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sábado, 13 de julho de 2024

O ESTADISTA E O DEMAGOGO.


O ESTADISTA GOVERNA PENSANDO NAS PRÓXIMAS GERAÇÕES. 
O POPULISTA GOVERNA PENSANDO NAS PRÓXIMAS ELEIÇÕES.

Atribui-se indevidamente a Charles de Gaulle a autoria da frase "le Brésil n’est pas un pays serieux", mas esse equívoco não torna esta banânia menos banânia. A versão oficial da descoberta do Brasil é uma fraude, a independência foi comprada, a Proclamação da República foi um golpe militar (o primeiro de muitos), 8 dos 38 chefes do executivo foram apeados do cargo prematuramente (começando por Deodoro da Fonseca) e 2 dos 5 presidentes eleitos diretamente desde a redemocratização acabaram impichados — seriam 3 se Rodrigo Maia e Arthur Lira tivessem cumprido seu papel constitucional. 
 
Nosso "melhor" presidente foi Tancredo Neves, que morreu sem tomar posse. Em 1989, após quase 30 anos de jejum de urna, nosso ilustríssimo eleitorado, podendo escolher entre 22 candidatos alguém como Ulysses Guimarães, Mario Covas ou Leonel Brizola, escalou para o embate final um caçador de marajás demagogo e populista e um ex-metalúrgico populista e demagogo. E o resto é história recente. 
 
Tenho saudades do PSDB 
— falo do partido de Mário Covas, Franco Montoro e Fernando Henrique, não da agremiação anedótica que tenta se reerguer das cinzas com a candidatura de José Luiz Datena à prefeitura de São Paulo, que chega a dar pena). Mas nem os tucanos, conhecidos por mijar no corredor quando há mais de uma banheiro, nem os paulistanos, que já votaram em rinoceronte para vereador e elegeram prefeitos do quilate de Jânio Quadros, Luíza Erundina, Paulo Maluf, Celso Pitta e Fernando Haddad, merecem alguém com histórico de recuos eleitorais como o do apresentador do Brasil Urgente.
 
Datena filiou-se ao PT em 1992 e subiu no palanque para apoiar Lula em 1989. Migrou para o PP em 2016, mas desistiu de disputar a prefeitura de Sampa quando veio a público um desvio de R$ 358 milhões da Petrobras para o partido. Ingressou PRP e desfilou por outros 7 partidos (DEM, MDB, PSL, UNIÃO, PSC, PDT e PSB) até finalmente pousar no ninho dos tucanos. 
Em 2018, já no DEM, candidatou-se ao Senado e chegou se afastar da TV, mas voltou atrás: "Pensei bem, refleti, conversei muito com a minha família, com Deus, com poucos amigos, e achei que ainda não era a hora." 

Em 2020, o apresentador foi cotado para vice na chapa de Bruno Covas, mas retirou a candidatura. Em 2022, recém-filiado ao PSL, trovejou: "Desta vez é pra valer!". Apesar de ter afirmado que só lhe interessava a Presidência, preferiu concorrer ao Senado com apoio de Bolsonaro — isso depois de declarar que não votou em ninguém depois de Lula, que "apoiou Bolsonaro o cacete". Chegou a liderar as pesquisas, mas anunciou sua desistência, desistiu de desistir e desistiu de desistir de desistir no último dia do prazo para deixar a TV. 
 
Se nada mudar até outubro, o embate final pela prefeitura de Sampa será entre  Ricardo Nunes e Guilherme Boulos. O primeiro foi promovido de vice a titular com a morte de Bruno Covas e postula a reeleição com as bênçãos do governador bolsonarista Tarcísio de Freitas; o segundo é o psicanalista das massas e eterno líder do MTST que conta com o apoio do xamã petista que, a exemplo da Carolina na canção de Chico Buarque, recusa-se a perceber que "o tempo passou na janela". Mas não é só.

Lula estimulou alta do dólar (que chegou a R$ 5,70) ao lançar dúvidas sobre a necessidade de cortar gastos e culpar o presidente do BC por todas as mazelas que enfrentando. Pressionado por Haddad, mudou o discurso, interrompendo a sangria do real. Para 53% dos 2 mil entrevistados ouvidos entre 5 e 8 de julho (muitos dos quais não são capazes de achar o próprio rabo usando as duas mãos e uma lanterna), as declarações irresponsáveis do xamã petista não foram a causa da alta dólar, mas 34% pensam o contrário e 13% não souberam responder (isso deixa claro em que plano o jogo político se desenrola no Brasil).
 
O discurso falacioso de Lula ressoou bem em boa parte da população. Para 87% dos entrevistados, os juros "estão muito altos" e 67%, acham que "o governo não deve satisfação ao mercado, mas aos mais pobres" (seja lá o que isso quer dizer). Interessa dizer que o fato de a maioria da população não entender o que aconteceu foi ótimo para o petista mas péssimo para o Brasil. O discurso que ele proferiu na posse da nova presidente da Petrobras deveria entrar para a história como uma das manifestações públicas mais fantasiosas e ofensivas já feitas por um presidente no Brasil. Não houve mentiras novas, mas a forma como as velhas falácias foram reunidas contribuiu para sintetizar o quadro lamentável em que o país se encontra desde que o demiurgo foi reconduzido ao Planalto após se livrar da prisão por corrupção.
 
“É sempre uma grande alegria voltar à Petrobras e ver essa empresa pujante, resistente a tantas tentativas de desmonte e dilapidação de seu patrimônio”, discursou o responsável maior pelas tentativas de desmonte e dilapidação do patrimônio da Petrobras. Segundo Lula, a culpa foi da Lava-Jato e da "elite política e econômica deste país" que não tem compromisso com a soberania do Brasil e a melhoria de vida do nosso povo". "Tentaram destruir a Petrobras antes mesmo de sua criação [...] a história jamais esquecerá os editoriais dos grandes veículos de comunicação que preferiam ver o petróleo brasileiro entregue de mão beijada a empresas estrangeiras", perorou sua excelência.
 
Lula reclamou das tentativas de privatizar a Petrobras e de mudar seu nome — o que seria, segundo ele, "negar sua origem 100% brasileira" 
—, comentou a perda de controle governamental sobre a Eletrobras e a Vale e associou a isso à demora para indenizar as vítimas das tragédias de Mariana e Brumadinho, disse que "numa empresa com muitos donos ninguém manda", e que ela "não cumpre o papel social que deveria cumprir". Em outras palavras, o que o presidente quer é ser "dono" de todas as empresas em que conseguir meter a mão.
 
Lula disse que patrocinou o maior ciclo de investimento da companhia (em 2003), exaltou as descobertas do pré-sal e louvou as ações dos governos petistas na área de petróleo. Acusou a Lava-Jato do desmonte e da privatização da Petrobras. "Se o objetivo fosse de fato combater a corrupção, que se punisse os corruptos, deixando intacto o patrimônio do nosso povo. Mas o que foi feito não foi isso. O que foi feito foi uma tentativa de destruir a imagem da empresa." Resta saber quais corruptos deveriam ser punidos depois ele próprio e mais de 100 condenados pela Lava-Jato se livraram das acusações por questões processuais. 

Observação: Ex-coordenador da força-tarefa no paraná, Deltan Dallagnol rebateu as acusações com números: "Nós punimos os corruptos: foram 533 acusados, mais de 250 condenações e um total de 2600 anos de pena. A Lava Jato recuperou mais de R$ 15 bilhões para a sociedade, sendo que R$ 6 bilhões foram devolvidos à Petrobras, que os seus governos petistas destruíram e rapinaram".
 
A alturas tantas, inebriado pela própria narrativa, Lula preparou o tereno para a própria defesa defendendo presidentes do passado. Mencionando o que chamou de "mentiras sobre a Petrobras", disse que Getúlio Vargas "se matou porque fizeram uma denúncia de corrupção contra ele, mas nunca provaram a corrupção que ele tinha feito", e que Juscelino Kubitschek "foi acusado de ter um apartamento em Copacabana, mas nunca se provou o apartamento do Juscelino". 
Na sequência, relembrou a derrota do Brasil para a Alemanha por 7×1 na final da Copa de 2014 e classificou-a como um castigo divino: "E Deus é justo, nós tomamos de 7 a 1 naquela Copa do Mundo da Alemanha. Já que é para castigar, vamos castigar". 
 
Lula é um castigo muito pior que o 7 a 1.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

O FIM DOS TEMPOS SEGUNDO SEI LÁ QUEM (CONTINUAÇÃO)

NOTHING IS IMPOSSIBLE, THE WORD ITSELF SAYS "I'M POSSIBLE".

A pressão de Lula para aboletar Guido Mantega na presidência da Vale causou espécie a membros do conselho de administração da companhia. Um deles traduziu seu espanto para o idioma da política: "Lula virou o Arthur Lira da Vale. A diferença é que o presidente da Câmara maneja o centrão para cavar nomeações em estatais, e o presidente da República usa todos os meios à sua disposição para impor uma nomeação política a uma corporação privada, com ações na Bolsa de Valores." 
Ao se tornar uma companhia aberta (em 2020), a Vale deixou de ter um controlador definido, e a influência do governo minguou depois que o BNDES desembarcou do negócio e Previ enxugou sua participação. Achando
 que seria possível recriar o ambiente de 2011, quando Dilma trocou Roger Agnelli por Murilo Ferreira no comando da empresa, o inquilino do Planalto pegou em lanças para defender o nome de seu ex-ministro da Fazenda (aquele que apoiou a intervenção da gerentona de araque no setor elétrico para reduzir artificialmente a conta de luz), mas, mesmo descendo às redes sociais para criticar a atuação da Vale na reparação aos mortos de Brumadinho e com Gleisi Hoffmann batendo bumbo pró-Mantega, não conseguiu apenas 2 dos 7 dois votos necessários. 
Ao perceber que já não se fazem passados como antigamente, Lula saiu de fininho. As ações da Vale, que haviam caído na véspera, adquiriram automaticamente um viés de alta. 
Como diria Paulo Leminski, "haja hoje para tanto ontem!".

Interpretações distorcidas de Nostradamus indicaram que o mundo acabaria em julho de 1999. Mas não acabou. No ano seguinteRichard Noone trombeteou que o alinhamento dos planetas produziria uma espessa camada de gelo que congelaria a Terra. Mas não produziu. 

Em 2009, alarmistas proclamaram que o Grande Colisor de Hádrons criaria mini buracos negros que destruiriam o mundo. Mas não criou. Dois anos depoiso pregador Harold Camping apregoou que terremotos devastadores começariam a ocorrer em 21 de maio, e que apenas 3% da população mundial iria para o Céu. Quando sua previsão furou, ele a reagendou para 21 de outubro. E deu no que deu.

A primeira previsão apocalíptica da era tecnológica foi o bug do milênio. Como os computadores registravam datas usando apenas dois dígitos, achou-se que os sistemas entrariam em colapso com a chegada do ano 2000, e que isso resultaria em explosões nucleares, queda de aviões e toda sorte de desgraças. Mas o apocalipse ficou para outro dia. 

É fato que conflitos bélicos  como a invasão da Ucrânia e as escaramuças no Oriente Médio  podem evoluir para uma hecatombe nuclear, e que grandes erupções vulcânicas podem provocar um cataclismo de proporções épicas. Mas a colisão do planeta X com a Terra, prevista para maio de 2003, foi reagendada primeiro para dezembro de 2012 e depois para Setembro de 2017Considerando que chegamos a 2024, a conclusão é óbvia.

Cientistas de todo o mundo (o que não significa "todos os cientistas do mundo") sugerem a possibilidade de a Terra ser extinta daqui a 250 milhões de anos, depois que os 7 continentes se juntarem num supercontinente. Se isso se confirmar, será a primeira extinção em massa desde a aniquilação dos dinossauros, há 66 milhões de anos. Mas o biólogo Tony Barnosky acredita que o planeta ficará bem; o que pode acontecer, segundo ele, é a aniquilação do modo de vida atual. 

Como nada é para sempre, a vida na Terra terá um fim. Mas ele pode levar bilhões de anos para chegar. Até lá, a tecnologia precisa avançar a um nível que permita migrar a humanidade para outros planetas.

Quem viver verá.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

BOLA DE CRISTAL PRA QUÊ? — CONCLUSÃO


Em 2015, devido aos descalabros do mensalão petista e do petrolão, o STF proibiu o financiamento de campanhas eleitorais por pessoas jurídicas. Em resposta, o Congresso criou o Fundo Eleitoral, que “institucionalizou” o mensalão e mandou a conta para os “contribuintes”.

Na semana passada, a aprovação do Orçamento para 2022 aumentou o valor destinado ao financiamento de campanhas para R$ 6,7 bilhões. Apenas para o famigerado “fundão”, foram destinados R$ 4,962 bilhões — contra R$ 1,7 bilhão em 2018 e R$ 2 bilhões em 2020. 

A votação, que foi a última do Congresso antes do recesso legislativo, só aconteceu depois que líderes das duas casas legislativas e o governo fecharam um acordo para incluir na peça orçamentária um reajuste salarial a policiais federais e rodoviários  — ao custo de R$ 1,7 bilhão. Mas a maior palhaçada foi protagonizada pelo chefe do executivo. 

Em meados do ano, quando o aumento do fundo eleitoral foi cogitado, Bolsonaro tentou (mais uma vez) explicar o inexplicável e justificar o injustificável usando de desculpas esfarrapadas, meias-verdades e mentiras deslavadas. Mais recentemente, criou o veto fake — que, com seu beneplácito silencioso, foi derrubado pelo Congresso num momento em que a renda cai, a inflação sobe, quase 14 milhões de brasileiros estão no olho da rua, mais de 19 milhões de patrícios passam fome e o governo arromba o teto de gastos para financiar um auxílio de R$ 400 aos miseráveis.

Elevou-se o fundão, mas a taxa de desfaçatez do Congresso e do Planalto continua nos mesmos 100%. O novo partido de Bolsonaro liderou o movimento pela derrubada do veto, que contou com o apoio da sigla comandada pelo ministro-chefe da Casa Civil e pelo réu que preside a Câmara. O capetão disse que foi contra, mas, na prática, será beneficiário direto da queda do próprio veto, dispondo de mais dinheiro para sua campanha.

Numa evidência de que a desfaçatez não tem ideologia, votaram a favor do escárnio partidos do Centrão bolsonarista ao PT lulista. Na Câmara, onde eram necessários 257 votos para derrubar o veto, 317 deputados votaram por sua manutenção. No Senado, bastavam 41 votos, mas 53 parlamentares se associaram a essa indignidade.

Não só por isso, mas certamente também por isso, as pesquisas Datafolha e IPEC confirmaram o que era esperado: o favoritismo de Lula, a resistência de Bolsonaro e o nanismo da chamada terceira via. Mas o que deixou o Centrão em polvorosa foi o crescimento da rejeição ao presidente. Um deputado que priva da amizade de Valdemar Costa Neto, o mensaleiro e ex-presidiário que comanda o PL, disse que, desde que a reeleição foi aprovada, há 24 anos, jamais houve no Planalto um defunto, digo, um candidato ao segundo mandato tão pesado de carregar.

Segundo Josias de Souza, líderes do centrão apostam que o sultão do bananistão pressionará Paulo Guedes a elevar o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600. O debate sobre o estrago de um Brumadinho eleitoral ficaria para 2023.

Guedes faz lembrar Delfin Netto, o czar da economia ajustável dos governos militares que orbitava o Poder independentemente de quem o exercesse. Convertido ao bolsonarismo, o dublê de superministro de mentirinha e comediante chicaguense (ou seria chicagano?) mostra-se mais apegado ao cargo que às ideias consagradas por Milton Friedman. Fala-se que ele será contratado pelo Portas dos Fundos ou convidado a participar do BBB depois que passar pela porta giratória deste gobierno de mierda.

Semana retrasada, o Posto Ipiranga disse ser inadmissível que um governo eleito com um programa liberal que inclui privatizações esbarre em obstáculos de outros Poderes para vender empresas estatais. Bolsonaro deve estar orgulhoso. O pupilo aprendeu direitinho a culpar os outros pela própria incompetência.

Não fosse trágica, a postura de Guedes seria cômica, mas com cerca de 13 milhões de desempregados e mais de 20 milhões de pessoas sem ter o que comer não dá para rir do vassalo-bufão do suserano-presidente, que disputa o papel de bobo da corte com um general compositor de paródias e mantém seu patrimônio em paraísos fiscais, a salvo da desgraceira local que ele próprio fomentou.

O Brasil, que durante muitos anos esteve à beira do abismo, agora está dentro do abismo. O povo experimenta cotidianamente a vivência do abismo na fila do osso, na caçamba do lixo, no desespero da mão estendida no semáforo... 

A despeito de todo o sofrimento, a turma que depende do voto popular insiste em desafiar a paciência do pessoal que vive no Brasil do abismo. E esses dois universos estão cada vez mais distantes um do outro. 

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

RETROSPECTIVA 2019 — PONTOS A PONDERAR


Pensei que duas semanas sem postar sobre política bastariam para recarregar as baterias e mitigar os efeitos nocivos da Síndrome do Macaco. Só que não. E o pior é que, por mais vontade que eu tenha de mandar tudo à merda, é-me impossível deixar de assistir aos telejornais, ainda que as notícias sejam as piores possíveis — e não apenas no âmbito da política.

Eis aí uma das razões que me impediram de fazer a até então tradicional retrospectiva de final de ano, que eu publico desde a reeleição da malsinada anta sacripanta, primeiro na comunidade de política que havia criado no agregador de links .Link; depois, também aqui no Blog, e agora somente no Blog, já que a .Link foi desativada sem prévio aviso nem ulterior explicação do webmaster (ir)responsável, embora constantes interrupções no serviço (por falta de pagamento da hospedagem, a julgar pela mensagem que surgia quando se tentava acessar o site) levassem a supor que havia algo de podre no reino da Dinamarca.

Para resumir em poucas linhas o que poderia ser uma longa conversa, 2019 foi o ano dos desvarios, das manifestações nas ruas da Bolívia até Hong Kong, das inequívocas demonstrações de impaciência, da intolerância e das derrocadas cômicas. No Brasil, segundo Roberto Pompeu de Toledo publicou na última edição do ano da revista Veja, foram quatro as principais tragédias: Brumadinho, a devastação na Amazônia, o óleo nas praias e o governo Bolsonaro.

Sem adentrar esse mérito — até porque pior seria se o bonifrate de Lula tivesse vencido o pleito —, tomo a liberdade de acrescentar à lista do eminente jornalista o fato de que foi a primeira vez, desde que o PT assumiu o poder, em 2003, que se passaram 365 dias sem que se ouvisse falar em corrupção no âmbito do Executivo Federal. Claro que não podemos (nem devemos) relativizar o "laranjal" do PSL e as "suspeitas" de rachadinha no gabinete do Zero Um na Alerj, mas isso é outra conversa, até porque não há ligação direta com o presidente.

Claro que é difícil de engolir que ele não tivesse conhecimento de ambas as coisas, até porque ninguém sobreviveria por quase 30 anos na Câmara Federal sem praticar ou, no mínimo, ser conivente com a prática de atos pouco republicanos; acho até que nem a finada Velhinha de Taubaté acreditaria em tamanha potoca, mas, repito, isso é outra conversa.

Enfim, outras "tragédias" que Pompeu poderia ter mencionado foram o STF sob a presidência de Dias Toffoli, o Congresso Nacional sob a batuta de Davi Alcolumbre — que derrotou o Cangaceiro das Alagoas na disputa pela presidência do Senado, mas acabou se revelando um dublê de Renan Calheiros, só que com algumas arrobas a mais — e a eternização da ignorância, da desinformação e do despreparo dos eleitores tupiniquins. E isso só para mencionar as mais relevantes.

Claro que as coisas têm conotações distintas conforme o ponto de vista de quem as observa. A prisão de Lula, p. ex., foi uma tragédia para os petistas, ao passo que para outros, entre os quais eu me incluo, tragédia foi esse bandido ter deixado a prisão depois de míseros 580 dias — se é que se pode considerar como prisão a sala VIP prenhe de mordomias que foi destinada ao salafrário "em razão da dignidade do cargo". Que dignidade, cara pálida? O sujeito cagou na Presidência e limpou a bunda com a faixa presidencial... mas isso também é outra conversa.

Quanto a Jair Bolsonaro, uma coisa é certa: não se pode acusá-lo de falta de coerência. Contrariando as expectativas de que suavizaria seu estilo troglodita quando vestisse a faixa presidencial, o Capitão Caverna encerrou seu primeiro ano de governo sendo o que sempre foi: um obscuro político do baixo-clero, com talento para enxergar conspirações em toda parte, que só chegou onde chegou porque o povo, polarizado como nunca antes na história desta Banânia, jogou fora a criança com a água da banho ao descartar no primeiro turno, juntamente com excrescências como Vera Lúcia, Cabo Daciolo, Guilherme Boulos, Ciro Gomes, Eymael e outros membros do circo de horrores da política nacional, nomes como  João Amoedo, Álvaro Dias e Henrique Meirelles, que distam anos-luz do estereótipo do candidato perfeito, mas que não perderíamos nada em experimentar.

A patente inadequação de Bolsonaro ao exercício da presidência, seu notório desprezo pela liturgia do cargo e sua submissão às opiniões nem sempre lúcidas de sua prole, que acontece de ser subserviente de certo dublê de ex-astrólogo e guru radicado na Virgínia, surpreendeu até quem tinha as mais baixas expectativas sobre o capitão nessas questões. A publicação do vídeo do Golden Shower durante o Carnaval de 2019 e a subsequente proliferação de polêmicas inúteis no Twitter ocuparam boa parte do tempo daquele que se vendeu como o candidato que prometia tirar o país do atoleiro e ser implacável no combate à corrupção e aos corruptos, mas que sucumbiu aos desafios da política e se revelou um chefe de Estado tão útil quanto um par de sapatos para uma minhoca.

Mas o Prêmio Óleo de Peroba Edição 2019 vai mesmo para Michel Miguel Elias Temer Luria — outro ex-presidente colecionador de ações penais e preso duas vezes ao longo do ano passado, mas solto logo em seguida graças à pronta intervenção de um desembargador que ficou afastado do cargo durante sete anos por suspeita de venda de sentenças. Dias atrás, em entrevista ao Estadão, o ex-Vampiro do Jaburu — que jamais se mudou para a residência oficial da presidência da República porque, segundo ele, o Palácio do Planalto é assombrado — declarou seu voto em Bolsonaro e atribuiu o sucesso do atual governo aos feitos da sua própria gestão:

O governo vai indo bem porque está dando sequência ao que eu fiz. Peguei uma estrada esburacada. O PIB estava negativo 4%. Um ano e sete meses depois o PIB estava positivo 1,1%, além da queda da inflação e da recuperação das estatais. Entreguei uma estrada asfaltadaO governo Bolsonaro, diferente do que é comum em outros governos que invalidam anterior, deu sequência. Bolsonaro está dando sequência ao que eu fiz, afirmou o emedebista, sem sequer ter a decência de enrubescer.


Na avaliação de Rodrigo Constantino — e de outras pessoas de bom senso entre as quais eu modestamente me incluo —, Temer não é o “pai da criança”, embora tenha sido durante seu governo-tampão que o Brasil iniciou o processo de reformas e a ponte para o futuro — um senso de sobrevivência para salvar a galinha dos ovos de ouro após a desgraça petista, da qual, vale lembrar, Temer e seu MDB foram cúmplices. Também é fato que uma reforma previdenciária mais tímida, conquanto razoável, só não foi aprovada durante seu governo devido ao escândalo resultante da gravação feita por Joesley Batista — o moedor de carne que se tronou biliardário durante as gestões petistas — com a conivência do então procurador-geral Rodrigo Janot. O escândalo interrompeu a agenda reformista, e o Vampiro do Jaburu seguiu como pato manco até o final do jogo. 

Se podemos atribuir a Temer algum mérito nas mudanças ocorridas, também devemos reconhecer que foi no governo Bolsonaro que a coisa começou a mudar em ritmo mais veloz. Não só a reforma previdenciária foi finalmente aprovada — e com uma economia que representará o dobro daquela prevista pela reforma do emedebista —, como tivemos várias outras iniciativas de cunho liberal realizadas pela equipe de Paulo Guedes. Por essas e outras, Temer não é o "pai da criança", conquanto tenha seus méritos. Mas não podemos deixar de lhe atribuir a culpa por ter apoiado incondicionalmente, como vice-presidente, o pior governo da história do Brasil.

Gostemos ou não de Bolsonaro, foi durante seu governo que as mudanças mais importantes aconteceram. A Deus o que é de Deus e a César o que é de César, diz o velho ditado, pouco importa o quanto deve doer em alguns "analistas" reconhecer esse fato, que continua sendo verdade em tempos de pós-verdade, quando vale mais a narrativa do que o episódio que lhe deu origem.

Por hoje é só. Em tempos de convalescença, é preciso ir devagar com o andor, pois o santo é de barro.

terça-feira, 9 de abril de 2019

BOLSONARO, LUA-DE-MEL E PALANQUE


Vinicius de Moraes se casou nove vezes, Fábio Júnior, sete, e Jair Bolsonaro, três. Mas Bolsonaro teve quatro luas de mel, pois, no âmbito da política, essa expressão designa os primeiros 100 dias de governo, quando os deslizes do governante são mais facilmente perdoados, e seus defeitos, relevados pela maioria dos que elegeram o mandatário da vez.

É fato que este governo já começou com nuvens negras no horizonte, dada a espúria relação do clã presidencial — notadamente do filho Flávio — com o dublê de ex-policial militar e ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz. Mas uma sequência de intercorrências funestas — como o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho; o incêndio no Ninho do Urubu; a conturbada exoneração de Gustavo Bebianno, as birras pueris entre Bolsonaro e Rodrigo Maia, só para relembrar as mais notórias — fez a mídia mudar o foco. A questão é que a vocação do presidente para se meter em enroscos é inata e não tem limites.

Bolsonaro passou do baixo-clero da Câmara à Presidência da República com o apoio de inúmeros brasileiros que teriam votado até no Tinhoso para impedir a vitória do patético boneco de ventríloquo comandado pelo presidiário mais famoso do Brasil (que completou um ano na cadeia no último domingo; que venham muitos outros). Não obstante, diferentemente dos “bolsomínions” — radicais de direita que, como petistas de sinal trocado, aplaudem tudo que seu líder diz ou faz —, os eleitores "involuntários" do deputado-capitão não estão satisfeitos com sua performance na nova função.

Como na fábula do velho, o menino e o burro, Bolsonaro foi, é e continuará sendo criticado, diga ele o que disser, faça ele o que fizer. O problema é que, enquanto sua tropa de choque se esfalfa para debelar os focos de incêndio, suas estultices põem mais lenha na fogueira. Quando mais não seja, isso contribui para a queda de popularidade deste governo: entre janeiro, 50% dos entrevistados avaliavam-no com ótimo ou bom; em março, eram apenas 38%. E o percentual dos que consideravam a gestão regular e passaram a classificá-la como ruim ou péssima cresceu 5% em relação a janeiro. No frigir dos ovos, cerca de 15 milhões de pessoas que votaram no candidato pesselista deixaram de considerar seu governo de maneira positiva. E não sem razão.

Nos primeiros 100 dias de governo, Bolsonaro enfrentou diversos episódios de desgaste político: a já mencionada investigação sobre milícias envolvendo o gabinete de zero um na Alerj, as candidaturas de laranjas de seu partido, os entrechoques entre militares e a ala do governo sob influência do escritor Olavo de Carvalho, a crise no MEC, a troca de farpas com o Congresso e a dificuldade no encaminhamento da reforma da Previdência. A economia segue em ritmo lento, e a taxa de desemprego cresceu em relação ao trimestre passado — está em 12,4%. Nove dos 22 ministros têm contas a acertar com a Justiça — um foi exonerado, e pelo menos outros três já deveriam tê-lo sido (detalhes na postagem anterior), sem mencionar a absoluta ausência de articulação política do Planalto, evidenciada ad nauseam na última quarta-feira, quando o ministro da Economia foi massacrado por uma caterva de parlamentares de esquerda (para os quais o fracasso daquele que derrotou o bobo-da-corte da Petelândia se apresenta como a única chance de retomarem o poder).

Observação: Bolsonaro ironizou o resultado das pesquisas. Segundo ele, não vale a pena perder tempo comentando os números de um órgão de pesquisas que vaticinou sua derrota no segundo turno, independentemente de quem fosse o adversário. Aliás, também segundo essa pesquisa, Dilma é quem teve numericamente a melhor avaliação a esta altura do mandato, com 47% de ótimo/bom em 2011. Mas não custa lembrar como o segundo mandato da ex-presidanta incompetenta terminou, sem mencionar que, se durar mais alguns anos, essa tragédia em forma de gente corre o risco de ser encarcerada, a exemplo de Lula, que está em cana há um ano, e de Michel Temer, que está em vias de voltar para lá. E a vez de Collor também há de chegar. Pelo visto, de todos os presidentes democraticamente eleitos pelo voto popular desde o fim da ditadura militar (aquela que hoje sabemos não ter existido), somente FHC escapa incólume (Itamar era vice promovido a titular, e já morreu; Sarney idem, embora tenha esquecido de deitar e venha pressionando um seu apadrinhado no STJ a votar favoravelmente ao recurso de Lula

Por mais que seja criticado se montar no burro, puxá-lo pela rédea ou carregá-lo nas costas, o capitão precisa descer do palanque. Uma coisa é a campanha, durante a qual conta a relação do candidato com os anseios, reais ou ilusórios, do eleitorado, e outra, bem diferente, é a tratativa institucional que norteia o funcionamento da interdependência entre os poderes da República. Bolsonaro ainda não subiu a rampa do Palácio do Planalto, e sua lua de mel terminou sem ganhos relevantes no desatamento dos nós da administração que impedem o Brasil de sair do atraso na economia, saúde, educação e segurança. Nenhuma de suas propostas andou — nem mesmo as medidas provisórias, entre as quis a da remodelação do Ministério da Economia e a liberação de auxílio de emergência às vítimas de Brumadinho, e isso num Parlamento que já aprovou até confisco da poupança.

ObservaçãoDora Kramer, sempre brilhante em sua coluna, relembra que, se o chefe do Executivo acha que pode atuar em desconexão com o Legislativo, é natural que a recíproca seja verdadeira. Donde os dois “trocos” que os deputados deram a Bolsonaro ao lhe infligir derrotas significativas com a aprovação do Orçamento impositivo e a rejeição do decreto que ampliava o escopo do sigilo a documentos oficiais. O cacoete de parlamentar meramente reativo, livre para provocar em seu nicho de atuação no baixo ­clero, parece ser o que impede Jair Bolsonaro de perceber que o início do período presidencial corresponde à entrada em cena do Congresso, à mudança da natureza do palco e, sobretudo, às demandas da plateia. Na campanha, candidatos falam à arquibancada; na Presidência, governantes precisam lidar com o pessoal das cadeiras e camarotes se não querem ver a partida ser encerrada antes do tempo regulamentar.

Ninguém esperava que o atual governo operasse um milagre que fizesse a economia bombar em três meses. Mas o mercado e o empresariado compraram o projeto liberalizante de Paulo Guedes, que prometeu recolocar o país na rota do crescimento. Seu plano econômico é encabeçado pela reforma previdenciária e complementado com uma série de privatizações, além de uma profunda reforma tributária, e cem dias talvez não bastem nem para começar a fazer isso tudo, mas são suficientes para revelar o engajamento do governo e sua capacidade de articulação para tirar os projetos do papel.

O empresariado ainda ampara o presidente, sobretudo por ter Paulo Guedes à frente da Economia e pelos bons serviços prestados por Tarcísio de Freitas na pasta da Infraestrutura (tais como os leilões de concessão de dois portos e de um novo trecho da Ferrovia Norte-Sul). Isso sem desmerecer a importância de Sérgio Moro, que, infelizmente, ainda não teve jeito de mostrar a que veio. Mas as pastas da Educação, das Relações Exteriores e dos Direitos Humanos são vistas como “caóticas” e “vergonhosas”. Para piorar o cenário, a bizarra queda de braço entre Bolsonaro e Rodrigo Maia, mesmo tendo sido superada, deixou sequelas funestas, como a redução no número de parlamentares que se declaravam favoráveis à reforma da Previdência (que caiu de 69% para 56%).

A exemplo de certo ex-presidente impichado — hoje senador por Alagoas e réu na Lava-Jato —, Bolsonaro iniciou seu mandato sem uma coligação partidária que lhe oferecesse apoio no Congresso (oxalá as semelhanças parem por aí). Seu governo não tem um partido coeso e integrado — o PSL até dispõe da segunda maior bancada da Câmara, com 54 deputados, mas isso é insuficiente numa Casa com 513 cadeiras. Demais disso, a maioria dos deputados pesselistas é estreante, sem traquejo nas dinâmicas do Legislativo, ao passo que os mais antigos se queixam de que a sigla não tem organograma nem regimento interno, e que seus deputados não conseguem entender o que estão votando sem assessoria técnica. 

Para um governo que se propõe a implementar reformas estruturais, é preciso muito mais capacidade de articulação (note que negociação não significa necessariamente corrupção). A retórica para agradar os bolsomínions (para quem o presidente está certíssimo, devendo mesmo esquecer o Congresso e falar diretamente com eles) atrapalha a relação com os demais eleitores, e a única maneira de estancar a perda de popularidade é com a retomada do crescimento. Mas Bolsonaro age com uma versão tupiniquim do seu ídolo norte-americano, que permanece há dois anos disparando mensagens pelo Twitter com o mesmo discurso hostil aos oponentes da época da campanha. Também nesse caso, as realidades são diferentes, a começar pelo fato de o homem da peruca laranja (sem qualquer intenção de fazer trocadilho com o laranjal do PSL) ter assumido o cargo com a economia em crescimento e um governo muito bem estruturado.

Faltam à Bolsonaro a contenção da retórica de palanque, empenho nas pautas fundamentais, disposição para ouvir e negociar, inclusive com opositores. Um governo popular e fraco, sem condições de implementar as medidas de que o país precisa para retomar o crescimento só interessa ao segmento radical e apodrecido da oposição — composto de devotos da seita do inferno cujo sumo pontífice, alvo de 10 processos, condenado em dois e às vésperas de um deles ser julgado pela terceira instância do Judiciário, completou, dias atrás, um ano como hóspede compulsório numa suíte máster da Superintendência da PF em Curitiba.

Que Deus nos ajude.

domingo, 17 de março de 2019

O JUDICIÁRIO A SERVIÇO DA JUSTIÇA


DE PAÍS DO FUTEBOL E DO CARNAVAL, O BRASIL ESTÁ SE TORNADO A NAÇÃO DO ENLUTADOS. ÀS TRAGÉDIA (ANUNCIADAS) DE BRUMADINHO E DO NINHO DO URUBU, SOMA-SE, AGORA, A CHACINA NA ESCOLA EM SUZANO. HAJA LÁGRIMAS. COMO SE NÃO BASTASSE, O PRÓPRIO JUDICIÁRIO, COM DESTAQUE PARA SUA ALTA CÚPULA, SE ARTICULA PARA SEPULTAR A MAIOR OPERAÇÃO ANTICORRUPÇÃO DA HISTÓRIA DESTA REPÚBLICA, QUE COMEMORA HOJE SEU QUINTO ANIVERSÁRIO (A LAVA-JATO, NÃO A REPÚBLICA). E O NOSSO PRESIDENTE, EM SUA INDEFECTÍVEL INCONTINÊNCIA TUITÁRIA, PARECE MAIS PREOCUPADO COM O GOLDEN SHOWER E OUTRAS BANALIDADES... OXALÁ O MINISTRO DA JUSTIÇA E OS PARLAMENTARES DE BEM (PARECE QUE AINDA RESTAM ALGUNS) CONSIGAM REVERTER ESSE CENÁRIO KAFKIANO. EU ESPERO ESTAR ERRADO, MAS ACHO QUE, SE DEPENDERMOS DAS MOBILIZAÇÕES POPULARES CONVOCADAS PARA ESTE DOMINGO, VAI FALTAR LENÇO DE PAPEL NO MERCADO. 

Confirmada a decisão de mandar para a Justiça Eleitoral todos os crimes conexos ao de caixa 2 — como corrupção, lavagem de dinheiro, peculato —, choveram críticas ao STF nas redes sociais. Mas de que adianta chorar o leite derramado? Foram 5 votos a favor e 5 contrários; o desempate ficou por conta do voto de Minerva do presidente da Corte, que (é claro) seguiu o entendimento do relator, ministro Marco Aurélio, a exemplo do que já haviam feito o decano Celso de MelloGilmar MendesRicardo Lewandowski e (esse, sim, me surpreendeu) Alexandre de Moraes

Paralelamente, Toffoli, anunciou que abriria processo contra o que chamou de “fake news” que atinjam a honra de membros do STF e seus familiares, no que foi enfaticamente elogiado pelo colega Gilmar. Mais cedo, o advogado Modesto Carvalhosa havia protocolado no Senado mais um pedido de impeachment de Gilmar Mendes. Para bom entendedor, pingo é letra.

Cabe ao presidente da Corte zelar pela “honorabilidade e segurança” dos colegas, bem como de seus familiares, mas não se deve confundir acusações falsas com fatos reais cuja divulgação possa constranger quem quer que seja; em outras palavras, para exigir respeito é preciso se dar ao respeito. Para além disso, parafraseando a impagável Copélia (personagem de Arlete Salles no humorístico global Toma lá, dá cá), "prefiro não comentar!". Um resumo brilhante dessa bizarrice foi publicado pelo igualmente brilhante José Nêumanne:

Seis ministros do STF atenderam a pleitos de impunidade de quem os nomeou para o ápice da carreira e mandaram as investigações do passado, do presente e do futuro de caixa 2 em crimes de corrupção e lavagem de dinheiro com benefícios em campanhas da Justiça Federal para a Eleitoral, que funciona de, com e para políticos profissionais. E o presidente do STF, Toffoli, aboliu República de 1889 para criar o império absolutista da “Suprema Corte”, com seus 11 membros e suas nobres famílias protegidas da língua do povo por inquérito sigiloso sob total controle dos togados, acima de devassas de corrupção da Receita e de policiais, procuradores e juízes federais da primeira instância e críticas.

O procurador Bruno Calabrich tuitou que a decisão de Toffoli é inconstitucional, pois “foro por prerrogativa de função é definido pelo agente, não pela vítima; investigação pelo Judiciário é inconstitucional (violação ao princípio acusatório)”. Inconstitucional ou não, foi um duro golpe na Lava-Jato, já que o resultado do julgamento abre uma janela para a impunidade, ao permitir que políticos que rapinaram o erário ou receberam propina, suborno e que tais se escudem no batido ramerrão do caixa 2 eleitoral.

É de conhecimento geral que o TSE tem sido historicamente condescendente com crimes eleitorais e que tem postergado indefinidamente suas decisões, talvez por falta de estrutura (e de disposição) para apurar tantos crimes com a desejável celeridade. Basta relembrar o célebre julgamento da chapa Dilma-Temer, em 2017, no qual os réus foram absolvidos por “excesso de provas”, conforme ironizou o relator do caso, ministro Herman Benjamim, do STJ.

Júlio Marcelo de Oliveira, procurador do Ministério Público de Contas junto ao TCU, também manifestou pelo Twitter sua discordância da afirmação de que o TSE é capacitado o bastante para lidar com os crimes comuns: “A Justiça Eleitoral é célere para processos relativos ao registro de candidaturas, mas não tem agilidade para julgar prestações de contas das campanhas. Até o início de 2018, apenas as contas dos dois candidatos que foram ao segundo turno em 2014 tinham sido julgadas”.

O resultado de 6 a 5 no plenário do Supremo demonstra, mais uma vez, que os ministros estão divididos e que o caso em tela não é simples como querem fazer crer os que acompanharam o relator. Gilmar Mendes, sempre “muito comedido”, disse em seu voto que “os procuradores da Lava-Jato adotam métodos de gangster”, além de os classificar de “gentalha despreparada, uns cretinos que não têm condições de integrar o Ministério Público”. 

De passagem, o ministro-deus atacou a criação de uma fundação privada para administrar parte da indenização bilionária que a Petrobras teve que pagar para suspender processos nos Estados Unidos: “Essa fundação seria a mais poderosa do Brasil, com recursos públicos, e tinha como objetivo financiar eleições futuras. Sabe-se lá o que podem estar fazendo com esse dinheiro.” Também a esse respeito eu prefiro não comentar, até porque, considerando como o ministro em questão vem se portanto, qualquer coisa que eu dissesse seria como chover no molhado. E já basta de inundações.

Luiz Fux, defendendo o raciocínio que norteou a outra corrente, afirmou que a Justiça Eleitoral costuma supervisionar apenas crimes menos graves ligados à eleição, como desacato a autoridades, agressões físicas, falsificação de documento, coação e transporte de eleitores, por exemplo. “Nunca se levou para a Justiça eleitoral corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.” Na mesma linha, Luis Roberto Barroso ponderou que afirmar que o TSE não está aparelhado para tal função não quer dizer que seu valor esteja sendo negado, ou sua ação caluniada.

É certo que investigados, denunciados e réus que não têm foro privilegiado — como Lula e os empresários corruptores — continuarão na mira de Curitiba. Mas a possibilidade de que todos os julgamentos da Justiça Federal sejam revistos é real. A procuradora-geral Raquel Dodge não acredita nessa hipótese, mas diz que é preciso ficar de olho nos acontecimentos.

Sobre a decisão do STF, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, disse que “em termos de conveniência e oportunidade, se não de interpretação jurídica, a separação é a solução mais conveniente”. Da sua ótica, a Justiça Eleitoral, apesar de seus méritos, não está adequadamente estruturada para julgar casos criminais mais complexos, como de corrupção ou lavagem de dinheiro. Aliás, um projeto de Moro visa à separação do caixa 2 da corrupção, mas a aprovação cabe ao Congresso, e como boa parte dos parlamentares tem pendências com a Justiça, isso é o mesmo que dar a Herodes a chave do berçário, certo? Talvez não. 

Os deputados Kim Kataguiri e Jerônimo Goergen apresentaram à Câmara um projeto de lei para tirar da Justiça Eleitoral crimes comuns, como corrupção e lavagem, ligados a delitos eleitorais, como o caixa 2. Na visão dos parlamentares, o STF ignorou os apelos do Ministério Público e da população ao fixar a competência da Justiça Eleitoral nesses casos, “fulminando a evolução da histórica Operação Lava-Jato”. Na Câmara Alta, o senador Alessandro Vieira — o mesmo que apresentou o pedido de criação da CPI Lava-Toga — está em contato com lideranças partidárias para que uma proposta semelhante tramite em regime de urgência e possa ser votada já na próxima semana. A avaliação é de que, no Senado, o projeto possa avançar mais rápido, já que a Câmara terá de se debruçar sobre a reforma da Previdência.

Convém não contar com o ovo no c* da galinha, mas talvez ainda reste alguma esperança. Volto ao assunto na postagem de amanhã. Bom domingo a todos.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

A CRISE QUE NÃO EXISTE, BEBIANNO, BOLSONARO, LAMARTINE BABO E ENGELBERT HUMPERDINCK



Morre-se de várias coisas no jornalismo, menos de tédio”, dizia o saudoso Ricardo Boechat. E com efeito: dia sim, outro também a mídia leva ao ar uma nova novela ou um novo e emocionante capítulo de alguma novela que esteja em curso. Bons exemplos são tragédia em Brumadinho — note que até hoje a imprensa fala em “x” mortos e “y” desaparecidos, como se fosse possível haver sobreviventes — e o imbróglio Fabrício Queiroz/Flávio Bolsonaro — que promete novas emoções depois de ter sido temporariamente “esquecido” devido ao sucesso retumbante do curta-metragem produzido e dirigido por Carlos Bolsonaro, o vereador que deixou a Câmara para palpitar na transição do governo federal e, en passant, criar crises palacianas metralhando desafetos e pretensos usurpadores, traidores e o escambau. Aliás, dizem as más línguas que “o garoto” se escafedeu e levou com ele o primo que encarregara de ficar de olho no papai quando ele voltasse a verear na Cidade Maravilhosa. Quanta maldade!

Não estou pegando no pé dos Bolsonaros por simples implicância. Fazê-lo seria me rebaixar ao nível dos militantes da causa petista, que defendem caninamente seu eterno líder — um corrupto desprezível, mas que o fanatismo desbragado dessa caterva transmuda na quintessência da lisura, na figura de preso político condenado sem provas (a 25 anos, e isso é só o começo) e jogado no xadrez para não voltar a "espalhar o bem" entre os milhões de pobres, descamisados, desvalidos e desalentados deste grande país. Só falta essa escumalha dizer que o crápula de nove dedos está preso porque é preto e pobre. Se é que já não disse. Mas vamos ao que interessa. 

Bolsonaro foi eleito para fazer contraponto à corrupção metastática que se espalhou impiedosamente ao longo dos 13 anos e fumaça de gestões lulopetistas. Isto posto, não há como não ver com preocupação os desserviços produzidos pela ingerência da filharada real no governo federal.

Embora eu seja um admirador confesso do ex-juiz Sérgio Fernando Moro, não posso deixar de discordar — com todas as vênias de estilo — do que ele disse um dia depois de o porta-voz Otávio Rêgo Barros confirmar a exoneração de Gustavo Bebianno da Secretaria-Geral da Presidência da República. Litteris: "No mundo real não existe nenhuma crise dentro do governo. O governo está apresentando projetos", e desculpe se isso parece laudatório do atual governo, mas o governo tem sido absolutamente exitoso nas propostas e projetos que tem apresentado”. De qual "mundo real" estamos falando, ministro?

O governo parece ter "duas personalidades". Enquanto uma se esfalfa para formar maioria no Congresso para aprovar a reforma da Previdência (outra novela interminável) e as medidas de combate ao crime organizado e a corrupção, a outra age como o sujeito da velha piada da casca de banana. Vimos isso claramente nesse monumental rebosteio produzido pela denúncia da Folha e potencializado pelo filho do pai — pai que primeiro apoiou seu pitbull, mas logo se viu obrigado a se retratar e cobrir de elogios o desafeto que, num passe de mágica, passou de colaborador valioso a “homem bomba”, com potencial para despejar um caminhão de merda no ventilador palaciano... 

Observação: Numa conversa com o Presidente, o ministro Onyx Lorenzoni disse que Gustavo Bebianno se comprometeu com “Jorge” (Jorge Oliveira, subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil) a não fazer ataques a Bolsonaro depois de deixar o governo. “Ele disse ao Jorge: ‘O que eu tinha para fazer, eu fiz ontem, eu não dou mais nenhuma palavra, acabou tudo ontem. Eu tô te dando a minha palavra. Ok?’”, relata Lorenzoni no áudio. Diante da suposta promessa de Bebianno, Onyx cita uma nota publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, segundo a qual o ex-ministro está “preparando documentos” sobre a campanha, republicada pelo O Antagonista, e afirma ao presidente que Bebianno pediu ao site que apagasse o conteúdo. A nota não consta mais entre as publicadas pelo O Antagonista. Em outro trecho da conversa, Bolsonaro demonstra preocupação com os processos judicias de cuja defesa Bebianno se encarregou gratuitamente:  “Se ele me cobrar individualmente o mínimo, eu to f…”, disse o Presidente. “Tem que vender uma casa minha no Rio para pagar.”

Ao longo da última semana, li notícias, opiniões e ilações sobre a tal “crise imaginária” que dariam um livro de boas 500 páginas, e até agora não sei se o mentiroso e vilão da história é Bebianno, Bolsonaro, ou se ambas as alternativas estão corretas. No mundo real, ninguém minimante racional acha que Jair Messias Bolsonaro, tendo sido deputado federal por quase 30 anos, tem um passado de monge budista. Quando mais não seja, seu temperamento explosivo e suas opiniões polêmicas lhe renderam duas ações penais por injúria e incitação ao crime de estupro. Detalhe: a tramitação desses processos foi sobrestada por determinação do ministro Luiz Fux, mas não devido ao suposto “viés bolsonarista” do magistrado, como querem fazer crer os esquerdistas incorrigíveis, mas porque a Constituição, em seu artigo 86, § 4º, impede que o Presidente da República, na vigência do mandato, seja responsabilizado por atos estranhos ao exercício das suas funções.

Observação: Jair Bolsonaro se tornou réu no STF em 2016 por ter dito, num bate-boca com a deputada petista Maria do Rosário, que "não a estupraria a porque ela era muito feia". Também em 2016, Jean Willis, então deputado pelo PSOL e hoje auto exilado na Espanha, cuspiu em Bolsonaro e afirmou que cuspiria de novo, quantas vezes quisesse. Apesar de sua fama de "truculento" o capitão disse que a cusparada foi um fato gravíssimo, mas nem por isso processaria o cuspidor (muitos teriam lhe quebrado as fuças, mas isso é outra conversa).

Desperdiçar o tempo precioso da nossa Suprema Corte — que já não prima pela celeridade — com esses “crimes hediondos” imputados a Bolsonaro é, a meu ver, um absurdo monumental, mas vivemos sob a égide do “politicamente correto”. Não estivessem providencialmente mortos, Lamartine Babo e Engelbert Humperdinck correriam o risco de terminar seus dias na cadeia; o primeiro por ter composto o samba ”O teu cabelo não nega”, e o segundo por ter escrito o conto de fadas Hansel e Gretel (ou Joãozinho e Maria, como os protagonistas foram batizados pelo tradutor), em cujo final, se não me falha a memória, os dois irmãozinhos queimam a bruxa malvada em seu próprio forno.  

Vamos combinar: amar os filhos — e até mesmo ouvi-los em questões políticas — é humano, mas deixar-se manipular por eles e deixá-los espalhar crises a seu talante, de acordo com seus interesses particulares é um perigo institucional. Como bem pontou Merval Pereira em sua coluna, o Presidente ainda tem popularidade suficiente para seguir em frente e se tornar um grande líder político, mas precisa sair da bolha radicalizada em que ele e seus filhos fazem questão de permanecer.

ObservaçãoMarcelo Álvaro Antonio, outro suposto laranjeiro do PSL, pediu ao STF que a corte avoque para si a investigação sobre as denúncias publicadas pelo jornal O Estado, que estão sendo apuradas no âmbito da Justiça Federal de Minas. O argumento é de que os fatos teriam ocorrido durante o mandato de deputado estadual, do qual Antonio se licenciou para assumir o ministério do Turismo. O pedido chegou no último dia 18 ao gabinete do ministro Luiz Fux, que foi sorteado para relatar a ação. Segundo Onyx Lorenzoni, o governo “observa” e “acompanha” a situação do ministro do Turismo, mas ainda não se cogita de sua exoneração. 

Bambalalão / Senhor capitão / Quem não aprende com os erros / Acaba de calças na mão. 

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

JUDICIÁRIO ARTICULA ARQUIVAMENTO DA LAVA-TOGA



Ocupada em explorar o trágico rompimento da barragem em Brumadinho, os efeitos funestos das chuvas no Rio e a morte de 10 adolescentes no Ninho do Urubu (isso para não mencionar a cobertura do lamentável acidente que matou o jornalista Ricardo Boechat na última segunda-feira), a mídia deu pouco destaque ao requerimento do senador Alessandro Vieira, que propôs a instalação da CPI Lava-Toga, e à crítica feita pelo deputado federal Marcelo Calero ao presidente do STF, segundo a qual a interferência de Toffoli em favor de Gilmar Mendes no procedimento aberto pela Receita Federal para investigar supostos “focos de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e tráfico de influência do ministro-deus e sua mulher, a advogada Guiomar Mendes constitui crime. 

O pedido de abertura da CPI estava pautado para a sessão de ontem, mas foi arquivado pelo presidente da Casa, Davi Alcolumbre, depois que os senadores Tasso Jereissati, Katia Abreu e Eduardo GomesVieira pretende solicitar o desarquivamento, mas para isso precisa obter novamente o número de assinaturas necessárias, e o prazo é de 5 dias. “Vamos continuar nessa luta para que a gente consiga o número de assinaturas necessárias suficientes e fazer a análise da caixa preta do Judiciário, das suas altas cortes. É uma demanda da sociedade e vamos continuar em busca da transparência em todos os poderes”, explica o parlamentar, que tomou conhecimento oficial do arquivamento na manhã de terça-feira, 12. Segundo ele, o trâmite deveria ter sido a devolução do documento ao seu gabinete, para que fossem feitos os reparos e a recomposição do número de assinaturas, mas isso não ocorreu.

Ministros do STF teriam atuado nos bastidores para que o Senado recuasse. O Estado apurou que suas excelências trataram do assunto diretamente com senadores no último final de semana, e que Katia Abreu falou por telefone com Gilmar Mendes antes de recuar e dizer que “não é o momento de abrir uma crise institucional no País”. Em entrevista ao Estado, Vieira disse que houve ameaça de retaliação por parte de ministros.

Nesta terça, Toffoli negou qualquer interferência por parte de membros da Corte. Em coletiva com o ministro da Casa Civil, ambos falaram de "entendimento" e "pacificação" entre os poderes.  Um dia antes, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre confirmou o arquivamento por falta de assinaturas necessárias, e Toffoli elogiou sua postura no episódio. Nos bastidores, porém, integrantes da Corte veem as digitais de Lorenzoni nas movimentações do senador Alessandro Vieira. Para eles, a “Lava Toga” — voltada, em tese, para investigar a atuação de tribunais superiores —, mirava, na verdade, a Suprema Corte

Ao apresentar o pedido de criação da CPI, Vieira apontou o “uso abusivo de pedidos de vista ou expedientes processuais para retardar ou inviabilizar decisões do plenário” e a “diferença abissal do lapso de tramitação de pedidos, a depender do interessado” — dois pontos que dizem respeito direto ao funcionamento interno do Supremo, onde a avaliação é a de que a conturbada eleição para a Mesa do Senado contribuiu para a coleta de assinaturas. Na ocasião, Toffoli determinou que a votação fosse secreta, contrariando o grupo que apoiou Alcolumbre.

Um dia após o arquivamento, o Movimento Avança Brasil afirmou que "a luta pela transparência não vai arrefecer" e que o abaixo-assinado online criado pelo grupo para pressionar parlamentares a avançarem com a proposta vai continuar no ar. 

Segundo o MAB, a meta é alcançar 500 mil assinaturas. "É uma pauta prioritária e vamos avançar na direção do abaixo-assinado. Temos como meta 500 mil assinaturas com o objetivo de dar visibilidade e publicidade ao que ocorre nessas esferas. Quando conseguirmos isso, vamos prestar serviço à sociedade levando ao Senado". 

Por enquanto, o grupo conseguiu reunir apenas 10 mil nomes. Vamos apoiar, pessoal.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

O MUI SUSPEITO E INESPERADO AMOR FRATERNO ENTRE LULA E VAVÁ


Recapitulando: Terça-feira, 29, Genival Inácio da Silva bate a caçoleta e Lula, diante da chance de fazer um necromício na chácara do vigário, pede permissão pra comparecer ao funeral. O pedido é negado em primeira e segunda instâncias. Quarta-feira, 30, faltando meia hora para o enterro, Dias Toffoli — ex-advogado de Lula promovido por ele a ministro supremo — concede a permissão, mas desde que o ex-chefe se reúna com familiares numa base militar, sem imprensa militantes, apoiadores e celulares. Sem palanque, sem comício e sem uma plateia para comover com suas lágrimas de crocodilo, Lula rejeita a oferta e passa a capitalizar politicamente “a desumana decisão” que o impediu de se despedir do “irmão querido”.

Lula foi bem representado no funeral: Gleisi Hoffmann, a lunática presidente nacional do PT, e Fernando Haddad, o incorrigível fantoche do presidiário, se não chegaram a sapatear sobre o caixão do morto — como fez Lula no enterro da mulher, em 2017 —, também não pouparam críticas a Sérgio Moro (que não teve nada com o peixe) e aos “juízes desumanos” que, segundo a narrativa petista, perseguem seu amado chefe.

Durante uma audiência, o juiz do Trabalho José Augusto Segundo Neto, da 21.ª Vara de Recife conquistou seus 15 minutos de fama ao pedir licença às partes para “manifestar suas condolências ao ex presidente da República, Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, pela morte de seu irmão Genival Inácio da Silva aos 79 anos, ao tempo (sic) em que lamenta não possa sua excelência ter participado das homenagens fúnebres ao seu irmão mais velho, ato humanitário, deferido ao (sic) todos os homens, inclusive aqueles eventualmente presos”. Depois dessa tocante homenagem, o magistrado determinou o encaminhamento de cópia da ata ao Instituto Lula (talvez imaginando que, a exemplo do que ocorre na Venezuela, falte papel higiênico em São Paulo).  

Ricardo Noblat, um dos jornalistas mais petistas do país, publicou um comentário que fez jus à “nova” revista Veja, onde vem destilando seu besteirol depois que deixou O Globo: “Rasgaram a lei. E é um escárnio um dos motivos alegados pela PF para subtrair a Lula o direito de ir ao velório do irmão: seus helicópteros estão em Brumadinho. O PT se ofereceu para fretar um avião que transportaria Lula e os agentes federais, mas a oferta sequer foi nem considerada”.

Segundo os fala-merda de plantão, Lula ficou inconsolável por não poder se despedir do irmão Vavá. Mas será mesmo? Em 1978, Aristides Inácio da Silva, pai de Lula e alcoólatra inveterado, foi sepultado como indigente no cemitério de Vicente de Carvalho. Nenhuma mulher, ex-mulher ou filho se dignou de lhe conceder um túmulo.

Dois anos depois, quando era líder sindical e havia sido preso pela ditadura militar, Lula foi autorizado a comparecer ao velório da mãe, dona Lindu, onde sindicalistas e outros puxa-sacos bradavam Lula Livre e o cantor Agnaldo Timóteo pedia a prisão dos corruptos (?!). Em 2002, em plena campanha, chorou copiosamente para as câmeras de Duda Mendonça ao relembrar a morte da primeira mulher, 30 anos antes, embora não tenha esperado nem dois anos para engatilhar nova família ao lado de Marisa Letícia.

Entre 2003 e 2010, o então presidente perdeu dois irmãos — João Inácio morreu de câncer em 2004 e Odair Inácio, de enfarto em 2005 —, mas não compareceu ao enterro de nenhum deles. Segundo o Conexão Política, enquanto o corpo do primeiro era velado, o pulha jantava com ministros e assessores na Granja do Torto.

Não se sabe exatamente quantos irmãos teve Lula. Segundo um deles, Roberto Ferreira de Góes, o pai teve 17 filhos; pelas contas de Frei Chico, eles eram em 19; para Jackson Inácio da Silva, 25. Denise Paraná, na biografia de Lula, contabiliza 22. Mas o fato é que Lula nunca foi próximo da maioria deles sobretudo os irmãos por parte de pai. Após a separação dos pais, Lula e os irmãos Vavá e Frei Chico foram criados por dona Lindu, enquanto Aristides buscou outros relacionamentos e teve mais uma penca de filhos — com os quais Lula nunca teve grande ligação.

Em 2017, já em pré-campanha, Lula transformou o velório da ex-primeira dama em comício e o cadáver em arma contra seus adversários políticos: ‘Na verdade, Marisa morreu triste. Porque a canalhice que fizeram com ela… E a imbecilidade e a maldade que fizeram com ela… Eu vou dedicar… Eu tenho 71 anos, não sei quando Deus me levará, acho que vou viver muito porque eu quero provar que os facínoras que levantaram leviandade com a Marisa tenham, um dia, a humildade de pedir desculpas a ela’. Em 2018, transformou sua prisão num espetáculo de circo mambembe, com direito a missa campal, showmício e utilização de sindicalistas como escudos humanos. Agora, em sua indefectível aldrabice, apregoa um suspeito e inesperado amor fraternal pelo irmão Vavá.

O PT sempre consegue surpreender e baixar ainda mais o nível. É um escárnio com os vivos e os mortos que um necromício seja aventado em público, que jornalistas de Veja o defendam sem sofrer uma chuva de e-mails exigindo sua demissão e que o Brasil ainda suporte gente que transforme defunto em arma política.