golpe achando que os militares voltariam para os quartéis em 1965, quando haveria novas eleições e Juscelino (pelo lado reformista democrático) e Carlos Lacerda (conservador liberal, democrata) disputariam a Presidência. Mas eles não demoram a perceber que os militares, picados pela mosca azul, tencionavam se perpetuar no poder. 
 
A dança das cadeiras dos fardados terminou com a eleição indireta de Tancredo Neves, em janeiro de 1985, que reascendeu a chama da esperança no coração de 130 milhões de brasileiros. Mas a alegria durou pouco: por uma trapaça do destino, o presidente eleito baixou ao hospital horas antes da cerimônia de posse e bateu as botas 38 dias e 7 cirurgias depois, deixando de herança um neto que envergonhou o país e um vice que se tornou pai e avô do Centrão
O resto é história recente. 
 
Em 1989, já sob a égide da Constituição Cidadã, os brasileiros voltaram às urnas (depois de um jejum de 29 anos) para escolher seu presidente. Entre os 22 postulantes havia políticos do quilate de Ulysses Guimarães, Mario Covas, Leonel Brizola e Ciro Gomes e aberrações como Enéas Carneiro, Livia Maria Pio e Sílvio Santos, mas o eleitor tupiniquim, sempre pronto a fazer as piores escolhas, escalou Collor (com 30,5% dos votos) e Lula (com 17,2%) para disputar o segundo turno, quando então o pseudo caçador de marajás derrotou o desempregado que deu certo por 53% a 47%.
 
Durante a campanha, Collor prometeu alvejar o "tigre da inflação" com uma "bala de prata". Eleito, apertou o gatilho um dia antes da posse ao pedir a Sarney que decretasse feriado bancário para que o mercado se adequasse ao conjunto de medidas econômicas mais radical que o país já amargou. Além de congelar preços e salários — a exemplo dos planos Cruzado, Cruzado II e Verão, editados durante o governo Sarney—, o Plano Collor bloqueou todo o dinheiro depositado nos bancos e aplicado no mercado financeiro até o limite de Cr$ 50 mil. Como resultado, o PIB encolheu 4,5% e o número de falências, infartos e suicídios teve um aumento significativo.
 
Plano Collor II aumentou tarifas públicas, decretou o fim do overnight e criou a FAF (Fundo de Aplicações Financeiras) e a TR (Taxa de Referência de Juros), mas a inflação voltou a subir, o desemprego cresceu, estatais foram vendidas a preço de banana e houve um desmonte das ferrovias e cortes de investimentos federais em infraestrutura. Entre o fim do Plano Marcílio e o início do Plano Real a inflação baixou dos 2.000% a.a. para "apenas" 1119,91% a.a. — índice registrado no final de 1992, quando o
 Rei-Sol, autoritário como poucos e corrupto como muitos, foi chutado do Planalto pela porta dos fundos
 
Observação: Ciente de que sua deposição eram favas contadas, Collor renunciou às vésperas do julgamento de seu impeachment — que teve como estopim uma entrevista concedida por Pedro Collor à revista VEJA —, mas o Senado seguiu adiante e o condenou (por 76 votos a 3) à perda do cargo e suspendeu seus direitos políticos por 8 anos.   
 
Com a deposição do "Roxinho", o vice Itamar Franco passou a titular e nomeou Fernando Henrique ministro da Fazenda. Impulsionado pelo sucesso do Plano Real, o tucano se elegeu presidente em 1994, comprou a PEC da reeleição em 1997 e se reelegeu 1998. Como não lhe restavam novos coelhos para tirar da velha cartola, FHC não conseguiu eleger José Serra seu sucessor.A
 vitória de Lula em 2002 marcou o início à era lulopetista, que só foi interrompida em 2016, com o impeachment de Dilma

Com a deposição da gerentona de araque, seu vice foi promovido a titular e se mudou para a residência oficial da Presidência, mas voltou semanas depois para o Jaburu, porque, segundo ele, o Palácio da Alvorada é assombrado. Assim, Michel Temer se tornou o primeiro e único caso documentado de vampiro que tem medo de fantasma. 
 
A troca de comando foi como uma lufada de ar fresco numa catacumba: após 13 anos de garranchos verbais de um semianalfabeto e frases desconexas de uma anormal incapaz de juntar sujeito e predicado numa frase que fizesse sentido, um presidente que não só sabia falar como até usava mesóclises pareceu um refrigério. Demais disso, o vampiro do Jaburu
 conseguiu reduzir a inflação (que rodava pelos 10% quando ele assumiu), baixar a Selic e aprovar a PEC do Teto dos Gastos e a Reforma Trabalhista, mas o ministério de notáveis que prometeu se revelou uma notável agremiação de corruptos, e quando sua conversa de alcova com Joesley Batista veio a público, o sonho de entrar para a história como "o cara que recolocou o Brasil nos eixos" virou o pesadelo de vir a ser "o primeiro presidente no exercício do mandato denunciado por crime comum". 
 
Observação: A tropa de choque capitaneada por Carlos Marun contratou um coral de 251 marafonas para entoar a marcha fúnebre enquanto a segunda "flechada de Janot" era sepultada na Câmara, mas Temer terminou seu mandato-tampão como um "pato manco" — que é como os americanos se referem a políticos que chegam tão desgastados ao final do mandato que até os garçons lhes servem o café frio. 
 
Em 2018, uma extraordinária conjunção de fatores empurrou para o Planalto um combo de mau militar e parlamentar medíocre que atribuiu a vitória a uma "cagada do bem". Quatro anos depois, derrotado nas urnas, ele exortou seus paus-mandatos a "virar a mesa". Investigado em sete inquéritos, inelegível até 2030 e na bica de ver o sol nascer quadrado, esse dejeto da escória da raça humana aguarda a primeira condenação posando de perseguido. 
 
A retomada democrática instituída em 1985 com a eleição do presidente "Viúva Porcina" (que foi sem nunca ter sido) e sacramentada em 1988 pela promulgação da Constituição Cidadã não exorcizou os fantasmas da ditadura. No último dia 29, o STF começou a julgar em plenário virtual os limites da atuação das FFAA estabelecidos no Art. 142 da CF (o ministro Luiz Fux, relator da encrenca, já votou pelo sepultamento da tese de que os fardados são o "poder moderador" da República).

Para evitar atritos com as Forças Armadas, Lula vetou qualquer ação alusiva ao golpe de '64, mas sete dos 38 ministros foram às redes sociais prestar homenagens aos "desaparecidos" dos anos de chumbo
Lobotomizados pela polarização semeada pelo "nós contra eles" do xamã petista e estrumada pela extrema-direita radical que saiu do armário durante a campanha de 2018, os devotos do bolsonarismo, vítimas da pior espécie de cegueira, consideram seu "mito" um ex-presidente de mostruário perseguido injustamente por "Xandão", como deixou claro a manifestação de 25 de fevereiro passado.

Observação: Claro que muita gente reza (ou finge rezar) por essa cartilha devido a interesses escusos, da mesma forma e pelos mesmos motivos que muita gente finge acreditar que Lula é a alma viva mais honesta do Universo e que sua prisão "foi uma armação, um dos maiores erros judiciários da história do país". Mas isso é outra conversa. 
 
Em face de todo o exposto, não há o que celebrar em 31 de março (nem em 1 de abril, a não ser o "dia da mentira"). Comemorar a instalação de uma ditadura que fechou instituições democráticas e censurou a imprensa é permitir que ódios do passado envenenem (ainda mais) o presente e destruam o futuro. 

quarta-feira, 14 de abril de 2021

A GUERRA DAS CPIs

 

Impossível não sentir uma sensação de déjà-vu diante do “vazamento” da conversa telefônica que o presidente Bolsonaro e o senador Jorge Kajuru tiveram no último sábado, dada a semelhança com o episódio ocorrido em maio de 2017, quando Joesley Batista grampeou uma conversa de alcova que teve com o então presidente Temer — que só não renunciou porque foi demovido da ideia por seu fiel escudeiro, deputado Carlos Marun. Aliás, o ponto alto daquele espetáculo circense foram os ridículos passinhos de dança performados pelo parlamentar quando as marafonas da Câmara salvaram o rabo sujo do vampiro do Jaburu da “flechada” do então Procurador-Geral Rodrigo Janot.

Similaridades à parte, o entrevero atual parece estar longe de terminar. Na tarde da última segunda-feira, em entrevista à Band, Kajuru revelou mais um trecho da conversa mantida com Bolsonaro.  Kajuru disse que “se a CPI for revanchista”, ele “faz questão de não participar”. E o presidente respondeu: “Se você não participa, a canalhada do Randolfe Rodrigues vai participar. E vai começar a encher o saco. Aí vou ter que sair na porrada com um bosta desse”.

À CNN Brasil, o parlamentar revelou que: “o presidente da Pfizer veio ao Brasil no ano passado para oferecer vacina a Bolsonaro. Ele chegou no Palácio [do Planalto] às 8 horas da manhã. Às 18 horas — olha o tempo que ele ficou lá, o chá que ele levou —, disseram a ele que o presidente não poderia atendê-lo. Isso é gravíssimo, certo? E há provas sobre isso. Tem um ex-ministro que conta essa situação, ele fala sobre isso, ele viu, um ex-ministro da Saúde que, na hora certa, todo mundo saberá. A Pfizer — que já disse ter oferecido 70 milhões de doses de vacina contra a Covid ao governo brasileiro, oferta que teria sido ignorada — afirmou à CNN que o relato de Kajuru não procede, e o Planalto não quis se pronunciar sobre o assunto.

Na manhã de ontem, em entrevista ao Morning Show da rádio Jovem Pan, Kajuru ratificou sua versão sobre o chá de cadeira com que Bolsonaro bridou o executivo da Pfizer e informou que o ex-ministro da Saúde Luís Henrique Mandetta pode confirmar a informação (a princípio, Kajuru havia dito que, em depoimento à CPI da Covid (que ainda não foi formalmente instalada), “um ex-ministro da Saúde” confirmaria sua versão, mas, dada a insistência da equipe do Morning Show, acabou dando nomes aos bois.

Diante do impasse no Senado, deputados da oposição fizeram “um esforço concentrado” para conseguir novas adesões e pressionar Arthur Lira a avalizar a abertura de uma CPI na Câmara. Para isso, são necessárias as assinaturas de de 171 deputados e, posteriormente, o respaldo do presidente da Casa, que é aliado de Bolsonaro e já se mostrou contrário à iniciativa. Para o líder da Minoria, Marcelo Freixo (PSOL-RJ), é possível haver mudança da decisão de abertura da CPI no Senado, mesmo com a decisão do Supremo.

Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, avaliou a possibilidade de ampliar o escopo das investigações para incluir Estados e municípios, após a ordem do ministro Luís Roberto Barroso, que determinou a abertura da comissão. O primeiro requerimento, de iniciativa do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), pedia apenas a apuração das ações e omissões do governo federal na pandemia, mas o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) apresentou um adendo para incluir a investigação sobre o uso de recursos federais, por parte de governadores e prefeitos, no combate à pandemia. O problema é que o art. 146 do Regimento Interno do Senado impede que se investiguem assuntos estaduais. 

Pacheco decidiu apensar os dois requerimentos, mas optou por restringir o objeto de investigação da segunda CPI, sob o argumento de que o regimento interno do Senado impede que o Congresso apure matérias de competência constitucional dos Estados, Distrito Federal e municípios. A decisão foi de encontro (ou seja, contrária) ao desejo de Bolsonaro, que pugnava pela ampliação do escopo das apurações. Na prática, a CPI vai poder investigar ações e omissões do governo federal na pandemia, assim como o repasse de verbas federais que foram direcionadas às unidades da federação.

Observação: A Constituição Federal estabelece que, para a instauração de uma CPI pela Câmara e/ou pelo Senado — quando a instauração se dá de forma conjunta, tem-se uma Comissão Mista Parlamentar de Inquérito —, a solicitação deve ser feita por no mínimo um terço dos membros da Casa (27 senadores e/ou 171 deputados); deve haver um fato determinado a ser investigado e ser estabelecido um prazo de duração (essas informações devem ser apresentadas na solicitação de instauração). Antes da publicação do requerimento e leitura no plenário, é feita a conferência de assinaturas para verificar se o mínimo de assinaturas necessário está mantido. Feito o cálculo de proporcionalidade partidária, o presidente da Casa solicita aos líderes dos partidos a indicação dos integrantes, estabelecido no requerimento para criação da comissão. No caso da CPI da Covid no Senado, serão 11 integrantes titulares e 7 suplentes. Para que a CPI seja designada é preciso que mais da metade dos indicados tenha sido determinada pelos líderes. Caso isso não ocorra, a indicação pode ser feita pelo presidente da Casa, com base em dispositivos do regimento. Cumprida essa etapa, cabe ao senador mais idoso convocar a reunião para instalação da comissão, na qual são escolhidos o presidente, o vice e o relator (existe um acordo informal para que as maiores bancadas do Senado — o MDB e o PSD — fiquem com a presidência e a relatoria. O prazo para conclusão dos trabalhos pode ser prorrogado, desde que um requerimento seja assinado novamente por um terço dos senadores. Os integrantes da comissão podem convocar pessoas para depor, ouvir testemunhas, requisitar documentos e realizar diligências, entre outros procedimentos.

Ricardo Rangel ponderou em sua coluna que, na conversa telefônica entre Bolsonaro e Kajuru, que se ouve é uma conspiração do chefe do Executivo e um senador da República visando intimidar o STF e impedi-lo de funcionar livremente, e que intimidação é crime previsto no Código Penal. Mas ainda mais espantoso é o grau de irresponsabilidade e de falta de bom senso dos interlocutores, que acharam uma boa ideia divulgar um diálogo em que tramavam um crime. Agora, depois que a bomba explodiu, o presidente dá a entender que foi gravado à revelia, e seu primogênito, Flávio “Rachadinha” Bolsonaro, diz que vai representar contra Kajuru na Comissão de Ética da Câmara. Segundo o colunista, se alguém queria mais um motivo para um pedido de impeachment — já são mais de 100 dormindo na gaveta de Arthur Lira — ganhou dois. Por um lado, está claro que Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade; por outro lado, o capitão deixou claro (mais uma vez) que lhe falta um mínimo de bom senso para exercer o cargo de Presidente.

Ricardo Noblat, por sua vez, diz que Bolsonaro negou que soubesse que a conversa estava sendo gravada e que teria autorizado sua divulgação, e que gravar conversa com presidente da República é crime (não é, mas deixa pra lá.). Kajuru (como bom pupilo do cacique xavante Mario Juruna, eleito em 1982 deputado federal pelo PDT do Rio de Janeiro, que não confiava no homem branco e gravava as falas para poder usá-las em seu favor quando necessário) grava suas conversas com políticos para poder se defender depois, caso digam que ele falou uma coisa que não tenha falado. 

O deputado disse que avisou, em um segundo telefonema, que divulgaria o conteúdo da conversa, e que o presidente não se opôs. Bolsonaro é “presidente do baixo clero”, como Kajuru é do baixo clero do Senado. Não se deve dar importância ao episódio, aconselham políticos experientes e ministros do STF. Valer-se de Kajuru como escada revela o crescente isolamento do chefe do Executivo. Os dois formam uma dupla do barulho. Ambos se merecem. O país passaria muito bem sem eles. Mas como ignorar que Bolsonaro, deputado do baixo clero por quase 30 anos, acidentalmente eleito presidente, governa — ou desgoverna — o país há 28 meses e tem mais 20 pela frente? O fato é que ele perdeu a batalha inicial da CPI destinada a apurar os erros do seu governo no combate à Covid.

Os senadores mantiveram suas assinaturas no pedido de convocação. Para completar, o ministro Luís Roberto Barroso determinou a instalação da comissão. Restou a Bolsonaro, portanto, criar tumulto com o propósito de retardar o início da CPI e uma narrativa a ser compartilhada com seus devotos mais radicais, sempre dispostos a defendê-lo. A conversa com Kajuru faz parte do tumulto. O pedido de convocação de outra CPI, essa para investigar as ações de governadores e de prefeitos durante a pandemia, também. Ocorre que investigar ações de governadores e prefeitos cabe às Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais.

Enfim, vários senadores se posicionaram sobre a instalação da CPI em um debate que durou cerca de duas horas. Aliados do governo tentaram colocar obstáculos. O argumento mais ouvido foi o risco das sessões presenciais (três senadores foram mortos pelo coronavírus). Pura hipocrisia: Bolsonaro sempre foi contra o isolamento social e a favor da volta ao trabalho. E não me consta que os senadores precisem tomar ônibus lotados para se deslocarem de seus confortáveis apartamentos funcionais ao Congresso Nacional.

A leitura do requerimento formalizou a criação da CPI, mas daí a instalar a comissão e dar início às apurações vai uma longa distância. Os partidos devem escolher nesta quarta-feira os indicados para o colegiado e, na sequência, serão definidos presidente e relator.  Se funcionar como deve, essa CPI produzirá um relatório devastador, que gerará vários novos pedidos de impeachment e deixará Arthur Lira numa saia-justa: como ele poderá se recusar a dar andamento a um pedido de impeachment se o Senado declarar que o presidente cometeu crime de responsabilidade? E onde os deputados encontrarão coragem para votar contra, sobretudo aqueles que tentarão se reeleger no ano que vem?

Ainda que a tropa de choque bolsonarista consiga suavizar o relatório, o desgaste será brutal. Mandetta Teich explicarão em detalhes por que saíram; Pazuello contará por que não comprou vacinas, seringas e agulhas e impingiu cloroquina; o diretor do hospital de Manaus narrará seus apelos por oxigênio que ficaram sem resposta etc. etc. etc. Ninguém sabe se a CPI terá combustível para derrubar Bolsonaro — o Brasil é um país maluco, que ainda prestigia e mantém na presidência um presidente desequilibrado —, mas o custo em popularidade que ele sofrerá não será baixo.

Em 2014, para esvaziar a CPI que investigaria a roubalheira na Petrobras, Renan Calheiros, então presidente do Senado, ampliou o seu alcance, determinando que também fossem investigadas supostas irregularidades em contratos relativos aos trens e metrôs de São Paulo e do Distrito Federal. A presidanta era Dilma e Renan, seu aliado. A oposição acionou o Supremo, e a ministra Rosa Weber concedeu liminar determinando que a CPI fosse instalada com “objeto restrito”. Escreveu: “O procedimento adotado pelo eminente presidente do Senado Federal, ainda que amparado em preceitos regimentais, desfigura o instituto constitucional assegurado às minorias políticas”. E argumentou: “Não se pode prever, ao certo, quais deliberações serão tomadas; mas é possível antecipar que, uma vez alterada a quantidade de fatos determinados objeto das investigações, o universo de deliberações e a dinâmica interna dessas já não serão os mesmos constantes da proposta original.”

Seria mais simples Bolsonaro proceder como sugeriu o deputado Fábio Faria (PSD-RN), seu ministro das Comunicações. Faria condenou a CPI, mas disse que, se fosse instalada, provaria que o governo Bolsonaro acertou em cheio no combate à pandemia. Ora, pois, vamos lá! CPI para salvar o governo e parar com essa história de que Bolsonaro é um genocida.

Já ouvimos gravações constrangedoras e questionáveis de conversas de presidentes da República — como as de Michel Temer aconselhando Joesley Batista a “manter isso, viu” para Eduardo Cunha, ou a de Itamar Franco paquerando ao telefone a modelo Lilian Ramos, que se postara ao lado dele sem calcinha na Marquês de Sapucaí. Mas jamais se ouviu áudio tão escancaradamente indecoroso como o do mandatário de turno pressionando um senador da República a ampliar o escopo de investigação de uma CPI para que esta vá além do governo federal, atingindo estados e municípios, para evitar um “relatório sacana”. Pior ainda, nunca antes na história deste país veio a público a conversa de um presidente instando um membro do Legislativo a agir para abrir processos de impeachment contra integrantes do Supremo Tribunal Federal.

Se a postagem do áudio não foi autorizada, Bolsonaro tem de acusar o araponga. Se foi, acabou sendo um tremendo tiro no pé. Já há até iniciativas para apresentação de mais um pedido de impeachment do capitão, já que o diálogo fere de morte o decoro presidencial, além de incitar um poder contra o outro e azedar de vez a relação com Estados e municípios. 

Se não mudar o objetivo da CPI, ela vai vir para cima de mim”, disse Bolsonaro. E prosseguiu: “Se não mudar, a CPI vai simplesmente ouvir o Pazuello, ouvir gente nossa, para fazer um relatório sacana”, instando Kajuru e transformar “o limão numa limonada” peticionando o Supremo para o Senado dar andamento aos pedidos de impeachment contra seus próprios ministros — o que, aliás, o senador fez.

Se quisesse afastar Bolsonaro do cargo, o Congresso não precisara disso, pois há ao menos mais de 100 oportunidades na mesa do Presidente da Câmara, versando sobre os mais diversos crimes de responsabilidade. Rodrigo Maia não quis e, pelo jeito, seu sucessor também não quer. Ou não queria. Vamos ver o que acontece depois da CPI, que começou como um fantasma distante, mas, agora, com a ajuda do próprio Bolsonaro, vai se materializando. 

Uma ala do STF tenta construir maioria para o plenário decidir que a comissão só precisa ser instalada (ou seja, que funcione de fato após ser criada) com o fim da pandemia. A ideia, porém, enfrenta resistência dentro da corte e ainda não há consenso sobre o tema. Há quem dê de barato que o STF respaldará a decisão do ministro Barroso. A pressão da opinião pública diante de mais de 350 mil mortos começa a pressionar os senadores, e não há razão para sensibilizar, também, os semideuses togados. Sem mencionar que uma pacela significativa dos ministros supremos não morre de amores pelo capitão da caverna sem luz.

sábado, 13 de janeiro de 2024

O 8 DE JANEIRO E A POLARIZAÇÃO (CONTINUAÇÃO)


Sir Winston Churchill ensinou que "a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos", e que "o melhor argumento contra a democracia é uma conversa de cinco minutos com um eleitor mediano." Anthony Downs ensinou que ganha a eleição quem conquista o eleitor mediano, pois os candidatos de esquerda e direita têm garantidos os votos dos eleitores que comungam de suas convicções político-ideológicas.
 
Conhecido como Teorema do Eleitor Mediano, esse axioma vicejou no Brasil de 1994 até 2014, quando então a reeleição de mulher sapiens gerou uma polarização que vazou da política para as ruas. Em 2016, a insatisfação popular deu azo ao impeachment da gerentona de araque e à ascensão de Michel Temer, que prometeu um ministério de notáveis e empossou uma notável confraria de corruptos. Sua "ponte para o futuro" era de vidro e se quebrou quando O Globo publicou uma conversa de alcova gravada à sorrelfa por certo moedor de carne bilionário travestido de x-9. 
 
Alvo de três "Flechadas de Janot" — o PGR que mais adiante reconheceu ter ido armado ao STF para matar o semideus togado e se suicidar —, 
vampiro que tem medo de fantasma empenhou nossas cuecas em troca de apoio das marafonas do Centrão, mas terminou sua gestão como um patético "lame duck" — termo usado pelos americanos para definir políticos que chegam tão desgastados ao final do mandato que até os garçons demonstram seu desprezo servindo-lhes o café frio.
 
Como desgraça pouca é bobagem, desse caldeirão infernal emergiu o amálgama mal ajambrado de mau militar e parlamentar medíocre que, em 2018, fantasiado de outsider antiestablishment e surfando na onda do antipetismo, impôs ao títere
 do então presidiário mais famoso do Brasil uma derrota acachapante. 
 
Observação: Como eu antecipei numa postagem de novembro de 2021, a maldita polarização transformou o pleito de 2022 em mais plebiscito, obrigando-nos (mais uma vez) a escolher o menor de dois males (lembrando que toda má escolha feita por falta de alternativa continua sendo uma má escolha). E não há nada como o tempo para passar. 
 
Sétimo filho (noves fora quatro que "não vingaram") de um casal de lavradores pernambucanos pobres e analfabetos, Luiz Inácio da Silva nasceu em 1945, conheceu o pai aos 5 anos e retirou para São Paulo aos 7, em 1952, onde morou com o pai, a mãe e os irmãos até que uma surra de mangueira levou dona Lindú a deixar o marido alcoólatra, rude e ignorante e se mudar para um cubículo nos fundos de um boteco do bairro paulistano do Ipiranga, onde Lula trabalhou como auxiliar de tinturaria, engraxate e office-boy até se formar torneiro mecânico e perder o dedo mínimo da mão esquerda num acidente pra lá de suspeito. 
 
Observação: Vale destacar que Aristides Inácio da Silva — que foi alcunhado de "homem das sete mulheres" pelos colegas estivadores, morreu de cirrose em 1978 e foi enterrado numa vala comum: nem dona Lindú, nem as amantes, nem os vinte e tantos filhos que ele espalhou Brasil afora lhe deram um túmulo e um epitáfio. 
 
Estimulado pelo irmão Frei Chico (que não era frade, mas ateu, não se chamava Francisco, mas José, e era membro do Partido Comunista Brasileiro), Luiz Inácio iniciou sua trajetória de sindicalista e ganhou o apelido pelo qual é conhecido até hoje, mas que só incorporou depois de fundar o PT e de ficar em 4º lugar na primeira eleição direta (pós-ditadura) para governador de São Paulo. 

Falando em apelidos, Brizola — que chamava Lula de "cachaceiro" — disse em 1989 que "política é a arte de engolir sapos" — daí o epíteto "sapo barbudo". Em 2002, quando se elegeu presidente pela primeira vez (após três tentativas fracassadas), o xamã do PT ficou conhecido como "Lulinha paz e amor"; em 2006, durante a campanha pela reeleição, ganhou da adversária Heloísa Helena a alcunha de "sua majestade barbuda"; nos bastidores do Planalto, era chamado de "chefe", "grande chefe" e "nine" (numa alusão ao dedo mindinho decepado em 1964, num acidente pra lá de duvidoso); nas planilhas de propina da Odebrecht, identificado como "Amigo" e "Brahma". 
 
Observação: Em meados dos anos 1980, Golbery do Couto e Silva — ex-chefe da Casa Civil em dois governos militares, idealizador do SNI da ditadura e arquiteto da "abertura lenta, gradual e segura" — confidenciou a Emílio Odebrecht que Lula nada tinha de esquerda, que não passava de 
um bon vivant

Em 1986, Lula foi o deputado federal mais votado do país; em 1989, no segundo turno da primeira eleição direta para presidente pós-ditadura, perdeu para Fernando Collor; em 1994, foi derrotado por Fernando Henrique, que tornou a vencê-lo em 1998, sempre no primeiro turno. Em 2002, sua vitória sobre José Serra deu início ao jugo lulopetista que só terminaria 13 anos 4 meses e 12 dias depois, com o afastamento da nefelibata da mandioca. Dois meses antes, ao ser conduzido coercitivamente à PF para depor, Lula esbravejou: "Quiseram matar a jararaca, mas bateram na cabeça, bateram no rabo, e a jararaca está viva como sempre esteve". 
 
Continua...