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sábado, 12 de fevereiro de 2022

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS! (PARTE XII)


— Não renunciarei. repito: não renunciarei. Se quiserem, me derrubem! — rosnou Michel Temer, o dedo em riste demonstrando que o que lhe importava era se manter no cargo a qualquer custo. “Renunciar seria uma confissão de culpa”, asseverou o nosferatu tupiniquim, como se àquela altura suas justificativas estapafúrdias tivessem alguma credibilidade.

Na verdade, (quase) todo mundo queria ver Temer pelas constas, só que ninguém queria fazer o trabalho sujo. Assim, o governo ruiu, mas o mandatário continuou lá, aprovando coisas um tanto sem sentido, apenas para sinalizar que tudo estava na mais perfeita ordem, na mais santa paz (nada muito diferente do que acontece com o atual governo, onde Bolsonaro finge que preside enquanto o Centrão dá as ordens).

Quando a delação de Joesley Batista veio à tona, Temer perdeu a segunda grande chance de renunciar (a primeira foi por ocasião da deposição de Dilma). Comentou-se que ele chegou a pensar seriamente em fazê-lo, mas foi demovido da ideia por Eliseu PadilhaMoreira Franco, Carlos Marun, Romero Jucá e outros assessores puxa-sacos, igualmente investigados ou suspeitos de práticas nada republicanas, que perderiam os cargos e o foro privilegiado se o presidente renunciasse.

Em seu primeiro pronunciamento à nação depois que Lauro Jardim revelou a conversa de alcova de Temer e o moedor de carne bilionário, o presidente disse que o inquérito no STF seria “o território onde surgiram as explicações e restaria provada sua inocência”. E o que fez a partir de então? Mentiu descaradamente para justificar o injustificável, atacou seus acusadores e moveu mundos e fundos (especialmente fundos) para obstruir a denúncia. 

Descartada a renúncia e afastado o impeachment, não só porque Rodrigo Maia decidira empurrar a coisa com a barriga enquanto pudesse, mas também porque o processo demoraria demais e o país sofreria as consequências de outra deposição presidencial, via Congresso, em menos de 18 meses, só restou o inquérito no STF e o julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE — ação proposta pelo PSDB a pretexto de “encher o saco do PT”, conforme revelou o candidato derrotado Aécio Neves numa conversa gravada por (ele de novo!) Joesley Batista, que vinha se arrastando havia anos. 

Por (mais) uma ironia do destino, o partido que se tornou o maior aliado do governo com o impeachment transformou-se em seu algoz. Mas os tucanos mantiveram um pé no poleiro e os olhos no TSE, prontos para bater asas e voar assim que a cassação da presidanta lhes parecesse inevitável.

A procrastinação do julgamento complicou ainda mais a situação de Temer, pois ensejou a inclusão de outros elementos contra ele. Assim, se não havia evidências de que o vice não recebeu dinheiro de caixa 2 para sua campanha, não falavam provas de que a chapa recebeu, e ele se beneficiou dos mesmos recursos que garantiram a reeleição da presidanta. 

Depois de dizer que “os juízes não são de Marte” — dando a entender que seria impossível ignorar o cenário político e as consequências da cassação de (mais) um presidente — Gilmar Mendes adiantou para a imprensa que o julgamento seria “jurídico e judicial”, que o Tribunal não era “joguete de ninguém”, e que não cabia à Corte “resolver crise política”.

Antes do vazamento da delação dos donos da JBS, dava-se de barato que o TSE livraria a pele de Temer. A última coisa que se desejava naquele momento era mais uma troca de comando, mesmo porque o governo vinha tocando as reformas e a economia, dando sinais de recuperação. Mas seria difícil justificar a manutenção de um presidente altamente impopular e, ainda por cima, investigado por corrupção passiva, organização criminosa e obstrução da Justiça.

O ministro-relator Hermann Benjamin — que produziu um calhamaço de mais 1.000 páginas — defendia eleições diretas para a escolha do próximo presidente. Em sua avaliação, se a eleição de 2014 sagrou vencedora uma chapa que comprovadamente fraudara o pleito, a vontade popular fora desrespeitada e a eleição deveria ser anulada, dispensando o cumprimento do art. 81 da Constituição (que estabelece a realização de eleições indiretas no caso de vacância a partir de dois anos do mandato). Acabou que Gilmar Mendes entrou em ação e a chapa foi absolvida por 4 votos a 3 — “por excesso de provas”, como observou posteriormente o relator.

Enquanto houver bambu, vai ter flecha”, avisou o PGR Rodrigo Janot, que simpatizava com Dilma, mas não suportava Temer. Respaldado nos depoimentos de Joesley Batista e Lúcio Funaro (o homem da mala do presidente), Janot apresentou duas denúncias contra o vampiro do Jaburu, mas ambas foram barradas pela Câmara. Temer não foi apeado do cargo porque: 

1) Faltou consenso em torno do seu eventual sucessor (os parlamentares não estavam dispostos a abrir mão das eleições indiretas nem de escolher um de seus pares para o mandato-tampão); 

2) Não houve vontade política dos nobres congressistas; 

3) Não faltam, entre os 513 deputados federais, quem se disponha a votar contra ou a favor de qualquer coisa, desde que haja a "devida reciprocidade".

Continua...

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS! (PARTE X)


Em 2012, assistimos estarrecidos (mas esperançosos) à condenação da alta cúpula do Mensalão. Em 2016, livramo-nos de Dilma, que afundou o Brasil na maior recessão da história republicana do país — e está prestes a perder o primeiro lugar no ranking para Bolsonaro, mas isso é outra história.

Quanto ao poste de Lula, nenhuma surpresa: em fevereiro de 1995, quando a paridade cambial entre o real e o dólar favorecia sobremaneira a importação e revenda de badulaques, a calamidade em forma de gente faliu duas lojinhas tipo R$ 1,99 que havia montado em Porto Alegre e batizado com o sugestivo nome de “Pão & Circo” — que remete a uma estratégia romana destinada a entreter a plebe ignara, insatisfeita com os excessos do Império.

Comercializar quinquilharias baratas deveria ser algo trivial para alguém que, 15 anos depois, se apresentaria aos eleitores como a “gerentona” capaz de manter o Brasil no rumo do desenvolvimento. O problema, para Dilma e seus três sócios, é que a futura presidente cuidou da contabilidade da empresa como lidaria mais adiante com as finanças do País: em julho de 1996 seu comercio já não existia mais.

Para começar, a loja foi aberta sem que os donos soubessem ao certo o que seria comercializado ali. Às favas o planejamento — primeiro passo para criação de qualquer negócio que se pretenda lucrativo. A empresa foi registrada para vender de tudo um pouco a preços módicos, entre bijuterias, confecções, eletrônicos, tapeçaria, livros, bebidas, tabaco e até flores naturais e artificiais. Mas Dilma acabou apostando no comércio de brinquedos para crianças, em especial os “Cavaleiros do Zodíaco”.

Os artigos revendidos pela Pão & Circo eram importados de um bazar localizado no Panamá, para onde a grande economista e a sócia e ex-cunhada Sirlei Araújo viajavam regularmente para comprar os produtos. Apesar de a mercadoria custar barato, o negócio era impopular — como Dilma se tornaria mais adiante. 

Ao abrir a vendinha, a mulher sapiens não levou em conta que “o olho do dono engorda o porco”, e só aparecia por lá eventualmente, preferindo dar ordens e terceirizar as tarefas do dia a dia — como fez ao delegar a economia ao ministro Joaquim Levy e a política ao vice Michel Temer — até este desistir da função dizendo-se boicotado pelo (então) ministro-chefe da Casa Civil Aloizio Mercadante.

Na sociedade da Pão & Circo, o equivalente a Mercadante era Carlos Araújo, ex-marido de Dilma, que a aconselhava sobre como turbinar as vendas, mas era tão inepto quanto a futura chefa da Casa Civil e presidenta do Conselho de Administração da Petrobrás no governo de Lula demonstrou ser na negociata de Pasadena. Mesmo assim, a empresária de festim teve uma carreira meteórica: sem saber atirar, virou modelo de guerrilheira; sem ter sido vereadora, virou secretária municipal; sem passar pela Assembleia Legislativa, virou secretária de Estado; sem estagiar no Congresso, virou ministra; sem ter inaugurado nada de relevante, virou estrela de palanque; sem jamais ter tido um único voto na vida até 2010, virou presidente de país.

Observação: Até os pedalinhos do Sítio Santa Bárbara, em Atibaia, sabiam desde sempre que Lula institucionalizou a corrupção no Brasil. E quem não sabia ficou sabendo quando o procurador Deltan Dallagnol apresentou à imprensa um PowerPoint tosco, mas elucidativo, demonstrando que o picareta dos picaretas era o comandante máximo da ORCRIM. Dilma foi o maior erro tático que o petista cometeu em sua trajetória política. Dias atrás, ele próprio disse em entrevista à CBN que não pretende incluir a nefelibata da mandioca em sua campanha à Presidência nem em um eventual futuro governo. A obviedade chapada dos motivos dispensa maiores considerações.

Arrogante, pedante, intransigente e mouca à voz da razão, Dilma montou uma arapuca para si mesma, mas levou de embrulho tanto os inconsequentes que a reconduziram ao Planalto quanto a parcela pensante dos brasileiros. Num monumental estelionato eleitoral, sua alteza irreal preços administrados, aumentou gastos com programas eminentemente eleitoreiros e “pedalou” a mais não poder. Somado à irresponsabilidade fiscal, seu apetite eleitoral aumentou o inchaço da máquina pública e resultou na falência do Estado — para se ter uma ideia, enquanto a Casa Branca contava com 468 servidores, o Palácio do Planalto contabilizava 4.487 funcionários.

Em setembro de 2015, nove meses depois do início da segunda (e ainda mais funesta) gestão da estocadora de vento, o Orçamento já acumulava um rombo de R$ 30 bilhões — algo nunca visto até então. Era o começo do fim: a despeito de as pedaladas fiscais terem sido o “motivo oficial” da deposição, a petista foi expelida do cargo pelo conjunto de sua obra e por sua absoluta falta de traquejo no trato com o Parlamento. 

Num primeiro momento, a troca de comando foi como uma lufada de ar fresco numa catacumba. O novo presidente sabia até falar! Considerando que passáramos 13 anos ouvindo os garranchos verbais de um semianalfabeto e as frases desconexas de uma destrambelhada que não era capaz de juntar sujeito e predicado numa frase que fizesse sentido, ter um mandatário que usava até mesóclises era um refrigério. 

Embora fosse impossível consertar o país da noite para o dia, Temer conseguiu debelar a inflação (que rodava pelos 10% quando ele assumiu), reduzir de maneira “responsável” a Selic e aprovar a PEC do Teto dos Gastos e a Reforma Trabalhista. Mas seu ministério de notáveis revelou-se uma notável agremiação de corruptos — que foram caindo à razão de um por mês.

O primeiro a cair foi Romero Jucá, o “Caju”, que deixou o Ministério do Planejamento uma semana após a nomeação — só que continuou no governo, ocupando uma secretaria criada especialmente para preservar seu direito ao foro privilegiado. Na sequência, demitiram-se ou foram demitidos Fabiano SilveiraHenrique Eduardo AlvesGeddel Vieira Lima e mais meia dúzia de ministros e/ou assessores de primeiro escalão. Temer moveu mundos e fundo$ para preservar Eliseu Padilha, o “Primo”, e Wellington Moreira Franco, o “Angorá”, que o ajudavam a comandar “a quadrilha mais perigosa do Brasil”, como disse Joesley em entrevista à revista Época.   

Livramo-nos de Dilma, mas herdamos Michel Temer, que jamais conquistou a simpatia dos brasileiros. E nem poderia, tendo sido vice de quem foi e presidido o PMDB por 15 anos. Após o julgamento do impeachment, a imprensa publicou vários artigos acusando o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava-Jato em Curitiba, de defender um “direito autoritário, próprio das tiranias” e a “relativização do direito de defesa”. Curiosamente, esses mesmos veículos de comunicação não manifestaram a mesma preocupação quando a petista era presidente. Coisas do Brasil.

Em fevereiro de 2017 o partido de Temer indicou Edison Lobão para presidir a CCJ do Senado, numa evidente estratégia de frear os avanços da operação anticorrupção. Lobão era defensor ferrenho da anistia ao caixa 2 e crítico figadal das delações premidas (uma das principais ferramentas da força-tarefa), e dizia que acordos de colaboração haviam virado “um inquérito universal” e poderiam levar o Brasil à “tirania”. Para surpresa de ninguém, partidos investigados se empenharam em bloquear um eventual terceiro mandato de Janot e a possível escolha de alguém próximo a ele para chefiar a PGR.

Mesmo com a podridão aflorando no seu entorno, o presidente seguia adiante, levando a Nau dos Insensatos pelas águas revoltas da crise como um timoneiro experimentado. Sob seu comando, dizia, o Brasil chegaria são e salvo às próximas eleições e seria entregue fortalecido ao próximo dirigente. 

A coisa até funcionou durante algum tempo, a despeito da pecha da ilegitimidade — uma falácia petista, pois quem votou em Dilma votou na chapa; como vice da anta, Temer não só era seu substituto eventual como encabeçava a linha sucessória presidencial. O que ele fez para ser promovido a titular e o fato de seu governo ter degringolado já é outra conversa.

Mas o nosferatu que jurou que não interferiria na Lava-Jato, que afastaria quem fosse denunciado e exoneraria quem se tornasse réu deu um salvo-conduto aos assessores citados nas delações, pois precisava deles para blindar o governo. Só que faltou combinar com os russos, ou melhor, com Joesley Batista: Em maio de 2017, Temer foi abatido em seu voo de galinha pela delação premiada do moedor de carne bilionário e de outros seis altos executivos da JBF/J&F.

Nossa história recomenda darmos mais atenção à figura do vice-presidente. Em 15 de novembro de 1889, um golpe militar capitaneado pelo marechal Deodoro da Fonseca apeou D. Pedro II do trono e substituiu a monarquia constitucionalista pela república presidencialista. Deodoro presidiu o país até 1891, quando então "foi convidado a renunciar" e substituído pelo vice — o também marechal Floriano Peixoto —, que concluiu o mandato-tampão e foi sucedido por Prudente de Moraes, que entrou para a história não só como o primeiro civil a presidir o país, mas também como o primeiro presidente eleito pelo voto direto.

Seria pedir demais aos eleitores brasileiros — que raramente se lembram em que votaram para deputado — analisarem cuidadosamente a composição das chapas que disputam a Presidência, mas o fato é que nove vices terminaram os mandatos de seus titulares: Floriano PeixotoNilo Peçanha, Delfim Moreira, Café Filho, João Goulart, José SarneyItamar Franco e Michel Temer.

Claro que, não fossem os vices, outros sucessores e outras formas de sucessão haveria, mas seria oportuno questionar a real necessidade da figura do vice nos tempos atuais. Para o reserva é ótimo: a vice-presidência rende palácio à beira do lago, diversas mordomias e, em caso de infortúnio do titular, até a Presidência. Para o país, no entanto, essa peça serve apenas para decoração, quando não para conspirar contra o titular, como fez Michel Temer.

Filho imigrantes libaneses, Michel Miguel Elias Temer Lulia nasceu em Tietê (SP), graduou-se em Direito pela USP, atuou como advogado trabalhista e lecionou na PUC-SP e na Faculdade de Direito de Itu antes de ingressar na vida pública como oficial de gabinete de Ataliba Nogueira, então secretário de Educação do governo de São Paulo. Em 1981, filiou-se ao PMDB (hoje MDB); em 1983, foi nomeado procurador-geral do Estado de São Paulo pelo então governador Franco Montoro; no ano seguinte, assumiu a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo; dois anos depois, disputou uma vaga na Câmara Federal, conseguiu uma suplência e assumiu a cadeira do deputado licenciado Tidei de Lima, tornando-se constituinte.

Ao longo de seis mandatos, Temer presidiu a Câmara em 1997, 1999 e 2009 e o PMDB de 2001 até o final de 2010, quando se licenciou do cargo para assumir a vice-presidência da República. Em maio de 2016, quando Dilma foi afastada, passou de “vice decorativo” a presidente interino e acabou efetivado no cargo em agosto, depois que a titular foi devida e definitivamente defenestrada.

Continua...

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

RETROSPECTIVA 2021



Final de ano sem retrospectiva e resoluções de ano novo é como ceia de Natal sem peru e castanhas. Mas como falar em peru e castanhas quando 13 milhões de brasileiros não têm emprego e mais de 20 milhões não têm sequer o que comer? Quando a recessão bate à porta e as pesquisas indicam que um ex-presidiário será eleito presidente (de novo) com 171% dos votos válidos?

Resolução de ano novo é como promessa de político em campanha: zero chance de ser honrada. Já as retrospectivas servem, em anos aziagos, somente para botar sal na ferida. Parafraseando o mefistofélico mandatário de turno, "nada não está tão ruim que não possa piorar". Então, hope for the best but expect the worst.

Em 2014, a reeleição de Dilma jogou o Brasil na pior recessão da história recente do país — lembrando que até então não estavam no radar o SARS-CoV-2 e a praga negacionista que se alojaria no Palácio do Planalto dali a quatro anos

Encerramos 2015 com uma presidanta encurralada, sem autoridade, nexo ou respeito, com um presidente da Câmara descrito como “homem de poderes sobrenaturais”, um ex-presidente da República picareta, sempre prestes a “virar o jogo” mediante conchavos milagrosos e um cangaceiro presidindo o Senado e atuando como marechal de campo na guerra para manter no comando a “presidanta honesta, competenta e eleita democraticamente “. 

Em dois mil e dezechega — como se dizia no final de 2016 —, a anta incompetenta foi penabundada e o vice decorativo, tido e havido como "a ponte que poderia conduzir o país à salvação" foi promovido a titular. 

Nesse entretempo, o senhor das urnas capaz de eleger qualquer poste para qualquer cargo tornou-se réu pela primeira vez, e a economia deu sinais de recuperação. A inflação e a taxa básica de juros começaram a recuar, os índices de desemprego pararam de crescer e reformas importantes para o país começaram a avançar. Mas não há nada como o tempo para passar.

Nem bem o calendário virou para 2017 — ano em que esperávamos melhorias mais consistentes —, rebeliões eclodiram nos presídios e uma greve absurda da PM causou a morte de centenas de inocentes. Mas ninguém imaginava que dali a três anos milhares de brasileiros morreriam diariamente de Covid enquanto um psicopata genocida daria de ombros, riria e diria: “E daí?”.

Foi também em janeiro de 2017 que uma queda de aeronave matou o ministro Teori Zavascki, deixando os processos da Lava-Jato no STF sem relator às vésperas da homologação da Delação do Fim do Mundo. Ainda assim, houve avanços significativos na luta contra a corrupção. 

Foram para na cadeia elementos como Rodrigo Rocha Loures — o “homem da mala”, ex-assessor e pessoa da mais estreita confiança do presidente Michel Temer —, Geddel Vieira Lima — aquele dos R$51 milhões e também amigão do peito do mandatário de turno —, os ex-governadores Sérgio Cabral e Anthony Garotinho, quase todos os membros do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro e do alto escalão da Alerj (a começar pelo presidente da Casa) e, em abril, o picareta dos picaretas.

Em maio, uma conversa de alcova entre Temer e o moedor de carne bilionário dono da JBS veio a público. O país parou enquanto o vampiro do Jaburu ensaiava o papel de vestal ofendida — que ele só se sentiu preparado para encenar na tarde do dia seguinte, quando finalmente tentou explicar o inexplicável e justificar o injustificável. 

Em rede nacional, Temer disse que não renunciaria, lamentou que "o fantasma da crise política tivesse voltado a rondar o Planalto" e esbravejou — com uma cara de pau de deixar Lula roxo de inveja — que a investigação no STF seria "o território onde aflorariam as provas de sua inocência".

A partir de então, deu-se o que era previsto e esperado: o presidente empenhou sua alma imortal para impedir que a Câmara autorizasse o STF a processá-lo. Chegou-se a dizer que "o governo estava com os dias contados”, mas estamos no Brasil, onde é comum esses cagalhões se manterem na superfície, boiando como merda n'água, e terminarem melancolicamente suas desditosas gestões.

Em janeiro de 2019, após o maior estelionato eleitoral desde a reeleição de Dilma, a terrível, Temer transferiu a faixa presidencial à surreal combinação de Caixa de Pandora com os Cavaleiros do Apocalipse (PesteGuerraFome e Morte), eleito como solução "in extremis" para impedir que o país fosse governado por um criminoso condenado e preso. Mas a emenda ficou pior que o soneto, e o mau militar e parlamentar medíocre só continua à frente do Executivo graças à pusilanimidade e o espírito do corpo (ou porco?) dos Poderes Legislativo e Judiciário.

Sabíamos que nem a Velhinha de Taubaté esperaria grande coisa desse ser ignóbil, mas não se imaginava que tê-lo no comando da Nau dos Insensatos seria como enfrentar, a um só tempo e de uma só vez, as Sete Pragas do Egito.

Foi também em 2019 que o STF restabeleceu o império da impunidade sem que se ouvisse um único pio daquele que prometeu travar uma cruzada contra a corrupção.

Tampouco se insurgiu contra essa vergonha o superministro da Justiça, mas é preciso ter em mente que, se contrariasse o chefe, Moro seria prontamente exonerado. E como ele tinha um projeto (ou dois, melhor dizendo, pois Bolsonaro havia prometido indicá-lo para o STF), o ex-juiz da Lava-Jato passou os meses seguintes engolindo sapos e sorvendo a água da lagoa.

Paulo Guedes foi outra decepção, mas, de novo, seria injusto lhe atribuir toda a culpa, até porque integrar esse governo de merda exige dar o rabo e pedir desculpas por estar de costas.

Com o segundo ano de mandato de Jair Asmodeu Bolsonaro vieram a Covid, a demissão de Mandetta do Ministério da Saúde, a passagem-relâmpago de Teich e a subsequente militarização da pasta por um autoproclamado especialista em logística que não amarrava os próprios coturnos sem consultar seu dono (é simples assim, um manda e o outro obedece).

O desembarque de Moro resultou na abertura de um inquérito no STF para investigar a interferência do "mito" de pés de barro na PF, mas a subserviência do PGR, os constantes afastamentos e subsequente aposentadoria do ministro Celso de Mello e a nomeação de um pau mandado para preencher sua vaga não colaboraram para que coelhos saíssem daquele mato.

No que tange às agruras trazidas por 2021, a história foi escrita tão recentemente que a tinta ainda nem secou, e modo que encerro esta bagaça com um texto que Dora Kramer publicou em sua coluna no apagar das luzes de 2020.

Nos últimos acordes do atípico ano de 2020 o senso comum lançou em toda parte um sonoro “já vai tarde”, tentando semear a esperança de que tudo será melhor em 2021. Que será, será, mas não necessariamente muito diferente, pois problemas não caminham sozinhos nem são subservientes ao calendário. Continuam aí, embora o mundo já receba, do esforço universal tão inédito quanto espetacular dos cientistas, instrumentos para enfrentar o maior deles a golpes de vacinas.

Para tudo, porém, há um contraponto. A pandemia tirou as coisas dos eixos tais como vinham girando até que um morcego do outro lado do planeta pusesse a humanidade à prova, entregue ao desafio de encontrar novos ou reencontrar antigos pontos de equilíbrio. A disfunção é universal e cada país ainda tem adversidades específicas — decorrentes voluntária e involuntariamente da ofensiva do vírus — para administrar.

Os Estados Unidos, por exemplo, livraram-se de uma dessas circunstâncias que deram um trabalho enorme: um presidente criador de casos, cujos métodos contribuíram ao longo do ano para o desvio do combate à crise sanitária.

Por aqui, junto com cargas pesadas a carregar e sapos robustos para engolir, temos esse tipo de governante, só que ainda com dois anos de mandato pela frente e sem dar sinal de que pretenda parar de criar caso com tudo e todos que lhe contrariem a ilusão de poder absoluto.

Bolsonaro perdeu e continua perdendo todas as tentativas de dar contornos reais ao devaneio de mandar porque pode e daí fazer todos obedecer por ser, na visão dele, providos de juízo. Tenta compensar no grito as perdas que acumula no Judiciário, no Legislativo, na comunidade científica, entre governadores, na sociedade organizada (e na desorganizada também), na imprensa, nos desmentidos que lhe impõem os fatos.

Muito embora a banda da democracia não toque ao ritmo de marcha militar, o general da banda ganhou algumas paradas ao custo de enormes prejuízos ao país, levando-nos a perder lugar de destaque e respeito mundiais na cultura, no trato do meio ambiente, na diplomacia e, mais recente e de modo especialmente danoso, na política de imunização construída em bases exitosas nas últimas quatro décadas. Um legado que vai muito além de 2020, cuja marca foi a da ineficiência.

O que esperar então do amanhã mais imediato? O presidente continuará nessa toada de cavar chances para celebrar aqui e ali “mais uma que o Bolsonaro ganhou”, pouco se importando com o destino do coletivo. E o Brasil social e institucionalmente do outro lado seguirá empreendendo um esforço enorme para reagir e resistir às investidas... nem vou dizer contra a democracia por se tratar de uma ação inexequível, mas contra a normalidade da vida e da relação do governante com seus governados.

É toda hora uma declaração estapafúrdia ou uma ação descolada da realidade, coisas que exigem a mobilização de uma energia brutal dedicada ao acessório que, no entanto, se torna essencial porque não se pode deixar passar certas atitudes sob o risco de lá na frente o preço a pagar ficar muito mais alto.

Esse passivo particularmente brasileiro é que vamos carregar neste momento em que o combate da pandemia já não é uma hipótese, mas uma situação concreta na qual seria indispensável contar com uma governança concentrada na emergência. O plano anunciado é difuso. Os 20 bilhões de reais de aporte anunciados não ajudam quando se tem um presidente que põe dinheiro, mas não impõe moral e desqualifica a vacinação e se mostra incapaz de imunizar a população, a coisa tende a não funcionar.

Problema ainda agravado por dificuldades como a queda de renda dos mais pobres, a incerteza sobre o andamento dos trabalhos no Congresso para o que é fundamental na economia, a redução de leitos disponíveis seja pelo receio de se retomarem os hospitais de campanha devido às falcatruas ocorridas e/ou da necessidade de atendimento de doenças cuja demanda ficou reprimida pela prioridade dada à Covid.

Isso sem falar nos efeitos crescentes da tensão pré-eleitoral em cujas águas o presidente candidato à reeleição navega em clima de tormenta, donde a tendência de seus pretensos oponentes será a do jogo pesado, tendo a vacina como centro. Mas essa é outra história. Por ora, fica o desejo: que a realidade supere as más expectativas e tudo corra bem no ano que vem.

Como se vê, pouca coisa mudou de lá para cá. Talvez algumas moscas, mas a merda continuou basicamente a mesma. Que tudo realmente melhore em 2022. Afinal, para sonhar não se paga imposto. 

Ainda.

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

AINDA A TERCEIRA VIA


A falta de nomes que empolguem o eleitorado "de centro" (não confundir com Centrão) é tão prejudicial quanto sua pluralidade, pois ambas as situações favorecem o dublê de ex-presidente e ex-presidiário — ora promovido a "ex-corrupto" — e o dublê de mau militar e parlamentar medíocre — ora promovido a pior mandatário desde a redemocratização. 

Na eleição solteira de 1989, o sempre esclarecidíssimo eleitor brasileiro voltou às urnas pela primeira vez desde a eleição de Jânio Quadros, em 1960, para descartar postulantes como Ulysses, Covas e Brizola e promover ao segundo turno dois demagogos populistas.

O caçador de marajás de festim derrotou o pai dos pobres de mentirinha e recebeu a faixa presidencial do oligarca maranhense que ascendeu ao Planalto, cinco anos antes, graças a uma trapaça do destino — e a quem o general Figueiredo se recusou a transferir a faixa: "Faixa a gente transfere para presidente, não para vice, e esse é um impostor".

Denunciado por corrupção, o "Rei-Sol" renunciou, mas foi impichado mesmo assim — e hoje é senador da República. O político baianeiro bon-vivant que lhe sucedeu nomeou Fernando Henrique ministro da Fazenda. O tucano emproado se autonomeou "primeiro-ministro informal" e, graças ao sucesso do Plano Real, foi eleito Presidente no primeiro turno do pleito de 1994. Em 1997, pariu a famigerada PEC da Reeleição e foi reconduzido ao cargo no ano seguinte, também no primeiro turno.

Os resultados sofríveis da segunda gestão de FHC botaram azeitona na empada do PT. Assim, após ser derrotado em 1989, 1994 e 1998, o ex-retirante, ex-engraxate, ex-mascate, ex-metalúrgico, ex-sindicalista, ex-decadátilo e fundador do partido dos trabalhadores que não trabalham, estudantes que não estudam e intelectuais que não pensam finalmente conquistou a Presidência

Como desgraça pouca é bobagem, a despeito do escândalo do mensalão o pseudo parteiro do Brasil maravilha não só conquistou seu segundo mandato como também elegeu um poste para manter aquecida a cadeira que ele pretendia voltar a ocupar em 2014.

À gerentona de araque não bastaram quatro anos para destruir a economia canarinha. Em 2014, inobstante a demonstração clara do descontentamento popular com sua abjeta gestão, a anta promoveu o (até então) maior estelionato eleitoral da história desta banânia — e foi reeleita (para ser escorraçada dois anos, quatro meses e 11 dias depois, mas isso é outra conversa).

O impeachment da Bruxa Má do Oeste guindou à Presidência o vice decorativo que prometeu nomear uma equipe de notáveis e empossou uma notável confraria de corruptos. Sua "ponte para o futuro" era de vidro e se quebrou quando uma conversa de alcova nada republicana mantida com o moedor de carne bilionário (que a gravou sem o conhecimento do vampiro do Jaburu) veio à luz num furo de reportagem Lauro Jardim.

O vampiro que tem medo de fantasmas foi alvo de três "Flechadas de Janot" — o então PGR que mais adiante reconheceria ter ido armado ao STF para matar o semideus togado e se suicidar em seguida. Mas empenhou nossas cuecas no aluguel de apoio das marafonas do Centrão e terminou sua insossa gestão como "pato-manco" — tradução literal da expressão "lame duck", que é como os americanos se referem a políticos que chegam tão desgastados ao final do mandato que até os garçons, de má vontade, lhes servem o café frio.

Tudo isso contribuiu para que um bizarro dublê de mau militar e parlamentar medíocre fosse guindado ao Planalto, já que a alternativa que restou no segundo turno jamais foi uma opção. E a menos que a tal terceira via se consolide, o pleito de 2022 será novamente um plebiscito e nos obrigará novamente a escolher o menor de dois males (lembrando que toda má escolha feita por falta de alternativa continua sendo uma má escolha). 

Dito isso, pode ser útil anotar algumas realidades que a eleição presidencial passada deixou demonstradas:

A grande força política que culminou com a vitória de Bolsonaro chama-se antipetismo. Foi ela que deu a essa aberração que chamamos de "Presidente" os 10,8 milhões de votos a mais que o total obtido pelo “poste” que serviu de preposto e bonifrate ao então presidiário de Curitiba. 

Atualmente, o contexto é outro. Lula, que teve as condenações anuladas e a ficha-suja lavada na lavanderia imunda do STF, ainda é rejeitado por uma parcela significativa dos brasileiros. O problema que a rejeição a Bolsonaro é ainda maior. Em outras palavras, o capetão foi quem melhor soube representar o antilulopetismo em 2018, e por isso — e unicamente por isso — ficou em primeiro lugar. 

Lula é — até o presente momento — quem tem mais chances de defenestrar o pontífice da seita infernal que, a pretexto de defender o conservadorismo, disseminou o nazifascismo, o racismo, o machismo, o autoritarismo e a defesa da ditadura militar.  

PT foi triturado nas eleições municipais de 2016. Seus candidatos a governador em SP, RJ, MG e RS tiveram votações ridículas, e seus “ícones” ao Senado, como Dilma em MG, Suplicy em SP e Lindbergh no RJ foram transformados em pó, deixando a sigla sem um único senador nos três maiores colégios eleitorais do país.

Em 2018, a força política de Lula — que continua sendo descrito como um gênio incomparável no “jogo do poder” — era do exato tamanho dos resultados obtidos nas urnas pelo seu “poste”. As mais extraordinárias profecias sobre a sua capacidade de “transferir votos” e a sua inteligência praticamente sobre-humana em tudo o que se refere à política não se realizaram. Encerrada a apuração, o molusco abjeto continuava exatamente onde estava — trancafiado num xadrez em Curitiba.

Mais uma vez, os institutos de “pesquisa de intenção de voto” fizeram previsões calamitosamente erradas. A estocadora de vento, segundo garantiam, seria a “senadora mais votada do Brasil”, mas ficou num quarto lugar humilhante. Suplicy, uma espécie de Tiririca-2 de São Paulo, também era dado como “eleito”, mas foi varrido do mapa. Os primeiros colocados para governador de Minas e Rio foram ignorados pelas pesquisas praticamente até a véspera da eleição — tinham 1% dos votos, ou coisa que o valha. E deu no que deu.

O tempo de televisão e rádio no horário eleitoral obrigatório — tido e havido como uma vantagem monumental e vendido a peso de ouro pelas gangues partidárias — virou zero à esquerda em termos nacionais. O eterno picolé de chuchu, que tinha o maior espaço nos meios eletrônicos, acabou com menos de 5% dos votos. Em contrapartida, o candidato que as conjunturas transforariam no verdugo do Planalto não tinha nem 1 minuto, mas acabou sendo o primeiro colocado. Ficou claro, então, que a propaganda fabricada por gênios do “marketing eleitoral” da modalidade Duda Mendonça-João Santana — caríssima, paga com dinheiro roubado e criada numa usina central de produção — já não fazia tanta diferença: a votação do "mito" dos bolsomínions foi construída nas redes sociais.

Resumo da ópera: daqui até outubro de 2022 o público será apresentado a outras previsões, teoremas e choques de sabedoria. É bom não perder de vista o que aconteceu em 2018 antes de acreditar no que lhe anunciam para o futuro. Mesmo assim, uma coisa é certa: uma eleição com muitos candidatos, em meio a uma grave crise econômica e prenhe de descrença na política, pode resultar na volta de Lula (não à cadeia, de onde ele jamais deveria ter saído, mas ao Palácio do Planalto) ou na menos provável (mas não impossível) reeleição do "mito" (que Deus nos livres de ambas essas desgraças).

Como disse a infectologista Luana Araújo em outro contexto, "é como se a gente estivesse escolhendo de que borda da ‘Terra plana’ vai pular”. Nos últimos dias, Bolsonaro não reconheceu — e esnobou — o vice-primeiro-ministro alemão e pisou no pé da primeira-ministra daquele país. Confundiu o chanceler americano John Kerry com o comediante Jim Carrey. Esquivou-se da COP-26 e foi fazer turismo na Itália — onde chamou a Torre de Pisa de torre de pizza. E condecorou a si mesmo com a Ordem do Mérito Científico (todo presidente já é o Grão Mestre da Ordem, mas fazer questão de publicar isso no Diário Oficial é bem esquisito).

Observação: Há controvérsia sobre o que é mais espantoso, a auto honraria em si ou a suposição de que um negacionista como Bolsonaro possa ter mérito científico. Ao ser alertado que condecorara com a mesma Ordem um pesquisador responsável por demonstrar que a cloroquina não funciona para Covid, nosso indômito capetão o descondecorou, levando outros 21 próceres da ciência a renunciar à condecoração.  

Claro que o imprevisto sempre pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos. A pandemia continua fazendo vítimas, aviões continuam caindo, mortes naturais continuam acontecendo... Enfim, quem viver verá.

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

AINDA SOBRE A CPI — NHOQUE DA SORTE


 Em 1863, no Discurso de Gettysburg, o presidente norte-americano Abraham Lincoln definiu a democracia como o "governo do povo, pelo povo, para o povo". No Brasil, os governantes eleitos pelo povo seguem a ordem alfabética, visando primeiro ao bolso (o próprio). 

Curiosamente, o parágrafo único do artigo primeiro da Constituição de 1967 — promulgada durante os anos de chumbo — estabelecia que "todo o poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido”. Na carta de 1988, conhecida como Constituição Cidadã — gestada e parida durante a ressaca da ditadura militar —, o parágrafo único do artigo retrocitado passou a ter a seguinte redação: todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."

Na cerimônia de promulgação da Carta de 1988, o saudoso Ulysses Guimarães (que dorme com os peixes há 29 anos) reconheceu que a Lei não era perfeita — o que ela própria confessava ao admitir reformas. E com efeito: os constituintes roubaram o país que tínhamos e nos transformaram em escravos de nossos “representantes”. Essa caterva, que deveria exercer o poder em nome do povo (que a elegeu para isso), faz o que quer, quando quer e como quer, sem prestar contas a ninguém e quase sempre em benefício próprio — seja para aumentar a burocracia que mantem o status quo, seja para angariar votos para a próxima eleição, seja para proteger seus asseclas.

A tal Constituição Cidadã não previa a reeleição de presidente e vice. Mas o ego inflado de FHC não coube em "míseros" 5 anos de mandato (mais detalhes nesta postagem). Uma vez aberta a Caixa de Pandora, seguiram-se as reeleições do próprio, de Lula (a despeito do Mensalão) e de Dilma (a despeito do Petrolão). 

O impeachment da anta arroganta deu azo à ascensão de Temer — cujo governo acabou quando veio a lume a conversa de alcova do vampiro com o moedor de carne bilionário Joesley Batista, gravada pelo próprio nos porões do Jaburu. Na esteira dessa desgraça, o bolsonarismo boçal derrotou o lulopetismo corrupto no pleito de 2018, e o resultado foi a tempestade perfeita que pandemia tornou pior, com a imprescindível ajuda do mandatário de fancaria. A despeito da atual gestão ser uma extraordinária sucessão de descalabros, o Messias que não miracula continua desafiando a lei da gravidade (com a imprescindível cumplicidade do procurador-geral da República e do réu que preside a Câmara Federal.

Ao longo dos últimos seis meses, a CPI do Genocídio jogou luz sobre a podridão que aflora dos subterrâneos do governo federal. Não bastassem os 140 pedidos de abertura de processos de impeachment em desfavor do obelisco do negacionismo — pedidos esses que o deputado-réu Arthur Lira mantém inacessíveis sob seu buzanfã —, o relatório aprovado por 7 dos 11 membros titulares da comissão (debalde o prodigioso esforço da tropa de choque do governo) recomenda que Bolsonaro seja investigado e, eventualmente, responsabilizado por 10 crimes, bem como o indiciamento de outras 77 pessoas — incluindo ex-ministros, ministros, políticos, servidores públicos, empresários, membros do chamado "gabinete paralelo" — e duas empresas. 

No caso de Bolsonaro, as suspeitas de crime comum serão encaminhadas à PGR, as de crime de responsabilidade, à Câmara Federal, e as de crimes contra a humanidade, ao Tribunal Penal Internacional. Detalhe: Lira telefonou duas vezes para alertar o presidente da CPI de que a inclusão dos nomes de deputados bolsonaristas no relatório final da comissão abriria um "perigoso precedente", e que ele reagiria se isso ocorresse. Na visão de sua excelência, "não é adequado senador investigar deputado".

Um grupo de senadores entregou pessoalmente ao ministro Alexandre de Mores, do STF, e a Augusto Aras, comandante supremo da PGR, o relatório produzido pela Comissão. A senadora Simone Tebet disse que sempre foi crítica à procuradoria e ao trabalho de Aras, mas dessa vez "o procurador foi firme". Cabe ao Ministério Público promover a responsabilidade civil ou criminal dos infratores. Caso a denúncia seja oferecida, os fatos serão analisados pela instância da Justiça competente. Se um investigado tiver foro privilegiado em âmbito federal — situação que inclui Bolsonaro, por exemplo —, o foro proporcional é o STF.

O senador Omar Aziz, presidente da CPI, disse a Aras que "tenha compromisso com a nação: 600 mil vidas não podem ser engavetadas. Qualquer que seja o argumento, nós estaremos discutindo publicamente. Os documentos sigilosos são comprometedores e serão disponibilizados para que possam continuar a investigação". Pela manhã, durante a audiência, Aziz demonstrou preocupação com declarações dadas por parlamentares governistas de que Aras iria arquivar o relatório da CPI num curto prazo, e já havia cobrado o procurador-geral.

O senador Randolfe Rodrigues, vice-presidente da CPI, disse que os membros da Comissão acertaram com Aras que fariam (como de fato fizeram) a entrega dos processos às demais instâncias do Ministério Público. Parte dos senadores receiam que o PGR engavete as sugestões da comissão, já que ele foi indicado e reconduzido ao cargo por Bolsonaro, cujo governo é o principal alvo da investigação de irregularidades. Aras afirmou que fará uma análise independente. E eu acredito em Papai Noel.

Carlos Fernando dos Santos Lima, ex-procurador da Lava-Jato, também não acredita que Aras fará algo de efetivo sobre o relatório. "Ele vai possivelmente tocar isso de uma maneira a não dar espaço para que haja movimentação alternativa, tocando esse inquérito de uma maneira leniente", declarou o ex-procurador em entrevista ao portal UOL. Aras foi nomeado para o cargo por ter uma postura passiva em relação à abertura de investigações, por "representar o não fazer", por subordinar o Ministério Público aos desejos da política.

"Esta CPI já produziu resultados. Temos denúncias, ações penais, autoridades afastadas e muitas investigações em andamento e agora, com essas novas informações, poderemos avançar na apuração em relação a autoridades com prerrogativa do foro nos tribunais superiores", disse o procurador-geral através de postagem feita por sua assessoria no Twitter. Vale destacar que a Comissão não tem poder para punir suspeitos — o aprofundamento de investigações e indiciamentos contidas no relatório ficará a cargo de órgãos de fiscalização e controle — sobretudo o Ministério Público Federal, por meio da PGR, e o Ministério Público dos Estados, com foco no Distrito Federal e em São Paulo, onde já existem apurações em andamento.

A PGR já abriu 92 investigações preliminares relativas ao presidente da República, mas não apontou nenhum crime que teria sido praticado pelo mandatário. Numa de suas manifestações mais polêmicas, a subprocuradora-geral Lindôra Araújo alegou não ter visto crime na decisão de Bolsonaro de não usar máscara e levantou dúvidas sobre a eficácia do material de proteção, cuja importância é amplamente propagada por especialistas. De acordo com a jornalista e colunista do Globo Bela Megale, Aras submete o relatório da CPI à análise prévia para ganhar tempo e se blindar com Bolsonaro e Senado.

Em entrevista à recém-inaugurada TV Jovem Pan News, o "mito" dos bolsomínions disse que "a CPI foi uma palhaçada". Repetindo o discurso com que tentou desde sempre desacreditar a comissão, sua alteza concentrou as baterias no relator, senador Renan Calheiros, que "agiu por vingança". Ao ser questionado sobre 'rachadinha' pelo filho de Paulo Marinho, o capetão simplesmente encerrou a entrevista.

Nesse entretempo, o TSE rejeitou a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão. Os ministros Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Felipe Salomão e Mauro Campbell Marques criticaram o chefe do Executivo e afirmaram que foi comprovada a existência de um esquema ilícito de propagação de notícias falsas via WhatsApp no último pleito para beneficiar Bolsonaro, mas consideraram que não havia gravidade suficiente para cassar a chapa. Os ministros Sérgio Banhos e Carlos Horbach entenderam que sequer foram apresentados elementos que permitissem chegar à conclusão de que houve algum tipo de disseminação de fake news em benefício do atual presidente.

Barroso, Moraes e Fachin mandaram duros recados a Bolsonaro e afirmaram que, embora o tribunal não tenha imposto pena ao chefe do Executivo neste caso, o julgamento serviu para preparar a corte para 2022, quando o esclarecidíssimo eleitorado canarinho voltará às urnas para escolher presidente e vice, governadores, deputados federais e estaduais e 1/3 dos senadores da República (outros 2/3 foram eleitos em 2018). 

Pelo andar da carruagem, essa "festa da democracia" deve ocorrer ainda em meio a pandemia sanitária, sem as reformas estruturantes prometidas, com desemprego, desalento e estagflação, crises hídrica e energética batendo as portas, dólar acima de R$ 5, denúncias de corrupção em todos os escalões do governo (governo esse que diz ter acabado com a Lava-Jato porque "não existe mais corrupção") e uma corja de políticos que só pensam em si mesmos.

 

  EM TEMPO: Se você tem fé, reze por um milagre. Se sua fé não chega a tanto, aproveite que hoje é dia 29 para fazer a simpatia do nhoque. Se não melhorar, piorar também não vai.

E viva o povo brasileiro!

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

FELIZ ANO NOVO. DE NOVO.


Em 2014, a reeleição da cria e pupila do criminoso de Garanhuns jogou o Brasil na pior recessão de sua história. Dentre outras desgraças, o fechamento de postos de trabalho empurrou milhões de brasileiros para o subsolo da linha de pobreza, os índices de mortalidade infantil dispararam e o Brasil se tornou um dos países mais perigosos do planeta.

Em 2015, tínhamos uma presidanta encurralada, sem autoridade, nexo ou respeito; um presidente da Câmara descrito como “homem de poderes sobrenaturais” e um ex-presidente da República picareta, sempre prestes a “virar o jogo” mediante conchavos milagrosos — que meses depois tentaria nomear a si próprio ministro da Casa Civil e, a partir daí, resolver a situação toda em seu próprio benefício. Tínhamos, ainda, um cangaceiro presidindo o Senado e atuando como marechal de campo na guerra para manter no comando a farsante que se autodeclarava “presidanta honesta, competenta e eleita democraticamente “.

Em dois mil e dezechega — como dizíamos no final daquele ano aziago — a anta incompetenta foi expelida (pelo conjunto de sua imprestável obra e falta de traquejo político para se relacionar com o Congresso; oficialmente, o motivo do impeachment foram as  pedaladas fiscais e maracutaias da ordem de R$ de 60 bilhões). Foi também em 2016 que o molusco abjeto se tornou réu pela primeira vez e o vice-presidente decorativo, visto como a ponte que poderia conduzir o país à salvação, foi promovido a titular. E assim a economia deu sinais de recuperação, a inflação e a taxa básica de juros começaram a recuar, os índices de desemprego pararam de crescer e reformas importantes para o país começaram a avançar.

Nem bem o calendário virou para 2017 — ano em que depositávamos esperanças de melhoras mais consistentes —, eclodiram rebeliões nos presídios e uma greve absurda da PM, que causou a morte de centenas de inocentesVale lembrar que até então ninguém imaginava que dali a três anos morreriam centenas de pessoas todos os dias, no Brasil, e que nosso arremedo de presidente daria de ombros, riria e diria: “E daí?”.

Ainda em janeiro de 2017 um trágico acidente aéreo vitimou o ministro Teori Zavascki e deixou o STF sem relator dos processos da Lava-Jato, às vésperas da homologação da Delação do Fim do Mundo. Ainda assim, a despeito do "fogo amigo", houve avanços na luta contra a corrupção. 

Foram em cana desqualificados como Rodrigo Rocha Loures — o “homem da mala”, ex-assessor e pessoa da mais estreita confiança do presidente Temer —, Geddel Vieira Lima o homem dos R$51 milhões e também amigão do peito do mandatário de turno —, os ex-governadores Sérgio Cabral e Anthony Garotinho, quase todos os membros do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro e do alto escalão da Alerj (a começar pelo presidente da Casa). Em abril, depois de ter a condenação ratificada pelo TRF-4 no processo sobre o folclórico tríplex no Guarujá, o picareta dos picaretas finalmente foi preso.

Em meados de maio, Lauro Jardim trouxe a lume uma conversa de alcova nada republicana entre Temer e o moedor de carne bilionário dono da JBS. O vampiro do Jaburu fechou-se em copas e cogitou de renunciar, mas foi demovido pelos puxa-sacos de plantão — com destaque para o aparvalhado Carlos Marun, que performou uma dancinha patética quando as marafonas do Congresso livraram o rabo sujo do Diphylla Ecaudata.

Temer ensaiou durante horas o papel de vestal ofendida, mas só se sentiu preparado para encená-lo na tarde do dia seguinte. Do Palácio do Planalto para o mundo e em rede nacional, dedicou-se sua insolência à inglória tarefa de explicar o inexplicável, e terminou o solilóquio lamentando que "fantasma da crise política" voltara a rondar o Planalto.

Não renunciarei. Repito: Não renunciarei. Sei o que fiz e sei da correção dos meus atos. Exijo investigação plena e muito rápida para os esclarecimentos ao povo brasileiro. Meu único compromisso é com o Brasil, e só este compromisso me guiará”, esbravejou o vampiro, com uma cara de pau de deixar Lula roxo de inveja. A certa altura chegou a dizer que a investigação no STF seria "o território onde aflorariam as provas de sua inocência". Mas o que a partir daí, na verdade, foi empenhar sua alma imortal para impedir que a Câmara autorizasse o STF a processá-lo.

Durante algum tempo dizia-se o tempo todo que o governo estava “com os dias contados”. Mas Temer, tal qual os cagalhões que flutuam no rios Pinheiros e no Tietê (verdadeiros esgotos a céu aberto que cortam São Paulo), não afundou nem com reza brava. 

Como na fábula do Menino e Lobo, a conversa de que “a qualquer momento...” acabou enchendo o saco, até porque o povo tem mais o que fazer para pôr comida na mesa — e sustentar a caterva de corruptos fantasiada de agentes públicos.

Ainda assim, aos trancos e barrancos o pato manco chegou melancolicamente ao final de seu funesto mandato e, em 1ª de janeiro de 2018, passou a faixa para sabe-se lá se uma versão revista e atualizada da Caixa de Pandora ou uma combinação dos quatro Cavaleiros do Apocalipse (Peste, Guerra, Fome e Morte), mas que se encalacrou no Palácio do Planalto e lá permanece até hoje, graças à inação, a pusilanimidade e o desinteresse dos Poderes Legislativo e Judiciário.

O ano seguinte teve “seus momentos” — que se podem conferir através do campo “arquivos do Blog” para revistar as postagens publicadas ao longo de 2018. Mas vale relembrar que foi no finalzinho de mais esse ano aziago que o ministro Marco Aurélio, cansado de esperar pela rediscussão da prisão após condenação em segunda instância, concedeu uma liminar que por pouco não resultou na soltura de quase 170 mil condenados que aguardavam presos o julgamento de seus recursos — entre eles o criminoso Lula.

Observação: No recesso de meio de ano um plantonista delirante do TRF-4, membro praticante da ospália petista, determinou a soltura do demiurgo de Garanhuns. A decisão desse desembargador (que deixou claro não ter juízo sequer para arbitrar pelada de várzea) gerou uma queda-de-braço que só terminou depois que o presidente do Tribunal, Carlos Eduardo Thompson Flores, restabeleceu a ordem no galinheiro.

Em outubro, para impedir o retorno do criminoso Lula e seus asseclas ao Palácio do Planalto, formos obrigados a apoiar um dublê de mau militar e parlamentar medíocre (como não havia alternativa, não há que falar em arrependimento) que sabíamos não ser grande coisa, mas jamais imaginamos que tê-lo como mandatário seria como enfrentar, a um só tempo e de uma só vez, as Sete Pragas do Egito.

O fim de 2018 trouxe um 2019 que começou com a posse do capitão-desgraça, os desmandos inadmissíveis (mas admitidos) de sua prole, a influência maléfica do guru de merda Olavo de Carvalho no governo, as intrigas do pitbull do papai (que levaram à demissão de Bebianno e dos generais Santos Cruz e Rego Barros), os rolos cada vez mais enrolados de Queiroz e Flávio “Rachadinha”, a fieira de promessas de campanha metidas em local incerto e não sabido (mas onde certamente o sol não bate), a quase derrubada do governo (ainda no primeiro semestre), a sucessão de crises que o capitão sem luz criava diuturnamente para desviar a atenção do cheiro de podre de seu governo impoluto, ilibado e incorruptível... Enfim, sugiro, mais uma vez, recorrer aos arquivos do Blog para repassar as postagens, pois tudo que houve de importante ao longo do 2019 foi discutido ou, no mínimo, mencionado de passagem.

Observação: Foi também em 2019 que a banda podre do STF restabeleceu (por 6 votos a 5) o império da impunidade sem que se ouvisse um pio daquele que nos prometeu travar uma cruzada contra a corrupção — nem de seu superministro da Justiça — que, convenhamos, não podia contrariar o chefe, sob sob pena de ser penabundado, mas que passou tempo demais engolindo sapos e bebendo a água da lagoa. O Posto Ipiranga foi outra decepção, apesar de não lhe caber toda a culpa pelo fiasco. Como já disse mais de uma vez, ser ministro desse governo de merda exige estômago de avestruz e vocação inata para lamber botas e dar o rabo pedindo desculpas por estar de costas. Simples assim.

E então veio 2020, que trouxe a Covid, a demissão de Mandetta em plena pandemia, a militarização da Saúde por um logístico ilógico, a saída de Moro, o inquérito no STF para investigar o mito mitômano, a subserviência do PGR, as licenças e subsequente aposentadoria do ministro Celso de Mello, a nomeação de (mais) um pau mandado para preencher sua vaga... enfim, isso tudo é história escrita tão recentemente que a tinta nem secou. Para não abusar da paciência do leitor (mais do que já abusei), encerro a bagaça com um texto de Dora Kramer:

Nos últimos acordes do atípico ano de 2020 o senso comum lançou em toda parte um sonoro “já vai tarde”, tentando semear a esperança de que em 2021 será tudo melhor. Que será, será, mas não necessariamente muito diferente, pois problemas não caminham sozinhos nem são subservientes ao calendário. Continuam aí, embora o mundo já receba, do esforço universal tão inédito quanto espetacular dos cientistas, instrumentos para enfrentar o maior deles a golpes de vacinas.

Para tudo, porém, há um contraponto. A pandemia tirou as coisas dos eixos tais como vinham girando até que um morcego do outro lado do planeta pusesse a humanidade à prova, entregue ao desafio de encontrar novos ou reencontrar antigos pontos de equilíbrio. A disfunção é universal e cada país ainda tem adversidades específicas — decorrentes voluntária e involuntariamente da ofensiva do vírus — para administrar.

Os Estados Unidos, por exemplo, livraram-se de uma dessas circunstâncias que deram um trabalho enorme: um presidente criador de casos, cujos métodos contribuíram ao longo do ano para o desvio do combate à crise sanitária.

Por aqui, junto com cargas pesadas a carregar e sapos robustos para engolir, temos esse tipo de governante, só que ainda com dois anos de mandato pela frente e sem dar sinal de que pretenda parar de criar caso com tudo e todos que lhe contrariem a ilusão de poder absoluto.

Ilusão porque Bolsonaro perdeu e continua perdendo todas as tentativas de dar contornos reais ao devaneio de mandar porque pode e daí fazer todos obedecer por ser, na visão dele, providos de juízo. Tenta compensar no grito as perdas que acumula no Judiciário, no Legislativo, na comunidade científica, entre governadores, na sociedade organizada (e na desorganizada também), na imprensa, nos desmentidos que lhe impõem os fatos.

Muito embora a banda da democracia não toque ao ritmo de marcha militar, o general da banda ganhou algumas paradas ao custo de enormes prejuízos ao país, levando-nos a perder lugar de destaque e respeito mundiais na cultura, no trato do meio ambiente, na diplomacia e, mais recente e de modo especialmente danoso, na política de imunização construída em bases exitosas nas últimas quatro décadas. Um legado que vai muito além de 2020, cuja marca foi a da ineficiência.

O que esperar então do amanhã mais imediato? O presidente continuará nessa toada de cavar chances para celebrar aqui e ali “mais uma que o Bolsonaro ganhou”, pouco se lhe importando o destino do coletivo. E o Brasil social e institucionalmente do outro lado seguirá empreendendo um esforço enorme para reagir e resistir às investidas... nem vou dizer contra a democracia por se tratar de uma ação inexequível, mas contra a normalidade da vida e da relação do governante com seus governados.

É toda hora uma declaração estapafúrdia ou uma ação descolada da realidade, coisas que exigem a mobilização de uma energia brutal dedicada ao acessório que, no entanto, se torna essencial porque não se pode deixar passar certas atitudes sob o risco de lá na frente o preço a pagar ficar muito mais alto.

Esse passivo particularmente brasileiro é que vamos carregar neste momento em que o combate da pandemia já não é uma hipótese, mas uma situação concreta na qual seria indispensável contar com uma governança concentrada na emergência. O plano anunciado é difuso. Os 20 bilhões de reais de aporte anunciados não ajudam quando se tem um presidente que põe dinheiro, mas não impõe moral e desqualifica a vacinação e se mostra incapaz de imunizar a população, a coisa tende a não funcionar.

Problema ainda agravado por dificuldades como a queda de renda dos mais pobres, a incerteza sobre o andamento dos trabalhos no Congresso para o que é fundamental na economia, a redução de leitos disponíveis seja pelo receio de se retomarem os hospitais de campanha devido às falcatruas ocorridas e/ou da necessidade de atendimento de doenças cuja demanda ficou reprimida pela prioridade dada à Covid.

Isso sem falar nos efeitos crescentes da tensão pré-eleitoral em cujas águas o presidente candidato à reeleição navega em clima de tormenta, donde a tendência de seus pretensos oponentes será a do jogo pesado, tendo a vacina como centro. Mas essa é outra história. Por ora, fica o desejo: que a realidade supere as más expectativas e tudo corra bem no ano que vem.

Boas entradas a todos.

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

O BRASILEIRO MERECE!

Em 1949, ao descobrir que todos os eletrodos de um equipamento destinado a medir os efeitos da aceleração e desaceleração em pilotos, o engenheiro aeroespacial panamenho Edward A. Murphy criou um corolário de máximas que ficaria conhecido, mais adiante, como a “Lei de Murphy”. Alguns consideram-na um tratado de negativismo, mas o fato é que ninguém conseguiu revogá-la.

Se algo pode dar errado, dará”, anotou Murphy. Soa fatalista, mas é pura lógica. Se nada dura para sempre, um dia vai quebrar, estragar, deixar de funcionar ou morrer. É mera questão de tempo. 

No Teorema do Macaco Infinito, descrito pelo matemático Émile Borel em 1913, um macaco, digitando aleatoriamente num teclado por um intervalo de tempo infinito, quase certamente criará a obra completa de Shakespeare. O macaco é apenas uma metáfora para um dispositivo abstrato que produza uma sequência aleatória de letras ad infinitum, mas “quase certamente” é um termo matemático com significado preciso.

Fato é que o pão do pobre sempre cai com o lado da manteiga para baixo, e que basta a gente escolher uma fila para a outra começar a andar mais depressa. Por outro lado, se sempre achamos as coisas no último lugar em que as procuramos, é porque não continuamos procurando depois que as encontramos. Mas isso é assunto para outra hora.

O que me leva a essas considerações é o artigo da Lei de Murphy segundo o qual não há nada tão ruim que não possa piorar. Impossível negar essa dura realidade. Cito como exemplo o cenário político atual. Vejamos isso melhor.

Durante o reinado de Lula, passei a ter vergonha de ser brasileiro. Com Dilma na presidência, a vergonha virou nojo. Num primeiro momento, a deposição da anta e a ascensão de Temer acendeu uma luz no fim do túnel. Mas a conversa de alcova que o vampiro do Jaburu manteve, na calada da noite, com certo moedor de carne bilionário deixou evidente que a tal luz era o farol do trem.  

A chama bruxuleante da esperança ressurgiu com a perspectiva da troca de comando em 2018. Mas durou pouco: tivemos de escolher entre o diabo que conhecíamos e o diabo que inevitavelmente passaríamos a conhecer (votar na marionete do criminoso de Garanhuns jamais foi uma opção). Para impedir que o bonifrate do presidiário levasse sua quadrilha de volta ao poder. elegemos o dublê de mau militar e parlamentar medíocre que hoje ocupa o Palácio do Planalto (e o da Alvorada, e a Granja do Torto, e por aí afora).

No segundo turno, votar em quem não se quer para evitar a vitória de quem se quer menos ainda faz parte do jogo político, mas tudo tem limite. Jamais botei fé no capetão, porém nunca imaginei que sua passagem pela Presidência pudesse ser tão desastrosa. 

Como se  vê, nada é tão ruim que não possa piorar.

Observação: Tanto a insistência do picareta dos picaretas em disputar a presidência, mesmo fingindo cumprir pena em Curitiba, numa sala VIP que se fingia de cela, quanto a excrescência a que chamamos "Justiça Eleitoral" reunir sua mais alta cúpula para julgar um pedido cuja desconformidade com a legislação eleitoral qualquer balconista da repartição pública onde se registram candidaturas não levaria mais que alguns minutos para determinar, foram um escárnio, uma bofetada nas fuças dos cidadãos de bem. A essa altura, porém, eu já nem sabia mais como qualificar meu “sentimento nativista”.

A pandemia foi uma fatalidade imprevisível, mas as coisas já andavam mal muito antes de a Covid-19 dar as caras por aqui. 

Relembro o “pibinho” de 2019, que virou chacota nas redes sociais. 

A reforma previdenciária, por cuja aprovação o presidente não só não se empenhou como fez o possível para atrapalhar

A demissão de Mandetta em meio à maior pandemia sanitária dos últimos cem anos. 

A nomeação de um general da ativa para transformar o ministério da Saúde em cabide de fardas (general esse que se sujeita ao papel de taifeiro do capitão-cloroquina e, feito por ele de gato e sapato, dá de ombros e diz que “um manda e o outro obedece”). 

As articulações para empurrar com a barriga a investigação sobre sua interferência na PF (visando proteger familiares e amigos, como o próprio presidente reconheceu). 

A nomeação de ministros da pior qualidade (só na Educação foram quatro até agora, e um pior que o outro). E por aí segue a procissão.

Pelas últimas contas, mais de 50 pedidos de impeachment dormitam sobre a mesa do presidente da Câmara, que só tem olhos para a própria reeleição. Não fosse assim, “Botafogo” veria que o morubixaba de festim afrontou a lei em diversas oportunidades. Entre outras:

Ao apoiar manifestações antidemocráticas;

Ao declarar, em Miami, que as eleições de 2018 foram fraudadas

Ao postar conteúdo pornográfico durante o Carnaval de 2019; 

Ao mandar comemorar o golpe militar de 1964

Ao praticar ofensas de cunho sexual contra a repórter Patrícia Campos Mello, da Folha

Ao ignorar lei federal e atuar de modo temerário, propiciando a expansão do coronavírus

Ao flertar com a greve de PMs no Ceará, reconhecendo a suposta legitimidade do movimento

Ao afirmar abertamente que foi à CIA para tratar da deposição de Nicolás Maduro

Ao permitir que ministro, sob o seu comando, demitisse de cargo de confiança um fiscal que o havia multado por pesca irregular;

Um oficial militar disse a Eliane Cantanhêde que, para parar de falar besteira, o presidente tem de “tomar um remedinho”. A jornalista comentou: “Isolado no plano internacional, Bolsonaro será derrotado na eleição para prefeitos e tem contra si parcelas expressivas de governadores, juristas, cientistas, médicos, professores, ambientalistas, diplomatas, artistas e analistas. Não satisfeito, bate boca com Mourão, o que divide os militares. Aonde, afinal, o presidente quer chegar?

Pode-se acusar Bolsonaro de tudo, menos de ser original. Até porque a originalidade exige... bom, deixa pra lá. 

Difícil é identificar de quem o presidente de turno “herdou” seus invejáveis predicados. Seu populismo desbragado teria vindo de Lula ou de Jânio? Sua falta de compostura seria inata ou copiada de Trump? Sua inglória gestão acabará como a de Dilma, de Collor, de Jânio ou de Getúlio? Façam suas apostas.

Para concluir, um texto atribuído ao cineasta e jornalista carioca Arnaldo Jabor:

Brasileiro é um povo solidário. Mentira. Brasileiro é babaca. 

Eleger para o cargo mais importante do Estado um sujeito que não tem escolaridade e preparo nem para ser gari, só porque tem uma história de vida sofrida; pagar 40% de sua renda em tributos e ainda dar esmola para pobre na rua, ao invés de cobrar do governo uma solução para pobreza; aceitar que ONG's de direitos humanos fiquem dando pitacos na forma como tratamos nossa criminalidade... Não protestar cada vez que o governo compra colchões para presidiários que queimaram os deles de propósito não é coisa de gente solidária. É coisa de gente otária.

Brasileiro é um povo alegre. Mentira. Brasileiro é bobalhão. 

Fazer piadinha com as imundices que acompanhamos todo dia é o mesmo que tomar bofetada na cara e dar risada. Depois de um massacre que durou quatro dias em São Paulo, ouvir o José Simão fazer piadinha a respeito e achar graça é o mesmo que contar piada no enterro do pai. Brasileiro tem um sério problema. Quando surge um escândalo, em vez de protestar e tomar providências como cidadão, ri feito bobo.

Brasileiro é um povo trabalhador. Mentira. 

Brasileiro é vagabundo por excelência. O brasileiro tenta se enganar, fingindo que os políticos que ocupam cargos públicos no país surgiram de Marte e pousaram em seus cargos, quando na verdade são oriundos do povo. O brasileiro, ao mesmo tempo que fica indignado ao ver um deputado receber R$ 33 mil por mês para trabalhar 3 dias e coçar o saco o resto da semana, também sente inveja e sabe que se estivesse no lugar dele faria o mesmo. Um povo que se conforma em receber uma esmola do governo de R$ 300 mensais para não fazer nada e não aproveita isso para alavancar sua vida (realidade da brutal maioria dos beneficiários do bolsa família) não pode ser adjetivado de outra coisa que não de vagabundo.

Brasileiro é um povo honesto. Mentira. Já foi; hoje é uma qualidade em baixa. 

Se você oferecer 50 euros a um policial europeu para ele não te autuar, provavelmente irá preso. Não por medo de ser pego, mas porque ele sabe ser errado aceitar propinas. O brasileiro, ao mesmo tempo que fica indignado com a roubalheira dos políticos, pensa intimamente o que faria se arrumasse uma boquinha dessas, quando na realidade isso sequer deveria passar por sua cabeça.

90% de quem vive na favela é gente honesta e trabalhadora. Mentira. Já foi. 

Historicamente, as favelas se iniciaram nos morros cariocas quando os negros e mulatos, retornando da Guerra do Paraguai, ali se instalaram. Naquela época, quem morava lá era gente honesta, que não tinha alternativa e não concordava com o crime. Hoje a realidade é diferente. Muito pai de família sonha que o filho seja aceito como "aviãozinho" do tráfico. Se a maioria da favela fosse honesta, os bandidos já teriam sido tocados de lá, pois podem matar 2 ou 3, mas não milhares de pessoas. Além disso, cooperariam com a polícia na identificação dos criminosos, inibindo-os de montar suas bases de operação nas favelas.

O Brasil é um país democrático. Mentira. 

Num país democrático, a vontade da maioria é Lei. A maioria do povo acha que bandido bom é bandido morto, mas sucumbe a uma minoria barulhenta que se apressa em dizer que um bandido que foi morto numa troca de tiros foi executado friamente. Num país onde todos têm direitos, mas ninguém tem obrigações, não há que falar em democracia, e sim em anarquia. Num país onde a maioria sucumbe bovinamente ante uma minoria barulhenta, não existe democracia, mas um simulacro hipócrita. Se tirarmos o pano do politicamente correto, veremos que vivemos numa sociedade feudal: um rei que detém o poder central (presidente e suas MPs), seguido de duques, condes, arquiduques e senhores feudais (ministros, senadores, deputados, prefeitos, vereadores). Todos sustentados pelo povo, que paga tributos para sustentar os privilégios do poder. E ainda somos obrigados a votar!

Democracia isso? Pense! 

O famoso jeitinho brasileiro é um dos maiores responsáveis pelo caos que se tornou a política. Brasileiro se acha malandro, muito esperto. Faz um "gato" puxando a TV a cabo do vizinho e acha que está botando pra quebrar. Se o caixa da padaria erra no troco e devolve 6 reais a mais, caramba, ele sai de lá feliz como se tivesse ganhado na loto... malandrões, esquecem que pagam a maior carga tributária do planeta e o retorno é zero. Zero saúde, zero emprego, zero educação. Mas e daí? Somos penta campeões do mundo, né?

O Brasil é o país do futuro. 

Caramba, meus avós diziam isso em 1950. Muitas vezes cheguei a imaginar como seria sua indignação se ainda estivessem vivos. Dessa vergonha eles se safaram... Brasil, o país do futuro!? Hoje o futuro chegou e tivemos uma das piores taxas de crescimento do mundo.

Deus é brasileiro. 

Puxa, essa eu não vou nem comentar... O que me deixa mais triste e inconformado é ver todos os dias nos jornais a manchete da vitória do governo mais sujo já visto em toda a história brasileira.

Para finalizar: O brasileiro merece! Como diz o ditado, é igual mulher de malandro, gosta de apanhar.

P.S. Publiquei esse texto de Jabor em 2007. Naquela época, visitantes e blogueiro interagiam regularmente. Raro era o dia em que eu não recebia dezenas de mensagens com comentários, sugestões, dúvidas, pedidos de informação e até "colaborações". Esse artigo foi uma delas, e eu o vendi pelo preço que paguei, ou seja, mantive o crédito dado originalmente a Jabor, o que não significa necessariamente que o cineasta o tenha escrito. Evitei ao máximo mexer no conteúdo, embora tenha alterado duas ou três vírgulas, não só pelo fato de a má colocação fugir à norma culta (outras fugiram e eu as mantive), mas porque comprometia o sentido da frase. Ah, também atualizei os valores. Mas o fulcro da questão, a meu ver, é que, se analisarmos o contexto com um todo, veremos que só mudaram as moscas. A merda, infelizmente, continua a mesma.