A política tupiniquim sempre foi um esgoto a céu aberto. Da feita que os candidatos se elegem para roubar e roubam para se reeleger, como nos sentirmos representados por essa caterva? No Executivo, perdemos a fé (se é que ainda nos restava alguma) antes mesmo de a renúncia de Jânio Vassoura Quadros abrir espaço para o golpe de Estado que resultaria em duas décadas de ditadura militar (aquela de que dizem sentir saudades saudades os que nasceram depois de 1985). E a morte de Tancredo Neves — eleito indiretamente, mas que representava a esperança dos brasileiros num futuro melhor — foi a gargalhada do diabo, pois promoveu de vice a titular o eterno donatário da capitania do Maranhão, um dos mais notórios ícones da abominável política coronelista tupiniquim.
UM BATE-PAPO INFORMAL SOBRE INFORMÁTICA, POLÍTICA E OUTROS ASSUNTOS.
domingo, 17 de novembro de 2019
PRA QUEM GOSTA É UM PRATO CHEIO (CONTINUAÇÃO)
A política tupiniquim sempre foi um esgoto a céu aberto. Da feita que os candidatos se elegem para roubar e roubam para se reeleger, como nos sentirmos representados por essa caterva? No Executivo, perdemos a fé (se é que ainda nos restava alguma) antes mesmo de a renúncia de Jânio Vassoura Quadros abrir espaço para o golpe de Estado que resultaria em duas décadas de ditadura militar (aquela de que dizem sentir saudades saudades os que nasceram depois de 1985). E a morte de Tancredo Neves — eleito indiretamente, mas que representava a esperança dos brasileiros num futuro melhor — foi a gargalhada do diabo, pois promoveu de vice a titular o eterno donatário da capitania do Maranhão, um dos mais notórios ícones da abominável política coronelista tupiniquim.
quinta-feira, 20 de julho de 2023
TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO — CONTINUAÇÃO
O grupo que agrediu o ministro Alexandre de Moraes e seu filho no aeroporto de Roma tropeçou na tênue linha que separa audácia de estupidez e caiu no Código Penal. A despeito da crescente exposição dos pés de barro do mito, a raiva difundida por ele continua inspirando uma base eleitoral de fanáticos. Ao migrar das redes sociais para o mundo real, a insensatez bolsonarista aumenta na proporção direta do potencial econômico dos agressores, enquanto a valentia dos agressores diminui à medida quando a polícia chega.
Ulysses Guimarães morreu em 12 de outubro de 1992 — a menos de três meses do julgamento final do impeachment de Fernando Collor. O helicóptero em que ele e o senador Severo Gomes viajavam com as respectivas esposas caiu no mar, próximo à Costa Verde fluminense. Todos morreram, incluindo o piloto, mas somente os restos mortais do Sr. Diretas não foram encontrados.
Diversos fatos ocorridos durante e depois do impeachment de Collor permanecem envoltos em brumas misteriosas, mas é mais apropriado falar "maldição" (mais detalhes na sequência "Collor lá..."). Elma Farias, mulher de PC, morreu em julho de 1994; Pedro Collor morreu no final 1994; Leda Collor (a matriarca do clã) morreu no início do ano seguinte (depois de passar 29 meses em coma); PC Farias e a namorada, Suzana Marcolino, foram assassinados em junho de 1996; e por aí segue o cortejo fúnebre.
Na noite de 16 setembro de 1992, a duas semanas de seu afastamento, Collor reuniu num jantar regado a leitão assado e uísque nada menos que 60 deputados e quatro senadores da base governista. Em seu discurso para a claque, chamou oposicionistas de "cagões" e "bundões", classificou Ulysses Guimarães de "senil, esclerosado e bonifrate de interesses de grupos econômicos de São Paulo", e o presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro, de "canalha, escroque e golpista imoral". Disse ainda que José Sarney e a filha, Roseana, eram "ladrões da história." Sobrou até para a imprensa: "Essa imprensa de merda. Esses cagalhões vão engolir pela boca e pelo outro buraco o que estão falando contra mim." Ulysses reagiu: "Quando acaba a razão começa o grito. É a insânia".
A história do Brasil elenca diversas mortes misteriosas, que instigam o imaginário popular. Tem gente que aposta que JK foi assassinado a mando dos militares (detalhes na postagem do último dia 6), a exemplo de outros políticos de destaque malvistos pelos fardados, como Tancredo Neves, João "Jango" Goulart e Carlos Lacerda. Mas chama a atenção o fato de essas três mortes terem ocorrido no espaço de poucos meses.
Esses episódios foram esmiuçados no romance-reportagem O beijo da morte, de Carlos Heitor Cony e Anna Lee, lançado em 2003 pela Editora Objetiva. "Apesar das provas existentes, que dão como natural a morte dos três líderes, sempre duvidei das conclusões oficiais, e não apenas nesse assunto, mas na história em geral, que é uma sucessão de casos obscuros e mal resolvidos", disse Cony, um dos mais respeitados escritores brasileiros, à época do lançamento do livro.
Fato é que nem todas essas teorias são falsas. Chegamos a um ponto em que as verdades que nos são apresentadas não são confiáveis — talvez jamais tenham sido. A questão que se coloca é: onde encontrar a verdade?
Continua...
quinta-feira, 5 de maio de 2022
SOBRE CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS
Reza o bom senso que primeiro é preciso resolver o problema e depois apurar as responsabilidades. No entanto, quando a péssima qualidade dos postulantes à Presidência se soma à péssima qualidade do eleitorado, como acontece no Brasil, só resta rezar, já que o responsável por esse descalabro foi o próprio Criador.
Nossa primeira eleição presidencial aconteceu em 1891, mas de forma indireta. Três anos depois, o povo foi às urnas pela primeira vez e elegeu Prudente de Morais, pondo fim à República da Espada (um resumo do que aconteceu a partir de então pode ser lido nesta postagem e nas seguintes). O próximo pleito presidencial deve acontecer daqui a 5 meses. “Deve”, porque com Bolsonaro nada é impossível (noves fora um bom governo).
Não fossem as peculiaridades mencionadas no primeiro parágrafo, o eleitorado teria chances reais de pôr fim esse infortúnio. E se Deus fosse ainda fosse o mesmo Deus do Velho Testamento, Ele certamente daria uma mãozinha, fulminando as candidaturas dos postulantes mais bem colocados nas pesquisas (ou os próprios candidatos, melhor ainda).
Observação: Segundo o Estadão, pesquisas internas da campanha de Lula mostram que Bolsonaro ganhou mais pontos entre os evangélicos, conquistando eleitores até então indecisos nesse segmento. Deve ter sido por isso que o petralha vem mencionando Deus em seus discursos. Um lulista disse para o jornal: “Lula acordou católico. Ou crente”.
No mundo real, o imprevisto sempre pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos (aliás, há que diga que “as coincidências nada mais são do que Deus agindo nos bastidores).
Em 1961, a renúncia de Jânio Quadros deu azo ao golpe de 1964, que resultou em 21 anos de ditadura militar. Em 1985, a morte de Tancredo Neves mudou os rumos da Nova República. Em 2014, a morte de Eduardo Campos mudou os rumos da eleição presidencial. Em 2017, a morte de Teori Zavascki pavimentou o caminho o sepultamento em vida da Lava-Jato.
Em 2018, a aversão ao lulopetismo corrupto resultou na vitória do pior mandatário desta banânia desde Thomé de Souza, e agora (valei-nos Deus!), ao que tudo indica, teremos um repeteco, mas com Lula disputando pessoalmente o butim e a rejeição ao bolsonarismo boçal ombreando com o repúdio ao lulopetismo corrupto.
Da quimérica terceira via, restaram João Dória e Simone Tebet — ela descarta a possibilidade de ser vice na chapa dele; ele não descarta nada, nem ser vice numa eventual chapa encabeçada por ela. No UB, o caviloso lançamento do nome de Luciano Bivar foi uma conspirata para sepultar a candidatura de Sergio Moro do páreo (e já tem gente falando em ressurreição). Segundo dados do Paraná Pesquisas, Dória superou Ciro Gomes (o cearense de Pindamonhangaba seria uma alternativa à polarização se ele não fosse quem é).
Enfim, enquanto esperamos Deus fulminar os sacripantas de turno (dada a quantidade desses imprestáveis, seria melhor Ele cercar Brasília reeditar o Dilúvio), vejamos o que disse Josias de Souza em seu comentário da última terça-feira.
“O poder não aceita desaforos. Quem tem poder precisa exercê-lo na medida exata. Quem exorbita erra o alvo. Quem claudica vira o alvo. Desacatado por Daniel Silveira, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes apresentou ao deputado bolsonarista, com pelo menos 16 dias de atraso, a conta do escracho: R$ 405 mil.
Moraes mirou o bolso de Silveira num instante em que a protelação já havia se transformado num fator de desmoralização de sua toga. O deputado desligara o equipamento que deveria monitorá-lo desde 17 de abril. Era como se o réu tivesse instalado sua tornozeleira no magistrado. O escárnio começara antes, como anotou Moraes em seu despacho: ‘Desde a decisão que fixou a multa diária, proferida em 30 de março de 2022, o réu desrespeitou flagrantemente várias das medidas’.
Na véspera, Silveira dizia que o perdão que obtive de Bolsonaro o livrou de responder por todas as culpas. Embora o decreto da graça continue sub judice, o deputado continuou fazendo graça: ‘Presidente perdoou, acabou!’ O restabelecimento da ordem está condicionado ao pagamento da conta.
Moraes determinou ao Bacen o bloqueio de R$ 405 mil nas contas de Silveira. Mandou notificar o réu que preside a Câmara para que providencie o desconto da dívida no contracheque, na proporção de 25% do salário até a quitação. Resta agora ressuscitar o axioma segundo o qual ordem judicial se cumpre.”
sexta-feira, 10 de julho de 2020
DA PRAGA DA CASERNA AO CAPITÃO CAVERNA — QUINTA PARTE
Em junho de 1909, com a morte de Pena no exercício da presidência, coube a Nilo Peçanha concluir o mandato tampão e dar posse ao gaúcho Hermes da Fonseca, que era sobrinho de Deodoro e derrotara o soteropolitano Rui Barbosa. Na sequência, mediante um acordo costurado por paulistas e mineiros, assumiu o posto Venceslau Brás.
sexta-feira, 24 de abril de 2020
SOBRE A RENÚNCIA DE MORO E DE VOLTA À RENÚNCIA DE JÂNIO, SUAS CONSEQUÊNCIAS E OUTRAS CURIOSIDADES — PARTE IV
ATUALIZAÇÃO: Bolsonaro demitiu Valeixo em plena madrugada. A exoneração foi publicada na manhã desta sexta-feira no D.O.U. Nela, consta que a demissão se deu "a pedido", mas não foi decisão de Valeixo deixar o cargo neste momento. Nos bastidores, comenta-se que dessa forma a demissão evitaria ainda mais desgastes a Sergio Moro, que deve se pronunciar sobre sua permanência ou não no cargo ainda nesta manhã (as 11h desta manhã). Especula-se que Moro tenha ficado extremamente incomodado com a ida de Bolsonaro à manifestação do último domingo e de o presidente abrir as portas de seu gabinete aos líderes do Centrão. A ingerência do capitão na PF foi apenas a gota que fez transbordar o copo. Especula-se também que o ministro ficará no governo caso possa escolher o substituto do agora ex-diretor-geral da PF.
Internamente, os delegados mais graduados lembram o desastre de uma tentativa recente de mudar a tradição na nomeação do diretor-geral. No início de 2018, Fernando Segóvia foi demitido do comando da PF, pelo recém empossado ministro Raul Jungmann, depois de apenas 99 dias no cargo. Segóvia fora escolhido por Michel Temer, atendendo à indicação de emedebistas enrolados na Lava-Jato e passando por cima da opinião do então ministro da Justiça, Torquato Jardim. Já na cerimônia de posse disse a que veio: botou em dúvida fatos das investigações sobre Rodrigo Rocha Loures, aquele assessor de Temer que foi filmado recebendo uma mala com R$ 500 mil das mãos de um diretor da JBS. A partir daí, foi crise em cima de crise. Segóvia tentou, mas nunca conseguiu liderar a PF nos três meses que esteve à frente dela. Durante o seu tempo como diretor-geral, não conseguiu controlar a PF do jeito que Temer e parte do MDB queriam.
Vamos aguardar para ver que bicho dá.
Quando cursava o primário — como eram denominados os primeiros quatro anos do que hoje se chama ensino fundamental —, aprendi uma forma verbal chamada "condicional", que mais adiante seria rebatizada de "futuro do pretérito", já que expressa tanto uma situação quanto uma condição. Um exemplo do primeiro caso é: “eu compraria aquele carro, se o preço fosse mais baixo”; e do segundo: “anos atrás eu não tinha certeza se compraria o carro que tenho hoje”.
A Carta Magna promulgada em 1988 foi remendada mais de uma centena de vezes (a título de comparação, a constituição norte-americana, promulgada em 1787, tem apenas 7 artigos e recebeu 27 emendas nos últimos 220 anos), e distribuiu diretos a rodo, mas sem apontar de onde viriam os recursos para bancá-los. A propósito: a palavra “Direito” é mencionada 76 vezes, enquanto "Dever" surge apenas 4 oportunidades e "Produtividade” e “Eficiência” aparecem duas e uma vez, respectivamente. Daí a pergunta: o que esperar de um país que tem 76 direitos, quatro deveres, duas produtividades e uma eficiência? A resposta: na melhor das hipóteses, uma política pública de produção de leis, regras e regulamentos que quase nunca guardam relação com o mundo real.
Cinco anos e quatro planos econômicos mais adiante, Sarney passou o cetro e a coroa ao caçador de marajás de araque, juntamente com uma inflação 80% ao mês (quase 1.800% ao ano, considerando os doze meses finais do seu governo). Durante sua desditosa gestão, enfrentou mais de 12 mil greves, foi vítima de pelo menos um atentado e, certa vez, um sequestrador tentou jogar um Boeing sobre o palácio. Mas teve jogo de cintura e sempre manteve diálogo com os militares, o Congresso e a oposição. Em recente entrevista a Veja, declarou: “Na história do Brasil, muitos presidentes foram eleitos para ser depostos — e eu não podia ser mais um”.
Tivesse feito essa profecia durante seu governo, Sarney teria se revelado um profeta, pois seu vaticínio se materializaria dali a poucos anos, com impeachment de seu sucessor, Fernando Collor de Mello. Mas isso já é conversa para o próximo capítulo.
domingo, 19 de setembro de 2021
COISAS DO BRASIL
Depois de desfilar no Rolls Royce Presidencial até o
prédio do Congresso Nacional, Bolsonaro assinou o termo de posse, jurou "manter,
defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do
povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil"
e recebeu de Michel Temer a faixa presidencial.
Bolsonaro jamais
leu a Constituição que jurou defender e, como o escorpião da fábula,
é incapaz de contrariar a própria natureza. Apesar de reconhecer que não
nasceu para ser presidente, mas para ser militar, foi expelido da Escola de Oficiais do Exército por indisciplina e insubordinação (mas acabou
sendo absolvido
das acusações pelo STM). No ano seguinte, elegeu-se vereador e depois deputado federal por
sete mandatos consecutivos, ao longo dos quais aprovou
dois míseros projetos e colecionou mais de trinta
ações criminais. Em 2018, foi alçado
à Presidência por uma esdrúxula conjunção de fatores, entre os
quais um
mal explicado atentado que sofreu durante um ato de campanha em Juiz de
Fora (MG).
Bolsonaro disputa com Dilma — o poste com que Lula empalou os brasileiros em 2010 — o título de pior mandatário desde a redemocratização (e não por falta de concorrentes de peso). Com a autoridade de quem sabe das coisas, o general Ernesto Beckmann Geisel — penúltimo presidente da ditadura e mentor intelectual da reabertura política lenta, gradual e segura — definiu o então capitão da ativa como “um caso completamente fora do normal, inclusive mau militar”.
O último general-presidente, João Baptista de Oliveira Figueiredo — que preferia
o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo (povo que, segundo ele, "não
sabe nem escovar os dentes, quanto mais votar para presidente"),
negou-se a passar a faixa presidencial a José Sarney (faixa
a gente transfere para presidente, não para vice, e esse é um impostor).
Coisas do Brasil.
A título de contextualização,
vale lembrar que a Revolução de 1964 — cuja
data “comemorativa” é 31 de março — foi um golpe de Estado
desfechado na madrugada de 1º de abril, por líderes civis e militares
conservadores, a pretexto de afastar do poder um grupo político que
supostamente flertava com o comunismo.
Nos movimentos pró “Diretas
Já”, pugnava-se pela aprovação da emenda
constitucional Dante de Oliveira, que visava restaurar o direito às
eleições diretas suspenso pelos militares. No dia da votação, exatos 20 anos
depois do golpe, uma manobra de bastidores tirou da Câmara 112 deputados. A
despeito do clamor das ruas, a emenda foi rejeitada — em outras palavras, o
povo foi traído (mais uma vez) pela classe política, o câncer social que,
infelizmente, é um mal necessário. Coisas do Brasil.
O desgaste do governo propiciou a vitória de Tancredo Neves em um colégio eleitoral — por 480 votos contra 180, a raposa mineira derrotou Paulo Maluf (que era apoiado pelos militares) depois de unir o PMDB à chamada Frente Liberal — formada por dissidentes do PDS, que dava sustentação ao governo militar.
Em janeiro de 1985, o deputado federal Ulysses Guimarães —
que chegou a ser cogitado para disputar a presidência da República pelo PMDB contra Maluf,
mas acabou sendo preterido pela chapa “mista” formada com o PFL de Sarney —
entregou a Tancredo o programa denominado Nova
República, que previa eleições diretas em todos os níveis, educação
gratuita, congelamento de preços da cesta básica e dos transportes, entre
outras benesses.
Com esperança e
ânimos redobrados, os brasileiros ansiavam pela chegada do dia 15 de março, data
prevista para a posse do primeiro presidente civil após 21 anos de ditadura
militar. Mas Tancredo
foi hospitalizado 12 horas antes da cerimônia e teve o óbito
declarado 38
dias e sete cirurgias depois — ironicamente, no feriado de 21 de abril,
data em que o Brasil homenageia Tiradentes, o mártir da independência. Coisas
do destino.
Tancredo levou para o túmulo a esperança de milhões
de brasileiros, mas deixou de herança um neto que envergonharia o país e um mix de
oligarca maranhense, escritor, poeta e acadêmico chamado José Ribamar Ferreira
de Araújo Costa, mais conhecido como “Zé do Sarney”. A possibilidade de Ulysses Guimarães, então presidente da Câmara, ser guindado ao
Palácio do Planalto chegou a ser cogitada, mas prevaleceu o entendimento de que
caberia a José
Sarney, vice na chapa de Tancredo e rebotalho do
coronelismo nordestino, assumir a Presidência. E foi o que aconteceu, para o
bem e para o mal.
Fisiologista como poucos e puxa-saco de carteirinha dos poderosos de plantão, Sarney (o filho) sobreviveu à ditadura, mas sua infausta gestão à frente da Presidência foi marcada pela hiperinflação. Tanto o Plano Cruzado quanto os "pacotes econômicos" que se lhe sucederam foram baseados no congelamento de preços e salários, e da feita que repetir o mesmo erro várias vezes esperando produzir um acerto é a melhor definição de idiotice que eu conheço, não causou estranheza o fato de todos fazerem água em questão de meses.
Em 20 de fevereiro de 1987, pressionado pela queda nas reservas
cambiais, Sarney fez um pronunciamento em rede nacional anunciando a
suspensão, por tempo indeterminado, do pagamento dos juros da dívida externa —
evitando usar a palavra "moratória", como se isso produzisse
algum resultado positivo (ou menos negativo) na medida adotada. Coisas do
Brasil.
Sarney deixou a Presidência com a popularidade em patamares abissais, tanto que transferiu seu domicílio eleitoral para o recém-criado Estado do Amapá, pelo qual teria chances de conseguir uma vaga no Senado. Como era esperado, seus adversários impugnaram se insurgiram contra o cambalacho, mas o STF o avalizou. Conta-se que o ministro Celso de Mello, que teve os ombros recobertos pela suprema toga graças ao oligarca maranhense, votou pela impugnação da candidatura do benfeitor.
O ex-ministro da Justiça Saulo
Ramos quis saber por quê. Mello respondeu que a Folha havia
publicado que Sarney tinha os votos certos de vários ministros e citara
seu nome como um deles. "E você votou contra porque a Folha noticiou
que votaria a favor?", perguntou Saulo. "Exatamente",
respondeu Mello. E Saulo: "Então você é um juiz de merda!"
Sarney
deixou a vida pública em 2014, aos 83 anos, a pretexto de se dedicar à
literatura em tempo integral. Conta-se que, após um dilúvio assolar o Maranhão,
a então governadora Roseana Sarney — filha do macróbio — telefonou
ao pai para informar que metade do Estado estava debaixo d’água. Sarney
perguntou-lhe candidamente: "A sua metade ou a minha?"
Nas eleições gerais de 2018, os pimpolhos do velho cacique
maranhense foram penalizados na urnas: nem Zequinha se
reelegeu deputado, nem Roseana — que governou o Maranhão por
quatro legislaturas desde 1995 — conseguiu desbancar o pecedebista Flavio
Dino — que se reelegeu governador com 59,29% dos votos válidos.
Como dito parágrafos acima, Figueiredo se recusou a
transferir a faixa presidencial a Sarney. Não foi o primeiro nem o único
caso na história republicana do Brasil. Coisa de país de terceiro mundo? Não
necessariamente. Nos EUA, o ex-presidente Donald Trump, ídolo e muso
inspirador do capitão-cloroquina, não só deu trabalho para ser desencalacrado
do cargo como não
compareceu à cerimônia de posse de Joe Biden, o que representa uma
quebra de protocolo na tradição democrática americana, mas, como dito, encontra
apoio na ala conservadora da política brasileira.
Na história do Brasil, o exemplo mais recente de um chefe do
Executivo que se recusou a comparecer à posse de seu sucessor foi Figueiredo,
conforme já foi dito nesta postagem. Sobre Sarney, o general disse à
revista IstoÉ, pouco antes de sua morte, em 1999: "Sempre foi
um fraco, um carreirista. De puxa-saco passou a traidor. Por isso não passei a
faixa presidencial para aquele pulha. Não cabia a ele assumir a Presidência".
A quebra de protocolo em Brasília foi relembrada pelo neto
do general, minutos depois de o presidente americano anunciar que não
compareceria à posse do sucessor. "Meu avô também não compareceu à
posse de seu sucessor, que chegava ao poder de forma ilegítima. Agiu conforme
suas convicções. Assim devem fazer os homens de caráter!", postou
no Twitter o empresário Paulo
Figueiredo Filho. Coisas do Brasil.
Figueiredo não foi o único a se recusar a cumprir os
ritos de transição no Brasil. A República ainda engatinhava quando Floriano
Peixoto, que governou de 1891 a 1894, decidiu não comparecer à posse de Prudente
de Morais porque não via com bons olhos a chegada de um civil ao poder. Afonso
Pena também não passou a faixa a seu sucessor, Nilo Peçanha (e nem
poderia, porque Nilo era vice de Pena, a quem substituir em virtude
de sua morte, em 1909). Em 1954, Café Filho viu-se presidente do dia para
a noite e começou a governar o país sem a bênção de seu antecessor, Getúlio
Vargas, que
"foi suicidado" com um tiro no peito em 24 de agosto de 1954.
Após o impasse entre Figueiredo e Sarney, somente dois presidentes eleitos diretamente (FHC e Lula) receberam e passaram a faixa a seus sucessores. O primeiro presidente eleito diretamente após a ditadura militar — o pseudo caçador de marajás Fernando Collor de Mello — recebeu a faixa de Sarney em março de 1990, mas renunciou ao mandato em dezembro de 1992 (e foi impichado mesmo assim, de modo que não passou a faixa a Itamar Franco).
Itamar, por sua vez, tomou posse em uma cerimônia breve e só usou a faixa presidencial no último de seus dois anos e três dias de governo, quando a colocou sobre os ombros de FHC. O tucano, presidente por dois mandatos, cumpriu o mesmo protocolo na posse de Lula, em 2003. Oito anos depois, foi a vez de Dilma ser destituída em um processo de impeachment — e não comparecer à posse de Michel Temer. Em janeiro de 2019, o vampiro do Jaburú repassou a faixa ao mandatário de fancaria que, por mal de nossos pecados, diz que "só Deus o tira da cadeira presidencial". Coisas do Brasil.
Bolsonaro na presidência era tudo de que o os brasileiros não
precisavam, mas tornou-se a única alternativa válida depois que o
ilustríssimo eleitorado tupiniquim o escalou para enfrentar o bonifrate do
presidiário de Curitiba no segundo turno do pleito de 2018. Voltando à paráfrase
de Bolsonaro a uma fala de Figueiredo, “plagiar é, implicitamente,
admirar”, como bem disse o intelectual lusitano Júlio Dantas.
Mas a pergunta que não quer calar é: se não nasceu para ser presidente, por
que Bolsonaro fez da reeleição seu projeto de governo?
"Prometo que, se eleito, vou trabalhar noite e dia,
durante os quatro anos do meu mandato… para ser reeleito”. Eis a promessa
mais sincera e verdadeira feita pelo então candidato, como salientou o
ex-delegado federal Jorge Pontes num artigo publicado em Veja. "Teremos
um lapso de quatro anos praticamente jogados fora, destinados apenas à
pavimentação de mais um — improvável — mandato presidencial",
profetizou o policial, em agosto
do ano passado.
Assim, graças à verdadeira
herança maldita deixada pelo grão-duque do Tucanistão, assistimos a um
mandatário eleito com juras de grandes mudanças e discursos anti-establishment
emular Dilma, a inesquecível, e fazer o diabo para se
reeleger.
A vitória de Bolsonaro foi um caso clássico de emenda
pior que o soneto. Embora seja preferível acender a vela a amaldiçoar a
escuridão, unir forças com os sectários do bolsonarismo boçal para evitar a
volta da cleptocracia lulopetista foi como libertar da garrafa um gênio
malfazejo e não saber como prendê-lo de volta. E urge fazê-lo, pois o Brasil dificilmente
sobreviverá a mais cinco anos sob o descomando desse mafarrico.
Segundo a revista eletrônica Crusoé,
o presidente de fato desta banânia (falo do centrista Ciro Nogueira)
disse a um empresário que Bolsonaro está "cada vez mais
mercurial e incontrolável". O diagnóstico perturbador do ministro
recém-empossado com promessas de carta branca jamais cumpridas reflete o estado
de ânimo atual de setores do Centrão e de boa parte do Congresso. Embora
estejam bem servidos em postos estratégicos e se lambuzando no poder desde que
que o chefe do Executivo de festim lhes entregou a chave do cofre, a
centralhada já entendeu que a aliança tem prazo de validade, e que esse prazo
não é longo. Para as marafonas
do parlamento, Bolsonaro é um político fadado ao infortúnio,
seja pelo impeachment, pela cassação no TST ou derrota nas urnas. E
convenhamos que não é preciso ser nenhum "Nostradamus" para
fazer tal previsão.
Ainda segundo a reportagem, depois que o desembarque do
governo passou a ser debatido a sério entre os partidos que compõem o Centrão,
o presidente pato-manco enviou pelo líder do governo na Câmara — o ilibadíssimo
Ricardo Barros, a quem o senador Omar Aziz, relator da CPI do
Genocídio, se refere como responsável por um balcão de negócios com o
Congresso que está a todo vapor — o recado de que continua em pé o esforço para
conter possíveis defecções em sua base de apoio.
Entrementes, a despeito da carestia, a inflação oficial segue
acima do esperado. O IPCA, medido pelo IBGE, acelerou para 9,68%
no acumulado em 12 meses, levando a uma onda de revisões entre os economistas. Na
segunda-feira, 13, o Boletim Focus, do Banco Central, registrou a
23ª alta consecutiva da mediana das projeções para o IPCA no fim de
2021, que agora está em 8%. Mas isso é assunto para uma próxima postagem.
quarta-feira, 13 de outubro de 2021
NÃO PODE DAR CERTO — QUINTA PARTE
Vale destacar que o mundo vivia um clima de animosidade política devido à Guerra Fria, e que os EUA contribuíram sobremaneira para a deposição de Jango (tido e havido como comunista) e o término do curto período democrático (de 1946 a 1964) que o Brasil viveu com o fim do Estado Novo de Getúlio Vargas. Com a consolidação do golpe e a assunção do governo provisório, o presidente deposto se exilou no Uruguai. Sob a égide dos fardados, intensificam-se as perseguições políticas, a censura, as torturas e o desaparecimento de uma miríade de pessoas — assassinadas a mando dos milicos.
O Ato
Institucional nº 5, decretado em dezembro de 1968, deu início aos chamados "anos
de chumbo" — período mais repressivo da ditadura militar, que se
estendeu até o final do governo Médici, em março de 1974, durante o qual
era comum jornalistas serem demitidos por criticarem o governo (alguns, como Vladimir Herzog,
foram covardemente assassinados).
Observação: Limitados pela Constituição de 1946, os militares precisavam de instrumentos legais para aplicação de suas ações políticas, e assim surgiram os Atos Institucionais, que "pairavam" acima da própria Constituição. Entre os anos de 1964 e 1969, foram decretados nada menos que 17 atos institucionais. O AI-2 instituiu a eleição indireta para presidente e o AI-4 convocou o Congresso para a construção de uma nova Constituição, afinada com os ideais dos militares no poder, mas foi o AI-5 que conferiu ao presidente de turno o poder de suspender direitos políticos, cassar mandatos, fechar o Congresso, e por aí afora. Não à toa, o AI-5 foi considerado um “golpe dentro do golpe”, já que foi gestado e parido por segmentos específicos dentro das FFAA.
Uma parcela substantiva da imprensa apoiou o golpe de 1964, mas esse apoio foi se desvanecendo à medida em que o regime foi endurecendo. A Constituição de 1967, promulgada às vésperas da decretação do AI-5, instituiu o Ministério Público — o que poderia ser considerado um avanço não fosse o fato de o órgão ser subordinado ao Executivo Federal. Já a Constituição Cidadã, de 1988, mudou essa história, mas a dupla Bolsonaro/Aras reverteu-a ao status quo ante, ainda que de modo informal.
Durante a "longa noite de 21 anos" (de 1964 a
1985), governaram o Brasil cinco presidentes-generais. Humberto de Alencar Castello
Branco, "eleito" no dia 11 de abril de 1965 e empossado no dia 15;
Costa e Silva, que governou de 1967 a 1969; Médici, de 1969 a 1974;
Geisel, de 1974 a 1979; e Figueiredo, de 1979 a 1985. Por ocasião
da cassação de Jango, em 2 de abril de 1964, Ranieri Mazzilli foi
reconduzido ao cargo, mas sua segunda passagem pela presidência durou míseros
13 dias.
Em 31 de agosto de 1969, Costa e Silva se afastou da
presidência devido a uma trombose, mas os ministros militares impediram a posse
do vice, Pedro Aleixo, que havia se posicionado contra a edição do AI-5 e
elaborado uma revisão da Constituição de 1967 — seu mandato foi extinto pelo AI-16,
decretado em 14 de outubro de 1969.
O descontentamento com a ditadura se intensificou em meados
dos anos 1970, quando começaram a pipocar os primeiros movimentos pelo fim do
regime de exceção (cito as greves
operárias no ABC Paulista, de 1978 a 1980, e o movimento
das Diretas
Já, em 1983). Coube a Geisel dar início ao processo de reabertura
política lenta,
gradual e segura, que se consumou com a eleição
indireta de Tancredo, em 1985, e a promulgação
da Constituição Cidadã, em 1988.
Como o lobo, que perde o pelo mas não larga o vício, Jânio se
candidatou ao governo de São Paulo no ano seguinte ao da sua renúncia, mas foi
derrotado por Adhemar de Barros e teve seus direitos políticos
cassados pela ditadura militar. Em 1978, já apto a disputar eleições, o
ex-presidente manifestou a intenção de concorrer à sucessão de Paulo
Maluf — gatuno
de marca maior, que passou uma temporada na Papuda, mas foi
despachado para casa graças ao
bom coração do ministro Dias Toffoli — ao governo de São Paulo.
Jânio se filiou ao PTB, que deixou 7
meses depois, para ingressar no PMDB. Como sua filiação foi
recusada pela executiva nacional da sigla, ele votou ao PTB e
tornou a disputar o governo de São Paulo em 1982, quando foi derrotado por André Franco
Montoro. Com o fim da ditadura, o manguaceiro declarou apoio a Tancredo
Neves e venceu Fernando Henrique Cardoso e Eduardo
Suplicy na disputa pela prefeitura de Sampa, contrariando os
prognósticos dos institutos de pesquisa. FHC, na condição de
primeiro colocado nas sondagens, chegou a tirar uma foto sentado na cadeira de
prefeito (que foi publicada pela Revista Veja). Na cerimônia de posse, Jânio
fez questão de ser fotografado com um tubo de inseticida nas mãos para, segundo
ele, “desinfetar a poltrona porque nádegas indevidas a usaram".
Em sua derradeira empreitada político-administrativa, Jânio
repetiu seus lances populistas habituais: pendurou uma chuteira em seu gabinete
(para ilustrar o suposto desinteresse em prosseguir na política), proibiu o uso
de sunga e de biquini fio-dental no Parque do Ibirapuera (onde ficava
a sede da prefeitura), obrigou a direção da Escola de Balé do Teatro
Municipal a expulsar alunos tidos como homossexuais, mandou publicar
no Diário Oficial do Município os “bilhetinhos” que enviava a seus assessores,
aplicou multas de trânsito pessoalmente, posou para a imprensa com a camisa
do Corinthians e fechou os oito cinemas que iriam exibir o
filme A Última Tentação de Cristo, de Martin Scorsese,
por considerar a obra desrespeitosa à fé cristã.
Jânio adotou posturas autoritárias em diversas situações.
Seu governo foi marcado por insatisfações de vários setores do funcionalismo
público, materializadas através de greves e protestos nas proximidades de seu
gabinete, aos quais quase sempre respondia com demissões em massa. Também se
mostrou inflexível diante de manifestações de movimentos sociais (como o MST).
Por outro lado, ele criou a Guarda Civil Metropolitana — para
reforçar o policiamento na cidade, embora seus adversários o acusassem de
utilizá-la como mais um de seus instrumentos de repressão.
Jânio se afastou diversas vezes do cargo para cuidar
tanto da própria saúde quanto da saúde da mulher, Dona Eloá (falecida
em 1990). Ao fim de sua gestão, quando já se encontrava desgastado perante a
opinião pública (apenas 30% dos paulistanos aprovaram sua administração), foi
acusado pelo então vereador Walter Feldmann de manter uma
conta bancária na Suíça. Nas eleições de 1988, apoiou João
Leiva, embora Mellão Neto e Mastrobuono,
integrantes de seu secretariado, disputassem a sucessão. Dada a vitória da
então petista Luíza Erundina, ele deixou o cargo dias antes do final do
mandato para passar o réveillon em Londres (cidade pela qual era apaixonado), mas
não sem antes incumbir seu Secretário dos Negócios Jurídicos, Cláudio
Lembo, de transferir o bastão para a maior calamidade travestida de alcaide
paulistano que esta cidade já viu (noves fora Fernando Haddad).
Com a saúde debilitada — em parte devido à manguaça, da
qual era fã incondicional —, Jânio declinou do convite
do PSD para disputar a presidência da República em 1989,
preferindo apoiar o pseudo caçador de marajás — um populista como ele, como
viríamos a descobrir mais adiante, da pior forma possível. Naquele mesmo ano, Jânio
anunciou sua aposentadoria definitiva da política. A morte de Dona Eloá,
no ano seguinte, contribuiu para agravar ainda mais seu estado de saúde do
velhote, que passou os últimos meses de vida entre casas de repouso e quartos
de hospitais e acabou falecendo no Hospital Israelita Albert Einstein,
em 16 de fevereiro de 1992, em estado vegetativo decorrente de três
derrames cerebrais.
Jânio deixou de herança para a filha cerca de 70
imóveis. Ironicamente, Dirce “Tutu” Quadros chegou o
pai por corrupção — e ela parecia saber das coisas: durante
a Operação Castelo de Areia, a PF revelou
que Jânio tinha US$ 20 milhões em uma conta secreta na
Suíça. Em agosto de 1991, exatos 30 anos após abrir mão da Presidência, Jânio
confidenciou ao neto (no mesmo leito do hospital onde viria a falecer dali
a menos de 6 meses) os verdadeiros motivos de sua renúncia — não sem antes
definir a presidência como “a suprema ironia, pois por um lado era
um inferno, mas por outro era melhor que um orgasmo”). Em entrevista
concedida ao Fantástico em 1999, Jânio Quadros Neto revelou
o "segredo de Polichinelo".
Continua...
quarta-feira, 22 de abril de 2020
BOLSONARO: AUTOGOLPE? — DE VOLTA À RENÚNCIA DE JÂNIO, SUAS CONSEQUÊNCIAS E OUTRAS CURIOSIDADES (CAPÍTULO 4)
Mourão é vice-presidente, de modo que está sujeito à vergonhosa, mas poderosa, Bic de sua alteza. Mas o mesmo não se aplica ao ministério. Tanto auxiliares civis quanto militares podem ser exonerados por dá cá aquela palha, como descobriram o anjo da guarda de Bolsonaro, Gustavo Bebianno, o incompetente ministro da educação Ricardo Vélez, os amigos de longa data e ministros generais Santos Cruz e Floriano Peixoto, os não tão amigos de tão longa data, mas igualmente ministros Gustavo Canuto e Osmar Terra, o secretário nazista Roberto Alvim e mais duas dúzias de presidentes de órgãos federais e dezenas de secretários e diretores do segundo escalão do governo. Um levantamento do Estado de agosto do ano passado apontava que havia, em média, uma demissão a cada sete dias.
A Nau dos Insensatos, onde repousa eternamente em berço esplêndido o gigante adormecido, navega por águas revoltas e sob nuvens de tempestade desde a redemocratização. E o que começou mal, devido à frustração da população com o naufrágio da Emenda Dante de Oliveira, em 1984, foi piorando ao longo dos milhares de milhas náuticas percorridos nos últimos 35 anos. Senão vejamos.
A emenda em questão defendia a volta das eleições diretas para presidente da República, mas a pressão dos militares — que também são sujeitos à picada “mosca azul” — inibiu parte dos deputados, que acabou votando contra a proposta, se abstendo de votar ou mesmo não comparecendo a sessão. Sem votos necessários para aprová-lo, o projeto sequer foi encaminhado ao Senado. Mas àquela altura o processo de reabertura política já havia ultrapassado “ponto sem retorno”.
Em 15 de Janeiro de 1985, Tancredo Neves (MDB) foi escolhido em eleição indireta (por um colegiado formado por senadores, deputados federais e representantes dos Estados) o primeiro presidente civil desde o início da ditadura militar, derrotando Paulo Salim Maluf (ARENA), que era o candidato apoiado pelos militares, por 480 votos a 180. Por ocasião do golpe de 1964, o político mineiro era Ministro do Trabalho no governo de João Goulart, e foi deposto juntamente com o chefe. Mas seguiu na vida pública durante toda a ditadura, daí muitos considerarem-no um estadista e outros, um oportunista que lambeu as botas dos militares para não perder a “boquinha”.
Seja como for, o avô daquele que em 2014 disputaria a presidência com a anta pedanta, seria derrotado por um punhado de votos que muita gente atribui a urnas com vontade própria e tendências esquerdistas, e que mais adiante se revelaria mais um político corrupto, outra vergonha nacional entre tantas) ganhou, mas não levou. Na madrugada do dia da posse, Tancredo foi internado no Hospital de Base de Brasília, submetido a uma cirurgia de urgência e, 38 dias (e sete cirurgias) depois, vira a falecer em São Paulo, justamente no 21 de abril, que, por ironia do destino, é a data em que o país homenageia Tiradentes, o Mártir da Independência.