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sexta-feira, 4 de outubro de 2024

A CAIXA DE PANDORA — O MITO E A REALIDADE

NÃO ESPEREIS O JUÍZO FINAL; ELE SE REALIZA TODOS OS DIAS.

 

"Abrir a Caixa de Pandora" é uma metáfora para ações que desencadeiam consequências maléficas e irreversíveis. 

Segundo a mitologia grega, Pandora ("aquela que tem todos os dons") foi criada por Hefesto e Palas Atena a mando de Zeus, que queria castigar Prometeu ("aquele que pensa antes") por roubar o fogo dos deuses e dá-lo aos homens. 

Depois de ganhar um dom de cada divindade de Olimpo, Pandora recebeu de Zeus uma caixa que jamais deveria ser aberta e a missão de seduzir Epimeteu ("aquele que pensa depois"). Encantado com a beleza da moça e ignorando as advertências do irmão, Prometeu, sobre aceitar presentes do deus dos deuses, Epimeteu tomou a moça como esposa (e eu que achava que "presente de grego" tinha a ver com a lenda do Cavalo de Troia). 
 
Quando criou a mulher, Deus também criou a curiosidade. A curiosidade levou Pandora a abrir a caixa e libertar todos os males que recaíram sobre a humanidade. Mas a esperança, que é "a última que morre", ficou presa no fundo da caixa, talvez para nos dar forças para lutar contra as adversidades, mesmo que o mal muitas vezes vença o bem.
 
Revisito essa fábula por três motivos: 1) sempre gostei de mitologia; 2) muita gente usa essa metáfora sem saber sua origem; 3) insistir no erro esperando produzir um acerto é a melhor definição de imbecilidade que eu conheço. 
 
Em momentos distintos da ditadura, Pelé e o general Figueiredo alertaram para o perigo de misturar brasileiros com urnas em eleições presidenciais. Ambos foram muito criticados, mas o tempo provou que eles estavam certos. O eleitores fazem nas urnas, a cada dois anos, o que Pandora fez uma única vez. Só que não por curiosidade, e sim por ignorância. E como ensinou o Conselheiro Acácio (personagem do romance O Primo Basílio), as consequências vêm sempre depois. 
 
A ditadura militar resultante do golpe de 1964 durou 21 longos anos. A reabertura, lenta e turbulenta, não se deveu ao "espírito democrático" dos presidentes-generais Geisel e Figueiredo, mas ao ronco das ruas e à pressão da imprensa, que se intensificaram em 1984, depois que uma manobra de bastidor sepultou a emenda Dante de Oliveira

Em janeiro do ano seguinte, Tancredo Neves derrotou Paulo Maluf por 480x180 votos de um colégio eleitoral formado por 686 deputados, senadores e delegados estaduais. A exemplo da Viúva Porcina (aquela que foi sem nunca ter sido), Tancredo entrou para a história como nosso primeiro presidente civil desde João "Jango" Goulart, mas baixou ao hospital horas antes da cerimônia de posse e morreu 38 dias e 7 cirurgias depois.

A raposa mineira levou para a sepultura a esperança de milhões de brasileiros e deixou de herança um neto que envergonharia o país e um mix de puxa-saco dos militares, oligarca da politica de cabresto nordestina, escritor, poeta e acadêmico que se chamava José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, mas era conhecido como José Sarney

Sem o carisma e o traquejo administrativo do finado, Sarney tentou descascar o formidável abacaxi econômico (inflação, dívida externa e desemprego nas alturas) através de uma série de pacotes de medidas econômicas baseadas no congelamento de preços e salários. Ao final de sua aziaga gestão, a inflação estava em 4.853% ao ano, mas os prefeitos haviam voltado a ser eleitos diretamente, a Constituição Cidadã fora promulgada (aumentando de 4 para 5 a duração de seu mandato) e a primeira eleição presidencial direta desde 1960, realizada.   
 
Em 15 de novembro de 1989, o cardápio de postulantes ao Planalto oferecia 22 opões, incluindo Ulysses Guimarães, Mário Covas e Leonel Brizola. E o que fez esclarecido eleitorado ao quebrar o jejum de urna de 29 de urna? Escalou Lula e Fernando Collor para disputar o 2º turno. O caçador de marajás de mentirinha venceu o desempregado que deu certo, mas o envolvimento no esquema PC lhe rendeu um impeachment.
 
Observação: Em maio do ano passado, o STF condenou Collor a 8 anos e 10 meses de reclusão, mas ele continua livre, leve e solto graças a um pedido de vista apresentado pelo ministro Dias Toffoli na véspera do último carnaval. Em contrapartida, qualquer "reles mortal" que acessar o Xwitter durante a suspensão ordenada pelo ministro Alexandre de Moraes corre o risco de ser multado em R$ 50 mil. Dá para acreditar numa coisa dessas?
 
Com a deposição do Rei-Sol, o baianeiro e namorador Itamar Franco foi promovido a titular, nomeou Fernando Henrique ministro da Fazenda e editou o Plano Real, cujo sucesso pavimentou o caminho que levou o grão-duque tucano a vencer o pleito presidencial de 1994 no 1º turno. Em 1997, picado pela mosca azul, sua alteza comprou a PEC da reeleição

Como quem parte, reparte e não fica com a melhor parte é burro ou não tem arte, o tucano de plumas vistosas disputou a reeleição em 1998 e foi eleito no 1º turno, mas em 2002, sem novos truques para tirar da velha cartola, não conseguiu eleger seu sucessor.
 
Após três derrotas consecutivas, Lula venceu José Serra e deu início aos 13 anos, 4 meses de 12 dias de lulopetismo corrupto que só foi interrompidos em 2016, com o impeachment de Dilma Rousseff, a inolvidável gerentona de araque

Num primeiro momento, a troca de comando pareceu uma lufada de ar fresco numa catacumba: depois de mais de uma década ouvindo garranchos verbais de um ex-retirante semianalfabeto e frases desconexas de uma mandatária incapaz de juntar lé com cré numa frase que fizesse sentido, ter um presidente que sabia falar – e que até usava mesóclises – era um refrigério.
 
Temer conseguiu reduzir a inflação (que havia retornado firme e forte sob Dilma) e aprovar o Teto de Gastos e a Reforma Trabalhista, mas seu prometido "ministério de notáveis" se revelou uma notável agremiação de corruptos e sua "ponte para o futuro", uma patética pinguela. 

A conversa de alcova gravada à sorrelfa por Joesley Batista só não derrubou o vampiro do Jaburu porque sua tropa de choque – capitaneada pelo deputado Carlos Marun – comprou votos das marafonas da Câmara para escudá-lo das "flechadas de Janot". Apesar do desgaste, o nosferatu claudicou como "pato manco" até o final do mandato-tampão e transferiu a faixa para Jair Bolsonaro. 
 
Sem a proteção do manto presidencial, o vampiro que tinha medo de fantasma chegou a ser preso, mas foi socorrido pelo desembargador Ivan Athié, então presidente da 1ª Turma do TRF-2, que havia sido afastado do cargo durante 7 anos por suspeitas de corrupção e venda de sentenças, mas fora reintegrado em 2011, quando o STF trancou o processo contra ele. E viva a Justiça brasileira!
 
Ao acompanhar o golpe de Estado que levou Napoleão III ao poder, Karl Marx concluiu que a história acontece como tragédia e se repete como farsa. O Barão de Itararé dizia que político brazuca é um sujeito que vive às claras, aproveita as gemas não despreza as cascas, e o saudoso maestro Tom Jobim (que era brasileiro até no nome), ensinou que o Brasil não é para principiantes. E com efeito. 
 
Em 2018, havia 13 postulantes ao Planalto. Nenhum deles empolgava, é verdade, mas por que se arriscar a acertar com Geraldo Alckmin, Álvaro Dias, Henrique Meirelles ou João Amoedo quando se podia pode errar com certeza escalando para o embate final um mau militar e parlamentar medíocre travestido de "outsider antissistema" e um patético bonifrate do então ex-presidiário mais famoso do Brasil?

Em 2022, as opções era ainda menos atraentes, sobretudo depois que o "establishment" eliminou Sergio MoroJoão Dória e Eduardo Leite da quimérica "terceira via". Mas, de novo, por que correr o risco de acertar votando em Simone Tebet, em Felipe D'ávilaou mesmo em Ciro Gomes (situações desesperadoras justificam medidas desesperadas) quando se podia errar com certeza despachando Lula e Bolsonaro para o 2º turno?
 
Tanto num caso como no outro a maldita polarização fez com que tanto a merda quanto as moscas fossem as mesmas. A diferença foi que em 2018 a parcela minimamente pensante do eleitorado se viu obrigada a apoiar o ex-capitão para evitar que o país fosse presidido pelo fantoche do presidiário, e em 2022, embarcar na falaciosa "Frente Democrática", capitaneada pelo então ex-presidiário "descondenado" para evitar mais 4 anos (ou sabe Deus quantos) sob a batuta do refugo da escoria da humanidade.
 
Há males que tempo cura e males que vêm para pior e com o passar do tempo. Lula 3.0 é uma reedição piorada das versões 1 e 2, e como como nada é tão ruim que não possa piorar, o macróbio petista cogita disputar a reeleição em 2026 (que os deuses nos livrem tanto dessa desgraça quanto da volta do capetão-golpista).
 
As consequências da inconsequência do eleitorado tupiniquim são lamentados todos os dias, inclusive por quem abriu a Caixa de Pandora achando que estava escolhendo o menor de dois males, mas isso só se justifica quando e se não há outra opção. E tanto em 2018 quanto em 2022 havia alternativas; só não viu quem não quis ou não conseguiu porque sofre do pior tipo de cegueira que existe. 
 
Observação: Um levantamento feito pelo portal g1 apurou que 61 pessoas com mandados de prisão em aberto (leia-se fugitivos da polícia) se candidataram a prefeito ou a vereador nas eleições deste ano. A maioria dos casos envolve dívida de pensão alimentícia, mas há suspeitos de estelionato, roubo, homicídio e estupro. 
 
Reza uma velha (e filosófica anedota) que Deus estava distribuindo benesses e catástrofes naturais pelo mundo que acabara de criar, quando um anjo apontou para o que seria futuramente o Brasil e perguntou: "Senhor, por que destinastes a essa porção de terra clima ameno, praias e florestas deslumbrantes, grandes rios e belos lagos, mas não desertos, geleiras, vulcões, furações ou terremotos?" E Deus respondeu: "Espera para ver o povinho filho da puta que vou colocar aí."
 
Políticos incompetente e/ou corruptos que ocupam cargos eletivos não brotam nos gabinetes por geração espontânea; se eles estão lá, é porque foram eleitos por ignorantes polarizados, que brigam entre si enquanto a alcateia de chacais se banqueteia e ri da cara deles. 
 
Einstein achava que o Universo e a estupidez humana eram infinitos, mas salientou que, quanto ao Universo, ele ainda não tinha 100% de certeza. Alguns aspectos de suas famosas teorias não sobreviveram à passagem do tempo, mas sua percepção da infinitude da estupidez humana merece ser bordada com fios de ouro nas asas de uma borboleta. 
 
Não há provas de que boas ações produzam bons resultados – a "lei do retorno" é mera cantilena para dormitar bovinos – mas sabe-se que más escolhas costumam gerar péssimas consequências, como prova e comprova a história desta republiqueta de bananas: nossa independência  foi comprada, a Proclamação da República foi um golpe militar (o primeiro de muitos), o voto é um "direito obrigatório", nossa democracia é uma piada e o sistema político está falido. 
 
Desde 1889, 35 brasileiros alcançaram a Presidência pelo voto popular, eleição indireta, linha sucessória ou golpe de Estado (o número depende de como alguns casos específicos, como presidências muito breves ou interinas, mas isso não vem ao caso neste momento). Oito integrantes dessa seleta confraria – começando pelo primeiro, Deodoro do Fonseca – deixaram o cargo prematuramente, e dos cinco que foram eleitos pelo voto direto desde a redemocratização, dois acabaram impichados. 

Dos mais de 30 partidos políticos que mamam nas tetas dos fundos eleitoral e partidário (ou seja, são bancados pelo suado dinheiro dos "contribuintes"), nenhum representa os interesses da população, e alguns são verdadeiras organizações criminosas. 

O Brasil de hoje lembra aquelas fotos antigas de reis africanos, que imitavam os trajes e trejeitos dos governantes de nações mais evoluídas e recebiam aulas de civilização dos oficiais do Império Britânico, mas achavam que para se transformar em soberanos civilizados bastava copiar as vestes e adereços daqueles que lhes falavam das maravilhas da Rainha Vitória ou de Napoleão III. 

O resultado se vê nas fotografias. As mais clássicas mostram negros magros, ou gordíssimos, com uma cartola de segunda-mão na cabeça, calças rasgadas ou remendadas, pés descalços ou calçados com uma bota só, velha e sem graxa. Imaginavam-se nobres, esses coitados, iguais a seus pares europeus, mas, junto com as novas roupas e os acessórios, continuavam usando colares feitos de ossos, pulseiras de metal e argolas na orelha ou no nariz, enquanto eram roubados até o último papagaio pelos que supostamente vieram ensiná-los a ter valores cristãos, avançados e democráticos.
 
O Brasil aparece na foto como uma democracia de Primeiro Mundo, mas a realidade do dia a dia mostra pouco mais que uma cópia barata e malsucedida do artigo legítimo. Nossas eleições são subordinadas a todo tipo de patifaria, do voto obrigatório ao anacrônico horário eleitoral "gratuito", passando por deformações propositais que entopem a Câmara Federal com políticos das regiões que têm meia dúzia de eleitores. 

O resultado é um monumento à demagogia, à corrupção e à estupidez. Acordos políticos são urdidos na surdina por parlamentares que votam com base em seus interesses pessoais. Milícias e fações criminosas têm representantes no Congresso, nas Assembleias Legislativas estaduais e nas Câmaras Municipais. Candidatos só entram em algumas regiões se tiverem proteção dos criminosos, e os moradores são "convidados" a votar na "turma da casa".
 
Os direitos dos cidadãos representam a área mais notável das semelhanças com reis africanos. Nunca houve tantos direitos escritos nas leis nem o poder público foi tão incompetente para mantê-los. O Congresso não representa o povo que o elegeu para tal, e há uma recusa sistemática em combater o crime por parte de nove entre dez políticos com algum peso. Com quase 50 mil assassinatos por ano, o Brasil é um dos países onde a vida humana tem menos valor. 
 
Se nossas instituições funcionassem – e suas excelências não se cansam de dizer que elas funcionam –, a Câmara teria aberto pelo menos um dos quase 150 pedidos de impeachment contra Bolsonaro, e o Centrão não teria transformado a ocupação do Orçamento num processo de bolsonarização das instituições. Pode passar pela cabeça de alguém que exista democracia num país como esse? 
 
Quando nossos nobres parlamentares perderam a credibilidade e o mais alto cargo do funcionalismo público federal passou a ser ocupado por uma sequência de mandatários que, noves fora Fernando Henrique — já foram presos ou respondem a processos criminais, o Judiciário se tornou nosso último bastião. Mas faz tempo que as opiniões e os vieses político-partidários dos eminentes togados (que deveriam ser isentos, imparciais e apartidários) se tornaram públicos e notórios.
 
O Supremo poderia nos ter livrado do aspirante a golpista em diversas oportunidades (motivos para tal não faltaram), mas as excelências que tudo decidem – do destino dos presidentes ao furto de codornas — acharam melhor dar tempo ao tempo, apostando na sapiência inigualável dos eleitores. 

É fato que Alexandre de Moraes impediu a consumação do golpe, mas também é fato que ele já deveria ter tirado de circulação o "mito" dos extremistas de direita, que mesmo inelegível até 2030 faz pose de cabo eleitoral de luxo e articula com seus comparsas no Congresso uma improvável (mas não impossível) anistia a si e aos golpistas do 8 de janeiro. 
 
Como o chanceler Charles De Gaulle não disse, mas a frase lhe é atribuída, "le Brésil n’est pas un pays serieux". 
 
Continua...

terça-feira, 2 de abril de 2024

60º ANIVERSÁRIO DO GOLPE DE `64

 

O golpe de Estado que prefaciou a ditadura militar — aquela que Bolsonaro sempre negou, mas tentou ressuscitar em 2022, e que seu vice classificou de "ditamole" — completou 60 anos no último domingo. O senador Auro de Moura Andrade declarou vaga a Presidência da República em 1º de abril de 1964, mas episódio entrou para a História com data anterior para evitar associações jocosas com o "dia da mentira". 

Resumindo a ópera em poucas palavras, a renúncia de Jânio e a aversão dos militares a Jango pavimentaram o caminho do golpe, e os subsequentes 21 anos de ditadura deram azo ao surgimento do lulopetismo corrupto e do bolsonarismo boçal (mais detalhes na sequência O desempregado que deu certo). 

Para quem gazeteou as aulas de História, relembro que a Guerra Fria e a Revolução Cubana levaram o sistema político brasileiro do pluralismo moderado ao pluralismo extremamente polarizado, e a situação se agravou com a vitória chapa Jan-Jan (de Jânio e Jango) em 1960. Jânio se elegeu com a promessa de resolver miraculosamente todos os problemas ligados à corrupção e inflação no país, mas, alegando que "forças terríveis" se levantaram contra ele — e apostando que seria reconduzido ao cargo pelo "clamor popular" — despachou Jango para uma missão na China, apresentou sua carta-renúncia e voou para São Paulo levando a faixa presidencial.

Depois de esperar horas na base aérea de Cumbica pelas multidões não apareceram — talvez porque um arranjo urdido nos bastidores impediu que o povo soubesse onde ele estava, ou talvez porque o povo só poderia ser mobilizado por um partido janista se seu líder tivesse permitido sua existência — o populista cachaceiro embarcou para Europa, e o Brasil mergulhou na crise provocada pelo veto à promoção do "vice comunista" a titular.

Na qualidade de presidente da Câmara, o deputado Ranieri Mazzilli assumiu a chefia do Executivo, mas uma junta provisória formada pelos três ministros militares governou o país até 8 de setembro, quando foi implantado o sistema parlamentarista. Com os poderes limitados e tendo Tancredo Neves como primeiro-ministro, Jango foi autorizado a assumir a presidência como chefe de Estado. 

Curiosidades1) Dali a 24 anos, o primeiro-ministro de Jango se tornaria o primeiro presidente civil pós-ditadura militar. 2) Em 1962, Jânio concorreu ao governo de São Paulo, mas foi derrotado por seu velho desafeto Adhemar de Barros e só voltou a disputar um cargo público em 1985, quando derrotou o tucano Fernando Henrique e o petista Eduardo Suplicy e se elegeu prefeito da capital paulista.

Jango só assumiu o posto a que tinha direito desde a renúncia de Jânio depois que o referendo de 6 de janeiro de 1963 restabeleceu o presidencialismo, mas as tensões se intensificaram quando ele declarou que a reforma agrária era uma questão de honra em seu mandato. Embora não houvesse a menor possibilidade de uma vitória comunista — nem pela via reformista, nem pela luta armada —, parte da elite brasileira bateu às portas dos quartéis, e os militares atenderam prontamente (até porque a doutrina que aprendiam na caserna era a do Ocidente x Pacto de Varsóvia).

Quando a Marcha da Família com Deus pela Liberdade escancarou o apoio civil ao golpe, o Congresso, ameaçado de fechamento, chancelou a derrubada de Jango e a "eleição" do então chefe do Estado-Maior das Forças Armadas — o marechal Castello Branco —, que deixou o Planalto em 15 de março de 1967 e morreu quatro meses depois, vítima de um acidente de avião no Ceará. Outros quatro generais-ditadores — Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo , se revezaram no poder até 1985, num jogo um jogo de cartas marcadas em que o partido de oposição (MDB) era meramente figurativo. 

Observação: Muitos democratas e liberais apoiaram o golpe achando que os militares voltariam para os quartéis em 1965, quando haveria novas eleições e Juscelino (pelo lado reformista democrático) e Carlos Lacerda (conservador liberal, democrata) disputariam a Presidência. Mas eles não demoram a perceber que os militares, picados pela mosca azul, tencionavam se perpetuar no poder. 
 
A dança das cadeiras dos fardados terminou com a eleição indireta de Tancredo Neves, em janeiro de 1985, que reascendeu a chama da esperança no coração de 130 milhões de brasileiros. Mas a alegria durou pouco: por uma trapaça do destino, o presidente eleito baixou ao hospital horas antes da cerimônia de posse e bateu as botas 38 dias e 7 cirurgias depois, deixando de herança um neto que envergonhou o país e um vice que se tornou pai e avô do Centrão
O resto é história recente. 
 
Em 1989, já sob a égide da Constituição Cidadã, os brasileiros voltaram às urnas (depois de um jejum de 29 anos) para escolher seu presidente. Entre os 22 postulantes havia políticos do quilate de Ulysses Guimarães, Mario Covas, Leonel Brizola e Ciro Gomes e aberrações como Enéas Carneiro, Livia Maria Pio e Sílvio Santos, mas o eleitor tupiniquim, sempre pronto a fazer as piores escolhas, escalou Collor (com 30,5% dos votos) e Lula (com 17,2%) para disputar o segundo turno, quando então o pseudo caçador de marajás derrotou o desempregado que deu certo por 53% a 47%.
 
Durante a campanha, Collor prometeu alvejar o "tigre da inflação" com uma "bala de prata". Eleito, apertou o gatilho um dia antes da posse ao pedir a Sarney que decretasse feriado bancário para que o mercado se adequasse ao conjunto de medidas econômicas mais radical que o país já amargou. Além de congelar preços e salários — a exemplo dos planos Cruzado, Cruzado II e Verão, editados durante o governo Sarney—, o Plano Collor bloqueou todo o dinheiro depositado nos bancos e aplicado no mercado financeiro até o limite de Cr$ 50 mil. Como resultado, o PIB encolheu 4,5% e o número de falências, infartos e suicídios teve um aumento significativo.
 
Plano Collor II aumentou tarifas públicas, decretou o fim do overnight e criou a FAF (Fundo de Aplicações Financeiras) e a TR (Taxa de Referência de Juros), mas a inflação voltou a subir, o desemprego cresceu, estatais foram vendidas a preço de banana e houve um desmonte das ferrovias e cortes de investimentos federais em infraestrutura. Entre o fim do Plano Marcílio e o início do Plano Real a inflação baixou dos 2.000% a.a. para "apenas" 1119,91% a.a. — índice registrado no final de 1992, quando o
 Rei-Sol, autoritário como poucos e corrupto como muitos, foi chutado do Planalto pela porta dos fundos
 
Observação: Ciente de que sua deposição eram favas contadas, Collor renunciou às vésperas do julgamento de seu impeachment — que teve como estopim uma entrevista concedida por Pedro Collor à revista VEJA —, mas o Senado seguiu adiante e o condenou (por 76 votos a 3) à perda do cargo e suspendeu seus direitos políticos por 8 anos.   
 
Com a deposição do "Roxinho", o vice Itamar Franco passou a titular e nomeou Fernando Henrique ministro da Fazenda. Impulsionado pelo sucesso do Plano Real, o tucano se elegeu presidente em 1994, comprou a PEC da reeleição em 1997 e se reelegeu 1998. Como não lhe restavam novos coelhos para tirar da velha cartola, FHC não conseguiu eleger José Serra seu sucessor.A
 vitória de Lula em 2002 marcou o início à era lulopetista, que só foi interrompida em 2016, com o impeachment de Dilma

Com a deposição da gerentona de araque, seu vice foi promovido a titular e se mudou para a residência oficial da Presidência, mas voltou semanas depois para o Jaburu, porque, segundo ele, o Palácio da Alvorada é assombrado. Assim, Michel Temer se tornou o primeiro e único caso documentado de vampiro que tem medo de fantasma. 
 
A troca de comando foi como uma lufada de ar fresco numa catacumba: após 13 anos de garranchos verbais de um semianalfabeto e frases desconexas de uma anormal incapaz de juntar sujeito e predicado numa frase que fizesse sentido, um presidente que não só sabia falar como até usava mesóclises pareceu um refrigério. Demais disso, o vampiro do Jaburu
 conseguiu reduzir a inflação (que rodava pelos 10% quando ele assumiu), baixar a Selic e aprovar a PEC do Teto dos Gastos e a Reforma Trabalhista, mas o ministério de notáveis que prometeu se revelou uma notável agremiação de corruptos, e quando sua conversa de alcova com Joesley Batista veio a público, o sonho de entrar para a história como "o cara que recolocou o Brasil nos eixos" virou o pesadelo de vir a ser "o primeiro presidente no exercício do mandato denunciado por crime comum". 
 
Observação: A tropa de choque capitaneada por Carlos Marun contratou um coral de 251 marafonas para entoar a marcha fúnebre enquanto a segunda "flechada de Janot" era sepultada na Câmara, mas Temer terminou seu mandato-tampão como um "pato manco" — que é como os americanos se referem a políticos que chegam tão desgastados ao final do mandato que até os garçons lhes servem o café frio. 
 
Em 2018, uma extraordinária conjunção de fatores empurrou para o Planalto um combo de mau militar e parlamentar medíocre que atribuiu a vitória a uma "cagada do bem". Quatro anos depois, derrotado nas urnas, ele exortou seus paus-mandatos a "virar a mesa". Investigado em sete inquéritos, inelegível até 2030 e na bica de ver o sol nascer quadrado, esse dejeto da escória da raça humana aguarda a primeira condenação posando de perseguido. 
 
A retomada democrática instituída em 1985 com a eleição do presidente "Viúva Porcina" (que foi sem nunca ter sido) e sacramentada em 1988 pela promulgação da Constituição Cidadã não exorcizou os fantasmas da ditadura. No último dia 29, o STF começou a julgar em plenário virtual os limites da atuação das FFAA estabelecidos no Art. 142 da CF (o ministro Luiz Fux, relator da encrenca, já votou pelo sepultamento da tese de que os fardados são o "poder moderador" da República).

Para evitar atritos com as Forças Armadas, Lula vetou qualquer ação alusiva ao golpe de '64, mas sete dos 38 ministros foram às redes sociais prestar homenagens aos "desaparecidos" dos anos de chumbo
Lobotomizados pela polarização semeada pelo "nós contra eles" do xamã petista e estrumada pela extrema-direita radical que saiu do armário durante a campanha de 2018, os devotos do bolsonarismo, vítimas da pior espécie de cegueira, consideram seu "mito" um ex-presidente de mostruário perseguido injustamente por "Xandão", como deixou claro a manifestação de 25 de fevereiro passado.

Observação: Claro que muita gente reza (ou finge rezar) por essa cartilha devido a interesses escusos, da mesma forma e pelos mesmos motivos que muita gente finge acreditar que Lula é a alma viva mais honesta do Universo e que sua prisão "foi uma armação, um dos maiores erros judiciários da história do país". Mas isso é outra conversa. 
 
Em face de todo o exposto, não há o que celebrar em 31 de março (nem em 1 de abril, a não ser o "dia da mentira"). Comemorar a instalação de uma ditadura que fechou instituições democráticas e censurou a imprensa é permitir que ódios do passado envenenem (ainda mais) o presente e destruam o futuro. 

sábado, 2 de dezembro de 2023

NÃO É A MAMÃE


O MINISTÉRIO DA SAÚDE ADVERTE: "ASSISTIR AOS NOTICIÁRIOS PODE CAUSAR ÚLCERAS GÁSTRICAS". 

O fim da ditadura não foi uma consequência natural do "espírito democrático" dos generais-ditadores Geisel e Figueiredo nem se deu sem turbulências e acidentes de percurso. O processo de abertura só foi concluído graças às manifestações populares que eclodiram em 1983 e levaram às ruas milhões de pessoas empunhado bandeiras e vestindo camisetas com os dizeres "EU QUERO VOTAR PARA PRESIDENTE". 

Numa época em que a Internet engatinhava (as redes sociais só surgiriam dali a duas décadas), a população compareceu espontaneamente para aplaudir líderes políticos que defendiam volta das eleições presidenciais diretas, suspensas pelo golpe militar de 64. Vinte anos depois, no dia da votação da PEC Dante de Oliveira, uma manobra de bastidores urdida pelos fardados impediu a obtenção dos votos necessários à aprovação do projeto na Câmara. Mas o processo de reabertura já havia passado do ponto sem retorno.
 
O desgaste governo militar ensejou a eleição (indireta) de Tancredo Neves. Por uma trapaça do destino, o político mineiro foi hospitalizado horas antes da cerimônia de posse e foi declarado morto 38 dias e 7 cirurgias depois, e o que deveria ter sido festa da democracia virou luto nacional. Cogitou-se a possibilidade de o Sr. Diretas, então presidente da Câmara, ser alçado ao Planalto, mas prevaleceu o entendimento de que o posto caberia a José Sarney, que foi o candidato a vice na chapa de Tancredo. E o resto é história recente.
 
Karl Marx disse que história se repete como tragédia ou farsa. No Brasil, ela costuma reproduzir fielmente o passado. Hoje, preside esta banânia (pela terceira vez) o ex-presidiário mais famoso da história, que derrotou Bolsonaro em 2022 tendo como principal cabo eleitoral a péssima gestão do mau militar, parlamentar medíocre e golpista de carteirinha.
 
Prefiro não comentar o que penso do terceiro reinado de Lula, mas relembro que demagogos, populistas e outras espécies de maus políticos não brotam nos gabinetes por geração espontânea, mas pelos votos da récua muares que o Criador escalou para povoar o país do futuro que nunca chega.
 
Voltando à frase de abertura desta postagem, preparem o Omeprazol: se a indicação de Flávio Dino para o STF for aprovada (e tudo indica que será), 7 dos 11 togados serão fruto de indicações feitas durante gestões petistas — as exceções são Gilmar Mendes (a verdadeira herança maldita de FHC), Alexandre de Moraes (indicado por Temer) e Nunes Marques e André Mendonça (nomeados pelo imbrochável e insuportável Messias que não miracula). Como a legislação impõe a aposentadoria compulsória aos semideuses supremos quando eles completam 75 anos de vida, Dino, se aprovado, permanecerá na Corte até 2043, e Cristiano Zanin, o ex-advogado pessoal de Lula, até 2050. É muita assombração para pouco castelo.
 
Observação: Dino assumirá o acervo de 344 ações que estavam sob a relatoria da ex-ministra de Rosa Weber, entre as quais se destacam o pedido de investigação contra autoridades pela atuação na pandemia e o processo sobre o indulto natalino. Caso siga à risca suas declarações de que deixará de ter lado político ao receber a toga, o ainda ministro da Justiça decepcionará seu benfeitor, que conta com sua fidelidade a posteriori. 
 
No périplo de "beija-mão" da semana passada, Dino disse que ministros do STF "não têm partido, ideologia ou lado político", e que "mudará de roupa" se seu nome for aprovado. Embora seja desejável que ele deixe de lado suas convicções esquerdistas e seus vínculos históricos com Lula, sabe-se que isso não passa de discurso de quem está na bica de se encontrar com os senadores de oposição. 
 
Estima-se um placar apertado, mas ninguém acredita que a indicação de Dino não seja aprovada. 
 
A conferir.

sábado, 30 de setembro de 2023

O JACARÉ E O COELHINHO BRANCO

O Brasil jamais se notabilizou pela qualidade de seus governantes, e o motivo foi cantado em prosa e verso por Pelé e por João Figueiredo durante a ditadura militar. Em 1984, pressionada pelos militares, a Câmara Federal sepultou a Emenda Dante de Oliveira, mas a mobilização popular seguiu firme e forte e, em janeiro do ano seguinte, Tancredo Neves foi eleito presidente por um colégio eleitoral, mas baixou ao hospital horas antes da posse e morreu 38 dias e 7 cirurgias depois, levando para a tumba as esperanças do povo brasileiros.


Com a morte de Tancredo, o oligarca maranhense José Sarney desgovernou o país até 15 de março de 1990, quando entregou o cetro e a coroa a Fernando Collor (o caçador de marajás de araque que derrotou o desempregado que deu certo na primeira eleição direta desde 1960). Com a condenação do "Rei-Sol" no primeiro impeachment da "Nova República" (em dezembro de 1992), o vice Itamar Franco foi promovido a titular e nomeou Fernando Henrique Cardoso Ministro da Fazenda.


FHC e sua equipe de notáveis gestaram e pariram o Plano Real, cujo sucesso ensejou a vitória do tucano no primeiro turno do pleito presidencial de 1994. Três anos depois, picado pela mosca azul, sua excelência comprou a PEC da Reeleição e tornou a derrotar Lula em 1998. A maré mudou em 2022: na quarta tentativa seguida, o demiurgo de Garanhuns conseguiu se eleger presidente, dando início ao jugo petista que seria interrompido 13 anos, 4 meses e 11 dias depois, com afastamento de Dilma


Com a deposição da gerentona de festim, o país voltou a ter na presidência alguém que falava português sem exterminar o plural nem descambar para o "dilmês". Mas nuvens negras surgiram surgiram no horizonte quando o ministério de notáveis prometido por Temer revelou-se uma notável confraria de corruptos, e tempestade desabou quando o jornalista Lauro Jardim revelou uma conversa mui suspeita entre o vampiro do Jaburu e certo moedor de carne com vocação para delator e estúpido a ponto de delatar a si mesmo.


Despido do manto da moralidade, o nosferatu tupiniquim cogitou renunciar, mas, dissuadido por sua entourage, anunciou num pronunciamento à nação que não renunciaria, e que a investigação no STF seria "o terreno onde surgiriam as provas de sua inocência". Ato contínuo, lançou mão de toda sorte de artimanhas para escapar da cassação. 


Como o Diabo sempre cobra sua parte no pacto, Temer se tornou refém do Congresso e claudicou pela conjuntura como pato manco até janeiro de 2019, quando transferiu o cargo para aquele que seria o pior mandatário que o Brasil já teve desde a chegada de Cabral. 

 
Vinte e um anos se passaram do golpe de 64 à volta dos militares à Caserna, mas poucos meses bastaram para Bolsonaro trazê-los de volta e transformar o Estado em quartel. O pedaço que viu nele a chance de "salvar a sociedade do comunismo" conferiu péssima fama à ala das Forças Aramadas que manteve os pés na democracia, e a reversão de uma urucubaca tão disseminada exige mandinga mais forte do que o lero-lero de "separar o joio do trigo".  A intentona de 8 de Janeiro só não deu certo porque porque o aspirante a tiranete não conseguiu o apoio de "seu Exército" e de "suas Forças Armadas"

Observação: Depois que a PF descobriu que fardados de alto coturno (como o almirante Almir Garnier) foram coniventes com o projeto autoritário do "mito", o Datafolha apurou que 6 em cada dez brasileiros acham que as Forças Armadas se meteram em irregularidades por se deixarem cavalgar pelo ex-capitão que o general Ernesto Geisel bem definiu como "mau militar". 


É inegável que mãos fardadas apalparam todas as cumbucas, da trama golpista ao comércio de joias; da "pazuellização" da Saúde à falsificação de cartões de vacina; do ataque sistemático ao sistema eleitoral às visitas do picareta de Araraquara à pasta da Defesa. E que, ao testemunhar em silêncio as extravagâncias do capetão, a banda muda do Alto-Comando das FFAA como que se aliou às multidões que acamparam na porta dos quartéis para pedir intervenção militar.

 

Segundo a PF, o tenente-coronel Mauro Cid revelou em sua delação que: 1) após a derrota nas urnas, Bolsonaro se reuniu com integrantes da Marinha para discutir uma proposta de golpe; 2) além de militares, participaram do encontro integrantes do chamado "Gabinete do Ódio"; 3que a minuta discutida na reunião tratava de uma série de ilegalidades, mas não é possível afirmar que fosse a mesma encontrada na casa do ex-ministro Anderson Torres; 4) que a proposta de golpe foi recebida com entusiasmo pelo representante da Marinha, mas o Exército ficou mais reticente; 5) que o plano não foi adiante por causa da falta de adesão.

 

Como disse alguém, "se tem boca de jacaré, dentes de jacaré, couro de jacaré e rabo de jacaré, não deve ser um coelhinho branco".