Eu não pretendia editar o Blog neste último dia de 2013, mas
como a passagem do ano estimula lucubrações sobre os mais diversos temas,
resolvi dedicar algumas linhas ao cenário paulistano neste primeiro ano da gestão
Haddad.
Viver em Sampa
custa mais caro do que em Londres,
Berlin ou Roma, a começar pela Pizza Marguerita (R$ 54 em
média). Mas, ainda que paguemos impostos até para respirar, nossa
qualidade de vida fica bem aquém do desejado, talvez por carregarmos nas costas
boa parte dos demais Estados, ou quem sabe pela ganância dos políticos corruptos, que não deixam
sobrar dinheiro para saúde, educação, segurança, transporte e outros benefícios
essenciais ao bem-estar dos nossos 12
milhões de habitantes. Para piorar, nossos alcaides parecem ter vocação inata para depredar o pouco de bom que
herdam de seus antecessores e, de quebra, superá-los em incompetência. Luiza Erundina, por
exemplo, queria aterrar o “Buraco do
Jânio” (cujo nome oficial é Passagem
Subterrânea Tom Jobim), para que a obra – já em fase final (foto acima, à direita) – não rendesse
louros ao seu predecessor.
Quando José Serra (PSDB) renunciou à prefeitura
para concorrer ao governo do Estado, em 2006, Gilberto Kassab (PFL) assumiu o cargo e, a despeito dos baixos índices
de aprovação, conseguiu se reeleger em 2008. Sua administração foi pífia e
transcorreu sob suspeitas de corrupção – seu patrimônio cresceu 316% acima da inflação no período em que foi deputado
estadual e secretário de planejamento de Pitta,
e apesar de seu mandato ter sido cassado pelo Juiz da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo (decisão revertida mais
adiante pelo TRE) e de um possível
envolvimento no escândalo dos fiscais do
ISS (que desviaram cerca de meio
bilhão de reais), e do recente suicídio de Rubens Jordão, seu braço direito e coordenador financeiro, Kassab tenciona disputar o governo do
Estado nas próximas eleições.
Já o nosso atual burgomestre
foi eleito devido ao carisma astronômico
do “sumo pontífice do Lulopetismo” –
da mesma forma que a “fada dos dentes”,
pois José Dirceu, imerso até as orelhas na lama do Mensalão, não tinha condições de concorrer à sucessão presidencial.
Observação:
Se lhe parece absurda a perspectiva de um
presidente da república despachando do Complexo
Penitenciário da Papuda, basta lembrar de que estamos no Brasil, onde tudo é
possível. Veja o caso de Natan Donadon,
que cumpre pena em regime fechado por peculato e formação de quadrilha, mas
continua investido dos poderes de deputado
federal (o processo por quebra de decoro parlamentar deve ser votado pelo
plenário da Câmara a partir de fevereiro de 2014). Ou então do também deputado
federal Paulo Maluf, que consta da “lista vermelha” de procurados
pela Interpol por crimes de conspiração em 4º grau, transferência de
recursos de origem ilícita e roubo de fundos públicos, e continua com trânsito
livre no Congresso Nacional.
Só que o feitiço virou
contra o feiticeiro, pois as criaturas se mostraram avessas a seguir fielmente
os comandos do criador: enquanto
Dilma se revelou uma administradora
medíocre,
Fernando “Malddad” se tornou tão impopular quanto
Kassab
e
Pitta em seus primeiros anos de governo – o que vem preocupando
o
Chefe. A pior
avaliação foi feita por eleitores com renda familiar mensal de mais de 10
salários mínimos (13% consideram a gestão ótima ou boa, 40%, regular, e 47%,
ruim ou péssima), e a melhor, pelos que ganham de
2 a 5 salários mínimos (19%
consideram a administração ótima ou boa, 41% avaliam como regular, e 37%, ruim
ou péssima). Dentre outros devaneios,
Haddad
nos brindou com a ideia do
ARCO
DO FUTURO – projeto urbanístico faraônico a ser construído ao longo da
Marginal Tietê –, que acabou excluído do Plano de Metas da prefeitura para esta
gestão.
Observação:
De suas 728
mirabolantes promessas de campanha, apenas 100
resistiram ao terceiro mês de governo, embora Haddad continue apregoando novas medidas milagrosas, que só mesmo a
Velhinha de Taubaté...
Para piorar, ao cumprir ordens da “Chefa” e ajudar o ministro Guido Mantega a mascarar a
inflação, o prefeito jogou para maio o aumento das tarifas do transporte público,
e com isso acendeu o pavio que inflamou a população e resultou nos protestos de
junho, que começaram em Sampa e acabaram
eclodindo Brasil afora – ainda que com excessos lamentáveis e uma péssima
atuação do poder constituído para coibi-los. Para complicar ainda mais a situação,
um aumento recorde para o IPTU,
destinado a custear o subsídio à condução, foi aprovado mediante manobras sujas
da base governista e acabou suspenso por liminar judicial – veremos em breve o
resultado.
Depois dos protestos de junho, Haddad vem exibindo uma patente má-vontade em relação à parcela da
população que se recusa “teimosamente” a trocar o carro pelo transporte público.
Como se isso fosse possível, pois a maioria de nós tem compromissos diários,
serviços a prestar e um vasto leque de assuntos a tratar. Por pior que seja o
trânsito, o carro ainda nos dá melhores condições de realizar esses afazeres, a
despeito de, além do preço de compra e dos impostos, sermos obrigados a gastar
uma pequena fortuna com seguro e estacionamento, pois a segurança pública é uma
piada.
Em vez de investir em soluções para harmonizar o transporte
público e o privado, o prefeito prefere criar faixas reversíveis para ônibus, que são subutilizadas em muitos
horários, mas forçam os veículos particulares a se espremer como sardinhas em
lata nas pistas restantes e avançar a passos de cágado. Depois de sua
implantação, a velocidade média dos coletivos subiu de 13,8 para “vertiginosos” 20,4 Km/h...
Observação:
Será que a economia de alguns minutos no final de cada viagem justifica os
monstruosos congestionamentos impostos aos carros particulares, o aumento no
consumo de combustível, a piora na qualidade do ar e os problemas causados aos
comerciantes, que verão seu movimento encolher devido à impossibilidade de a
clientela estacionar na porta ou nas proximidades dos estabelecimentos?
O deslocamento do
paulistano atinge, em média, duas horas e 15 minutos por dia, e quem usa carro
é quem perde mais tempo. Curiosamente, os ônibus, que em 2012 transportavam 26%
da população, agora levem 24%, e o número de pessoas que passaram a
andar a pé subiu 5% no mesmo período, deixando clara a impressão de que
algo continua muito errado.
É curioso que, enquanto
a presidente reduz o IPI para ajudar as montadoras a desovar seus estoques,
nosso conspícuo prefeito faz das tripas coração para transformar a vida dos
motoristas num verdadeiro inferno. Será
que ele acredita mesmo que, sem uma alternativa funcional, o paulistano vai
deixar o carro em casa?
Goste ou não sua excelência,
há 7,5 milhões de veículos registrados em Sampa – no Estado, o número
ultrapassa o de habitantes da Austrália! – e apenas criar faixas
exclusivas, sem introduzir mudanças substanciais na qualidade, regularidade e
distribuição dos ônibus não vai trazer mais conforto para quem já utiliza o
transporte público nem – muito menos – atrair parte da população que hoje se
desloca em
automóveis. Agora, se o aumento da arrecadação for o objetivo principal, Haddad
acertou na mosca.
Estima-se que os
recursos provenientes das multas atingirão um novo recorde em 2014 (cerca de
R$ 1,2 bilhão). Nos primeiros oito meses deste ano, dos 6,4 milhões de multas
aplicadas aos motoristas que circulam pela capital, mais de 350 mil foram por invasões
em corredores e faixas exclusivas de ônibus, registradas por um exército de 1.500
“marronzinhos” da CET e 690 da SPTrans, além de 200 novos radares posicionados
estrategicamente para fotografar os infratores.
Em seu inferno zodiacal, o prefeito vem enfrentando sérias
dificuldades para recuperar sua imagem. Recentemente ele tentou ganhar pontos
posando como aquele que lutaria para debelar a máfia dos fiscais do ISS, mas acabou dando um tiro no pé, pois o
nome do seu (já demitido) secretário de governo Antonio Donato era citado em pelo menos cinco episódios da
investigação.
Enfim, o jeito é esperar para ver como a coisa vai ficar.
Abraços a todos e, mais uma vez, boas entradas.