A proclamação da República é outro episódio da nossa história que, devidamente despido do glamour fantasioso atribuído pelos livros didáticos, não passou de um golpe de Estado político-militar que pôs fim à monarquia constitucional parlamentarista do Império, apeou do trono D. Pedro II e implementou o presidencialismo republicano como forma de governo. Vejamos isso em detalhes.
UM BATE-PAPO INFORMAL SOBRE INFORMÁTICA, POLÍTICA E OUTROS ASSUNTOS.
quarta-feira, 8 de julho de 2020
DA PRAGA DA CASERNA AO CAPITÃO CAVERNA — TERCEIRA PARTE
A proclamação da República é outro episódio da nossa história que, devidamente despido do glamour fantasioso atribuído pelos livros didáticos, não passou de um golpe de Estado político-militar que pôs fim à monarquia constitucional parlamentarista do Império, apeou do trono D. Pedro II e implementou o presidencialismo republicano como forma de governo. Vejamos isso em detalhes.
segunda-feira, 15 de novembro de 2021
MORO LÁ — SERÁ? (PARTE 2)
Comemora-se hoje o 132º aniversário de outro episódio da nossa história que, devidamente despido do glamour fantasioso atribuído pelos livros didáticos, não passou de um golpe de Estado político-militar desfechado com o fito de pôr fim à monarquia constitucional parlamentarista do Império, apear do trono D. Pedro II e implementar o presidencialismo republicano como forma de governo.
Meses depois de o Marechal Deodoro da Fonseca proclamar a República, o Brasil já conhecia a primeira crítica articulada sobre o processo que havia removido a monarquia do poder: o livro Fatos da Ditadura Militar no Brasil, escrito em 1890 pelo advogado paulistano Eduardo Prado, que foi o primeiro autor a considerar a Proclamação da República um "golpe de Estado ilegítimo" aplicado pelos militares.
Na visão do empresário Luiz Philippe de Orleans e Bragança, tataraneto de D. Pedro II e militante do movimento de direita Acorda Brasil, "a proclamação foi um golpe de uma minoria escravocrata aliada aos grandes latifundiários, aos militares, a segmentos da Igreja e da maçonaria. O que é fato notório é que foi um golpe ilegítimo". Sua tese é esposada pelo historiador José Murilo de Carvalho, autor do livro O Pecado Original da República (editora Bazar do Tempo).
O jornalista e historiador José Laurentino Gomes, autor da trilogia 1808, 1822 e 1889, concorda com a leitura do “golpe”, mas pondera que a questão envolve a luta pelo direito de nomear os acontecimentos históricos que, no caso dos republicanos, conseguiram emplacar a ideia de "proclamação" e não de "golpe". "O que aconteceu em 1889, em 1930 e em 1964 é a mesma coisa: exército na rua fazendo política. Depende de quem legitima o quê. O movimento de 1964 não foi legitimado pela sociedade, mas a revolução de 1930 o foi tanto pelos sindicatos quanto pelas mudanças promovidas por Getúlio Vargas. A proclamação é contada hoje por quem venceu", argumenta.
Já o historiador Marcos Napolitano, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade da USP, assevera que é possível, sim, falar em golpe na fundação da República, mas questionar sua legitimidade, como faz Orleans e Bragança, seria um revisionismo histórico incabível. "Se pensarmos que a monarquia era um regime historicamente vinculado à escravidão (esta sim, uma instituição ilegítima, sob quaisquer aspectos), acho pessoalmente que a fundação da República foi um processo político legítimo que, infelizmente, não veio acompanhado de reformas democratizantes e inclusivas", explica.
Resumo da ópera: Com o fim do governo provisório e a promulgação da Constituição Republicana de 1891, o Congresso Nacional guindou o Marechal Deodoro da Fonseca à presidência da República Velha — ou República das Oligarquias. Dito de outra maneira, a primeira república tupiniquim começou com um golpe militar, e o primeiro presidente, também militar, foi eleito indiretamente e “convidado” a deixar o cargo pelas Forças Armadas. Ao longo de 132 anos de história republicana, o Brasil teve até hoje 35 presidentes, que chegaram ao poder pelo voto popular, por eleição indireta, via linha sucessória ou por golpe de Estado. Oito deles, a começar por Deodoro, foram de alguma maneira apeados do poder. E como o que começa mal tende a piorar, o atual inquilino do Palácio do Planalto só continua no Palácio do Planalto (quando não está passeando ou promovendo motociatas, naturalmente), porque o povo brasileiro não tem vergonha na cara. Está na hora de mudar. E de aprender a votar.
Dito isso, passemos à postagem do dia:
Ainda sobre Sérgio Moro, diz Dora Kramer que o discurso de candidato a Presidente na cerimônia de filiação ao Podemos
não significa que será esse o destino do ex-juiz na vida política que agora
inaugura; que todos os pretendentes ao Planalto nessa altura entram no jogo
desse modo e que ele prometeu mundos e fundos — como erradicar a pobreza no
Brasil. Diz ainda que sua fala, típica de um "cristão-novo", não
contribuiu para reduzir desconfianças e desaprovações — dada a atitude de
candidato a justiceiro dotado de capacidade de resolver todas as mazelas,
muitas delas decorrentes “da degeneração da classe política”, e que Moro
pareceu apostar excessivamente na credulidade das pessoas nesse tipo de
pretendente a herói, mostrando-se verde na política e ainda completamente
referido na figura do magistrado cujo único fator de direção é o próprio juízo
a respeito do certo e do errado. Será?
Conforme eu ponderei no post anterior, Moro jamais foi o candidato dos meus sonhos. Por outro lado, em vista do que está colocado no tabuleiro, talvez ele seja a peça mais importante do jogo. Sua filiação ao Podemos, partido que se posicionou o tempo todo para recebê-lo como candidato a Presidente, mira o espectro eleitoral das forças de centro-direita do país, frustradas pelo mau desempenho administrativo de Bolsonaro e as alianças com os partidos do chamado Centrão, sobretudo o PP, o PL e o Republicanos. Seu discurso na cerimônia de filiação deixou isso muito claro e tende a galvanizar apoios dos eleitores decepcionados com o capitão-negação e certos setores da sociedade que apoiavam incondicionalmente a Lava-Jato, como os militares.
A pré-candidatura de Moro cria mais problemas para Bolsonaro do que para os partidos de oposição, no primeiro turno — caso chegue ao segundo, aí a história será outra. O ex-juiz não esconde as mágoas com Bolsonaro. Desde sua saída do governo, ele vem tendo a sua imagem de juiz competente e íntegro desconstruída — a primeira por sucessivas decisões do STF, e a segunda pelos adversários políticos da operação anticorrupção da qual foi artífice e é o principal símbolo, que o acusam de parcialidade.
A entrada de Moro no Podemos, partido que tem 10 deputados federais e nove senadores, mexe com a tabuleiro eleitoral de 2022 porque ocupa um quadrante à direita que seria fundamental para a reeleição de Bolsonaro. Trata-se de uma legenda independente em relação ao governo no Senado, mas nem tanto na Câmara — Moro é ligado ao senador Álvaro Dias (PR), ex-candidato à Presidência pela legenda, que articulou sua filiação. Sua candidatura é contingenciada por Bolsonaro, que supostamente conta com o apoio de 25% do eleitorado, e também pelos pré-candidatos da chamada "terceira via", Henrique Mandetta (DEM), Rodrigo Pacheco (PSD-MG), Simone Tebet (MDB-MS) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE), além dos tucanos João Doria (SP) e Eduardo leite (RS), todos mirando o chamado centro democrático, e do pedetista Ciro Gomes, mais à esquerda.
A filiação de Moro encerra um ciclo político
antissistema, que surgiu nas manifestações contra o funesto governo de Dilma,
prosperou com a campanha por seu impeachment, mandou recados para todos os
partidos nas eleições municipais de 2016 e culminou com a não menos funesta
eleição de Bolsonaro, em 2018. A anunciada filiação do capetão ao partido
de Valdemar Costa Neto e a articulação de sua federação governista com o PP
e o Republicanos consolidam um bloco político de direita no poder, no
âmbito do sistema partidário existente, que ganha até mais nitidez
programática.
Moro seria o herdeiro natural desse sentimento
antissistema, que procurou capitalizar com seu discurso, mas o Podemos,
o Novo e o MBL já estão no leito natural da política eleitoral: o
Congresso e o seu sistema partidário. A consolidação de sua candidatura vai depender
muito mais do poder de alavancagem do apoio popular à Lava-Jato do que
de alianças, que serão restritas devido aos ressentimentos dos políticos
tradicionais com sua atuação naquela operação.
A conferir.
segunda-feira, 4 de janeiro de 2021
... SEMPRE TEM ESPAÇO PARA PIORAR!
A ideia de transformar o Brasil numa República já era manifesta em muitas revoltas. Os militares, vitoriosos da Guerra do Paraguai, aproximaram-se dos republicanos, a exemplo da Igreja Católica, depois que D. Pedro II anulou suas medidas contra a maçonaria, e os fazendeiros, descontentes com a abolição da escravatura, que os privou da mão de obra gratuita do negros.
O marechal Deodoro da Fonseca — idoso,
enfermo e monarquista — relutava em protagonizar a troca do regime demandada por lideranças civis e fardados liderados por Benjamin Constant,
mas a falsa notícia de que sua prisão havia sido decretada acabou por convencê-lo a insurgir-se contra o Império.
Substituída a monarquia constitucional parlamentarista pelo presidencialismo republicano, D. Pedro II e família foram exilados. Deodoro, que não só era amigo pessoal do Imperador, mas também lhe devia favores, ofereceu 5 mil contos de réis para ajudar na mudança. D. Pedro recusou, mas disse que levaria de bom grado um travesseiro com terra do Brasil (para repousar sua cabeça quando fosse sepultado).
Observação: A quem interessar possa, sugiro a leitura de A
História das Constituições Brasileiras, do historiador e professor Marco
Antonio Villa.
Deodoro comandou o Governo Republicano Provisório
(1889 a 1891) e foi escolhido
presidente pelo colégio eleitoral formado por senadores e deputados da
Assembleia Constituinte. Mas sua relação tensa com as oligarquias e os
muitos desafetos que colecionou durante a gestão renderam-lhe um vice da
oposição (o também marechal Floriano Peixoto).
Deodoro substituiu todos os governadores por políticos de sua confiança, mas nem assim conseguiu evitar que as bancadas estaduais do Congresso articulassem um projeto de lei que lhe reduziria os poderes. Em represália, dissolveu o Congresso e decretou estado de sítio. O vice-presidente recorreu ao comandante do Encouraçado Riachuelo, que ameaçou bombardear a capital federal se o presidente não capitulasse. Sua excelência não pensou duas vezes.
Com a renuncia de Deodoro (em 23 de novembro de 1891), Floriano Peixoto
assumiu a presidência e a exerceu até 15 de novembro de 1894, quando, meio que a contragosto, deu posse a Prudente de Moraes, que entrou
para a História como primeiro presidente civil e eleito pelo voto direto. Sua
gestão foi marcada turbulências
e dificuldades, mas isso é conversa para outra hora.
Esse breve relato resume o primeiro e o segundo dos muitos golpes de Estado ocorridos desde a proclamação da República. Oficialmente, Bolsonaro é o 38º presidente desta banânia, e, também oficialmente (segundo dados da plataforma de monitoramento do ministério da Saúde) o Brasil ultrapassou a marca de 190 mil mortes pela Covid. Mas um levantamento realizado pela organização Vital Strategies, formada por pesquisadores e especialistas independentes, dá conta de que esse número pode ser superior a 220 mil. Mas isso também é outra conversa.
Observação: De 1549 a 1763, a capital do Brasil
foi Salvador (BA). No Rio, o Palácio do Itamaraty sediou o
Executivo até 1897, quando Prudente de Moraes e seu staff passaram a
ocupar o Palácio do Catete. A ideia de transferir a capital para o
interior era antiga; em 1761, o Marques de Pombal fez essa sugestão, que
José Bonifácio ressuscitou em 1823, mas foi no final dos anos 1950, durante
o governo de Juscelino Kubitschek, que Brasília foi construída do
nada — e no meio do nada — para ser o novo DF, e o Palácio do
Planalto, inaugurado em 21 de abril de 1960 para ser a nova sede do
Executivo Federal. O que pouca gente sabe é que Curitiba foi capital federal por três dias,
de 24 e 27 de março de 1969.
Desde 1945, o Brasil teve nove presidentes eleitos de forma direta. Desses, apenas quatro completaram seus mandatos: Eurico Gaspar Dutra, vencedor daquela que é considerada a primeira eleição verdadeiramente democrática do Brasil, em 1945; Juscelino Kubitschek, eleito em 1955; Fernando Henrique Cardoso, vencedor do segundo pleito pós-ditadura militar, em 1994; e Lula, eleito em 2002 e reeleito em 2006. Integrante dos cinco restantes, Getúlio Vargas “foi suicidado” com um tiro no peito, digo, foi encontrado morto com um tiro no peito em 24 de agosto de 1954, após ter sido acusado de tramar um atentado contra o jornalista Carlos Lacerda e de 27 generais exigirem publicamente sua renúncia. O político gaúcho deixou uma "carta-testamento" que se notabilizou pelas palavras finais (“saio da vida para entrar na História”).
Em outubro de 1955, quando Juscelino Kubitschek se elegeu presidente, a ala conservadora e os militares, com o apoio de Café Filho — que passou de vice a titular com o “suicídio” de Vargas — e do presidente da Câmara, Carlos Luz — que assumiu interinamente a presidência da República quando do afastamento de Café — urdiram um golpe de Estado para impedir a posse de JK. Assim que subiu de posto, Luz substituiu o general Henrique Lott pelo também general Álvaro Fiúza de Castro no comando do Ministério da Guerra. Sentindo o cheiro do golpe, Lott depôs Luz (que ficou apenas 4 dias no cargo e foi impichado em 11 de novembro) e empossou Nereu Ramos, então presidente do Senado. Assim, pela primeira vez na história, o Brasil teve três presidentes numa única semana.
O resto fica para o próximo capítulo.
quarta-feira, 12 de agosto de 2020
DA PRAGA DA CASERNA AO CAPITÃO CAVERNA — DÉCIMA PARTE
Se as margens do córrego do Ipiranga serviram de pano de fundo para o "heróico brado", isso deveu-se a mero acaso: passava por lá a comitiva quando D. Pedro, acometido de poderosa caganeira, apeou e saiu em busca de uma moita que lhe permitisse esvaziar os intestinos com alguma privacidade. Foi então que se juntou ao grupo um mensageiro vindo de São Paulo, com três missivas endereçadas a sua alteza.
A primeira epístola, assinada por D. João VI, ordenava ao nobre rebento que regressasse imediatamente a Portugal e se submetesse ao Rei e às Cortes. A segunda, de José Bonifácio, aconselhava-o a romper com Portugal. A terceira, da Imperatriz Leopoldina, dileta esposa do príncipe-regente (noves fora Domitila de Castro Canto e Mello, mais conhecida como Marquesa de Santos), transmitia ao marido o seguinte recado: “O pomo está maduro; colhe-o já, antes que apodreça”.
Impelido pelas circunstâncias, o príncipe, que já estava mesmo fazendo merda, aproveitou o ensejo para romper os laços de união política com Portugal e declarar a independência do Brasil.
Dali a 67 anos, a não menos romanceada “Proclamação da República” — sobre a qual o livros de história se referem como um ato patriótico protagonizado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, que estava longe de ser um republicano convicto — foi, isso sim, um golpe de Estado que expeliu do trono o imperador D. Pedro II em prol da “unidade militar”.
Deodoro tornou-se o primeiro presidente do Brasil — cargo que exerceu interinamente até ser efetivado por uma eleição indireta (como se vê, começamos bem), e do qual foi deposto, 9 meses depois, por iniciativa de seu vice, o também marechal Floriano Peixoto, que ficaria conhecido como "Marechal de Ferro".
A despeito de a Constituição de 1891 determinar a convocação de novas eleições no caso de vacância na Presidência, Floriano decidiu completar o quadriênio para o qual seu predecessor havia sido “eleito”. E começou sua gestão demitindo todos todos os governadores que apoiavam Deodoro. Houve reação, naturalmente, sobretudo no sul do país, onde uma grave crise política se instalou, em razão da disputa pelo poder. Ainda assim, o Marechal de Ferro conseguiu se manter no poder até 1894, quando passou o bastão ao republicano Prudente de Morais, que entrou para a história como o primeiro presidente civil — e eleito pelo voto direto — do novo regime.
Continua no próximo capítulo.
quinta-feira, 9 de julho de 2020
DA PRAGA DA CASERNA AO CAPITÃO CAVERNA — QUARTA PARTE
OBSERVAÇÃO: Hoje, 9 de julho, comemora-se no estado de São Paulo a Revolução Constitucionalista de 1932, que será comentada, em algum momento, ao longo das próximas postagens. Dada a situação atípica que atravessamos neste ano de 2020, o governo paulista antecipou o feriado, visando reforçar o isolamento social e conter o avanço do coronavírus. Como eu postei sobre informática no "feriado" antecipado, não o farei hoje. Amanhã tudo volta a ser como antes no Quartel de Abrantes. Pelo menos no que concerne à minha pauta de postagens.
terça-feira, 6 de dezembro de 2022
A SUPREMA UNIÃO
Esse arquipélago de monocracias — que ficou evidente durante o apogeu da Lava-Jato — deixou clara a necessidade de modificar o modo como os semideuses togados são indicados. Os candidatos a ocupar assentos no Olimpo do Judiciário são indicados presidente da República e referendados pelo Senado. O art. 101 da Constituição determina que os candidatos sejam brasileiros natos, tenham entre 35 e 65 anos, reputação ilibada e "notável saber jurídico", mas não exige formação jurídica nem registro na OAB. Em outras palavras, mesmo quem não pode exercer atividades típicas dos advogados está apto a ocupar uma cadeira no STF caso seja amigo do presidente da República e consiga o aval de pelo menos 41 dos 81 senadores numa sabatina meramente formal. Desde a Proclamação da República, apenas cinco indicados foram vetados — todos durante a gestão de Floriano Peixoto.
Numa guinada impressionante de comportamento — e determinante para os destinos do país nos últimos anos —, nossa corte suprema, que havia virado vidraça quando as togas derrubaram a prisão em segunda instância e libertando da cadeia o hoje presidente eleito, assumiu de forma corajosa a defesa da ciência (e das vidas) e funcionou como anteparo aos constantes arroubos antidemocráticos de Bolsonaro. Por conta disso, o "mito" dos apatetados elegeu o Judiciário como seu principal inimigo político e atiçou seus seguidores mais radicais contra o STF e o TSE.
Para fazer frente a esses ataques, as togas utilizaram sabiamente o princípio de que a união faz a força, atuando de forma sincronizada pela preservação da instituição em meio a críticas ferozes e com inimigos que continuam à espreita, em vigília permanente. O movimento pela suprema união teve uma espécie de marco zero com a abertura do inquérito das fake news em 2019 — medida controversa tomada de ofício (sem provocação de outro órgão) por Dias Toffoli, então presidente do STF, que àquela altura só tinha o apoio de Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes — ao segundo foi entregue, sem sorteio, a relatoria do inquérito, num procedimento incomum que gerou reação dos demais ministros, do Ministério Público e do mundo jurídico. Com o passar do tempo e o avanço das apurações, contudo, as resistências internas foram sendo superadas e o plenário legitimou a investigação em andamento.
O processo de união se solidificou ao longo das eleições, diante dos frequentes ataques infundados dos bolsonaristas contra as urnas eletrônicas e o resultado do pleito. Um exemplo recente foi a decisão dos ministros, tomada em plenário virtual, ratificando a decisão de Moraes que determinou à PRF o desbloqueio de centenas de trechos de rodovias obstruídos por bolsonaristas radicais. Vale destacar que os dois ministros indicados pelo chefe do Executivo não se somaram aos esforços da maioria, mas a discordância da dupla não chegou a prejudicar o espírito de corpo que tomou conta do Supremo.
Depois da derrota de Bolsonaro, emissários palacianos convidaram Gilmar Mendes, Luiz Fux e Nunes Marques para conversas com o presidente no Alvorada. Mendes, atual decano da corte, convocou uma reunião com seus pares, para que a decisão sobre o encontro fosse coletiva. Moraes ponderou que, antes de o tribunal conversar com o mandatário, era oportuno que ele reconhecesse o resultado das urnas. Ele ainda não o fez, mas, em seu primeiro pronunciamento público, autorizou seu ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, a anunciar o início da transição. Foi a senha para que os magistrados decidissem, coletivamente, divulgar uma nota enfatizando esse aspecto. Diante disso, Bolsonaro foi recebido no Supremo, e a reunião aconteceu em clima amistoso.
A corte está tão coesa que mesmo ministros que tinham desavenças públicas fizeram as pazes no último mês. A partir da definição sobre o futuro de Ricardo Lewandowski, que terá de se aposentar por idade em maio próximo, mas pode antecipar sua saída para assumir o Ministério da Defesa no próximo governo, Lula deve dar início ao processo de escolha de seu sucessor no STF. Há consenso de que a segunda cadeira a ficar vaga em 2023, com a aposentadoria da ministra Rosa, deverá ser ocupada por uma mulher. Isso tem feito com que os candidatos homens já estejam em plena campanha para a primeira vaga.
Lula tem dado sinais de que quer pacificação e diálogo institucional, mas os atos golpistas na porta dos quartéis e a escalada recente da violência fizeram a corte se manter mobilizada. A princípio, nada muda, pois os ministros enxergam riscos no horizonte e entendem que só a suprema união pode seguir garantindo a normalidade institucional no país.
quinta-feira, 7 de novembro de 2019
SOBRE O FINAL DO JULGAMENTO SOBRE A PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA
Observação: Segundo o site O ANTAGONISTA, juízes e procuradores guardam na manga uma manobra para que a prisão em segunda instância volte em pouco mais de um ano, caso se confirme a mudança da jurisprudência. A ideia consiste em sugerir a ministros favoráveis à segunda instância que, após a proclamação do resultado, não liberem seus votos escritos e revisados para o relator compor o acórdão (documento que oficializa a decisão). Sem a publicação do acórdão, não é possível interpor embargos de declaração à própria Corte, e assim se vai empurrado a coisa até que a aposentadoria do decano permita a Bolsonaro escolher um novo ministro apto a formar uma nova maioria que vire, de novo, a jurisprudência. Um novo julgamento sobre a questão num recurso seria mais rápido do que em novas ações apresentadas à Corte, cuja tramitação poderia demorar, a depender do novo relator sorteado. O julgamento dos embargos dependeria de Luiz Fux, que assumirá a presidência do STF em setembro do ano que vem, e é francamente contrário ao trânsito em julgado.
Quando a Lava-Jato começou a cafungar no cangote dos políticos do andar de cima, o Supremo mudou seu entendimento e passou a vincular a prisão ao trânsito em julgado decisão condenatória. Como isso significa executar a pena somente após se esgotarem todos os recursos possíveis e imagináveis nas quatro instâncias da Justiça, criminosos com cacife para contratar chicaneiras estrelados são beneficiados pela prescrição do poder punitivo do Estado e só veem o sol nascer quadrado "no dia de São Nunca". Essa aberração foi revista em 2016, mas aí começaram a chover processos contra Lula, e sua prisão levou a banda podre do STF a torpedear o entendimento que o plenário havia definido.
Caberia aos garantistas de araque explicar como um sujeito pode ser considerado "inocente" depois de ser declarado culpado por 20 magistrados (um juiz federal de primeira instância, 3 desembargadores de um Tribunal Regional e 8 ministros do STJ) e de lhe terem sido negados inúmeros pedidos de habeas corpus. Não o farão, é claro, pois acham-se os donos absolutos da verdade e entendem que suas decisões, por mais estapafúrdias que sejam, não são passíveis de questionamento. A não ser que o questionamento possa beneficiar seus bandidos de estimação.
AOS AMIGOS, TUDO; AOS INIMIGOS, A LEI: Quem não se lembra do habeas corpus concedido ex-officio por Toffoli a Maluf por "motivos humanitários"? Se o turco ladrão estava mesmo à beira do desencarne na Papuda, ir para casa operou um verdadeiro milagre. Morrendo? Maluf? Só se for de rir dos trouxas que acreditam na Justiça brasileira. Uma reportagem da revista eletrônica Crusoé salienta que o STF é impiedoso com cidadãos pobres, presos por crimes menores e assistidos por defensores públicos assoberbados de trabalho, mas complacente (para não dizer subserviente) com corruptos de alto coturno, representados por criminalistas especializados em procrastinar o fim do processo até que a prescrição puna o Estado por não ter punido o criminoso em tempo hábil. A matéria lembra que, visando minimizar o impacto de um possível regresso ao status quo ante no julgamento de hoje, Toffoli enviou ao Congresso uma proposta para suspender a prescrição nos casos que cheguem às cortes superiores (STJ e STF). E que esse mesmo magistrado negou a liberdade a um alcoólatra analfabeto, condenado a 1 ano e 7 meses de prisão por furtar uma bermuda de R$ 10 numa loja do centro de Viçosa (MG), uma semana depois de conceder a José Dirceu (de quem foi advogado, assessor e chefe de gabinete durante o governo de Lula) o direito de aguardar em liberdade o julgamento de um recurso — um benefício, ressalte-se, que os advogados do ex-ministro sequer haviam pedido (clique aqui para ler a íntegra da matéria)
O deputado federal Capitão Augusto, Presidente da Frente Parlamentar da Segurança Pública, começou na última terça-feira a colher assinaturas de colegas em apoio a um manifesto pela manutenção da jurisprudência que permite a prisão após condenação em segunda instância. A ideia é reunir cerca de 150 assinaturas e entregar o manifesto pessoalmente a Dias Toffoli antes da retomada do julgamento. Assim, os deputados se juntam aos senadores na defesa da jurisprudência atualmente em vigor — como revelou O ANTAGONISTA, o senador Lasier Martins, do Podemos, colheu 41 assinaturas de seus pares (mais da metade dos senadores), que também também deve ser entregue ao presidente da Corte. "Exigir trânsito em julgado após terceiro ou quarto graus de jurisdição para então autorizar prisão do condenado contraria a Constituição e coloca em descrédito a Justiça brasileira perante a população e instituições nacionais e estrangeiras, a exemplo das preocupações manifestadas por entidades como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A lei deve valer para todos e, após a segunda instância, não mais se discute a materialidade do fato, nem existe mais produção de provas", diz um trecho do documento.
sábado, 10 de abril de 2021
BRASIL: MUITAS LEIS E POUCA VERGONHA NA CARA
Apenas 177 dos 594 congressistas conquistaram o mandato parlamentar através do voto direto. Grosso modo, um terço dos 513 deputados federais e 81 senadores têm contas a acertar com a justiça criminal (daí o empenho em sepultar a Lava-Jato). E mais: enquanto cerca de 100 milhões de brasileiros sobrevivem com apenas R$ 413 por mês, os nobres deputados recebem cerca de 80 vezes mais: R$ 33,7 mil mensais. Sem mencionar que a Câmara reembolsa (e nós pagamos) gastos com restaurante, motorista, aluguel de carro, combustível, táxi, segurança particular, passagens aéreas, hospedagem, conta de telefone, correios, cursos e até fretamento de jatinhos — além de R$ 4.253 mensais para despesas com moradia.
Segundo matéria da jornalista Helena Mader,
“Mesmo com a pandemia e com a
suspensão temporária das sessões presenciais na casa, as despesas com a cota
parlamentar não tiveram uma queda condizente com o cenário de quarentena. Entre
janeiro e agosto deste ano, a despesa mensal média foi de 10 milhões de reais.
No ano passado, os deputados gastaram cerca de R$ 16 milhões por mês – um total
de R$ 192,4 milhões de janeiro a dezembro de 2019. [...] Em tese, a crise da Covid impôs o
isolamento social a boa parte dos parlamentares, mas os valores de reembolso
pela compra de gasolina e de querosene para jatinhos colocam essa teoria em
xeque – ou indicam que pode haver algo de errado por trás das prestações de
contas. Os deputados federais gastaram este ano R$ 14,9 milhões com
aluguel de carros, principalmente modelos de luxo, além de 6,2 milhões de reais
com combustível. Com esse dinheiro, é possível comprar 1,3 milhão de litros de
gasolina e percorrer até 24,8 milhões de quilômetros, o equivalente a 618
voltas em torno da Terra [...]
No Senado, o
custo por parlamentar é ainda maior: por volta de R$ 294 mil por mês. Esse valor inclui o salário de R$ 33,7 mil, o auxílio-moradia de R$ 4.253 e a cota para exercício da atividade de até R$ 15 mil mensais. Soma-se a esse
montante a verba para contratação de servidores comissionados, que, para a
maioria, pode alcançar R$ 227,1 mil.
São oferecidos aos senadores ainda serviços médico-hospitalares, odontológicos
e laboratoriais de ponta. Essa despesa cresceu vertiginosamente nos últimos
anos e praticamente dobrou entre 2016 e 2019, quando saltou de R$ 7,1 milhões
para R$ 13,9 milhões — até agosto de 2020, o Senado já havia desembolsado R$
7,9 milhões de com a assistência à saúde…
O Supremo Tribunal
Federal ocupa uma área de 14.000 metros quadrados — espaço que dá e sobra
para abrigar confortavelmente o Plenário (salão
de debates dos 11 togados), a sala
do presidente da Corte (com respeitáveis 100 m2) e as
duas Turmas (cada qual com
cinco integrantes). Até o início do século XIX, não havia uma corte
suprema nesta banânia. Com a vinda da família real portuguesa para o Rio de
Janeiro, o príncipe regente criou a Casa
da Suplicação do Brasil, que é considerada a versão 1.0 do STF,
mas a função de corte constitucional se solidificou após a declaração da independência, com a
criação do Supremo Tribunal de Justiça e sua posterior promoção a Supremo Tribunal Federal (noves
fora um curto período em que o tribunal foi efetivamente chamado de Corte Suprema).
Os ministros —
como são intitulados os membros do supremo e dos tribunais superiores — são indicados pelo presidente da República,
referendados pelo Senado. Uma vez empossados e devidamente togados, acomodam
seus buzanfãs em confortáveis poltronas de couro caramelo, de onde passam a
julgar e condenar os pobres, absolver os ricos, soltar traficantes e chefes de
organizações criminosas e fazer malabarismos de hermenêutica criativa para
enquadrar na moldura dos ditames constitucionais as conveniências de
ex-presidentes corruptos e outros criminosos de estimação.
Para ser ministro do STF
o art. 104 da CF exige que o
candidato seja brasileiro, tenha entre 35 e 65 anos, goze de reputação ilibada
e detenha notável saber jurídico. Não é preciso sequer ser bacharel em
Direito. Na prática, importa mesmo é o Q.I. (de “Quem Indica”). Dito de outra maneira, importa mesmo é
cair nas boas graças do presidente da República de turno, ser aprovado por
menos 14 dos 28 integrantes da CCJ do
Senado e conquistar a simpatia (e o voto) de pelo menos 41 dos 81 senadores
na sessão plenária subsequente. Para isso, o candidato da vez faz um périplo pelos
gabinetes dos nobres senadores (conhecido como “beija-mão”), como fazem os políticos em campanha eleitoral (a
sabatina no Senado é meramente protocolar).
Uma vez aprovado, o candidato toma posse (numa cerimônia
realizada no próprio Tribunal), tem os ombros recobertos pela suprema toga e
acomoda o supremo buzanfã na confortável poltrona de couro cor de caramelo, de
onde virá a julgar e condenar os pobres, absolver os ricos, soltar traficantes
e chefes de organizações criminosas e amoldar a Constituição de maneira a favorecer
ex-presidentes corruptos e outros criminosos de estimação. Cada ministro conta
com um batalhão de auxiliares — dentre os quais os folclóricos “capinhas”, que
ajeitam as poltronas para suas excelências se sentarem e se levantarem.
Considerando os estagiários, terceirizados et al, o número de funcionários
do Supremo varia conforme
o mês, mas nunca fica abaixo de 2.450, o que dá uma média de 222 funcionários
por ministro. Em 2016, segundo dados do site políticos.org.br, esse séquito
faraônico consumiu mais de meio
bilhão de reais.
É importante ressaltar que o mandato do presidente da
República é de quatro anos (podendo ser prorrogado por outros quatro se o
mandatário de turno não for impichado nem condenado criminalmente nesse
entretempo), mas seu(s) apadrinhado(s) permanece(m) ministro(s) até completarem
75 anos de idade (quando a aposentadoria é compulsória), a menos que lhes dê na
veneta trocar a suprema toga pelo supremo
pijama — como fez Joaquim Barbosa,
que se aposentou aos 59 anos. Nesse meio tempo, suas excelências são
inamovíveis. A Constituição prevê a possibilidade de eles serem em caso de
crime de responsabilidade, mas na
prática a teoria é outra: desde a proclamação da República, em 1889, apenas
cinco indicados à Suprema Corte foram vetados (Barata Ribeiro, Innocêncio Galvão de Queiroz, Ewerton Quadros, Antônio Sève Navarro e Demosthenes da Silveira Lobo), todos
durante o governo do Marechal Floriano Peixoto (1891-1894) —
confira essa e outras curiosidades sobre o STF no estudo publicado pelo
decano Celso de Mello em 2014.
Passados dois séculos, o STF rescende ao bolor dos tempos do Império, com seus
paramentos, rapapés, salamaleques, linguagem empolada, votos repletos de
citações em latim e outras papagaiadas. Os eminentes decisores trazem os
votos prontos e raríssimas vezes mudam de opinião por conta das sustentações
orais de advogados, amici curiae,
membros da PGR e quem mais
subir à tribuna e fizer solilóquios — enquanto aguardam sua vez de falar,
suas excelências se entretêm com a montoeira de papéis que atulham suas
bancadas, navegam na Web, jogam Solitaire ou
tiram um cochilo — afinal, ninguém é de ferro. Após o voto do relator, os
demais ministros se pronunciam na ordem inversa ao tempo de casa (ou seja,
seja, do novato ao decano). Em havendo empate, cabe ao presidente da corte dar
o voto de minerva.
Ainda que os magistrados possam se limitar a dizer se
acompanham ou não o voto do relator e, no caso de divergência, expor em poucas
palavras o motivo que os levou a discordar, a leitura dos voto costuma levar
horas. Há casos em que a leitura de um único voto preenche uma sessão
inteira — tempo mais que suficiente para julgar dois ou mais
processos, agilizando os trabalhos e aprimorando a performance do tribunal.
Manter essa máquina gigantesca funcionando custa aos
contribuintes mais de R$ 1 bilhão por
ano. Se somarmos a essa exorbitância os R$ 6 bilhões que custam o STJ e o TST,
os salários e mordomias de senadores, deputados federais, governadores,
deputados estaduais, prefeitos e vereadores, bem como os bilhões tragados pelo
ralo da corrupção, teremos um pisto do motivo pelo qual o país nunca tem
recursos para investir na Saúde, na Educação, na Segurança etc., ainda que
a arrecadação anual ultrapasse a casa dos R$ 3 trilhões.
Observação: No Brasil, cada contribuinte trabalha mais de 5 meses por ano só para fazer frente à carga tributária, que consome 41,80% da sua renda. Como disse certa vez o economista Delfin Netto, nosso país virou uma INGANA, com impostos da Inglaterra e serviços públicos de Gana.
domingo, 8 de janeiro de 2023
A GENTE NÃO SABEMOS DE NADA
A gente não sabemos escolher presidente. Mesmo. E nem parlamentares. Para a Câmara, já elegemos palhaços, iletrados, e até ator pornô. No Senado, conseguimos colocar a espetacular Damares Alves, mestre em ciências ocultas e doutora em letras apagadas (exemplo que dispensa o acréscimo de outros).
A vida e feita de escolhas, ensinou o oncologista Nelson Teich em 15 de maio de 2020, ao comunicar que havia escolhido deixar o Ministério da Saúde. E o brasileiro é mestre em fazer as piores escolhas. Sempre. No Rio de Janeiro, o governador eleito em 2018 na esteira de Bolsonaro foi afastado. Entre seus predecessores, Pezão, Cabral, Anthony e Rosinha Garotinho e Moreira Franco foram parar na cadeia.
Escolhas erradas são um traço cultural do brasileiro, adquirido a base de Educação paupérrima. O que nos leva a Tite, ou melhor, ao fiasco da seleção brasileira na Copa de 2022. Não culpemos o professor por levar o Daniel Alves ou por ele não ter colocado Neymar no lugar de Rodrygo para bater o primeiro pênalti. Ele foi só mais um brasileiro exuberando em seu direito de escolher tudo errado. Afinal, a gente não sabemos nem ganhar Copa do Mundo.
Inspirado num texto de Mentor Neto
sexta-feira, 20 de agosto de 2021
NUNCA ANTES NA HISTÓRIA DESTE PAÍS...
Na cerimônia de posse de certo governador de São Paulo (não
me lembro se Quércia ou Fleury), o fundador da construtora
Camargo Corrêa
foi saudado por um ex-governador: "Dr. Camargo, o senhor por aqui?"
Sebastião
Camargo respondeu: "Eu estou sempre por aqui, governador.
Vocês é que mudam".
Governo probo, nunca houve no Brasil. Se o nepotismo é uma
das muitas facetas da corrupção, então "essa senhora" desembarcou na Terra de Vera Cruz
com Cabral (falo do Pedro Álvares, não do ex-governador
do Rio). No epílogo da epístola em que deu conta do "descobrimento"
a D. Manuel, o escriba Pero Vaz de Caminha anotou:
“E desta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta terra vi. E se a um pouco me alonguei, Ela me perdoe. Porque o desejo que tinha de Vos tudo dizer, mo fez proceder assim pelo miúdo. E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro, o que Dela receberei em muita mercê.”
Observação: o escriba estava preocupado com sua filha única, Isabel de Caminha, cujo marido, um certo Jorge de Osório, preso por roubo, fora degredado para a ilha de São Tomé, na África.
Como reza a sabedoria popular, o que começa mal tende a ficar pior.
No início
do século XIX, a iminente invasão de Portugal pelas tropas napoleônicas forçou
a família real lusitana a vir de mala e cuia para o Rio de Janeiro. Com isso, o Brasil, que até 1815 foi mera colônia portuguesa, passou à condição de
Reino
Unido a Portugal e Algarves. E assim permaneceu até o célebre “Grito
da Independência” — o tal brado heroico retumbante ouvido pelas
margens plácidas do Ipiranga, que Osório Duque Estrada poetizou
na letra do Hino Nacional Brasileiro, o pintor Pedro
Américo imortalizou em seu tão célebre quanto fantasioso quadro, e os livros
didáticos transformaram numa obra
de ficção.
A Proclamação da República, também cantada em
verso e prosa com pompa e circunstância, foi o primeiro dos muitos golpes de
Estado que estavam por vir. Entre o apagar das luzes imperiais, em 1889, e
a posse de Prudente de Morais, em 1894, somente militares ocuparam o
assento mais cobiçado do palácio presidencial — daí esse período ser chamado de República
da Espada.
O Marechal Deodoro da Fonseca — a quem
coube desfechar o golpe de misericórdia no regime monárquico e entrar para a
história como o primeiro presidente do Brasil — governou interinamente por
cerca de dois anos. Promulgada a Constituição
de 1891 e realizada uma eleição indireta, o fardado derrotou o
candidato civil Prudente de Morais por 129 votos a 97. Mas sua gestão,
marcada pelo autoritarismo, foi encerrada prematuramente por
um levante da Marinha que ficou conhecido como Revolta da Armada.
Tão logo passou de vice a titular, o também marechal Floriano
Peixoto demitiu todos os governadores que apoiaram seu antecessor (e que
defendiam a realização de nova eleição, à luz do previsto no art.
42 da Carta Magna). Graças a sua postura ditatorial — que se tornaria
moda entre os mandatários tupiniquins — o "Marechal
de Ferro" teve de debelar sucessivas rebeliões — como a Revolução
Federalista e a Segunda
Revolta da Armada — para se manter no poder.
Observação: Em abril de 1892, diante de
protestos de opositores e divulgação de manifestos na capital federal, Peixoto
decretou estado de sítio, prendeu e desterrou desafetos para a Amazônia.
Quando Rui Barbosa ingressou com habeas corpus no Supremo
Tribunal Federal em favor dos detidos, Peixoto ameaçou os
magistrados: "Se os juízes concederem habeas corpus aos políticos, eu
não sei quem amanhã lhes dará o habeas corpus de que, por sua vez, necessitarão".
O Supremo negou o habeas corpus por dez votos a um.
Em novembro de 1894, muito a contragosto, o marechal passou
o bastão para o paulista Prudente de Morais —
que obteve 90% dos votos na primeira eleição direta da nossa história.
A exemplo do que faria
o General Figueiredo quase um século depois, Peixoto se
recusou a transmitir pessoalmente o cargo a seu sucessor.
Ao longo de 131 anos de história republicana (completados em
novembro do ano passado), 38 presidentes chegaram ao poder pela via do voto
popular, eleição indireta, linha sucessória ou golpe de Estado (como até o
passado é incerto neste país, esse número varia de 35 a 44). Destes, oito
foram de alguma forma apeados antes do fim do mandato. Dos cinco
eleitos pelo voto direto desde o fim da ditadura, Collor e Dilma foram
expulsos de campo antes do final do jogo.
O caçador de marajás de festim — que inaugurou a lista dos chefes do Executivo Federal depostos por crime de responsabilidade — colecionou 29 pedidos de impeachment, mas nunca foi chamado de genocida.
Itamar, FHC, Lula e Temer foram agraciados, respectivamente, com 4, 27, 37 e 33 pedidos de impeachment, mas concluíram seus mandatos sem jamais serem chamados de genocidas.
A
gerentona de araque, que foi expelida da Presidência porque
estava quebrando o país, foi alvo de 68 pedidos de
impeachment, mas ninguém jamais a acusou de genocídio.
Falando em genocídio, o relatório final da CPI
já está sendo escrito e deverá ser concluído no mês que vem. O texto-base já
possui mais de mil páginas — e pode crescer, a depender dos fatos e dados a
serem obtidos pela Comissão. O grosso do material está nos anexos, que
incluem documentos e os principais pontos de destaque dos depoimentos.
O relator deve sugerir a continuidade da investigação pelo Ministério
Público por meio de inquéritos específicos para cada assunto trazido em
destaque. Vários dos capítulos já elaborados dizem respeito ao chamado "gabinete
paralelo da saúde" e incluem a transcrição e links de vídeos,
áudios, declarações e documentos que, segundo Renan Calheiros, comprovam a atuação
do órgão extraoficial. Um dos tópicos do relatório trará a afirmação de que
quem se opôs ao gabinete paralelo — como Luiz Henrique
Mandetta e Nelson
Teich — acabou deixando o Ministério.
Já o general e ex-ministro Eduardo
Pazuello será apontado por não se opor à atuação de médicos do suposto
gabinete na elaboração de políticas públicas e por "colocar em prática"
as orientações extraoficiais. Segundo o senador Randolfe Rodrigues, o
documento deve imputar o estrelado crimes como "charlatanismo,
prevaricação, advocacia administrativa e por atuar contra a ordem sanitária".
Os parlamentares ainda discutem se incluem na lista corrupção passiva.
Haverá um destaque no relatório também com relação ao aplicativo "TrateCov", que, segundo Pazuello teria sofrido um ataque hacker — fato desmentido por uma auditoria técnica do TCU. Na redação, o aplicativo está sendo tratado como uma das políticas falhas do Ministério da Saúde que teriam utilizado a capital do Amazonas como "experimento" para as teorias do gabinete paralelo. Nesse contexto, a minuta de um decreto presidencial que pretendia alterar a bula da cloroquina sem o aval da Anvisa também deverá ser anexada ao texto. Todos esses fatos, envolvendo principalmente o general Pazuello, aparecerão como aspectos que prejudicaram o país na aquisição de vacinas contra a doença.
Com encerramento programado para setembro, a CPI
convive com um paradoxo. Tomada pelo relatório final, a investigação
parlamentar terá a aparência de uma iniciativa de sucesso. Considerando-se as
consequências a serem produzidas pelas conclusões do documento, resultará em
frustração. As pessoas que acompanharam os depoimentos pela televisão terão a
impressão de que desperdiçaram seu tempo quando as conclusões da Comissão
morrerem no arquivo de Augusto Aras — que, como Procurador-Geral da
República, é
responsável pela análise dos crimes comuns atribuídos a Bolsonaro — e
no gavetão
do deputado Arthur Lira — a quem, como presidente da Câmara, cabe
lidar com a acusação da prática
de crimes de responsabilidade, que, em tese, levariam ao impeachment.
Dois espetáculos não cabem ao mesmo tempo num só palco. Ou
numa única conjuntura política. Dividido entre um e outro, o público tende a se
dispersar. Antes do recesso parlamentar de julho, estava em cartaz a novela da CPI
do Genocídio. Ao farejar o cheiro de queimado, Bolsonaro aproveitou
o retiro dos senadores para intensificar as críticas
às urnas eletrônicas e os insultos
a ministros do STF, impondo a mudança do cartaz neste mês de agosto. Ao
voltar do recesso, o G7, como ficou conhecido o grupo majoritário que
controla os rumos da CPI, percebeu que a pior coisa do sucesso é ter que
continuar fazendo sucesso.
Às voltas com um déficit de atenção da plateia, os senadores
começaram a planejar o fechamento das cortinas. Enxugam a pauta de depoimentos.
Esperam encerrar as oitivas em três semanas. Para evitar marolas, cancelaram
a acareação que seria feita nesta semana entre o ministro Onyx Lorenzoni e o
deputado Luís Miranda e relutam em aprovar novas convocações. No
papel, a Comissão poderia funcionar até o início de novembro, mas tudo indica que o relatório final será entregue em meados de setembro.
Pretende-se indiciar Bolsonaro e outros investigados
por transformar em política pública o tratamento da Covid com remédios
ineficazes, apostar na imunização coletiva pelo contágio, negligenciar o
colapso hospitalar de Manaus, retardar a compra de vacinas da Pfizer e
do Butantan, firmar contrato irregular para a compra da vacina indiana Covaxin,
abrir as portas do Ministério da Saúde para picaretas que ofereciam vacinas
inexistentes (ou seja, a Comissão pretende acusá-lo de crimes
comuns e crimes de responsabilidade).
O presidente continua cagando
e andando para a CPI. Considera-se invulnerável. Para os crimes
comuns, conta com a blindagem do procurador-geral. Para os crimes de
responsabilidade, tem a proteção do deputado-réu que preside a Câmara e já
mandou para o gavetão 133
pedidos de impeachment. Mantida a blindagem, Bolsonaro poderá
repetir que não teve nada a ver com o caos sanitário.
Não há nada que a cúpula da CPI possa fazer para
dissolver a cumplicidade de Lira com Bolsonaro. Mas, com honrosas
exceções, é espantosa a inércia dos senadores em relação ao procurador-geral. A
recondução
de Aras ao cargo está pendente de votação no Senado. Em vez de
articular a reprovação do dito-cujo, parte
dos integrantes da Comissão se reuniram, na última terça-feira, com o
procurador que Bolsonaro escolheu para lavar a sua louça por mais dois anos.
Renan
Calheiros tornou-se a personificação do paradoxo vivido pela CPI.
Há dois anos, quando o Senado aprovou a nomeação de Aras para comandar a
PGR, o ora relator da Comissão não conseguiu conter o entusiasmo. Naquela época, o senador alagoano estava ao lado do primogênito do capitão,
outro entusiasta da escolha de Aras. Freguês de caderneta da Lava-Jato,
o Cangaceiro das Alagoas queria acertar as contas com a força-tarefa de
Curitiba; denunciado pelo MP-RJ por peculato e lavagem de dinheiro, Flávio "Rachadinha"
Bolsonaro estava à procura de blindagem.
A PGR — e, por extensão, o Ministério Público
Federal — vive um apagão mental. Já se sabia que Aras trata Bolsonaro
como um ser inviolável e imune (eufemismos para intocável e impune). Descobre-se
agora que, para livrar o presidente-suserano de incômodos judiciais, o procurador-vassalo
e sua equipe decidiram enquadrá-lo na categoria dos seres inimputáveis.
Bolsonaro obteve da PGR um salvo-conduto para
delinquir. Pode tudo, inclusive arrancar máscara da cara de criancinha. PT
e PSOL pediram no STF a abertura de inquéritos para apurar o
desrespeito a leis estaduais e federal em aglomerações promovidas pelo mandatário
durante passeios de moto com seus devotos no Rio de Janeiro e no Rio Grande do
Norte. A subprocuradora-geral Lindôra Araújo (braço direito de Aras), a quem coube formular a manifestação da PGR, sustentou que Bolsonaro
não infringiu medidas sanitárias nem colocou a vida de ninguém em risco.
Numa evidência de que a PGR opera em "modo Talibã", a subprocuradora aderiu ao negacionismo científico para dispensar Bolsonaro do mais comezinho cuidado sanitário. Anotou que, "em relação ao uso de máscara de proteção, inexistem trabalhos científicos com alto grau de confiabilidade em torno do nível de efetividade da medida de prevenção".
No Rio Grande do Norte, Bolsonaro
pediu a uma menina para retirar a máscara e arrancou
o apetrecho da face de um menino. Para Lindôra, o presidente não
teve a intenção de "constranger aquelas crianças". Segundo ela, "os
infantes também não demonstraram, com atitudes ou gestos, terem ficado
constrangidos, humilhados ou envergonhados na presença do presidente".
Na avaliação da doutora, o presidente apenas interagiu com as crianças "de
forma descontraída."
Como se sabe, Bolsonaro fez uma opção preferencial
por exercer o cargo de presidente à margem da lei. Transgride até leis que
sancionou. Como há males que vêm para pior, Aras e sua equipe promovem
uma junção da ilegalidade com a impunidade.
Em seus deslocamentos eleitorais, Bolsonaro promove
aglomerações proibidas por Estados e municípios. Ignora os poderes conferidos a
governadores e prefeitos pela Constituição e reafirmados pelo STF. Por
onde passa, discursa contra medidas sanitárias restritivas. Finge ignorar o
fato de que sancionou em fevereiro do ano passado a "lei
da pandemia", que prevê a adoção de providências excepcionais, como o isolamento e a quarentena. Em julho de 2020, Bolsonaro assinou a lei
14.019, que torna obrigatório o uso de máscaras de proteção individual
em espaços públicos e privados. Em suma: além de cagar e andar para sua própria
decisão, o capitão constrange o ministro Marcelo Queiroga com a cobrança
de estudos
para flexibilizar o uso da máscara. Agora, recebe salvo-conduto da
Procuradoria para descumprir até a lei que avalizou.
Nos passeios de moto, Bolsonaro não percorre apenas o
asfalto, mas o Código Penal, cujo artigo
268 estabelece pena de detenção de um mês a um ano para quem "infringir
determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de
doença contagiosa". No artigo
132, o
Nesse contexto, não parece razoável que um país inteiro tenha
que passar vergonha para que um procurador-geral e sua equipe ofereçam
blindagem a um presidente da República que se converteu num infrator serial.
Não resta aos relatores dos dois processos no STF — Rosa Weber e
Ricardo Lewandowski — senão ignorar a manifestação de Lindôra e
ordenar a abertura dos inquéritos.
Vivo, Darwin diria que a
atuação da PGR não é apenas uma prova de que o ser humano parou de
evoluir. Trata-se de uma evidência de que ele já faz o caminho de volta. No
momento, o melhor lugar para se proteger de Bolsonaro é uma caverna nas
montanhas do Afeganistão. Aliás, se o homem de Neandertal
desconfiasse que o resultado da evolução seria bolsonaros, talvez não
tivesse saído da caverna. Teria optado por uma versão pré-histórica do
isolamento social.
Com Josias de Souza